As ameaças e oportunidades do ciberespaço

Joaquina Pires-O’Brien

Resenha do livro The new Digital Age de Eric Schmidt e Jared Cohen. 2013. Londres: John Murray, 2013, 315pp. £25. ISBN 978-I-84854-620-2.

Dar uma visão equilibrada das ameaças e oportunidades do setor de telecomunicações incluindo como este deve se desenvolver e afetar nossas vidas é o objetivo do livro The New Digital Age (A Nova Idade Digital) de Eric Schmidt e Jared Cohen. Schmidt é o Diretor Executivo da Google e Cohen é Diretor da Google Ideias. Outono de 2009, em Bagdá, foi quando este livro foi concebido. Schmidt, então o CEO da Google, tinha ido lá para discutir com os iraquianos como a tecnologia poderia ser usada para ajudar na reconstrução de seu país, e Cohen, então um funcionário do Departamento de Estado norte-americano, havia sido indicado para acompanhá-lo.

Ainda bem que Schmidt e Cohen levaram o seu projeto adiante, pois The New Digital Age é um compêndio útil da tecnologia de comunicação, explicada através de suas aplicações na sociedade. A relação dos temas cobertos é extensa: informações biométricas, computação nas nuvens, ciberataques, cibercapacidade, impressora 3-D, negação distribuída de serviços (DDoS), drones, ativismo da livre-informação, tecnologia háptica, imagens holográficas, resposta de voz interativa, robôs tais como o aspirador de pó iRobot’s Roomba, pílulas inteligentes, internet, Academia Khan, telefonia celular, identidade online, presença online, emprego de redes sociais, Skype, dados de cadeias de suprimento, protocolo de voz sobre IP ou VoIP, wikis, Wikipedia, Wikileaks, etc. Ao descrever os usos da tecnologia tanto pelos sujeitos bons quanto pelos sujeitos maus, os autores são geralmente otimistas. Um dos pontos que sublinham é que a globalização não será feita apenas de produtos mas também de ideias, ‘pois as melhores ideias e soluções vão ter a chance de ascender até o topo e serem vistas, consideradas, exploradas, fundadas, adotadas e celebradas’.

Em maio de 2013, quando o livro The new Digital Age chegou às livrarias do Reino Unido, a organização Google virou um alvo de publicidade negativa no Reino Unido pela ‘evitação’ agressiva de impostos, e em junho a Google, juntamente com outros importantes players do setor de TI, foi acusado de colaborar com o sistema de monitoramento eletrônico conduzido pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos. A despeito de sugestões contrárias, a sobreposição do lançamento do livro de Schmidt e Cohen (concebido em 2009) e a onda de má publicidade da Google foi meramente uma coincidência. O lançamento do livro, que envolveu o costumeiro cronograma de entrevistas na televisão, no rádio, em conferências e à imprensa, indubitavelmente deu a Schmid a oportunidade de responder a algumas das acusações da má publicidade dirigida à Google mas essas não são enfocadas neste livro.

A influência da Google neste livro mais provavelmente está na escolha dos tópicos deixados de fora, notavelmente a pornografia. Quanto aos tópicos abordados, os autores fizeram um excelente trabalho em apresentá-los no contexto de como a tecnologia afeta cada aspecto da vida das pessoas e a própria sociedade. A ideia principal do livro The New Digital Age é de que os perigos do futuro são proporcionais às possibilidades de troca de informações, e eles afetarão pessoas, negócios, organizações e o próprio Estado. Dessa ideia surge outra que é a necessidade das pessoas e das organizações de se manterem alertas a eventuais ataques a informações e identidades.

O primeiro capítulo trata do futuro dos indivíduos e de suas identidades onde quer que estejam no nosso planeta, enquanto que o segundo capítulo trata do futuro da identidade, da cidadania e da reportagem. Uma interessante amostra de terminologia é a palavra ‘wikis’, que significa ‘editação coletiva em tempo real’. Assim sendo, ficamos sabendo que existem diferentes tipos de wikis: sobre os hábitos de consumo das pessoas, sobre o que as pessoas fazem, e assim por diante. Cobre tanto o wikis da Wikipedia, uma plataforma de informação buscada no público que fornece um espaço para a sabedoria coletiva (coberta no capítulo 6), quanto o wikis da Wikileaks, uma organização ativista que promove a livre-informação, e que ocupa diversas páginas do capítulo 2 e outros capítulos. Schmidt e Cohen tentam apresentar uma apreciação equilibrada do Wikileaks afirmando as suas boas intenções bem como as suas potenciais armadilhas.

Schmidt e Cohen são geralmente optimistas em relação ao potencial da tecnologia da comunicação. Eles começam sumarizando as coisas positivas que vieram do setor das telecomunicações tais quais as melhorias na saúde das pessoas, na educação, nos negócios e na qualidade de vida em geral. Eles mostram como os novos sistemas integrados irão aumentar a eficácia tanto no trabalho quanto nas nossas vidas pessoais, liberando o nosso tempo para outras coisas. Como o reconhecimento da voz brevemente irá permitir a transcrição instantânea de e-mails, notas, pronunciamentos e redações escolares, e como o reconhecimento de gestos já está pronto para saltar do setor de jogos para áreas mais funcionais. Talvez um dos melhores prospectos da sociedade digital seja o seu potencial de equalizar a distribuição de oportunidades não só para as pessoas mais competentes, mas também para as melhores ideias. Mas a conectividade também tem um lado negativo. O mal uso da crescente base de dados sobre os hábitos dos indivíduos é uma ameaça à identidade e à reputação das pessoas. A informação pode ser abusada para facilitar a repressão por parte dos governos e para promover a inquietação social por parte de caudilhos (warlords) sequiosos de poder. Até as grandes organizações que guardam dados são vulneráveis aos ciberataques. E a própria tecnologia está no centro das estratégias de como proteger dados e perseguir intrusos.

O futuro das nações-Estados, no sentido de como elas se comportarão em relação à continuação da livre Internet, é o tópico do terceiro capítulo, enquanto que o quarto capítulo oferece uma visão do futuro das revoluções políticas. A expressão balcanização da Internet, uma referência à fragmentação da antiga Iugoslávia, que se estendia por toda a península da cordilheira dos Balcãs no Sudeste da Europa, é usada para designar uma possível fragmentação da Internet gerando diversas internets nacionais. A despeito do atual apoio à continuação da livre Internet, o mundo está dividido nessa questão e diversos países já filtram a Internet para ajustá-la às suas leis. Outro tópico levantado neste capítulo é o multilateralismo virtual, onde as futuras alianças políticas serão independentes da geografia, e alianças multilaterais serão formadas pelos países e corporações. Este tipo de multilateralismo irá controlar todos os auxílios externas e os apoios ao desenvolvimento. A maior conectividade que nós temos já facilita o deslanche de revoluções políticas e continuará fazendo isto. Entretanto, terminar a revolução e reconstruir o país são outros quinhentos. O exemplo clássico mencionado é a Primavera Árabe, onde a tecnologia gerou as massas e ajudou a deslanchar revoluções em diversos países, mas não levou a soluções. Para tal, os autores indicam, é necessário ações no mundo real.

Os tópicos do quinto capítulo são o terrorismo, o contraterrorismo e a corrida tecnológica entre eles. Embora a tecnologia tenha alavancado o terrorismo tanto no mundo real quanto no virtual, ela também tem ajudado a combater o terrorismo nessas duas frentes, como já é feito através do bloqueio de telefones celulares específicos a fim de impedi-los que funcionem como detonadores de DEIs (dispositivos explosivos improvisados). Outro exemplo da aplicação da tecnologia no mundo virtual é o emprego de metadados para rastrear terroristas, ciberterroristas e criminosos. O marketing está no centro da corrida tecnológica entre os sujeitos bons e os sujeitos maus. As organizações terroristas têm aprendido a empregar técnicas de marketing para cultivar a boa imagem e recrutar novos membros. Isso foi exatamente o que fez Anwar al-Awlaki, um clérigo extremista nascido nos Estados Unidos e afiliado ao Al Qaeda do Iêmen, cujos vídeos no YouTube serviram de inspiração para uma geração futura de terroristas. Mas al-Awlaki foi no final vencido pela tecnologia: ele foi morto em 2011 por um ataque de drone.

Nos dois últimos capítulos que tratam do futuro dos conflitos mundiais e da reconstrução pós-conflito, os autores mostram que as guerras de marketing já são um fenômeno recorrente. Eles indicam a iminência de conflitos, tal qual o ataque ao sítio da BP na Tunísia por muçulmanos fundamentalistas, que reagiram contra o vídeo A Inocência dos Muçulmanos (Innocence of Muslims) divulgado em 2012. A sugestão sugerida para evitar as guerras de marketing e os conflitos que resultam das mesmas é criar um sistema de verificação de dados capaz de separar o que é fato e o que é marketing. Finalmente, o capítulo sete mostra como a tecnologia pode ajudar no trabalho da reconstrução dos países destruídos por conflitos ou por desastres naturais.

De quem é a responsabilidade pelo mundo virtual é uma coisa que não está explícita neste livro. Entretanto, ao mostrar que a tecnologia serve indiscriminadamente às forças do bem e do mal, embora omitindo a pornografia e outros tópicos contenciosos a ela relacionados que parecem preocupar as pessoas em geral, os autores sugerem que a responsabilidade pelo mundo virtual não é só da Google e das outras megaempresas mas também de todos nós como indivíduos. A força maior deste livro é a sua cobertura do terrorismo e ciberterrorismo e suas ameaças às sociedades e aos negócios. Mas as sociedades e as organizações não são os únicos que precisam de uma estratégia de defesa contra as ameaças diretas e indiretas ao ciberespaço. Como indivíduos, todos nós precisamos defender aquilo que temos ou que aspiramos. O livro The New Digital Age de Schmidt e Cohen oferece uma avaliação abrangente das diversas tecnologias que operam no ciberespaço bem como uma apreciação equilibrada de seus diversos atores, e por esses motivos é um livro útil para quem quer que dê valor à sua liberdade e sua reputação e deseja salvaguardá-las.
___________________________________________________________________________
Tradução do inglês para o português: J Pires-O’Brien
Agradecimento: Carlos Pires, revisor

Key words: resenhas, book reviews, Eric Schmidt, Jared Cohen, Digital Age, dados biométricos, biometric data, computação nas nuvens, cloud computing, wikis, Wikipedia, Wikileaks

Citação:
SCHMID, E. AND COHEN, J. The new Digital Age. LONDON, John Murray. ISBN 978-I-84854-620-2. Review by: PIRES-O’BRIEN, J. (2012). As ameaças e as oportunidades do ciberespaço. PortVitoria, UK, v. 7, Jul-Dec, 2013. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com