A jornada
Jo Pires-O’Brien
Resenha do livro Political order and political decay. From the Industrial Revolution to the globalization of democracy (Ordem política e decadência política. Da Revolução Industrial à globalização da democracia), de Francis Fukuyama (Profile Books 658pp)
Political order and political decay é o segundo volume de uma dobradinha de Francis Fukuyama, um cientista político americano especializado em democratização e economia política internacional, cujo livro, de 1992, The end of history and the last man (O fim da História e o último homem) foi um best seller, traduzido em diversas línguas. O primeiro livro do conjunto, The origins of political order (As origens da ordem política), descreve as origens históricas das instituições políticas e o processo da decadência política, desde o período que antecede a civilização humana até pouco antes das revoluções Francesas e Americana. O presente livro descreve como os Estados contemporâneos continuaram a se desenvolver até se tornarem as democracias que inspiram outros Estados a fazer uma jornada semelhante de desenvolvimento político. Em sua narrativa, Fukuyama explora os elementos mais relevantes do desenvolvimento político tais como a geografia, a cultura e a tradição, e as suas interações recíprocas. O ponto que ele enfatiza é que, como cada país tem o seu conjunto próprio de condições, cada qual deve traçar a sua própria jornada de desenvolvimento político.
Estados menos desenvolvidos e mais desenvolvidos
Fukuyama retrata o desenvolvimento político como uma jornada cujas etapas iniciais e finais são ocupadas pelos Estados menos e mais desenvolvidos, respectivamente. Os Estados menos desenvolvidos são pobres, instáveis e frequentemente corruptos, enquanto que os Estados mais desenvolvidos são economicamente autônomos, estáveis, impessoais e contabilizáveis. Ele sublinha a classificação de Max Weber dos Estados em patrimoniais e não patrimoniais, apontando o fato de suas características coincidirem com aquelas associadas aos Estados mais e menos desenvolvidos. Num Estado patrimonial, os cargos do governo são preenchidos de acordo com os desejos do chefe de Estado, enquanto que num Estado não patrimonial eles são preenchidos de acordo com um sistema aberto de recrutamento. Fukuyama aponta que o Ocidente introduziu o Estado não patrimonial relativamente tarde, especialmente quando comparado com a China, que introduziu um sistema de provas para o serviço público no terceiro século a.C.
A narrativa de Fukuyama sobre como os Estados europeus se desenvolveram, até o ponto de democracias amadurecidas, começa com a gradual acomodação das duas novas classes criadas pela Revolução Industrial: a classe média e a classe dos trabalhadores da indústria. O exemplo que Fukuyama escolhe é o da Inglaterra, onde as não elites formadas pelas pessoas dessas duas novas classes, eventualmente ganharam acesso a empregos no governo que, até então, eram reservados para a elite formada pelos proprietários e pelos graduados de Oxbridge. Tal ganho, aponta Fukuyama, não foi suficiente para a nova classe dos trabalhadores da indústria, os quais, após terem se organizado, começaram a demandar redistribuição, sob a égide do socialismo de Karl Marx, que incluía uma revolução dos trabalhadores. Embora a influência de Marx tivesse se estendido para outras partes do mundo, foi lá e não nos novos Estados europeus recém-industrializados que ocorreu a revolução dos trabalhadores.
O aspecto crucial que pavimentou a jornada dos novos Estados europeus em direção à democracia plena foi a maneira como as instituições políticas reagiram para acomodar as mudanças trazidas pela Revolução Industrial. Todavia, os Estados europeus não viraram democracias da noite para o dia. As suas jornadas para a democracia prosseguiram com bastante lerdeza. E isso foi devido ao fato de muitas pessoas bem educadas e bem intencionadas do século XIX acreditarem que as ‘massas’ simplesmente não tinham a capacidade para exercer o direito do voto. De acordo com Fukuyama, na ocasião do Congresso de Viena, em 1815, não havia nenhum país na Europa que pudesse ser qualificado como uma democracia plena. Apenas no último terço do século XIX, a Europa ficou pronta para a democracia. Primeiro, o direito de votar foi estendido a todos os cidadãos homens e apenas décadas depois, no século XX, as mulheres ganharam o direito de votar.
A ‘franchise’
Fukuyama gosta de empregar o termo ‘franchise’ para descrever a inclusão do indivíduo no processo político, obtida através do direito do voto. No capítulo 28, ele apresenta uma tabela de três colunas, mostrando como a ‘franchise’ da democracia se expandiu para formar as primeiras democracias modernas plenas. A primeira coluna mostra as porcentagens de população ‘enfranchised’ em cada país. Em todos os países listados, com exceção da Dinamarca, as porcentagens de população ‘enfranchised’ permaneceram abaixo de dez por cento durante a maior parte do século XIX. A segunda coluna mostra o ano do sufrágio masculino em cada país, e a terceira coluna mostra o ano de obtenção do sufrágio universal. Os Estados Unidos foram o primeiro país a introduzir o sufrágio masculino, o que ocorreu por volta de 1820. Apenas depois este foi gradualmente estendido aos outros países. O sufrágio universal foi obtido apenas no século vinte quando as mulheres ganharam o direito do voto.
Outro país europeu que Fukuyama singulariza é a Dinamarca, país que além de ter apresentado a mais alta proporção de pessoas ‘enfranchised’ durante o século XIX, alcançou o primeiro lugar num estudo recente do Banco Mundial, contrastando a receita de impostos do governo como porcentagem do PIB e a eficácia governamental. O fato de a Dinamarca ter alcançado o topo do ranque inspirou a expressão usada por Fukuyama ‘chegar à Dinamarca’, uma metáfora da jornada da democracia, a grande mensagem do livro de Fukuyama.
Bem adiante na jornada da democracia estão os Estados maduros, cada qual com conjuntos próprios de instituições organizadas de tal forma a conferir um sistema de responsabilidade fiscal ao governo. Fukuyama mostra que a responsabilidade fiscal é mais do que uma medida da qualidade do governo. É uma parte integral de um circuito de retroalimentação envolvendo o governo – o qual precisa estar em bom estado de funcionamento para permitir que a democracia floresça – e a sociedade. Esta precisa confiar no Estado e essa confiança depende da qualidade do governo. Fukuyama mostra que a confiança é um capital social. Se não se pode confiar no governo para proteger o indivíduo e a propriedade, então os indivíduos ficam propensos a tomar as coisas em suas próprias mãos. Segundo Fukuyama, ‘um indivíduo qualquer não tem nenhum incentivo a ser a primeira pessoa a não aceitar um suborno ou a pagar os seus impostos’. Fukuyama mostra também que confiança não é algo que surge com facilidade, pois existem muitos obstáculos no seu caminho.
Embora a jornada da democracia requeira uma estrutura política básica, os Estados são muito diversos em termos de suas visões da democracia. Cada Estado tem condições inerentes a si próprios, e por esse motivo, as soluções para os problemas de suas políticas de desenvolvimento devem ser específicas para cada Estado particular.
Corrupção
Fukuyama mostra que, embora haja muitos países no mundo (194, na última contagem), poucos podem ser chamados propriamente de Estados modernos, aqueles caracterizados por terem uma boa responsabilidade fiscal, serem livres do clientelismo e apresentarem um ranking elevado de desenvolvimento político. Ele faz uma ressalva de que, embora tais Estados sejam também os mais estáveis, ‘estabilidade política’ e ‘força política’ são coisas diferentes. A estabilidade do Estado depende da perspectiva dos seus cidadãos, sendo que esta é relacionada ao grau de confiança que os cidadãos têm em sua sociedade. Um poder despótico pode gerar um Estado forte, mas apenas quando o Estado confere um senso de justiça aos seus cidadãos é que ele ganha o apoio destes, tornando-se politicamente estável. Fukuyama mostra que a corrupção é o principal atravancador do desenvolvimento político. A corrupção pode ocorrer de várias formas. O tipo direto de corrupção envolve roubar do tesouro e é chamado por Max Weber de ‘prebendalismo’, do termo feudal ‘prebenda’, quando um senhor de terras simplesmente dava a um vassalo um pedaço de terra para que ele o explorasse em benefício próprio. Tirando a corrupção direta, Fukuyama destaca dois outros tipos de corrupção governamental: rendas e clientelismo.
Fukuyama explica que nem todas as ‘rendas’ governamentais representam corrupção, uma vez que ‘renda’ é um termo da ciência econômica usado para denotar o ganho especial que deriva de uma situação de escassez. Ele cita como rendas boas aquelas destinadas a assegurar a qualidade ambiental, o que inclui o abastecimento de água, manter a atmosfera limpa e a conservação da natureza. De acordo com Fukuyama, as más rendas são aquelas que resultam de um abuso direto do poder governamental. E os governos conseguem ser bastante criativos em gerar escassezes a partir das quais eles extraem rendas, diz Fukuyama. O exemplo que ele dá é a imposição de taxas excessivas de importação, coisa que também predispõe a um sistema de suborno a oficiais alfandegários para reduzir as taxas ou para acelerar o processo de liberação de mercadorias importadas.
Fukuyama explica o ‘clientelismo’ como sendo a troca recíproca de favores entre duas partes referidas como o ‘patrão’ e o ‘cliente’. Também chamado de patronagem, o clientelismo caracteriza-se quando um ‘patrão’ dá algo a um ‘cliente’ em troca da sua lealdade e do apoio político. Ele também mostra que, às vezes, uma distinção é feita entre clientelismo e patronagem, mas que tal distinção é simplesmente devida à escala: a patronagem sendo a pequena corrupção, resultante de uma interação face a face, e o clientelismo uma corrupção de alta escala, envolvendo trocas de favores entre muitos ‘patrões’ e ‘clientes’.
Fukuyama explica como o clientelismo enfraquece a confiança da sociedade no governo e promove mais corrupção. Num processo democrático normal, os eleitores escolhem os seus candidatos com base numa agenda ‘programática’, que é justificada pelo fato de apresentar conceitos de justiça amplos ou o bem geral. Por outro lado, num sistema clientelista, os eleitores escolhem os seus candidatos com base nos benefícios que eles, como indivíduos, irão receber. Como tais benefícios não são universais, eles são prejudiciais, tanto para a economia quanto para a democracia.
Sociedades de baixa e de alta confiança
A confiança política é outro conceito que Fukuyama explora neste livro. De acordo com ele, a confiança é uma comodidade valiosa, se bem que apenas nas ‘sociedades de alta confiança’, cujos membros praticam as virtudes sociais como honestidade, confiabilidade e abertura. Uma sociedade de alta confiança tem muitas vantagens sobre uma sociedade de baixa confiança, tais como uma cooperação maior e o fato dos seus mecanismos formais serem menos onerosos. As pessoas são muito mais propensas a cumprir a lei se elas virem que as demais pessoas ao seu redor também fazem isso, completa Fukuyama.
As sociedades de baixa confiança, Fukuyama explica, são centradas na família, pois ninguém mais é confiável, incluindo o Estado. É por isso que a maioria dos negócios em tais sociedades são propriedade de famílias, e, para que a família possa controlá-los, eles têm que permanecer pequenos. Tais negócios costumam manter dois jogos de livros de contabilidade, um que é apurado, para a família, e outro para o coletor de impostos. Assim sendo, a alta evasão fiscal é outro problema das sociedades de baixa confiança.
A evolução da democracia
Fukyuama acredita que a ordem política é formada por um processo evolutivo semelhante ao das espécies biológicas e que a democracia liberal situa-se na extremidade dessa evolução. Ele vê as três ondas de democracia descritas por Samuel Huntington como uma evidência disso; apenas para recordar, a primeira que ocorreu de 1820 até o final do século XIX, a segunda que ocorreu logo depois da Segunda Guerra mundial e a terceira que surgiu entre 1970 e 2010. Durante a terceira onda de democracia, o número de democracias no mundo aumentou de 35 para quase 120, algo que Fukuyama interpreta como uma aceitação global da democracia. Fukuyama cita ainda três outras evidências da globalização da democracia: (i) os novos grupos sociais que se mobilizam a cada ano ao redor do mundo; (ii) as demonstrações de massas que surgiram em lugares que vão de Túnis a Kiev e de Istambul a São Paulo; (iii) as centenas de milhares de migrantes econômicos que tentam entrar nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha todos os anos.
O processo de construção do Estado e o seu custo
De acordo com Fukuyama, o processo de construção do Estado ocorre após o processo de construção da nação. Ele explica o processo de construção da nação como algo capaz de criar um senso de identidade nacional através de tradições, símbolos, memórias históricas e pontos de referência comuns. Tais coisas, Fukuyama explica, são conducentes ao tipo de lealdade que suplantam tribos, vilas, regiões e grupamentos étnicos. Fukuyama explica a construção do Estado através de instituições tais como exércitos, polícia, burocracias, ministérios etc.
Fukuyama reconhece que os processos de construção de nação e do Estado têm um custo. Ele cita o filósofo francês Ernest Renan (1823-1892) o qual denunciou a ‘amnésia histórica’ que facilitou o processo de construção da nação francesa. O termo ‘amnésia histórica’ descreve esse custo, o qual se refere ao desaparecimento de diversos pequenos grupos étnicos e pequenas sociedades. Fukuyama estende o caso da França, explicado por Renan, à formação da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Na Grã-Bretanha, a cultura original dos habitantes falantes do celta-gálico foi marginalizada pelos invasores romanos, anglos, saxões, dinamarqueses, e normandos, bem como pela incorporação do País de Gales, Escócia e Irlanda. Os Estados Unidos foram formados às custas dos habitantes indígenas. A consequência disso é que os Estados existentes no mundo, incluindo as mais modernas democracias, não podem apagar nem as lutas sangrentas no seu passado distante nem os crimes cometidos contra suas respectivas populações indígenas.
Países casos
Neste livro Fukuyama coloca uma lupa sobre diversos países a fim de examinar melhor os seus problemas mais pertinentes. Da Europa, Fukuyama singulariza a Itália e a Grécia, dois países que falharam em modernizar-se a despeito de serem industrializados. Fukuyama sugere que não é nenhuma coincidência que tanto a Grécia quanto a Itália encontravam-se no âmago da crise europeia de 2009. O caso da Itália é especialmente interessante, devido ao fato de este país ser não apenas industrializado, mas também rico. O caso da Grécia é particularmente interessante, pois, apesar de a Grécia ser o berço da democracia, o governo grego de hoje é conhecido pela sua baixa qualidade. Para Fukyuama, a falta de uma tradição de Estado forte está no âmago dos problemas da Grécia. Ele aponta que nos tempos modernos a Grécia passou um período longo sob diversas influências estrangeiras e, apenas após a Segunda Guerra mundial, recuperou sua independência. A falta de uma tradição forte de Estado independente tornou a Grécia uma sociedade de baixa confiança dotada de poucas oportunidades de empreendimentos. Devido a esta situação particular, os gregos preferem empregos no setor público a tornarem-se empresários, e os políticos gregos estão prontos para ajudá-los nisso em troca de votos.
Tanto a Itália quanto a Grécia permanecem sendo Estados altamente clientelistas de acordo com Fukuyama. Em 2009, o número de funcionários públicos na Grécia ficava em torno de sete mil. De acordo com um relatório da Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD), entre 1970 e 2009, o número de funcionários públicos na Grécia quintuplicou. O mesmo relatório revelou que os salários mais os bônus do setor público somavam uma vez e meia aqueles do setor privado.
Outro ponto importante que Fukuyama levanta após descrever os problemas da Grécia é que tais problemas são bastante semelhantes aos da América Latina. Na sua descrição da América Latina, Fukuyama aponta que, embora seus países tenham introduzido constituições e modelado seus sistemas de governo baseados no sistema presidencialista dos Estados Unidos, eles mantiveram as instituições autoritaristas e mercantilistas que haviam herdado dos espanhóis e portugueses, incluindo a velha estrutura de classes caracterizada pela má distribuição de recursos.
Aquilo que Fukuyama disse sobre o custo da criação dos Estados da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, nomeadamente a perda de seus povos indígenas, também se aplica à América Latina. Fukuyama trata diretamente dos povos indígenas do continente americano. Em termos comparativos, coloca as civilizações pré-colombianas do México e do Peru no mesmo nível de desenvolvimento dos qin-han chineses e mais ainda com os máurias da Índia, que viveram no terceiro século a.C., embora ele afirme que esses últimos não participaram do processo político na Índia sob o líder Ashoka. Fukuyama afirma ter procurado entender por que os indígenas mais avançados da América Latina, como os astecas e os incas, falharam em contribuir para as instituições políticas que os colonizadores europeus criaram, como fizeram os grupos indígenas semelhantes na China e na Índia. Ele especula que os astecas e os incas não tinham a hierarquia burocrática necessária para criar instituições políticas. Apesar de os astecas terem desenvolvido um sistema de proto-escrita, esta era suficiente somente para o propósito de alguns rituais, não para comunicações de rotina através de uma hierarquia burocrática.
Em sua análise da América Latina, Fukuyama refere-se à sua desigualdade como um ‘defeito de nascença’ e isso implica que a desigualdade latino-americana não é um problema para ser resolvido, mas, sim, um problema para ser manejado. Para ele, a maneira de manejar a desigualdade da América Latina é através da modernização, isto é, da erradicação da corrupção. Fukuyama também aponta o fato de que muitos partidos da América Latina são clientelistas ao invés de programáticos. Ele cita, como exemplo, apenas o partido Peronista da Argentina. Entretanto, nós latino-americanos conhecemos diversos outros. Os partidos clientelistas da América Latina vicejam através dos votos dos pobres que são mais baratos do que os votos da classe média. Devido à relação existente entre clientelismo e baixo nível de desenvolvimento econômico, o sucesso eleitoral dos partidos clientelistas da América Latina serve apenas para perpetuar a desigualdade da região.
A democracia em decadência
O fato de a palavra ‘decadência’ constar do título do livro de Fukuyama mostra a importância que ele dá à possibilidade de o processo democrático retroceder. Numa paródia invertida da afirmação de Tolstói sobre as famílias, Fukuyama afirma que cada democracia é diferente, mas as causas das suas decadências políticas são as mesmas. E, no tópico da decadência política, usa como exemplos os Estados Unidos e os Brics, as quatro economias globais emergentes apontadas num relatório da Goldman Sachs: Brasil, Índia, China e África do Sul.
É de certa forma surpreendente que os Estados Unidos sejam o primeiro alvo da crítica de Fukuyama à decadência política, não apenas por ser o seu próprio país, mas também pelo fato de a democracia americana ser considerada uma das mais bem desenvolvidas. De acordo com Fukuyama, na segunda metade do século XX, os processos de verificações e equilíbrio que os pais fundadores da América haviam introduzidos, baseados na separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, foram extrapoladas para formar aquilo que ele chama de ‘judiciarização excessiva’. Para ele, a democracia norte-americana converteu-se numa ‘vetocracia’, pois o governo dos Estados Unidos encontra-se nesse momento nas mãos dos tribunais. Os países Brics também estão sob a ameaça da decadência política. Segundo Fukuyama, tais países estão experimentando um rápido crescimento econômico, contudo as suas instituições não estão evoluindo para acomodar as mudanças decorrentes desse crescimento.
Conclusão
Muitos livros acadêmicos originados nos Estados Unidos e na Europa são do tipo ‘o Ocidente e o resto’, mas esse não é o caso dessa impressionante dobradinha de Fukuyama. O livro Political order and political decay de Fukuyama mostra que a ordem política e a democracia são processos que precisam receber manutenção e ser afinados, caso contrário começam a se deteriorar. Ele também mostra que cada país tem o seu próprio padrão de ordem política e de democracia, e que, portanto, deve buscar soluções para os seus próprios problemas. Fukuyama termina o livro com um aviso de que as democracias existem e sobrevivem porque as pessoas querem e estão dispostas a lutar por isso. Trocando em miúdos, as democracias precisam do apoio dos cidadãos, que por sua vez precisam ter uma compreensão razoável de suas instituições políticas e de seus governos. A melhor maneira de adquirir tal compreensão é fazendo perguntas, e este livro é útil precisamente porque mostra muitos exemplos de perguntas relevantes: Qual é a conexão entre desenvolvimento econômico e democracia? Por que as três ondas de democratização ocorreram? Por que elas ocorreram em algumas regiões e sociedades mas não em outras? Por que a democracia tornou-se globalmente aceita no século XX mas não antes? Como o século XX teria sido se Marx não tivesse existido?
Jo (Joaquina) Pires-O’Brien é a editora de PortVitoria, revista eletrônica bianual voltada a falantes de português e espanhol.
Revisão: Débora Finamore
Citação:
FUKUYAMA, F. Political order and political decay: from the Industrial Revolution to the globalization of democracy. London, Profile Books, 2014. Resenha de: PIRES-O’BRIEN, J. (2015). A jornada. PortVitoria, UK, v.10, Jan-Jun, 2015. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com