Adília Lopes. Portuguese poet

Biografia

Adília Lopes, pseudônimo literário de pena de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nasceu em Lisboa, em 1960. Frequentou a licenciatura em Física, na Universidade de Lisboa, que viria a abandonar quando já estava prestes a completá-la. Em 1983, começa uma nova licenciatura, em Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Começa a publicar a sua poesia no Anuário de Poetas não Publicados da Assírio & Alvim, em 1984, e no ano seguinte, publica o seu primeiro livro de poesia, Um Jogo Bastante Perigoso, através dessa mesma editora. Além de escrever poesia Lopes é ensaísta e tradutora. Tem colaborado em diversos jornais e revistas, em Portugal e no estrangeiro, com poemas, artigos e poemas traduzidos.

Principais obras publicadas:

Um jogo bastante perigoso (1985). Lisboa, edição da Autora; ed. Ut: Dobra. Poesia reunida de Adília Lopes (2009).

O poeta de Pondichéryn (1986). Lisboa, Frenesi; ed. Ut: Poesia Reunida, Lisboa. Assírio & Alvim, 2009.

A pão e água de Colónia. Seguido de uma Autobiografía Sumária (1987). Lisboa, Frenesi; ed. Ut: Dobra. Poesia reunida de Adília Lopes (2009). Lisboa, Assírio & Alvim.

Florbela Espanca Espanca (1999). Lisboa, Assírio & Alvim.

Obra (2000). Lisboa, Assírio & Alvim.

A Mulher-a-Dias (2002).Lisboa, Assírio & Alvim.

Antologia – Coleção Ás de Colete (2002).

Caras Baratas (2004). Lisboa, Assírio & Alvim.

Manhã (2015). Lisboa, Assírio & Alvim.

Bandolim (2016). Lisboa, Assírio & Alvim.

A Mulher a Dias (2002).Lisboa, Assírio & Alvim.

 

Poesias selecionadas de Adília Lopes em português e espanhol

Arte poética

Escrever um poema

é como apanhar um peixe

com as mãos

nunca pesquei assim um peixe

mas posso falar assim

sei que nem tudo o que vem às mãos

é peixe

o peixe debate-se

tenta escapar-se

escapa-se

eu persisto

luto corpo a corpo

com o peixe

ou morremos os dois

ou nos salvamos os dois

tenho de estar atenta

tenho medo de não chegar ao fim

é uma questão de vida ou de morte

quando chego ao fim

descubro que precisei de apanhar o peixe

para me livrar do peixe

livro-me do peixe com o alívio

que não sei dizer

Adília Lopes, Um Jogo Bastante Perigoso

 

 

Arte poética

Escribir un poema

es como atrapar un pez

con las manos

nunca pesqué así un pez

pero puedo hablar así

sé que no todo lo que viene a las manos

es pez

el pez se debate

intenta escaparse

se escapa

yo persisto

lucho cuerpo a cuerpo

con el pez

o morimos los dos

o nos salvamos los dos

tengo que estar atenta

tengo miedo de no llegar al fin

es una cuestión de vida o muerte

cuando llego al fin

descubro que necesité atrapar al pez

para librarme del pez

me libro del pez con el alivio

de no saber qué decir

© Traducción: Aurelio Asiain

 

Para um vil criminoso

Fizeste-me mil maldades

e uma maldade muito grande

que não se faz

acho que devo ter sido a pessoa

a quem fizeste mais maldades

nem deves ter feito a ninguém

uma maldade tão grande

como a que me fizeste a mim

não sei se tens remorsos

tu dizes que não tem remorsos nenhuns

porque dizes que és um vil criminoso

para mim

eu também sou uma vil criminosa

mas não para ti

desconfio que tens o remorso

de ter alguns remorsos

por me teres feito mil maldades

e uma maldade muito grande

a maldade muito grande está feita

e não se faz

acho que essa maldade muito grande

nos aproximou um do outro

em vez de nos afastar

mas para mim é um drôle de chemin

e para ti também deve ser

mas com um vil criminoso nunca se sabe

Adília Lopes, Um Jogo Bastante Perigoso

 

Para un vil criminal

Me hiciste mil bajezas

y una bajeza muy grande

que no se hace

creo que debo haber sido la persona

a quien le hiciste más bajezas

no debes haberle hecho a nadie

una bajeza tan grande

como la que me hiciste a mí

no sé si tienes remordimientos

tú dices que no tienes ningún remordimiento

porque dices que eres un vil criminal

para mí

yo también soy una vil criminal

pero no para ti

desconfío que tengas remordimiento

de tener algunos remordimientos

por haberme hecho mil bajezas

y una bajeza muy grande

la bajeza muy grande está hecha

y no se hace

creo que esa bajeza muy grande

nos aproximó el uno al otro

en vez de alejarnos

pero para mí es un peculiar recorrido

y para ti también debe serlo

pero con un vil criminal nunca se sabe

 

A propósito de estrelas

Não sei se me interessei pelo rapaz

por ele se interessar por estrelas

se me interessei por estrelas por me interessar

pelo rapaz hoje quando penso no rapaz

penso em estrelas e quando penso em estrelas

penso no rapaz como me parece

que me vou ocupar com as estrelas

até ao fim dos meus dias parece-me que

não vou deixar de me interessar pelo rapaz

até ao fim dos meus dias

nunca saberei se me interesso por estrelas

se me interesso por um rapaz que se interessa

por estrelas já não me lembro

se vi primeiro as estrelas

se vi primeiro o rapaz

se quando vi o rapaz vi as estrelas

Adília Lopes, Um Jogo Bastante Perigoso

 

A propósito de estrellas

No sé si me interesé por el chico

porque se interesaba por las estrellas

si me interesé por las estrellas por interesarme

por el chico hoy cuando pienso en el chico

pienso en las estrellas y cuando pienso en las estrellas

pienso en el chico como me parece

que me voy a ocupar con las estrellas

hasta el fin de mis días

me parece que nunca voy a dejar de interesarme por el chico

hasta el fin de mis días

nunca sabré si me intereso por las estrellas

si me intereso por un chico que se interesa

por las estrellas ya no me acuerdo

si vi primero las estrellas

si vi primero al chico

si cuando vi al chico vi las estrellas.

© Traducción: Verónica Aranda

 

A segunda lei da Termodinâmica

A segunda lei da Termodinâmica

a lei leteia

a seta do tempo

a serpente do Paraíso

a entropia

existe

mas também

o Novo Testamento

e as sete artes

existem

para a contrariar

(desejo, logo sou

e eu não acabo

de ser)

Adília Lopes, Florbela Espanca espanca

 

La segunda ley de la termodinámica

La segunda ley de la termodinámica

la ley letea

la flecha del tiempo

la serpiente del Paraíso

la entropía

existe

pero también

el Nuevo Testamento

y las siete artes

existen

para contrariarla

(deseo, luego soy

y no acabo

de ser)

Louvor do lixo

para a Amra Alirejsovic

(quem não viu Sevilha não viu maravilha)

É preciso desentropiar

a casa

todos os dias

para adiar o Kaos

a poetisa é a mulher-a-dias

arruma o poema

como arruma a casa

que o terramoto ameaça

a entropia de cada dia

nos dai hoje

o pó e o amor

como o poema

são feitos

no dia a dia

o pão come-se

ou deita-se fora

embrulhado

(uma pomba

pode visitar o lixo)

o poema desentropia

o pó deposita-se no poema

o poema cantava o amor

graças ao amor

e ao poema

o puzzle que eu era

resolveu-se

mas é preciso agradecer o pó

o pó que torna o livro

ilegível como o tigre

o amor não se gasta

os livros sim

a mesa cai

à passagem do cão

e o puzzle fica por fazer

no chão

Adília Lopes, A Mulher-a-Dias

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