Roger Scruton

As universidades existem para fornecer aos alunos o conhecimento, as habilidades e a cultura que os prepararão para a vida, enquanto aumentam o capital intelectual do qual todos nós dependemos. Evidentemente, os dois propósitos são distintos. Um diz respeito ao crescimento do indivíduo; o outro, à nossa necessidade compartilhada de conhecimento. Mas eles também estão entrelaçados, de modo que os danos a um objetivo também são danos ao outro. É isso o que estamos vendo agora, à medida que nossas universidades se voltam cada vez mais contra a cultura que as criou, retendo-a dos jovens.

Os anos passados ​​na universidade pertencem aos ritos de iniciação estudados pelos antropólogos vitorianos, nos quais, os nascidos na tribo assumem o ônus de perpetuá-la. Se nós perdemos isso de vista, parece-me, então corremos o risco de desatrelar a universidade de seu objetivo social e moral, que é entregar um estoque de conhecimento junto com a cultura que dá sentido ao mesmo.

Esse objetivo tem sido central na tradição educacional que criou a civilização ocidental. A paideia[1] grega considerava o cultivo da cidadania como o núcleo do currículo. A prática religiosa e a educação moral continuaram sendo uma parte fundamental dos estudos universitários durante a Idade Média, e o ideal renascentista do indivíduo virtuoso foi a inspiração para o currículo emergente das studia[2] de humanidades. A universidade que emergiu do Iluminismo[3] não relaxou as rédeas morais, mas considerou a aprendizagem como um modo de vida disciplinado, cujas regras e procedimentos a diferenciam dos assuntos cotidianos. No entanto, forneceu aos assuntos cotidianos a perspectiva de longo prazo sem a qual nenhuma atividade humana faz sentido. Até a turbulenta vida estudantil das universidades alemãs durante o século XIX, quando o duelo se tornou parte da cultura universitária, estava contida em códigos formais e uniformes de comportamento, e, na rotina colegial. Além disso, era dedicada a um peculiar amálgama de disciplina moral, conhecimento factual e competência cultural, aquilo que os alemães conhecem como Bildung[4].

No decorrer do século XIX, entretanto, as universidades sofreram uma rápida mudança no seu acolhimento público. O declínio do modo de vida religioso, a ascensão de uma classe média ansiosa por status social e poder político, e as demandas pelo conhecimento e habilidades técnicas exigidas por uma economia industrial, pressionaram as universidades a mudar os seus currículos, o modo de recrutamento de alunos e professores, e, o seu relacionamento com a cultura circundante. Novas universidades foram fundadas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América, como a University College London, datada de 1826, a qual foi dotada de um currículo explicitamente secular, projetado para produzir mentes científicas capazes de varrer as teias de aranha teológicas nas quais todas as disciplinas universitárias encontravam-se envolvidas.

No entanto, apesar dessas mudanças, que forçaram as instituições de ensino superior a uma nova consciência de missão, a universidade manteve o seu status de guardiã da alta cultura. Era um lugar onde o pensamento especulativo, a investigação crítica, e o estudo de livros e idiomas importantes eram mantidos numa atmosfera de isolamento refletivo. Quando o cardeal Newman[5] escreveu The Idea of ​​a University (A ideia da universidade), em 1852, o seu motivo maior foi defender a antiga concepção da universidade, como um lugar à parte, um recinto quase monástico, oposto à mentalidade utilitária da nova sociedade industrial. Para Newman, a universidade existe para moldar o caráter daqueles que a frequentam. Imergir os alunos em um ambiente colegiado e imprimir neles um ideal da mente educada ajuda a transformar seres humanos brutos em gentlemen (cavalheiros)[6]. Essa, sugeriu Newman, é a verdadeira função social da universidade. Dentro do campus, o adolescente recebe uma visão dos fins da vida; e ele tira da universidade a única coisa que o mundo não fornece, que é uma concepção de valor intrínseco. E, é por isso, que a universidade é tão importante na era do comércio e da indústria, quando a tentação utilitarista nos assedia por todos os lados, e quando corremos o risco de tornar todos os propósitos, materiais. Em outras palavras, como Newman via, correndo o risco de permitir que os meios engulam os fins.

Muita coisa mudou desde a época de Newman. Sugerir que as universidades estão envolvidas na produção de ‘cavalheiros’ é mais do que levemente ridículo, em uma época em que a maioria dos estudantes é mulher. A universidade ideal de Newman foi modelada nas atuais universidades de Oxford, Cambridge e no Trinity College, de Dublin, as quais eram mantidas como instituições quase religiosas dentro da alçada da Igreja Anglicana. Na época de Newman, essas universidades admitiam apenas homens, não permitiam que seus acadêmicos residentes se casassem, uma boa parte dos os alunos de graduação eram recrutados nas escolas particulares, e, o seu currículo era solidamente baseado em latim, grego, teologia e matemática. A rotina dos alunos girava em torno dos colleges[7] ou faculdades, onde os dons[8] e os estudantes de graduação tinham seus alojamentos, e onde eles jantavam juntos todas as noites num salão, vestidos com suas becas.

Apenas uma pequena proporção dos que frequentavam as antigas universidades britânicas na época de Newman considerava o estudo como o real objetivo de se destacar na alma mater[9]. Alguns estavam lá para remar ou jogar rugby; alguns estavam em compasso de espera para o título que deveriam herdar; e alguns tumultuavam com os seus companheiros enquanto aguardavam comissões no exército. Quase todos eram membros de uma elite social que havia obtido essa maneira ímpar de se perpetuar, revestindo o seu poder com o verniz da alta cultura. E nesse belo e protegido ambiente, você também poderia levar a cultura a sério. Com dinheiro no banco e tempo nas mãos, não era tão difícil dar as costas aos valores utilitários.

A universidade de hoje difere da do cardeal Newman em quase todos os aspectos. Ela recruta de todas as classes da sociedade, é aberta igualmente para homens e mulheres, e, é frequentemente financiada e aprovisionada pelo Estado. Pouco ou nada resta da rotina colegial equilibrada que moldou o espírito de Newman, e o currículo não se concentra em assuntos sublimes e em matérias sem propósito, como o grego antigo, no qual paira a visão fascinante de uma vida além do comércio; a universidade de hoje é centrada nas ciências, nas disciplinas vocacionais, e os agora onipresentes ‘estudos empresariais’ (business studies) ou, através dos quais os alunos supostamente aprendem os caminhos do mundo.

Além disso, as universidades se expandiram para oferecer os seus serviços a uma proporção cada vez maior da população, e, para absorver uma fatia cada vez maior do orçamento nacional. A receita da indústria do ensino universitário no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, é maior do que a de qualquer outra indústria. Em todas as principais cidades britânicas ou americanas há pelo menos uma universidade, sendo que as universidades estaduais americanas podem ter, a qualquer momento, mais de 50.000 estudantes. O ensino superior é oferecido como um direito a todos os que completaram o baccalauréat francês ou o Feststellungsprüfung alemão, e, os políticos europeus costumam dizer que a tarefa da reforma educacional não estará completa até que todas as crianças possam, no devido tempo, se formar. A universidade não está mais no negócio de criar uma elite social, mas no negócio rival de garantir que as elites sejam uma coisa do passado.

Sob o pretexto de fornecer um ‘propósito para além do objetivo’, os críticos da universidade poderiam dizer que a universidade exaltada por Newman havia sido projetada para proteger os privilégios de uma classe alta existente, e para colocar obstáculos ao avanço de seus concorrentes. A universidade transmitia habilidades fúteis, estimadas precisamente pela sua futilidade, uma vez que isso as tornavam um distintivo de afiliação que poucos podiam adquirir. E, longe de avançar os fundos do conhecimento, existia para salvaguardar mitos sagrados: colocou uma barreira protetora de encantamento em torno da religião, dos valores sociais e da alta cultura do passado, e, fingiu que as habilidades recônditas necessárias para usufruir desse encantamento –  o latim e o grego, por exemplo – eram as formas mais altas de conhecimento. Em suma, a universidade newmanita era um instrumento para a perpetuação de uma classe de lazer. A cultura que transmitia não era propriedade de toda a comunidade, mas apenas uma ferramenta ideológica, através da qual os poderes e privilégios da ordem existente eram envoltos em sua aura de legitimidade.

Agora, por outro lado, temos universidades dedicadas ao crescimento do conhecimento, que não são meramente não elitistas, mas antielitistas em sua estrutura social. Elas não fazem discriminação por motivos de religião, sexo, raça ou classe. São locais de mentalidade aberta à pesquisa e ao questionamento, sem compromissos dogmáticos, e cujo objetivo é promover o conhecimento através de um espírito de livre investigação. Esse espírito é transmitido aos seus alunos, que têm a maior variedade possível de opções de currículo, e, adquirem não apenas os conhecimentos firmemente fundamentados, mas também aqueles que são eminentemente úteis em suas vidas futuras, como, por exemplo,  a administração de empresas, a administração de hotéis, e estudos de relações internacionais. Em resumo, as universidades evoluíram de clubes socialmente exclusivos voltados ao estudo de futilidades preciosas, para centros de treinamento socialmente inclusivos voltados à propagação das habilidades necessárias. E a cultura que elas transmitem não é a de uma elite privilegiada, mas de uma ‘cultura inclusiva’ que qualquer pessoa pode adquirir e desfrutar.

Dito isto, no entanto, hoje é mais provável que um visitante de uma universidade americana depare com as variedades locais de censura do que com qualquer atmosfera de livre investigação. É verdade que os americanos vivem em uma sociedade tolerante. Mas, eles também criam guardiães vigilantes, determinados a detectar e extirpar os primeiros sinais de ‘preconceito’ entre os jovens. E esses guardiães têm uma tendência inata de gravitar para as universidades, onde a própria liberdade de currículo e a abertura à inovação lhes proporcionam uma oportunidade de exercer as suas paixões censórias. Livros são lançados ou retirados do plano de estudos com base em sua correção política; os códigos de fala e os serviços de aconselhamento oferecidos policiam o idioma e o pensamento de alunos e professores; os cursos são projetados para transmitir conformidade ideológica, e os alunos são frequentemente penalizados por terem tirado alguma conclusão herética sobre as questões principais do dia. Nas áreas sensíveis como raça, sexo, e, a essa coisa misteriosa chamada ‘gênero’, a censura é abertamente direcionada não apenas aos estudantes, mas também a qualquer professor, por mais imparcial e escrupuloso que seja, que chegue a conclusões erradas.

Evidentemente, a cultura do Ocidente continua sendo o principal objeto de estudo nos departamentos de humanidades. No entanto, o objetivo não é instilar essa cultura, mas repudiá-la – examiná-la por todas as maneiras pelas quais ela peca contra a visão de mundo igualitária. A teoria ideológica marxista ou qualquer de seus descendentes feministas, pós-estruturalistas, ou foucaultianos, serão convocados como prova de que as preciosas conquistas de nossa cultura devem o seu status ao poder que fala através delas, e portanto, são desprovidas de valor intrínseco. Em outras palavras: o antigo currículo, que Newman via como um fim em si, foi rebaixado a um meio. Dizem que esse antigo currículo existia com a finalidade de manter as hierarquias e as distinções, formas de exclusão e dominação que mantinham a elite dominante. Os estudos nas humanidades são agora projetados para provar isso – para mostrar como, através de suas imagens, histórias e crença, através de suas obras de arte, sua música e sua linguagem, a cultura do Ocidente não tem um significado mais profundo do que o poder que serviu para perpetuar. Dessa maneira, a ideia da nossa cultura ter sido herdada como uma esfera autônoma do conhecimento moral e que requer aprendizado, reflexão e imersão para aprimorar e reter, é lançada inteiramente ao vento. A universidade, em vez de transmitir cultura, existe para desconstruir a cultura, remover sua ‘aura’ e dar o aluno, após quatro anos de dissipação intelectual, com a visão de que tudo vale e nada importa.

Surge, portanto, a impressão de que, fora das ciências exatas, não existe um corpo de conhecimento recebido, e que não há nada a aprender salvo as atitudes doutrinárias. Em The Closing of the American Mind  (O fechamento da mente americana), Allan Bloom lamentou o relativismo lânguido que havia infectado as humanidades – a crença, compartilhada por estudantes e professores, de que não existem valores universais, e, que estudamos apenas por curiosidade os trabalhos que vieram até nós. Se permanecermos indiferentes ao desafio moral com o qual eles nos confrontam, isso é em grande parte devido ao fato de que não acreditamos mais que exista um desafio moral real.

Embora a observação de Bloom seja verdadeira, ela não é toda a verdade. O relativismo moral abre caminho para um novo tipo de absolutismo. O currículo emergente nas ciências humanas é, de fato, muito mais censurador, em questões cruciais, do que aquele que se esforça para substituir. Não é mais permitido acreditar que existam distinções reais e inerentes entre as pessoas. Todas as distinções são ‘culturalmente construídas’ e, portanto, mutáveis. E o objetivo do currículo é desconstruí-las, substituir a distinção pela igualdade em todas as esferas em que a distinção tenha sido um componente da cultura herdada. Os estudantes devem acreditar que, em aspectos cruciais, e em particular nos assuntos relacionados à raça, sexo, classe, papel e refinamento cultural, a civilização ocidental é apenas um dispositivo ideológico arbitrário, e certamente não (como a sua própria imagem sugere) um repositório do conhecimento moral real. Além disso, eles devem aceitar que o objetivo de sua educação não é herdar essa cultura, mas questioná-la, e, se possível, substituí-la por uma nova abordagem ‘multicultural’ que não faça distinção entre as muitas formas de vida pelas quais os estudantes encontram-se cercados.

Duvidar dessas doutrinas é cometer uma profunda heresia e ser uma ameaça para a comunidade da qual a universidade moderna[10] precisa. Pois a universidade moderna tenta atender aos alunos, independentemente de religião, sexo, raça ou formação cultural, e até mesmo da capacidade. É, em grande parte, uma criação do Estado, estando totalmente inscrita na ideia estadista de como uma sociedade deveria ser –  a saber, uma sociedade sem distinções. Portanto, a universidade moderna é tão dependente da crença na igualdade quanto a universidade do cardeal Newman dependia da crença em Deus. O seu objetivo é criar um microcosmo da sociedade futura, assim como a faculdade do cardeal Newman era um microcosmo do mundo dos gentlemen. E, como a nossa cultura herdada é um sistema de distinções, opondo-se à igualdade em todas as esferas em que o gosto, o julgamento e o discernimento fazem reivindicações, a universidade moderna não tem escolha a não ser opor-se à cultura ocidental.

Portanto, apesar de sua aspiração inata à afiliação, os jovens são instruídos na universidade que eles vêm do nada e que não pertencem a nada: que todas as formas de afiliação preexistentes são nulas e sem efeito. Eles recebem um rito de passagem para o nada cultural, pois essa é a única maneira de alcançar a meta igualitária. No lugar das antigas crenças de uma civilização baseada na piedade, no discernimento e na distinção, eles recebem as novas crenças de uma sociedade baseada na igualdade e na inclusão; e, são informados de que é um crime julgar outros estilos de vida. Se o objetivo da universidade moderna fosse simplesmente substituir um sistema de crenças por outro, ela seria aberta ao debate racional. Mas o objetivo é substituir uma comunidade por outra.

Qual é a alternativa? Se as universidades não propagam a cultura que lhes foi confiada, aonde mais os jovens podem procurá-la? Algumas reflexões em resposta a essa pergunta foram sugeridas por experiências que começaram para mim em 1979. Os escritos de Foucault, Deleuze e Bourdieu estavam começando a criar ondas na Universidade de Londres, onde eu lecionava. Os meus alunos estavam sendo informados de todos os lados que não existe conhecimento nas humanidades, e, que as universidades existem não para justificar a cultura como uma forma de conhecimento, mas para desmascará-la como uma forma de poder.

Em resposta, me perguntei o que exatamente eu estava tentando ensinar e por quê. Ao apresentar aos alunos as grandes obras de filosofia, literatura e crítica que eu havia absorvido na escola e na universidade, eu senti que estava oferecendo a eles o quadro de referência, o estoque de especulações, os paradigmas de discernimento e alusão, para que, através dos quais, entendessem o seu mundo. Eu estava oferecendo a eles a afiliação à cultura, não como um corpo de doutrina, mas como uma conversa contínua. E isso, eu senti, era uma forma de conhecimento real: não o conhecimento de fatos e teorias, mas conhecimento do que sentir, como se relacionar, e a que pertencer. No entanto, esse corpo de conhecimento, como eu o supunha, estava agora sendo descartado como uma ideologia burguesa, ou – no jargão de Foucault – como o episteme, o saber acumulado, de uma classe dominante.

Um dia, veio-me um convite, de boca, para falar em um seminário clandestino em Praga. Eu aceitei; como resultado, entrei em contato com pessoas para quem a busca pelo conhecimento e pela cultura não era um luxo dispensável, mas uma necessidade. Nada mais poderia lhes proporcionar o que buscavam, que era uma rota de fuga do mundo das mentiras pelas quais estavam cercados. E discutindo a herança cultural ocidental entre si, eles foram marcados como hereges, que arriscavam a detenção e a prisão apenas por se reunir como eles faziam. Ironicamente, talvez a maior conquista intelectual do partido comunista tenha sido convencer as pessoas de que a distinção feita por Platão entre conhecimento e opinião é válida, e, que a opinião ideológica não é meramente distinta do conhecimento, mas inimiga do conhecimento; é uma doença implantada no cérebro humano, que impossibilita distinguir entre as ideias verdadeiras e as ideias falsas. Essa foi a doença espalhada pelo Partido. E foi espalhado por Foucault também. Pois foi Foucault quem ensinou os meus colegas a avaliar toda ideia, todo argumento, toda instituição, convenção ou tradição em termos da ‘dominação’ que mascara. Verdade e falsidade não tinham significado real no mundo de Foucault; tudo o que importava era o poder.

Essas questões foram sublinhadas com intensidade para os tchecos e eslovacos no ensaio de Václav Havel ‘O poder dos impotentes’ (1978), exortando os seus compatriotas a ‘viverem na verdade’. Como eles poderiam fazer isso, se não eram capazes de distinguir o verdadeiro do falso? E como eles poderiam distinguir o verdadeiro do falso sem o benefício da cultura e do conhecimento real? Portanto, a busca por essas coisas se tornou urgente. E o preço dessa busca foi alto – assédio, prisão, privação de direitos e privilégios comuns, e, uma vida à margem da sociedade. Quando algo tem um preço moral alto, apenas as pessoas comprometidas o perseguem. Por isso, encontrei, nos seminários clandestinos, um corpo discente ímpar – pessoas dedicadas ao conhecimento, como eu o entendia, e cientes da facilidade e do perigo de substituir o conhecimento pela mera opinião. Além disso, eles procuravam conhecimento no lugar onde é mais necessário e também mais difícil de encontrar – na filosofia, na história, e na arte e literatura, nos lugares onde o entendimento crítico, e não o método científico, é o nosso único guia. E o mais interessante para mim foi o desejo urgente entre todos os meus novos alunos de receber a herança cultural que lhes era transmitida. Eles haviam sido criados em um mundo onde todas as formas de pertencimento, exceto a submissão ao Partido no poder, haviam sido marginalizadas ou denunciadas como crimes. Eles entenderam instintivamente que uma herança cultural é preciosa, precisamente porque oferece um rito de passagem para o que você realmente é e para a comunidade de sentimentos que é sua.

Havia outra característica interessante dos seminários clandestinos, que é o faro de que os seus recursos intelectuais eram tão escassos. Os acadêmicos do Ocidente são obrigados a publicar artigos e livros para avançar em suas carreiras e, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, isso levou a uma proliferação de literatura que, se não de secunda categoria, do ponto de vista intelectual, quase sempre não tem mérito literário – é pesada, cheia de notas de rodapé, sem imagens informativas ou eloquência, e, com um conteúdo que é ao mesmo tempo efêmero e impossível de ignorar. O peso dessa pseudo literatura oprime tanto os professores quanto os alunos das humanidades, e agora é praticamente impossível descobrir os clássicos que estão enterrados debaixo dela.

Às vezes eu penso que o maior serviço à nossa cultura foi prestado pela pessoa que incendiou a biblioteca de Alexandria, garantindo assim que nada sobrevivesse àquele volume de literatura além daquelas obras consideradas tão preciosas que toda pessoa educada teria suas próprias cópias. Os comunistas haviam prestado um serviço semelhante à vida intelectual na Tchecoslováquia, impedindo a publicação de qualquer coisa, exceto aquelas obras consideradas tão preciosas que as pessoas estavam preparadas para produzi-las em laboriosas edições samizdat[11]. Estas obras eram passadas ​​de mão em mão e lidas com grande interesse por pessoas para quem o conhecimento, e não o progresso na carreira, era o objetivo. Quão revigorante era isso, depois de uma vida entre revistas acadêmicas e suas notas de rodapé!

Obviamente, as circunstâncias dos seminários clandestinos eram incomuns, e, ninguém iria querer reproduzi-las. No entanto, durante os dez anos em que trabalhei com outras pessoas para transformar esses grupos particulares de leitura em uma universidade estruturada (embora clandestina), aprendi duas verdades muito importantes. A primeira é que uma herança cultural é realmente um corpo de conhecimentos e não um conjunto de opiniões – conhecimento do coração humano, e da visão de longo prazo de uma comunidade humana. A segunda é que esse conhecimento pode ser ensinado e que não é necessário um vasto investimento de dinheiro para isso; e, certamente não os US $ 50.000 por estudante por ano exigidos por uma universidade da Ivy League[12]. Requer um punhado de livros que passaram no teste do tempo e são valorizados por todos que realmente os estudam. Requer professores com conhecimento e alunos ansiosos para adquiri-lo. E isso, por sua vez, requer uma tentativa contínua de expressar o que se aprendeu, em ensaios ou em encontros cara a cara com um crítico. Todo o resto –  administração, tecnologia da informação, salas de aula, bibliotecas, recursos extracurriculares – é, em comparação, um luxo insignificante.

Quando as instituições são incuravelmente corrompidas, assim como as universidades foram corrompidas pelo comunismo, nós devemos começar de novo, mesmo que o custo seja tão alto quanto foi na Europa ocupada pelos soviéticos. Para nós, o custo não é tão alto. O presente mais precioso de nossa civilização, e o que estava mais ameaçado durante o século XX, é a liberdade de associação. Como essa liberdade ainda existe, e em nenhum lugar mais do que na América, o fato de não podermos mais confiar nossa alta cultura às universidades importa menos. O destino de Harvard e Yale é inevitavelmente uma preocupação geral; mas também existem instituições de ensino superior como o St. John’s College, em Anápolis, ou o Hillsdale College, no Michigan, onde pessoas que acreditam no currículo antigo estão preparadas para ensiná-lo. Existem grupos privados de leitura, cursos on-line, associações de acadêmicos, grupos de reflexão (think tanks) e programas de palestras públicas. Existem instituições como o Intercollegiate Studies Institute (Instituto de Estudos Intercolegiais), que oferece um serviço de resgate para estudantes que foram vítimas do politicamente correto. Existem periódicos como este, que servem como ponto focal para discussões que, no final das contas, não precisam de uma universidade para ocorrer. Parece-me que nós nos deixamos intimidar pela crença de que, como as universidades têm bibliotecas, laboratórios, professores instruídos e dotações substanciais, elas são também repositórios indispensáveis ​​de conhecimento. Nas ciências, isso é verdade. Mas isso não é mais verdade nas humanidades.

No entanto, o caminho a seguir não é tão claro quanto gostariam os defensores do antigo currículo. Os programas dos ‘grandes livros’ (o cânon literário), as pesquisas sobre a nossa herança cultural, os estudos comparativos da arte, da música e da arquitetura ocidentais – todas essas são escolhas óbvias. Mas por quê? O que distingue esses programas dos cursos de música pop, de desenho em quadrinhos, e dos estudos de gênero, que, tão facilmente, entram para substituí-los? Dizer que o currículo tradicional continha conhecimento real em oposição a distrações efêmeras apenas levanta outra pergunta. Pois nós não sabemos em que consiste realmente o conhecimento. Sentimos isso, é claro, como meus alunos tchecos sentiram. Sentimos o chamado da cultura que é nossa, e queremos dizer que, ao responder a esse chamado, estamos deixando o mundo da opinião e entrando no mundo do conhecimento. Mas por quê?

As respostas até o momento, ou são triviais – como quando Matthew Arnold nos diz, em Culture and Anarchy (Cultura e Anarquia), que uma alta cultura consiste no “melhor que já foi pensado e dito” – ou então, baseadas em alguma versão da visão iluminista de que o conhecimento cultural envolve transcender o particular no universal, substituindo as nossas lealdades constritivas e as comunidades imaginadas por algum ideal cosmopolita. E, há apenas um pequeno passo entre essa posição iluminista e o currículo multicultural e igualitário que adota o universal humano apenas porque toda a singularidade da herança cultural real foi retirada da mesma. Eu suspeito que, até que consigamos chegar a algo melhor do que essas duas abordagens, não conseguiremos escapar das garras das universidades, e tampouco nos sentiremos confiantes o suficiente para começar de novo sem elas.

                                                                                                                                                                                _________

Ensaio publicado inicialmente na revista online First Things em abril de 2015. Tradução e notas de rodapé de Joaquina Pires-O’Brien (UK). Sir Roger Scruton (1944-2020), filósofo britânico, é considerado o maior filósofo do conservadorismo desde Edmund Burke (1729-1797).

 

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[1] Paideia (em grego antigo: παιδεία) é a denominação do sistema de educação e formação ética da Grécia Antiga, que incluía o ensino da Educação Física, Gramática, Retórica, Música, Matemática, Geografia, História Natural e Filosofia. O objetivo da paideia era formar um cidadão perfeito e completo, capaz de liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade.

[2] Os Studia (sing. studium) eram um novo tipo de escola que surgiu no século XI na Itália.  Inicialmente havia apenas studia de conhecimento específico, mas posteriormente surgiram as studia generalia ou ‘escolas de estudos gerais.’  As primeiras eventualmente passaram a ser conhecidas como ‘faculdades’, do latim facultatem, uma tradução do termo grego ‘dynamis’, que significa ‘ramo de conhecimento’, enquanto que as segundas são reconhecidas como sendo as primeiras universidades.

[3] O Iluminismo, ou siècle des Lumières (literalmente ‘século das Luzes’) no francês, ou Aufklärung em alemão, refere-se ao movimento intelectual na Europa dos séculos XVII e XVIII, durante o qual as ideias sobre Deus, razão, natureza e humanidade foram sintetizadas em uma visão de mundo que obteve ampla aprovação no Ocidente, e, instigou desenvolvimentos revolucionários na arte, na filosofia e na política. O pensamento central do Iluminismo é a celebração da razão e o seu uso para ajudar as pessoas a entender o universo e a melhorar as suas condições.

[4] Bildung. Palavra alemã que designa a tradição alemã do auto cultivo. É sinônimo de educação e formação.

[5] John Henry Newman (1801-1890) foi um influente clérigo e homem de letras do XIX, na Inglaterra. Ele liderou o chamado movimento de Oxford, de 1833, pela reforma da Igreja Anglicana. Em 1843 ele deixou a Igreja Anglicana e se converteu para a Igreja Católica romana, dentro da qual foi ordenado padre e nomeado cardeal. O seu livro The Idea of the University (A Ideia da Universidade; 1852) defende a tradicional união entre o conhecimento e a religião das primeiras universidades, discorrendo sobre a filosofia e a teologia, o humanismo e o cristianismo, a razão e a revelação, a natureza e a Graça Divina, etc. Em 2019 Newman foi canonizado santo pelo Papa Francisco.

[6] Gentlemen. Inglês, plural; singular: gentleman. A palavra gentleman é traduzida para o português como cavalheiro, no sentido de homem educado e dotado de trejeito social e boas maneiras.

[7] Colleges. Inglês, plural; singular: college. No mundo anglófono a palavra college equivale à palavra `faculdade` e seus cognatos, empregados nas línguas latinas. Pode também significar ‘universidade’ ou ‘campus universitário’. Citando como exemplo a Universidade de Oxford, esta consiste de diversos colleges, cada qual com seu próprio caráter e história. Na Universidade de Oxford, a maioria dos colleges oferece refeições, bibliotecas, alojamento, esportes, e os mais variados eventos. Portanto, cada college é uma comunidade de alunos, professores e servidores.

[8] Dons. Inglês. Na Universidade de Oxford, dons são os governantes de cada college. Noutras universidades a palavra don é empregada para designar os professores de modo geral.

[9] Alma mater. Palavra Latina que significa literalmente ‘mãe nutridora da alma’, mas cuja conotação normal é a da universidade ou faculdade onde uma pessoa estudou.

[10] Ao usar a expressão ‘universidade moderna’ o autor não está contrastando o moderno e o pós-moderno mas simplesmente se referindo à universidade dos dias de hoje, isto é, das últimas décadas.

[11] A palavra Samizdat se refere a um sistema na ex-URSS e na Europa Oriental pelo qual livros e revistas proibidos pelo Estado eram impressos ilegalmente por grupos que se opunham ao Estado.

[12] Ivy League. Termo referente a oito universidades de prestígio no nordeste dos Estados Unidos: Harvard, Yale, Pensilvânia, Princeton, Columbia, Brown, Dartmouth e Cornell, assim chamadas devido à hera (ivy) que cresce em seus antigos prédios e muros. Os estudantes dessas universidades são chamados Ivy Leaguers.

 

Joaquina Pires-O’Brien

Review of the book The Madness of Crowds by Douglas Murray. London, Bloomsbury Continuum, © 2019, 280 pp.

The Maddness of Crowds, reviewCapturing the present objectively is never an easy task, but this is precisely what Douglas Murray does in The Madness of Crowds (2019). He has a proven track record as a serious scholar, in spite of being only forty years young. His first book Bosie: A biography of Lord Alfred Douglas (2000) was published when he was still an undergraduate at Oxford. After that he wrote Neoconservatism (2005), Bloody Sunday: Truths, Lies and the Saville Inquiry (2011), and The Strange Death of Europe: Immigration, Identity, Islam (2017).

One of the characteristics of our era is the constant presence of groups claiming social oppression and advocating social justice and intersectionality. These groups, now recognized as ‘identity politics groups’, are permanently demanding reparations for offenses in the present as well as in the past.  Reparations for offenses committed in the past are especially problematic even for the most capable ethicists. As for the offenses committed in the present, the problem is that they are often minuscule; they could be something a person said in a private sphere, and from there taken to the public sphere and the ‘court of political correctness’. In 2015, in the United Kingdom, Professor Tim Hunt, a 72-year-old Nobel Prize-winning scientist was forced to quit his honorary professorship at University College London because of a storm of criticism for saying the phrase ‘the trouble with girls` during a brief talk about women in science. Each identity politics group has its own grievances, and although they bicker with one another, they are united by the agenda to impose a new social morality, one which has many traits of religion. However, the new social morality that the identity politics group want to impose in the West clashes with some important values of Western culture such as individualism and freedom of expression. The incivility and unbecoming behaviour in many of their activisms have a disrupting effect upon the peace and security of the community.

In this book, Murray provides an in-depth analysis of the upsurge of groups advocating social justice and intersectionality, concentrated on the four largest ones:  gay, women, race and ‘trans’. Each of these is in a separate chapter, but inserted between the chapters are three ‘interludes’: ‘The Marxist Foundations’, ‘The Impact of Tech’, and ‘On forgiveness’. In his analysis of each group study, gay, women, race and ‘trans’,  Murray adopted the a priori criterion of deciding whether its main descriptor was ‘hardware’ or ‘software’, that is, nature or nurture. Although the criterion of deciding beforehand whether a particular condition or situation is nature or nurture is obviously a way to avoid biases, the author is not harboured from biased charges due to the taboo status of the subject.

Many people in the gay, women, race and ‘trans’ activist groups are ready to label people they dislike as ‘fascist’ but have difficulty in spotting the fascism inside their own communities. Murray himself was labelled a ‘fascist’, albeit incorrectly, for the word ‘fascist’ designates authoritarianism and intolerance. According to its correct definition, the term ‘fascist’ would apply to the leaders of the gay, women, race and trans groups, who ban from their community those members who refuse to accept certain aspects of the group’s agenda. Here are some examples of this banishment: (i) Peter Thiel, excluded from the gay group for supporting the Republican party; Kayne West, Candace Owens and Thomas Sowell, excluded from the black group for not agreeing with its adopted victim mentality;  and Germaine Greer, excluded from the new feminist group for writing that people who were born men could not be classed as women. Many people in the gay, women, race and ‘trans’ groups have difficulty in spotting the fascism inside their communities.

The first chapter, ‘Gay’, describes the politicizing of the gay community and a number of other interrelated issues. In the United States gays are normally left-wing and supporters of the Democratic party. During the American Presidential elections of 2016, Peter Thiel and other known American gays were ostracised from the gay community after they declared their support for Donald Trump. This was covered in a paper by Jim Downs, an associate professor of history at Connecticut College, who asked if an individual should still be considered a member of LGBT even though that individual has disavowed aspects of queer identity. This chapter is followed by the section called ‘Interlude: The Marxist Foundations’, and it is there that one gets to understand how Postmodernism differs from Marxism. One of the most powerful symbols Marxism is the ‘pyramid of the capitalist system’, introduced by Marx, with the working class at the bottom and the capitalist classes on top. Postmodernism has a similar pyramid with the difference that the bottom is occupied by the oppressed and the top by the oppressors. In the postmodern era, the oppressed are minorities such as gays, women, and people of colour, while the oppressors at the top are white males.

The chapter ‘Women’ starts with a discussion on sexual morality. Regarding the way the two sexes threat on one another, there has been a huge change in a very short period of time. Women often objectified themselves and got away with that. One example given happened in the early 1990s, when Drew Barrymore, then 20 years old, performs an impromptu sensual dance which includes flashing her breast to the male presenter of The Late Show, to the delight of the studio audience. Only 25 years later, in October 2017, the whole world watches the scandal around Harvey Weinstein, when a long list of women came forward to accuse him of unwanted sexual advances. ‘Is it possible for morality to have changed so much in such a short period?’ Murray asks. He then raises the subject of women’s dress code in the working place. Many men would perceive as counterintuitive for women to dress sexy in the workplace and accept or adopt a victimhood narrative regarding unwanted male attention. In the topic of feminism, there have been many waves of it, and a huge change in perspective. While the early wave of feminism was about equal rights for women and men, the latest wave of feminism is marked by the wholesale slander of all men, which the author calls ‘misandry’.  Following this chapter is the interlude section called ‘the impact of tech’, which presents the theme under the perspective of Artificial Intelligence (AI) morality.  Silicone Valley techs want to transfer to machines the decision of drawing the line on fairness and morality. This section also points out the end of search engine neutrality as Google’s search results now have to conform to the programmed fairness (machine reading fairness or MFR), and as a result of this, they do not reflect reality. The author suggests that the community of techies in Silicone Valley is left-leaning, and view this ‘falsification of reality’ as a small price to pay for fairness.

The chapter ‘Race’ deals with changes in the meaning of racial-related acts and concepts. The term ‘colour-blindness’, the idea that skin colour should become such an unimportant aspect of a person’s identity that it is possible to ignore it completely, was once recognized as a solution to the problem of racism only to be later identified as part of the problem of racism. This shift in meaning is seeing in the expression ‘colour-blind racism’, coined by Eduardo Bonilla-Silva, president of the American Sociological Association. Another term that becomes associated with racism is ‘cultural appropriation’, in spite of the popular saying that ‘imitation is the sincerest form of flattery’. The sinister concept of ‘cultural appropriation’ has been around for several years. Here are two examples. In 2015 at Yale, some students who turned out at a Halloween part party wearing Native American headdress were told off for  ‘cultural appropriation’ because they were not Native Americans. A similar thing happened in 2017 when two Californian persons who were not Mexicans set up a roadside business to sell burritos. There are other concepts whose meaning are just as hard to comprehend, such as  ‘white privilege’ and ‘whiteness’. These terms have served activisms in the United States for years and now they are being used in the UK:

By 2018 hundreds of university lecturers in Britain had to attend workshops where they were told to acknowledge their ‘white privilege’ and recognize how ‘whiteness’ can make them racist even without knowing it.

In the United States, the worse of identity politics of race is found in academia. The demeanour of identity politics activism has turned American universities and colleges into a race-obsessed place. One of the colleges mostly troubled with identity politics activism is the Evergreen State College, in Olympia, Washington. An incident that happened there in 2017 was especially disquieting due to the kind of language the students used to address the College President, George Bridges.  The identity politics of race has fuelled many unnecessary conflicts. However, it must be pointed out that there are many non-whites who are not complicit with its tactics. A review of Thomas Sowell’s Intellectuals and Society (2009) published in the LSE Review of Books had to be corrected a posteriori, by removing the words “easy for a rich white man to say”, when it came to the attention of the editor that Sowell was black.

The section  ‘On Forgiveness’, presented as an interlude after the ‘Race’ chapter, deals with the trend of hunting down people and ruining their lives on the account of minor foibles. People are not perfect just as society is not perfect. Although human foibles are often the result of bias, most of the time there are mitigating circumstances, which is why reason and reasonableness tell us to be forthcoming with forgiveness. In his famous speech in Washington, DC, in 1963, Martin Luther King offered his version of the golden rule, pointing out that there is a right way in which human beings should treat each other.

The last chapter, ‘Trans’, discusses the many issues of trans people and their relationship with society. Of all four groups treated in this book, the trans is the most problematic for involving irreversible changes whose consequences are yet to be discovered. The author shows the quick evolution of the term in the last decades. The term was initially employed to describe people who occasionally dressed like the opposite sex, but now it is used to describe individuals who had submitted themselves to gender reassignment surgery. Now, the first is called ‘transvestitism’ and the second ‘transsexualism’. There are other complications to the theme, like individuals who were born with characteristics of both sexes, now called ‘intersex’ people. There have been many conflicts linked to statements made by journalists and other people in the public eye, and these are likely to continue for a long time.

One of the notions we get from this book is how scarce reason and common sense are becoming in today’s society. Reflecting on the incident with Professor Tim Hunt, Murray goes on to say that we are now living “in a world in which one of the greatest exertions of ‘power’ is constantly exerted – the power to stand in judgment over, and potentially ruin, the life of another human being for reasons which may or may not be sincere”.  Today Western society is booby-trapped to catch the politically incorrect. Any unlucky individual who falls in one such booby-trap will fall prey to the pack of fanatics. Even the minutia of our daily lives is now over-politicized, causing the demise of spontaneity and conversation. The West is in a mess because of this and must find its way out as soon as possible. Learning to forgive and forget could be a step in that direction.

Madness is the opposite of sense.  The word ‘madness’ in the title of this book is a reminder that crowds have no reason or accountability. Only individuals think and can be accountable for their acts. Only individuals understand the juggling act of hearing others and being heard. As Murray correctly pointed out, there is no sense whatsoever in accusing the West of being among the world’s worse place for oppression, for complaints of oppression and human rights violation are only heard in free countries. The West has faults like every other society, but it is also the place where the world’s freest countries concentrate, where people can live their lives the way they wish, provided that they don’t stop others from doing exactly the same. The line between madness and sense is frequently blurred, as when something good is packaged together with something bad. For instance, a community is a good thing, except when its common ground is a bad ideology.

The common ground of contemporary political identity groups is Postmodernism, an ideology akin to Marxism based on the power dynamics of construction and deconstruction. Postmodernism confounds people with the use of the media to fabricate personas and to undermine traditional Western values such as objective truth and morality. Other consequences of Postmodernism are the disregard for science and expertise, and the demise of meritocracy.

Another significant point the author makes is that many people in the West have lost the ability to think for themselves, and because of that, they tend to seek the easier option of sticking to the currently accepted opinion. The well-informed opinion that could lend perspective to the debate, is now labeled ‘wrong politics’. This label has nothing to do with being wrong but with being lesser popular. The endorsement of the most popular opinion at the expense of objectivity is the same as the majority bullying the minority. This applies to identity politics groups and some newspapers and magazines. Allowing the many to bully the few is anathema to classical liberalism. One of the most important problems of the West in the 21st century is for people to reacquire the habit of thinking for themselves. Gaining objective knowledge of political identity groups is a step in that direction. This is an important reason why every person above the age of 16 should read Douglas Murray’s The Madness of Crowds.

                                                                                                                                               

Jo Pires-O’Brien is the editor of PortVitoria.

Jo Pires-O’Brien

Review of the book Provocations by Camille Paglia. Pantheon Books, © 2018, 712pp

I still recollect the first time I ran across the name of Camille Paglia, the Italian-American woman of letters.  It happened in Brazil in 1992, when a one-page article by her, probably one of her syndicated columns, was published in a Brazilian weekly magazine, inside a larger article covering the troubles on the celebrations in Brazil of the 500 anniversary of Columbus epic voyage of discovery due to opposing activism. Paglia was the only public intellectual who dared to criticize the twin activism in the United States, which explains why her article was used in Brazil. After that, I began to pay attention to her name wherever it would appear in the media, and soon discovered that Paglia was a household name in the Anglophone world, and more recently, that she has many admirers in Brazil.

Paglia has been at the centre of the culture wars at the American colleges and universities, on the side that stands for tolerance to ideas and authentic scholarly principles. Her new book Provocations (2018) starts by listing the contraindications and indications, determined by people’s ways of thinking, before getting to the point of what the book is about. The collection of essays and short interviews in Provocations covers two and a half decades since her last essay collection was published in her 1994 book Vamps & Tramps. However, Provocations also includes essays on her previous books and interviews. According to Paglia, since her student days she wanted to develop an ‘interpretative’ style of writing that could integrate high and popular culture, which is how she describes her style in Provocations. Although she doesn’t say there that the biology of human nature is a crucial component of the interpretative’ style, this is implicit in many of her essays.

The essays and interviews in Provocations are organized into eight categories: popular culture; film; sex, gender, women; literature; art; education; politics; and religion. The eight categories required to organise these essays are revealing of Paglia’s encyclopaedic knowledge. However, her way of thinking is best revealed by the threads of ideas she interweaves in each category. They are things like art, historical timeline, Shakespeare, post-structuralism and postmodernism, nature, biology and freedom of expression.

The essays on ‘popular culture’ include such topics as Hollywood, song lyrics, Rihanna, Prince, David Bowie and his alter ego Ziggy Stardust, punk rock, favourites popular songs, Gianni Versace and the Italians’ way of seeing death.  The essays on the category ‘film’ talk about Alfred Hitchcock and his female characters, ‘the waning of European Art film’, ‘the decline of film criticism’, ‘movie music,’ and ‘Homer on film.’ The essays on the category ‘sex, gender, and women’ starts with the essay ‘Sex Quest in Tom of Finland’, the story of a Finnish homoerotic artist (actual name Touko Laaksonen) which was turned into a movie. The essays on the category ‘literature’ start with one telling off publishers for sending out unsolicited manuscripts accompanied by a request of a ‘blurb,’ a short description of a book written for promotional purposes; the remaining are properly framed on literature. These include essays on play writers such as Shakespeare, Tennessee Wiliams, Norman Mailler, and about why it took her five years to select the world’s best poems of all times for her book Break, Blow, Burn. The essays on the category ‘art’ covers Andy Warhol, the Mona Lisa, and the power of images. The essays on category ‘education’ covers a variety of themes associated with the aforementioned culture wars at the American colleges and universities, inclusive the intrusive federal regulations aimed at enforcing politically correctness on campus activities. The category of ‘politics’ starts with an interview for Salon magazine about the U.S. invasion of Iraq, and then go on to analyse political figures such as Bill Clinton, Sarah Palin and Donald Trump. The last category is ‘religion’, and it includes essays on the Bible, ‘that old-time religion’, the cults and cosmic consciousness in the sixties in America, ‘religion and the arts in America’, and one essay on why religion should be part of the curriculum of higher education.

One essay I found especially intriguing was that on the Russian-American philosopher Ayn Rand’ (1905-1982), whose objective was to clarify similarities and differences between Rand and herself, after some of her readers pointed out that they had noticed parallels between Hand’s writing and her own. When Paglia finally decided to read Rand she was astonished in finding similar passages to those in her own books. However, she also stresses the main differences between herself and Rand. Paglia describes Rand as an intellectual of daunting high seriousness she describes her style as playful, emphasizing her belief that comedy is a sign of a balanced perspective on life. There is a paradox in this assertion in the fact that Paglia excludes herself from the category of ‘serious thinkers’ and yet displays a kind of self-knowledge that is typical of serious thinkers.

The essay ‘Women and Law’ caught my attention due to her description of the statue of Justice placed in front of Brazil’s Supreme Federal Court. Like most Brazilians, I know what the statue of Justice looks-like. It is a seated woman holding a sword with her eyes blindfolded, signifying the impartiality of the law. However, I did not know that it was the work of the Italian-Brazilian sculptor Alfredo Ceschiati (1918-1989), using a ‘rugged block of creamy granite from Petropolis,’ and neither the historical lineage of the ‘allegorical personification of justice’ that this statue represented. She explains: “Ceschiati has strangely flattened the head of Justice, as if he is alluding to the bust of Nefertiti, with her conceptually swollen wig-crown, or to the Meso-American Chack Mool, who oversaw with alert eyes the ritual of blood sacrifice, guaranteeing the rise of the sun”. Really? I always thought that the flat head of the statue of Justice in Brasília was due to the sculptor’s decision to make his sculpture as tall as his block of granite would allow. However, Paglia was simply allowing her imagination to wander, for she soon returns to the known facts, when she clarifies that the iconic blindfolded goddess of Justice, “was not an ancient motif, but appeared first in the Northern European Renaissance”. Following that, she takes a side step to raise the question whether gender, or any other basic descriptor of a group of people, should be visible or invisible to the law. Women made gains in the law only in piecemeal way, in a long saga that started in Sumeria, under the Code of Hammurabi, passing through Egypt, Judaea, Athens, Rome, Christianized Europe, China and Japan. The contemporary call for special concessions to women would require making them visible, and that this would trample the idea of the impartiality of the law.

The essay ‘Erich Newmann: Theorist of the Great Mother’ reveals where Paglia gained her perspectives art, women, religion, and higher education. Newmann (1905-1961) was a member of the Weimar culture and a product of what Paglia considers “the final phase of the great period of German classical philology, which was animated by an ideal of profound erudition”. Newmann obtained his PhD in philosophy at the University of Erlangen in Nuremberg, and after that he began to study medicine at the University of Berlin, although the discrimination to Jews introduced by the Nazis prevented him from doing the internship necessary to obtain the medical degree. Nevertheless, he carried on his research, which took a new turn after he met Carl Jung (1875-1961), known for his work of archetypes.  Under Jung, Newmann created the archetype of the Great Mother, “a dangerously dual figure, both benevolent and terrifying, like the Hindu goddess Kali”.  It is also from Newmann that Paglia learned to appreciate things like alchemy and the I Ching. On page 439 of this essay she writes that “Authentic cultural criticism requires saturation in scholarship as well as a power of sympathetic imagination”. Paglia’s fondness of Neumann is due to two things: the quality of his scholarship and the fact that it represented last authentic period of learnedness in higher education, before everything was spoilt by post-structuralism.

It was in the category ‘education’ where I found the essays I liked best. Paglia’s essays on education cover the various problems of colleges and universities which triggered the culture wars of the 1980s, from their traditional mission to protect the free flow of ideas to the circumstances that drove them to be swamped by intrusive federal regulations campus aimed to enforce politically correct policies. In the essay ‘Free speech and the modern campus’, Paglia remembers her old-guard professors at Yale Graduate School, in the late 1960s, as the last true scholars. Here is how she describes how it was then and how it is now:

They believed they had a moral obligation to seek the truth and to express it as accurately as they could. I remember it being said at that time that a scholar’s career could be ruined by fudging a footnote. A tragic result of the era of identity politics in the humanities has been the collapse of rigorous scholarly standards, as well as an end to the high value once accorded to erudition, which no longer exists as a desirable or even possible attribute in job searches for new faculty.

In this same essay Paglia states that it was during the five years she researched her book Glittering Images: A journey through art from Egypt to Star Wars (2012) when she noticed the sharp decline in quality of scholarship in the humanities. She conducted a small experiment to detect when this decline started. That experiment involved selecting 29 images from a period extending offer 3,000 years, starting in ancient Egypt and ending in the present, and compiling the scholarly literature on each image. She found that the big drop off in quality happened precisely in the 1980s, which is when post-structuralism and post-modernism encroached into the colleges and universities.

What caused the scholarship of the humanities to slacken according to Paglia was political correctness, for it stunted the sense of the past and reduced history to a litany of inflammatory grievances. She also points out that this problem became worse when colleges and universities decided to embrace the wrong type of multiculturalism, which started to blame all g social inequalities on Western colonialism. Most conservative thinkers now dislike multiculturalism altogether, but Paglia believes in a right type of multiculturalism that incorporates Western civilization alongside the others. She favours a reform in higher education to prompt the return of authentic scholarly principles. To her, the introduction of popular culture in universities should not occur at the expense of the past. Colleges and universities must have an atmosphere of tolerance, and for that to happen, the spectrum of permissible ideological opinion must be broadened, rather than narrowed. The best way that colleges and universities can fully become a place for learning is by allowing free speech and the free flow of ideas; their departments should not become fiefdoms; no group should have a monopoly on truth; and students should be encouraged to be resilient and to accept personal responsibility.

The last category of essays is religion. Paglia admits being both an atheist and having a ‘1960’s mystical bent’ that fuels her interest in astrology, palmistry, ESP, and the I Ching.  Her essay ‘Cults and cosmic consciousness’ is the longest of this book, with 48 pages. In it, she talks about ancient and modern cults and traces the rise to the New Age movement during the 1980s and 1990s to the spiritual yearnings of her generation. In the essay ‘Resolved: Religion belongs in the curriculum’, the penultimate in this book, she argues the importance of the understanding of religions to the understanding of civilization. She believes that “every student should graduate with a basic familiarity with the history, sacred texts, codes, rituals, and shrines of the major world religions – Hinduism, Buddhism, Judaeo-Christianity, and Islam”. She recalls the religious overtone of her 1991 book Sexual Personae. Here is Paglia’s justification for this:

Judeo-Christianity never did defeat paganism, which went underground during the Middle Ages and erupted in three key moments: the Renaissance, Romanticism, and modern popular culture, as signalled by the pantheon of charismatic stars invented by studio-era Hollywood and classic rock music.

If universities had to choose between the teaching of religion and the teaching of the cult of Foucault – Postmodernism, they would be much better off with religion. Here is how she completes her argument:

Veneration of Jehovah brings vast historical sweep and a great literary work – The Bible – with it. Veneration of Foucault (who never admitted how much he borrowed from others – from Emile Durkheim to Erwin Goffman) traps the mind in simplistic, cynical formulas about social reality, applicable only to the past two and a half centuries of the post-Enlightenment. The highest level of intellect, conceptual analysis, and rigorous argumentation in the collected body of ancient Talmudic disputation and medieval Christian theology far exceeds anything in the slick, game-playing Foucault.

Postmodernism, including the poststructuralism which was rooted in the field of literary criticism, is one of the various threads of thought that weaves in and out of the eight categories of this book. Paglia threats the two terms as synonymous. In her essay ‘Scholars talk writing’ she describes the Yale she knew during the period as a graduate student there, from 1968 to 1972. It was a time when “French post-structuralism was flooding into Yale”. This is how she ends this same essay: “I’ve spent 25 years denouncing the bloated, pretentious prose spawned by post-structuralism. Enough said! Let the pigs roll in their own swirl”. In the essay ‘Free speech and the modern campus’ she describes the simultaneous rise of deconstruction and poststructuralism:

The deconstructionist trend started when J. Hillis Miller moved from Johns Hopkins University to Yale and then began bringing Jacques Derrida over from France for regular visits. The Derrida and Lacan fad was followed by the cult of Michael Foucault, who remains a deity in the humanities but whom I regard as a derivative game-player whose theories make no sense whatever about any period preceding the Enlightenment. The first time I witnessed a continental theorist discoursing with professors at a Yale event, I said in exasperation to a fellow student: ‘They’re like high priests murmuring to each other.’ It is absurd that elitist theoretical style, with its opaque and contorted jargon, was ever considered leftist, as it still is. Authentic leftism is populist, with a brutal directness of speech.

Poststructuralism or postmodernism was the major cause of the weakening of scholarship in the colleges and universities. In her aforementioned essay on Erich Newmann Paglia shows how important nature was in Newmann’s time and how things have changed.

The deletion of nature from academic gender studies has been disastrous. Sex and gender cannot be understood without some reference, however qualified, to biology, hormones, and animal instinct. And to erase nature from the humanities curriculum not only inhibits student’s appreciation of a tremendous amount of great, nature-inspired poetry and painting but also disables them even from being able to process the daily news in our uncertain world of devastating tsunamis and hurricanes.

As I started to read Camille Paglia’s Provocations I soon understood that the word ‘provocations’ is used in the sense of inciting thought. Although inciting thought is not the same as inciting rage, the first can lead to the second. Paglia has made some foes on her campus, who would like to see her pushed aside. History repeats itself when its past lessons are forgotten. During the trial of Socrates in 399 BCE, the philosopher told the Athenian people that although they saw him as a pesky ‘gadfly’, he was ‘a gadfly given to them by God,’ and one which will be difficult to replace.’ Paglia is the modern-day ‘gadfly’. She too will be difficult to replace.

                                                                                                                                               

Jo Pires-O’Brien is a Brazilian-Brit and the editor of PortVitoria.

Nota da Editora. Dois pontos importantes dessa entrevista são Maurice Strong (1929-2015), o organizador da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, de 3 a 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro, e, como essa conferência promoveu o surgimento de diversas novas ONGs ambientalistas, que, apesar de serem designadas ‘não governamentais’ e de oficialmente desacreditar as grandes corporações, receberam dinheiro tanto do governo do Canadá quando das empresas de petróleo do Canadá. A entrevista também sublinha a hipocrisia da política externa do Canadá no emprego da ajuda externa para desviar a potencial sedição vinda da África francófona em suporte à separação de Quebec, e, nos anos que precederam a Rio 92, financiando ONGs com pleno conhecimento de parte do dinheiro seria usado para financiar candidatos políticos em eleições no Brasil. Essa hipocrisia, mais o emprego da mídia para direcionar a opinião pública são marcas do construcionismo social característico do Pós-modernismo. Tudo isso aponta para a necessidade de perguntar que outras hipocrisias e desonestidades foram cometidas pelos organizadores da Rio 92 com a conivência da ONU? Jo Pires-O’Brien

James Corbett (JC): Bem-vindos amigos, James Corbett aqui, corbettreport.com. Hoje é primeiro de fevereiro de 2016 e vamos falar sobre algo sobre o qual escrevi recentemente no site, ‘Maurice Strong’, e você será perdoado se todo o seu conhecimento sobre Maurice Strong vem das recentes coberturas dos memoriais em Ottawa. Você pode ser perdoado por pensar que ele era simplesmente um líder ambiental em um sentido direto e simplesmente preocupado com o planeta ou algo assim e certamente vimos muitas pessoas prestando homenagem a ele como um visionário que estava interessado em mudar o mundo para um melhor. Entretanto, há uma história muito mais interessante, muito mais detalhada e muito mais sutil que mostra uma imagem completamente diferente, penso eu, da imagem do movimento ambiental moderno e, mais especificamente, das instituições e organizações internacionais que foram criadas para impulsionar esse movimento.

E nessa nota, novamente, as pessoas que leram o meu artigo recente estarão familiarizadas com Elaine Dewar, a jornalista canadense que escreveu um livro há algumas décadas atrás chamado Cloak of Green, que mencionei naquele artigo, e que gostaria muito recomendar como uma fonte interessante sobre o movimento ambientalista e o seu desenvolvimento, bem como sobre Maurice Strong, a quem ela também teve a oportunidade de entrevistar para esse livro. Ela está no blog elainedewar.blogspot.com e você pode conferir alguns de seus outros livros, como Smarts: The Boundary Busting Story of Intelligence (Brilhantes: Uma história da inteligência que arrebenta limites), e The Second Tree of Clones, Chimeras and Quests for Immortality (A segunda árvore de clones, quimeras e as buscas de imortalidade). Mas, hoje, vamos pedir a ela que estire a sua memória de volta a um par de décadas para falar sobre como surgiu o livro Cloak of Green. Elaine Dewar, muito obrigado por juntar-se a nós hoje no programa.

Elaine Dewar (ED): Bem, obrigada pelo convite.

JC: Bem, como eu disse, você escreveu este livro algumas décadas atrás, e, eu entendo que essa foi uma extensão de sua própria experiência no final dos anos 80, preocupada, assim como a maior parte do planeta, ouvindo histórias sobre a destruição das florestas tropicais e sobre a depleção da camada de ozônio, o que a conduziu por uma jornada pessoal a lugares que talvez você não esperava ir. Eu adoraria ouvir sobre como surgiu o Cloak of Green e o que realmente a levou a escrevê-lo.

ED: Bem, [o livro] surgiu de uma maneira estranha; na verdade, eu estava procurando um escape. Eu vou lhe contar rapidamente, como um antecedente, que antes dessa história eu trabalhava em uma [outra] matéria bem grande e complexa sobre uma família de investidores imobiliários que acabou enfrentando um enorme processo judicial;  era exaustiva, e eu realmente precisava de uma matéria que me tirasse das minhas preocupações diárias. E a matéria, que apresentou-se por si própria, era sobre os perigos da expansão da sociedade brasileira e a construção de uma grande série de barragens no sistema do rio Xingu, na Amazônia, e o que isso podia significar para o clima global, para a atmosfera, e, para todos nós.

A teoria então era de que a floresta era o maior tanque sumidouro de CO2 do mundo e estava sendo destruída pelo desenvolvimento, sendo que as únicas pessoas que estavam no caminho desse desenvolvimento eram um grupo de povos nativos do Brasil chamado Kayapó.

Assim, eu participei de um importante evento de angariação de fundos que ocorreu em uma igreja do centro de Toronto, em 1989 ou talvez em 1988, no qual Paiakán, um dos líderes desse grupo, foi apresentado à multidão como sendo o representante dos que receberiam o dinheiro [angariado], e fariam bom uso do mesmo, defendendo a floresta tropical e protegendo todos nós de um enorme e perigoso impacto no meio ambiente global.

Eu devo estressar a você que eu achei muito estranho que, no Canadá, onde temos mantido uma relação muito complexa e insensível com os povos nativos, tantas pessoas tivessem acabado apoiando um nativo de outro país. Quero dizer, foi ótimo de ver e, ao mesmo tempo, muito estranho. Também foi estranho o fato de ter transparecido que o grupo nativo em questão estava tentando usar mudanças na estrutura política brasileira para ganhar uma espécie de soberania sobre si mesmos, para demarcar o seu território e impedir que pessoas entrassem e saíssem, e, de fato, assumissem o controle da soberania que lhes havia tirada pelo Estado brasileiro invasor.

Foi aí que a matéria começou e eu a persegui, e eu fiquei surpresa ao encontrar várias organizações ambientais canadenses nas quais eu tinha razões para confiar no passado como repórter, e que repentinamente haviam desviado a sua atenção das questões ambientais canadenses para a floresta Amazônica; e, elas todas estavam caminhando por lá, indo a conferências, levantando dinheiro; e, de  uma forma ou de outra, lenta e cuidadosamente, camada por camada, eu fui arrastada para o entendimento de que esses grupos que eu pensava conhecer e compreender, e que eu julgava ser democráticos e ligados à [questões de] comunidade, acabaram se constituindo em grupos que, de fato, tomaram direções e certamente receberam grandes quantias de dinheiro dos [próprios] interesses corporativos que eles em público condenavam, e dos governos que estavam se organizando para aquilo que ficou conhecida como sendo a Cúpula do Rio. E isso me levou a Maurice Strong.

JC: Exatamente.

ED: De fato, eu havia conhecido o Sr. Strong anos antes, em um jantar oferecido por um colega meu, o qual sempre teve um interesse pelo que ele havia feito com a criação da empresa nacional de petróleo do Canadá, chamada Petro-Canada. Eu tinha motivos para fazer uma matéria sobre a Petro-Canada depois que o Sr. Strong deixou a organização e esta passou a ser dirigida por outra pessoa. Assim, eu tinha algumas informações sobre ele, e conhecia muitas pessoas em comum que o conheciam, portanto, conectada mas não conectada, e mais a história dos Kayapó, conduziram-me à conferência preparatória da Cúpula do Rio, que o Sr. Strong estava organizando para a ONU.

JC: Agora, acho que esse é um cenário extremamente importante e ajuda a elaborar a questão que esse livro trata, que é do quadro maior dessas organizações ambientais e suas conexões. Mas, eu acho que Maurice Strong é o exemplo microcósmico perfeito disso, [conforme evidenciado] em sua própria biografia. E  para dar às pessoas uma noção sobre Strong e as organizações nas quais ele estava envolvido… eu quero dizer, é quase risível, quando você realmente tenta alinhar tudo e apenas listá-las; e eu peguei isso em seu website oficial, mencionando apenas os anos de sua carreira após a Cúpula do Rio, onde ele…

Continuou a ter um papel de liderança na implementação dos resultados da [Cúpula] Rio por meio da criação do Conselho da Terra, do movimento da Carta da Terra, a sua presidência do Instituto de Recursos Mundiais, como membro do conselho do Instituto Internacional de Desenvolvimento Sustentável, do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, o Instituto Afro-Americano, o Instituto de Ecologia da Indonésia, o Instituto Beijer da Real Academia Sueca de Ciências, e outros; Strong também foi diretor fundador vitalício do Fórum Econômico Mundial, consultor sênior do presidente do Banco Mundial, e membro do Conselho Internacional da Toyota Motor Corporation, membro do conselho consultivo do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, do Conselho Mundial de Negócios para o Desenvolvimento Sustentável, da União Mundial de Conservação, do World Wildlife Fund, da [organização] Recursos para o Futuro e das Bolsas (Fellowships) Eisenhower.

E isso é apenas uma fatia de duas décadas de sua biografia. Está…

ED: Está faltando muita coisa, como a fome na Etiópia, etc. Não, este é um ser humano muito, mas muito interessante mesmo. Não sei se seus ouvintes se importam em saber como [e onde] ele cresceu, mas você sabe que ele nasceu em Oak Lake, Manitoba, uma comunidade muito pequena não muito longe de Brandon, que não fica longe de Winnipeg. Os seus pais sofreram de fato durante a Depressão. A sua mãe aparentemente morreu em uma instituição mental. Havia muita fome. A vida era realmente difícil. Ele fugiu de casa, acho que [quando] ele estava na 9 ou 10ª série, quando entrou para a Guarda Costeira; tudo isso ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial e, como você sabe, ele eventualmente terminou a série 11, e, em seguida, foi para Chesterfield Inlet, que, os seus ouvintes estão familiarizados com a geografia canadense sabem que fica na costa da Baía de Hudson, bem no norte; foi trabalhar para uma fábrica da Hudson Bay Company em um momento muito, mas muito interessante, quando o governo do Canadá estava tentando descobrir se poderiam defender as nossas fronteiras do norte, deslocando tropas até o norte, até o rio Copper Mine, e depois para Edmonton, enquanto também procuravam urânio. Como você deve se lembrar, o urânio havia se tornado um material estratégico devido ao Projeto Manhattan, e, a partir de 1945, todo mundo, estava tentando encontrar urânio, o qual foi, de fato, encontrado em Baker Lake.

Assim, Strong ganha acesso ao mundo grande através de um cara chamado ‘Wild’ Bill Richardson, o qual era uma espécie de garimpeiro casado com uma família de petróleo chamada McColl, cuja empresa, a McColl-Frontenac, era uma grande importadora de petróleo de Oriente Médio. Esta havia sido comprada pela Texaco através de uma corretora chamada Nesbitt Thomson. De certa forma, Strong foi apresentado ao mundo do petróleo e ao mundo dos recursos [naturais] desde muito jovem. Ele foi recrutado como um rapaz muito inteligente, e, levado sob a asa de um homem chamado Paul Martin Sênior, um ministro de Gabinete cujo filho se tornaria o primeiro-ministro do Canadá, e, introduzido no segmento do petróleo através de pessoas do mais alto escalão, incluindo David Rockefeller.

Então, a história de sua vida é uma história de como as redes funcionam e introduzido no mais alto nível dos, diríamos, os empresários industriais e de recursos que estavam levando adiante o império americano no final da Segunda Guerra Mundial. É aí que ele ganha a sua partida. E ele rapidamente se tornou uma figura bastante significativa no Partido Liberal, o partido político dominante neste país, e por muitos anos se tornou muito ativo no segmento de petróleo de Calgary. [Strong] foi indicado para administrar uma empresa de petróleo aos 31 anos, apoiado efetivamente por empresas independentes ou controladas por Rockefeller, e se tornou um participante muito ativo na rede Y [da organização YMCA]. Esta foi uma organização muito interessante, tanto a nível nacional quanto internacional, no período imediato do pós-guerra, pois tinha filiais em lugares do outro lado da fronteira da Guerra Fria, e portanto, na China e na Rússia. E, como grande parte do discurso político que ocorreu no pós-guerra aconteceu em lugares não oficiais e informais como o YMCA, Strong encontrava-se extremamente bem posicionado em três deles ao mesmo tempo: na política, nos negócios e naquilo que chamamos de ‘sociedade civil’,  e ele avançou rapidamente através dessas redes.

JC: Agora, eu acho que um aspecto importante dessa história são os tipos de organizações que o próprio Strong realmente liderou ou montou, ou foi o diretor fundador. À primeira vista, elas parecem ser organizações governamentais ou, pelo menos, quase governamentais, mas, quando você raspa a superfície, aparecem como entidades muito diferentes por debaixo. Penso que um exemplo disso, de uma época relativamente cedo na sua carreira, logo depois que ele foi nomeado para o programa de ajuda externa do Canadá e criou a Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (CIDA) e o Centro Internacional de Pesquisa em Desenvolvimento (IDRC), das quais provavelmente não muitos canadenses já ouviram falar, mas que continuam funcionando até hoje.

Naturalmente, [a CIDA], foi  estabelecida ostensivamente como um programa que oferece a ajuda [do governo] canadense aos países em desenvolvimento, mas, como você observa em seu livro, foi na realidade uma maneira interessante de ganhar influência política no mundo em desenvolvimento.

ED: Sim, e isso foi particularmente importante para o Canada porque, como você sabe, nós tínhamos retornado ao início da década de 1960, a algo chamado ‘Revolução Silenciosa’, quando as regimentações de uma igreja Católica muito conservadora foram derrubadas por uma população que, pela primeira vez, ganhou acesso, em grandes números, à educação superior.

Strong, naquela altura, estava trabalhando como vice-presidente e, em seguida, presidente da Power Corporation, outra daquelas organizações em camadas que tinha enorme influência política e nos negócios. A Power Corporation acabou com uma enorme pilha de dinheiro depositada em seu colo, quando suas operações hídricas em, creio, Manitoba British Columbia, e em Québec, foram adquiridas por essas províncias; assim, de repente, com dinheiro para gastar (ela) se distanciou de ser uma operação de geração de  eletricidade (em inglês, ‘power’) para ser uma operação de geração de influência política.

Assim, Strong deixou a Power Corporation quando o seu colega e parceiro, Paul Martin Sênior, que era o chefe de assuntos externos, o Ministro das Relações Exteriores, recebeu [recursos de] auxílio externo, que naqueles dias tinha um orçamento muito pequeno e quase nenhuma equipe. [Strong]  transformou-a na Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional, mais uma vez, quase sem dinheiro e sem funcionários;  assim, ele fez um acordo com a SNC, que agora é conhecida como SNC-Lavalin, uma grande empresa de engenharia, para contratar pessoas que ele aprovava, e não contratar pessoas que ele não aprovava, e assumir contratos na África francófona.

A preocupação na época era que um governo francês gaullista pudesse mexer o pote em Québec, isto é, que iria mexer nesse pote a partir de uma de suas colônias na África, e, subitamente, reconhecendo Québec como um estado soberano. Era esse o medo. Assim, a questão para o governo do Canadá, era sobre como impedir isso, e a resposta foi fazer um monte de acordos de ajuda [externa] para torná-los afáveis ​​e desleixados; permitindo que as pessoas sejam tão corruptas quanto a natureza o permite, e, ao mesmo tempo, fazer algo de bom no mundo, mas, mantendo o ouvido colado ao solo da África francesa e mantendo o controle dos eventos.

Assim, Maurice Strong basicamente liderou esse esforço.

JC: Foi um golpe político tão notável e que, no entanto, representa novamente apenas uma pequena fração das coisas em que Strong estava envolvido, mas acho que dá uma noção do modo como ele usou as várias organizações. Ele certamente alavancou uma boa parte do poder que lhe foi concedido.

ED: Ele viu nos negócios a solução de como conseguir poder. Ele não tinha um diploma de curso superior avançado. Ele queria participar em assuntos externos mas não era aceito. Ele sequer podia se candidatar, pelo simples fato de não ter formação universitária. Assim, ele concluiu: ‘tudo bem, os negócios são o meu ponto de entrada’, e, ele usou-os de maneira brilhante. Um homem muito inteligente.

JC: De fato, mas vamos falar de uma outra organização extremamente importante que ele ajudou a fundar depois de presidir a primeira grande conferência ambiental global, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, que levou ao desenvolvimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, sediado em Nairóbi, Quênia e, como você escreve em Cloak of Green, Nairóbi era uma antiga base de Strong, o qual, acredito, morou lá por um período breve nos anos 50. Colocar o PNUMA na África foi…

ED: A propósito, trabalhando para a Caltex.

JC: Sim, uma empresa dos Rockefellers…

ED: ….ele estava trabalhando para uma empresa de petróleo que estava marcando presença em todo leste da África.

JC: Sim, e você continua dizendo: “Colocar o PNUMA na África foi explicado como um golpe para os países em desenvolvimento, que suspeitavam das intenções ocidentais. Mas também foi útil para as grandes potências ter outra organização internacional em Nairóbi. Após a Guerra do Yom Kippur [também conhecida como Guerra Árabe-Israeli, Guerra de Outubro ou Guerra do Ramadan], em 1973, Nairóbi se tornou a principal capital africana de espionagem.” O que, mais uma vez, penso eu, empresta outra camada intrigante às possibilidades de alguém como Strong e seu envolvimento em organizações como o Y [YMCA].

ED: Certo, o seu maior trunfo é a informação: usando-a, encontrando-a, compartilhando-a e alavancando-a.

JC: Sim, usando narrativas para ajudá-lo a pintar cenários que o colocarão em posições de poder.

Bem, então vamos projetar isso mais adiante e poderíamos falar da Comissão Brundtland e outras coisas nas quais ele estava envolvido, mas, como você diz, isso leva na direção da Conferência da Cúpula da Terra de 1992 no Rio, que eu presumiria ser, para qualquer um que estivesse vivo naquela época, irá provavelmente recordar da conferência e de toda aquela cobertura da media em torno da mesma como um dos marcos do movimento ambiental, e,  naturalmente, foi presidida por Maurice Strong. Vamos falar sobre a sua relação com aquela conferência e, como você diz, sobre o trabalho preparatório para a mesma, onde você de fato encontrou-se com Strong e o entrevistou para o livro.

ED: Certo, e ele foi muito solícito. Quero dizer, uma repórter canadense ingênua e que realmente não entende como o mundo funciona ir ter com Strong, essa era eu;  e, ele abriu todas as portas que haviam para abrir. Todas as perguntas que eu fiz para ele respondeu. Se eu não tivesse me preparado, tenho certeza de que as respostas teriam sido diferentes, mas você sabe, o que eu estava vendo era como é que todos esses grupos ambientais que supostamente estão localizados em lugares, isso seria o Canadá, nos casos dos grupos em que eu estava seguindo mais de perto, mas também têm todas essas conexões internacionais. Como é que todos esses grupos estão sendo financiados por governos e [ao mesmo tempo] por grandes interesses do setor de petróleo e gás e de transporte marítimo, e do que seja?

Como isso funcionava e o que eles estão fazendo nesta conferência? No caso das organizações canadenses, as que realmente aparecem na delegação canadense por um lado, e por outro lado, quando reunidas em uma sala privada ou em uma sala que confiam ser privada, onde eu peitei a minha entrada. Como é que essas ONGs (organizações não governamentais) podem ser organizadas por pessoas que, de fato, estão sendo pagas pelo governo do Canadá para organizá-las? Quero dizer, tornou-se um tipo de exercício para mim, enxergar quem estava conectado a quem e como é que todas elas acabaram no bolso de Maurice Strong, e todas acabaram;  todas tinham financiamento ou ajuda governamental, ou, estavam se reportando ao governo; ao mesmo tempo em que se apresentavam ao mundo como organizações não governamentais, que significa, representantes de comunidades ‘raízes de grama’ [em inglês, grass roots; comunidades de base]. Não havia nada de ‘grama’ ou de ‘raiz’ em nenhuma delas.

JC: O que, a meu ver, se presta à questão fundamental sobre do que isso se tratava, porque Maurice Strong tinha, obviamente, seus próprios interesses para vender, e ele tinha seu próprio poder, influência e dinheiro e coisas dessa natureza; mas, isso é claramente sobre algo mais do que um homem ou a sua visão.

ED: Certo. Isso é sobre moldar a opinião política e moldar a opinião política em lugares onde você sabe que um homem não consegue fazer a diferença, e assim sendo, e você está tentando moldar a opinião política dos Estados Unidos da América, é melhor haver muitas e muitas pessoas que carregam essa mensagem, a mensagem que você está tentando moldar aos olhos do público. Um cara em cima de uma caixa de sabão não fará nenhuma diferença. Milhares de organizações com suas próprias campanhas publicitárias e seu próprio impacto local vão fazer a diferença, e ele entendeu que, eu diria, desde o início dos anos sessenta, quando, por exemplo, que quando Pierre Elliott Trudeau tornou-se primeiro-ministro em 1968, ele não chegou até o público canadense vindo do nada. Na verdade, ele havia sido preparado anos antes para um cargo público pela Power Corporation; portanto, Strong entendeu o poder da frase certa dita pela boca certa, e de aparecer no programa de televisão certo na hora certa.

Na conferência no Rio, o seu principal aliado nessa conferência, por ter divulgado a sua mensagem, foi Ted Turner, que cobriu a matéria na CNN pela direita, esquerda e centro, e, cujos funcionários estavam trabalhando com os Kayapó do Brasil, tentando arrecadar fundos e tentando para chamar a atenção para a questão da Amazônia muito antes da realização da conferência. Assim, ele [Strong] começou a se organizar para aquela conferência em 1986 ou 1987, creio eu, quando os suecos pediram que ele a preparasse. Portanto, como a conferência ocorreu cinco anos depois, foram cinco anos de incansável organização, angariação de fundos dos grandes interesses corporativos para as ONGs, e [criando] ONGs financiadoras de ONGs. Era um negócio incrivelmente complexo, que ele soube orquestrar brilhantemente.

 JC: Bem, vamos falar sobre o que eles esperavam deixar como impressão para o público em geral, se essa era uma operação direcionada a influenciar a opinião pública. Deixe-me apontar essa passagem do seu livro que eu achei ser particularmente importante nesse sentido:

A Rio foi descrita publicamente como uma negociação global para reconciliar a necessidade de proteção ambiental com a necessidade de crescimento econômico. Os peritos de dentro entendiam que havia outros objetivos mais profundos. Isso envolveu a transferência de poderes reguladores nacionais para vastas autoridades regionais; a abertura de todas as economias nacionais fechadas restantes a interesses multinacionais; o fortalecimento das estruturas de tomada de decisão muito acima e muito abaixo do alcance das democracias nacionais recém-criadas; e, acima de tudo, a integração dos impérios soviético e chinês no sistema de mercado global. Não havia nome para essa agenda tão grande que eu já ouvira alguém usar, então, mais tarde, eu mesmo a nomeei – a Agenda de Governança Global.

Você pode nos contar sobre essa agenda?

ED: Bem, acho que se você pensar sobre o que estava acontecendo no momento, você meio que terá. Quero dizer, o Brasil foi escolhido ou se escolheu; escolheu-se como o local para esta conferência devido ao fato de que estar saindo dos últimos espasmos da ditadura militar. Estava se tornando uma nova democracia e tentava controlar a forma dessa democracia, enquanto que as diversas partes que tinham interesse no Brasil, como o Canadá, estavam tentando, às suas próprias maneiras, moldar o modo como essa democracia funcionaria.

A Embaixada do Canadá encontrava-se muito ativa, junto ao governo brasileiro por um lado, e junto às ONGs brasileiras, por outro. Concedia financiamento de ONGs com as ‘visões corretas’, e essas ONGs, por sua vez, devido às regras no Brasil, estavam colocando dinheiro no processo político. Em outras palavras, [estavam] dando dinheiro aos candidatos políticos e ajudando-os a serem eleitos. O que quero dizer é que esse tipo de coisa era legal no Brasil, embora fosse ilegal no Canadá e nos Estados Unidos; mas, você conhece [o ditado]: regras diferentes para pessoas diferentes [em inglês, different strokes for different folks].

Ao mesmo tempo, as coisas andavam muito estranhas na China, que estava seguindo o caminho da abertura de sua economia, e,  ao mesmo tempo, reprimia um movimento democrático na Praça Tiananmen em 1989. É que, queria ter controle político junto com a expansão de uma economia cada vez mais capitalista.

A Rússia estava atravessando um colapso, quero dizer, com efeito, a reorganização democrática e perestroika de Gorbachev da maneira como o Estado soviético se conduzia, basicamente descarrilhou-se, e estava passando por uma transição rapidíssima, de um Estado totalmente autoritário para algo inteiramente diferente; tudo ficou disponível, e como é um enorme Estado petrolífero, as pessoas com interesses em petróleo e gás estavam muito preocupadas com as estruturas políticas que surgiriam na União Soviética ou, na pós União Soviética daquele tempo.

O Fórum Econômico Mundial que Strong havia ajudado a fundar, era um local em que todos esses grupos se reuniam para manter discussões fora dos olhos do público. Então, se você era um funcionário chinês e estava tentando abrir sua economia, mas tinha medo de ir longe demais e perder o controle político, havia muitas pessoas no Fórum Econômico Mundial em Davos dispostas a sentar-se e conversar com você sobre como você poderia manejar essas transições; havia muitos interesses corporativos dispostos a lhe dizer que estavam felizes em ajudar. Você sabe, quem sabe o seu filho pudesse ser educado em Harvard e você ter uma bela casa em Vancouver, daqui a uns cinco anos.

Assim, todos esses lugares, essas coisas que Strong estava organizando, estavam se organizando na direção a um sistema econômico global mais amplo e aberto, onde a autoridade política local teria menos controle, e autoridades possivelmente maiores e não democráticas, teriam mais controle sobre a forma do que estava por vir. A União Europeia estava entrando em existência, quero dizer, quando você imagina a quantidade de mudança política que estava ocorrendo, digamos, de 1986 a 1996, era absolutamente assustador. E, ele estava sentado numa invejável cadeira durante muitas dessas mudanças.

JC: E, de uma certa forma, você estava montando uma espingarda para aquele passeio, talvez esgueirando-se pela porta lateral. Como você mencionou, talvez eles não estivessem necessariamente esperando que alguém no meio deles, como você, iria escrever sobre isso. Qual era a impressão que você tinha de Maurice Strong? Por acaso ele ficou na defensiva com as perguntas e respostas ou foi bastante aberto sobre isso?

ED: Não, bastante aberto. Uma das coisas que me interessou foi a questão de saber se ele havia criado um sistema de inteligência, informal, para esse país [o Canadá] mas que funcionava no exterior. Eu fiz a pergunta e ele basicamente me disse que realmente não pensava nisso dessa maneira, mas agora que você mencionou, acho que sim.

Ele também descreveu a sua situação na ONU; ele adorava trabalhar na ONU porque disse que tinha mais poder político na ONU do que em qualquer pasta ministerial do Canadá, até mesmo um primeiro-ministro. Ele tinha como financiar o seu próprio escritório, ele tinha como financiar os seus próprios funcionários, ele podia fazer isso sem ser auditado; ele podia mover dinheiro aqui, ali e em qualquer lugar sem que ninguém lhe fizesse perguntas; quero dizer, ele tinha um poder irrestrito. E ele também descreveu o sistema da ONU como um navio com um vazamento aberto, onde todo mundo ficava estava assistindo todo mundo. Assim, ele presumia que a KGB ou a organização que a sucedeu, o FSB [Federal Security Service], o estava observando. Ele presumia que o MI5, o MI6, a CIA, e todo mundo observavam todo mundo, e eles geralmente lhe repassavam ou compartilhavam informações que lhe poderiam ser úteis. Sim, ele encontrava-se aberto sobre isso, ele não recuou nem um pouco quando eu lhe fiz essa pergunta.

JC: Isso é fascinante e, talvez, quero dizer, novamente, não parecia que ele era muito secreto sobre isso; simplesmente ninguém prestou atenção no que ele estava fazendo junto ao público em geral, na maior parte do tempo, a despeito do extraordinário número de conexões que ele tinha no mundo dos negócios e no mundo da sociedade civil.

ED: Na verdade, muitas pessoas aqui prestaram atenção nele. Você não consegue fazer esse tipo de coisa, tecer interesses, sem se deparar com problemas; e ele teve vários problemas, especialmente na etapa posterior de sua carreira, quando as coisas começaram a se acumular. Quero dizer, enquanto ele dirigia a Cúpula do Rio as pessoas notaram que ele havia adquirido um rancho no Colorado que situava-se em cima de um imenso aquífero, e, que havia um plano de negócios no qual ele fazia parte, voltados a vender a água desse aquífero.  E as pessoas disseram, que diabo é isso, você sabe o que está acontecendo aqui? Como pode um ambientalista estar vendendo um aquífero do qual toda aquela gente depende? O que é que está se passando?

Houve muitos momentos na carreira de Strong em ele ficou perto da linha divisória, as pessoas pensavam que ele havia ultrapassado a linha, e, houve alarmes de reprovação. Bastante deles.

JC: E ainda assim ele ficou com as suas nove vidas até o escândalo do ‘Petróleo por Alimentos’.

ED: Sim, ficou.

JC: E que…

ED: Ali mesmo, o que aconteceu com ele? Nada!

JC: Legalmente nada.

ED: Ele era um garoto feliz.

JC: Ele [então] fugiu para a China. Você teve qualquer tipo de contato….

ED: Ele correu para a maior economia do mundo, e, ele parece ter tido uma influência significativa sobre as coisas na China.

JC: Fascinante, especialmente levando-se em conta a também histórica influência da família Rockefeller na China. Talvez fosse apenas uma continuação de coisas que haviam acontecido anteriormente.

ED: E [também] a família Desmarais na China.

JC: Deveras, os Rockefellers canadenses. Mais uma vez, muitos aspectos diferentes nisso. E uma pergunta final. Você manteve algum tipo de contato com Strong ao longo dos anos, ou acompanhou a carreira dele depois desse ponto?

ED: Eu acompanhei a carreira dele à distância, da melhor maneira que pude, e obviamente fiz outras matérias. No Canadá… Eu não sei de onde você é, James. Você é daqui?

JC: Eu sou de Calgary.

ED: De Calgary. Então, você entende que esse é um lugar pequeno, e, especialmente se você for da mídia, você vai conhecer muitas pessoas que conhecem muitas pessoas, e assim, estará num meio onde há muitas conexões, e assim, por exemplo, o John Ralston Saul, um apadrinhado de Strong, é um escritor muito ativo, politicamente ativo, nesse país, e eu o encontrei durante anos sobre outras questões, depois que esse livro foi publicado.

Um dos seus amigos e associados era a Adrienne Clarkson, a Governadora Geral, e eu a encontrava, e assim era como… Não é que eu procurasse o Strong depois disso, mas muitos cruzamentos desse tipo ocorreram.

JC: Imagino que é difícil deixar de perceber a influência dele se você estiver se movendo nos altos círculos do Canadá.

ED: Bem, não se trata de altos círculos, são círculos de mídia. Se você faz esse tipo de trabalho você vai acabar cruzando repetidamente com tomadores de decisões, porque é pequeno o número de pessoas que tomam decisões nesse país.

Então, o Stephen Lewis mora a alguns quarteirões de mim. O Stephen Lewis e o Maurice Strong trabalharam juntos na conferência do Rio e trabalharam juntos em questões africanas e, como você sabe, você vai continuar cruzando caminhos.

JC: Bem, então acho que a minha pergunta final pode ser um pouco injusta, já que você não vê esse problema há algumas décadas, mas eu estou interessado em sua opinião sobre se você acredita que essas organizações que você cobriu em Cloak of Green, você acha que eles mudaram fundamentalmente desde que você os cobriu, ou estão operando sob os mesmos princípios?

ED: Não, eles estão operando sob os mesmos princípios, não são organizações democráticas, foi isso o que eu achei ser mais impressionante. Sabe, eu operava sob o pressuposto de que, uma vez que as pessoas bateram à minha porta e me pediram dinheiro, que eram organizações baseadas em voluntários, e com um grande número de pessoas apoiando-as. De fato, quando retornou daquela conferência preparatória e comecei realmente a examinar essas organizações, apenas para ver o que elas publicavam sobre si mesmas, e a entrevistar as pessoas que as administravam, ficou surpreendentemente óbvio que elas não eram organizações de afiliação do tipo em que os membros têm o controle dos seus comportamentos e controlam as suas agendas. Elas eram organizações muito pequenas que levantavam grandes somas de dinheiro e usavam essas somas de dinheiro para ter influência política.

Essas são sobre isso, e eu estou falando do World Wildlife Fund (WWF), [e] do Pollution Probe (Sonda da Poluição), outro desdobramento de uma frente de combate à poluição chamada Energy Probe –  pequenas organizações com grande alcance político.

JC: É um tópico fascinante e provavelmente um que ainda tem muita carne no osso para a gente tirar. Esperançosamente, você ou alguém pode ser recrutado para fazer aquilo em qualquer momento no futuro, mas acho que nós vamos deixar isso…

ED: A pergunta que você não fez é se eles estavam corretos em seus argumentos sobre o meio ambiente. O que eu quero dizer é que, para mim, a coisa realmente importante, a coisa que me levou a essa matéria em primeiro lugar foi,  se a geração de ar condicionado, como você sabe, estamos respirando coisas ruins, se o aquecimento global é real ou não, e, há várias perguntas que estavam muito vivas no final dos anos 80 e início dos anos 90, e a questão é se elas estavam certas. Eles estavam certos de que o ambiente global está se degradando, que o clima está mudando e mudando radicalmente, e que os seres humanos têm um grande papel nessas mudanças? E, para mim, a resposta é sim, os seres humanos têm um grande papel nessas mudanças e precisamos fazer algo a respeito. As questões são o quê e como?

ED: Bem, não há nada que nos impede de criar as nossas próprias organizações, que ninguém controla com exceção de nós.

JC: É um pedido considerável. Eu acho que você fez um pedido considerável para os ouvintes que estão preocupados com essas questões. Tudo bem, acho que vamos deixar por aí.  Nós conversamos bastante sobre o livro Cloak of Green nesta entrevista. Obviamente, irei vinculá-la ao seu website, mas fico consternado ao observar que as únicas cópias reais desse livro que pude encontrar on-line eram cópias usadas, pois o livro está esgotado e o exemplar mais barato que pude encontrar custava mais de setenta dólares, enquanto que o mais caro custava mil e duzentos dólares …

ED: É, eu acho que o que devemos fazer é ir no website da Formac, procurar a editora, cujo nome é a Lorimer, e solicitar uma cópia; eu estou certo de que eles lhe enviarão uma.

JC: Alguma chance de um lançamento em algum ponto no formato E-book?

ED: Como você sabe, este livro foi escrito muito antes da digitalização ter se tornado onipresente, e a única coisa que consigo pensar é que ele estava disponível na época em que o Google estava basicamente pegando todos os livros das bibliotecas e disponibilizando-os online sem permissão; então, você podia clicar nele e lê-lo por inteiro on-line. Desde então, ele foi retirado, mas tenho certeza de que um exemplar pode ser comprado da Formac, que é o nome da empresa que fez a impressão, em Halifax, para a [editora] Lorimer.

JC: Certo, bem, mais uma vez nós vamos encaminhar o pessoal para o website ElaineDewar.blogspot.com e eu entendo que você está escrevendo um novo livro, um romance, e que você irá disponibilizá-lo online gratuitamente.  Conte para nós sobe isso.

ED: Sim, [e um romance que eu escrevi alguns anos atrás, mas tem um outro que vem depois, e assim, eu estou me divertindo.

JC: É interessante. Bem, Elaine Dewar, agradeço sinceramente por dedicar um tempo para falar sobre isso hoje. É um assunto importante e seu livro foi muito importante para abrir muito desse terreno, e por isso, obrigado pelo seu tempo.

ED: Muito obrigada.

Notas

Elaine Dewar é uma jornalista canadense, e autora dos seguintes livros: Cloak of Green (1995), Bones: Discovering the First Americans (2001), e The Second Tree: Of Clones, Chimeras and Quests for Immortality (2005).

James Corbett é jornalista, radiodifusor e apresentador do ‘The Corbett Report’, uma fonte de notícias alternativa e suportada pelos ouvintes.

A entrevista aqui publicada corresponde à transcrição da entrevista publicada no ‘The Corbett Report’ em  01.02.2016, preparada por um membro da equipe do Corbett Report, e traduzida para o português por Jo Pires-O’Brien (UK).

Stephen R. C. Hicks
 

Relacionando epistemologia e política

Estamos prontos agora para tratar da questão levantada no final do primeiro capítulo: por que um importante segmento da esquerda política adotou estratégias epistemológicas céticas e relativistas?

A linguagem é o centro da epistemologia pós-moderna. Em suas argumentações sobre temas específicos da filosofia, da literatura e do direito, os modernos e os pós-modernos diferem  não  apenas  quanto  ao  conteúdo,  mas  também  nos  métodos  de  empregar  a linguagem. A epistemologia é a causa dessas diferenças.

A  epistemologia  coloca  duas  perguntas  sobre  a  linguagem:  qual  é  a  relação  da linguagem com a realidade e qual é sua relação com a ação? As questões epistemológicas sobre a linguagem constituem um subconjunto de questões epistemológicas sobre a consciência em geral: qual é a relação da consciência com a realidade e qual é sua relação com a ação? Os modernos e os pós-modernos têm respostas radicalmente diferentes a essas perguntas.

Para os realistas modernos, a consciência é tanto cognitiva quanto funcional, e esses dois traços estão integrados. O propósito primário da consciência é estar ciente da realidade. Seu propósito complementar é usar essa cognição da realidade como guia para atuar nela.

Para os antirrealistas pós-modernos, ao contrário, a consciência é funcional, mas não cognitiva, por isso sua funcionalidade nada tem a ver com a cognição. Dois conceitos-chave do léxico pós-moderno, “desmascaramento” e “retórica”, ilustram a importância dessas diferenças.

Desmascaramento e retórica

Para o modernista, a metáfora da “máscara” é um reconhecimento do fato de que as palavras nem sempre devem ser tomadas literalmente ou como afirmação direta de um fato — de que as pessoas podem usar a linguagem de maneira elíptica, metafórica ou para afirmar inverdades, de que a linguagem pode ser texturizada com camadas de significado e de  que  pode  ser  usada  para  encobrir  hipocrisias  ou  para  racionalizar.  Portanto, desmascarar significa interpretar ou investigar para chegar a um significado literal ou factual. O processo de desmascaramento é cognitivo, conduzido por padrões objetivos, com o propósito de alcançar uma cognição da realidade.

Já para o pós-modernista, a interpretação e a investigação jamais encerram com a realidade. A linguagem se relaciona apenas com mais linguagem, nunca com uma realidade não linguística.

Nas palavras de Jacques Derrida, “o fato da linguagem é provavelmente o único fato que resiste, no fim, a qualquer colocação entre parênteses”288. Ou seja, não podemos ficar fora da linguagem. A linguagem é um sistema “interno”, autorreferencial, e não há como ficar “externo” a ela — embora falar de “interno” e “externo” tampouco faça sentido para os pós-modernos. Não existe nenhum padrão não linguístico ao qual relacionar a linguagem, portanto, não pode haver nenhum padrão que permita distinguir o literal do metafórico, o verdadeiro do falso. Então, em princípio, a desconstrução é um processo interminável.

O desmascaramento nem mesmo termina em crenças “subjetivas”, pois “subjetivo” contrasta com “objetivo”, e essa é também uma distinção que os pós-modernistas rejeitam. As “crenças e interesses de um sujeito” são, elas próprias, construções sociolinguísticas; assim,  desmascarar  uma  peça  linguística  para  revelar  um  interesse  subjetivo  oculto significa apenas revelar mais linguagem. E essa linguagem, por sua vez, pode ser desmascarada para revelar mais linguagem, e assim por diante. A linguagem consiste em máscaras, do começo ao fim.

Em qualquer época, porém, o sujeito é uma construção específica com um conjunto específico de crenças e interesses, e utiliza a linguagem para expressar e promover essas crenças e interesses. Portanto, a linguagem é funcional, o que nos leva à retórica.

Para o modernista, a funcionalidade da linguagem é complementar ao fato de ser cognitiva. O indivíduo observa a realidade perceptualmente, forma crenças conceituais sobre a realidade com base em suas percepções e, então, age na realidade a partir desses estados  cognitivos  perceptuais  e  conceituais.  Algumas  dessas  ações  no  mundo  são interações sociais, e em algumas dessas interações a linguagem assume uma função comunicativa. Ao se comunicarem entre si, os indivíduos narram, argumentam ou tentam passar adiante suas crenças cognitivas sobre o mundo. A retórica, portanto, é um aspecto da função comunicativa da linguagem; refere-se aos métodos de usar a linguagem que auxiliam na eficácia da cognição durante a comunicação linguística.

Para o pós-modernista, a linguagem não pode ser cognitiva porque ela não se relaciona com a realidade, seja esta uma natureza externa ou algum eu subjacente. A linguagem não tem a ver com estar ciente do mundo, ou distinguir entre verdadeiro e falso ou mesmo com argumentos, no sentido tradicional de validade, consistência e probabilidade. Assim, o Pós-modernismo reformula a natureza da retórica: é persuasão na ausência de cognição.

Richard Rorty deixa isso claro em seu ensaio A contingência da linguagem. O malogro da posição realista, diz ele, mostrou que “o mundo não nos ensina que jogos linguísticos devemos jogar” e que “as linguagens humanas são criações humanas”. O propósito da linguagem, portanto, não é argumentar na tentativa de provar ou refutar alguma coisa. Consequentemente,  conclui  Rorty,  não  é  isso  que  ele  está  fazendo  quando  utiliza  a linguagem para tentar nos persuadir de sua versão de “solidariedade”.

Obedecendo aos meus próprios preceitos, não vou oferecer argumentos contra o vocabulário que desejo substituir. Em vez disso, tentarei fazer com que o vocabulário que defendo pareça atrativo, mostrando de que maneira pode ser usado para descrever uma variedade de tópicos.

A linguagem aqui é a da “atratividade” na ausência de cognição, verdade ou argumento. Por uma questão de temperamento e no conteúdo de sua política, Rorty é o menos radical dos líderes pós-modernistas. Isso fica evidente no tipo de linguagem que ele usa em seu discurso político.

A linguagem é um instrumento de interação social, e o modelo de interação social de uma pessoa determina o tipo de uso que se fará da linguagem como instrumento.

Rorty vê muita dor e sofrimento no mundo e muito conflito entre os grupos, assim, para ele, a linguagem é, antes de tudo, um instrumento para a resolução de conflitos. Com essa finalidade,  sua  linguagem enfatiza  a  “empatia”,  a  “sensibilidade”  e  a  “tolerância”  — embora ele também sugira que essas virtudes só se aplicam ao âmbito de nossa categoria “etnocêntrica”: “na prática, devemos privilegiar nosso próprio grupo”, escreve, o que implica que “há muitos pontos de vista que simplesmente não podemos levar a sério”.

A maioria  dos  outros  pós-modernistas,  no  entanto,  considera  os  conflitos  entre  os grupos mais brutais — e nossas chances de empatia, muito mais limitadas — do que Rorty. Usar a linguagem como instrumento para a resolução de conflitos, portanto, não é algo que eles contemplem. Em um conflito no qual não se consegue chegar a uma resolução pacífica, o tipo de instrumento que se deseja é uma arma. Assim, considerando os modelos de conflito das relações sociais que predominam no discurso pós-moderno, faz total sentido que, para a maioria dos pós-modernistas, a linguagem seja principalmente uma arma.

Isso explica a aspereza de boa parte da retórica pós-moderna. O uso regular de argumentos ad hominem e de falácias, bem como as frequentes tentativas de silenciar as vozes de oposição são consequências lógicas da epistemologia da linguagem pós-moderna.

Stanley Fish, como vimos no capítulo 4, chama de racistas todos os oponentes da ação afirmativa e os coloca no mesmo grupo da Ku Klux Klan.

Andrea Dworkin chama todos os heterossexuais masculinos de estupradores e repetidamente rotula a “Amerika” de Estado fascista.

Com uma retórica dessas, verdade ou mentira não vem ao caso: o que importa, antes de tudo, é a eficácia da linguagem.

Se acrescentarmos agora à epistemologia pós-moderna da linguagem a política de extrema-esquerda dos líderes pós-modernistas e sua cognição direta das crises pelas quais passaram o pensamento e a prática socialistas, então o arsenal verbal será explosivo.

Quando a teoria se choca com o fato

Nos últimos dois séculos, muitas estratégias foram buscadas por socialistas do mundo todo. Os socialistas tentaram esperar que as massas chegassem ao socialismo de baixo para cima e tentaram impor o socialismo de cima para baixo. Tentaram alcançá-lo pela evolução e pela revolução. Tentaram versões do socialismo que enfatizam a industrialização e as que são agrárias. Tentaram esperar que o capitalismo entrasse em colapso e, quando isso não aconteceu, tentaram destruir o capitalismo por meios pacíficos. E, quando isso não funcionou, alguns tentaram destruí-lo pelo terrorismo.

Mas o capitalismo continua a se sair bem e o socialismo tem sido um desastre. Nos tempos modernos, foram mais de dois séculos de prática e teoria socialistas durante os quais a preponderância da lógica e da evidência depôs contra o socialismo.

Há, portanto, uma escolha a fazer com respeito ao que se pode aprender com a história. Se alguém tem interesse na verdade, então, a resposta racional a uma teoria que não funciona é a seguinte:

  • Decompor a teoria nas premissas que a constituem.
  • Questionar essas premissas vigorosamente e verificar a lógica que as integra. Buscar alternativas para as premissas mais questionáveis.
  • Aceitar a responsabilidade moral por qualquer consequência infeliz de tentar colocar em prática a teoria falsa.

Não é o que temos visto acontecer nas reflexões pós-modernas sobre a política contemporânea. A verdade e a racionalidade estão sujeitas a ataques, e a conduta que prevalece com respeito à responsabilidade moral é bem-explicitada por Rorty: “Acho que uma boa esquerda é aquela que sempre pensa no futuro e não se importa muito com nossos erros passados”.

O pós-modernismo kierkegaardiano

No capítulo 4, delineei uma das respostas pós-modernas aos problemas da teoria e da evidência para o socialismo. Um socialista inteligente e esclarecido, ao se deparar com os dados da história, certamente sofrerá algum abalo na sua crença. O socialismo, para muitos, é uma visão cativante do que seria uma bonita sociedade, o sonho de um mundo social ideal que transcenda todos os males de nossa sociedade atual. Uma visão que é acalentada de maneira tão profunda acaba se tornando parte da própria identidade daquele que crê nela, e qualquer ameaça a essa visão necessariamente será percebida como ameaça à própria pessoa que crê.

A partir da experiência histórica de outras visões que enfrentaram a crise da teoria e da evidência, sabemos que é forte a tentação de se fechar para os problemas teóricos e de evidência e simplesmente se determinar a prosseguir na crença. A religião, por exemplo, forneceu muitos exemplos desse tipo. “Dezenas de milhares de dificuldades”, escreveu o cardeal Newman, “não fazem uma pessoa duvidar”.

Fiódor Dostoiévski expressou isso de maneira mais categórica em uma carta a uma benfeitora: “Se alguém me escrevesse dizendo que a verdade não está em Cristo, eu escolheria Cristo à verdade”.

Também sabemos, a partir da experiência histórica, que é possível desenvolver estratégias epistemológicas sofisticadas com o propósito de atacar a razão e a lógica que causaram problemas para a visão. Foi essa, em parte, a motivação clara de Kant em sua primeira Crítica, de Schleiermacher em Sobre a religião e de Kierkegaard em Temor e tremor.

Por que isso não aconteceria com a extrema-esquerda? A história moderna da religião e a do socialismo exibem semelhanças notáveis em seu desenvolvimento.

  • Tanto a religião quanto o socialismo começaram com uma visão abrangente que acreditavam ser verdadeira, embora não fosse baseada na razão (a exemplo de vários profetas e Rousseau).
  • As duas visões foram então contestadas por outras baseadas em epistemologias racionais (pelos  primeiros  críticos  naturalistas  da  religião  e  pelos  primeiros críticos liberais do socialismo).
  • Ambos, a religião e o socialismo, responderam dizendo que podiam satisfazer os critérios da razão (como na teologia natural e no socialismo científico).
  • Ambos enfrentaram sérios problemas de lógica e evidência (como os ataques de Hume à teologia natural e as críticas de Mises e Hayek ao cálculo socialista). Ambos reagiram, por sua vez, atacando a realidade e a razão (como Kant e Kierkegaard e os pós-modernistas).

No final do século 18, os pensadores religiosos passaram a contar com a sofisticada epistemologia de Kant. Ele lhes dissera que a razão estava separada da realidade; assim, muitos abandonaram a teologia natural e de bom grado usaram a epistemologia kantiana para defender a religião.

Em  meados  do  século  20,  os  pensadores  de  esquerda  passaram  a  contar  com sofisticadas teorias de epistemologia e linguagem que lhes diziam que a verdade é impossível, que a evidência está carregada de teorias, que a evidência empírica nunca resulta em prova, que a prova lógica é meramente teórica, que a razão é artificial e desumanizante e que os sentimentos e as paixões são guias melhores que a razão.

As epistemologias céticas e irracionalistas que prevaleceram na filosofia acadêmica forneceram, desse modo, à esquerda uma nova estratégia para responder à crise. Qualquer ataque ao socialismo, em qualquer forma que fosse, poderia ser descartado, reafirmando- se o desejo de acreditar nele. Os que adotavam essa estratégia sempre podiam dizer a si mesmos que estavam simplesmente agindo como Kuhn dissera que os cientistas agiam — colocando as anomalias entre parênteses, deixando-as de lado e prosseguindo com seus sentimentos.

Segundo essa hipótese, portanto, o Pós-modernismo é um sintoma da crise de fé da esquerda. É fruto da decisão de usar a epistemologia cética para justificar o salto de fé pessoal, necessário para continuar acreditando no socialismo.

Segundo essa hipótese, a predominância das epistemologias céticas e irracionalistas em meados do século 20, por si só, não é suficiente para explicar o Pós-modernismo.  O impasse do ceticismo e do irracionalismo não determina que uso será feito do ceticismo e do irracionalismo. No momento do desespero, uma pessoa ou um movimento pode apelar a essas epistemologias como mecanismo de defesa, mas o que leva alguém ou um movimento ao desespero são outros fatores.

Nesse caso, o movimento em apuros é o socialismo. Mas os apuros do socialismo, por si sós, tampouco são uma explicação suficiente. A menos que se assentem os fundamentos epistemológicos, qualquer movimento que recorra aos argumentos céticos e irracionalistas sairá do tribunal debaixo de risos. Portanto, para dar origem ao Pós-modernismo, é necessária a combinação dos dois fatores: o difundido ceticismo com respeito à razão e a crise do socialismo.

No entanto, essa explicação kierkegaardiana do Pós-modernismo é incompleta para descrever  a  estratégia  pós-moderna.  Para  os  pensadores  de  esquerda  que  se  veem arrasados pelas falhas do socialismo, a opção kierkegaardiana fornece a justificativa necessária para continuarem a acreditar no socialismo como questão de fé pessoal. Para aqueles  que  ainda  desejam  levar  adiante  a  batallJa contra  o  capitalismo,  as  oovas epistemologias possibilitam outras estrategias.

Trasímaco ao revés

Até aqui, meus argumentos explicam o subjetivismo e o relativismo do Pós- modernismo, sua política de esquerda e a necessidade de estabelecer uma relação entre ambos.

Se essa explicação estiver correta, então o Pós-modernismo é o que eu chamo de “trasimaquineanismo reverso”, em uma alusão ao sofista Trasímaco, da República de Platão. Alguns pós-modernistas entendem que parte de seu projeto é reabilitar os sofistas, o que faz total sentido.

Depois de algum tempo praticando Filosofia, uma pessoa poderia passar a acreditar sinceramente no subjetivismo e no relativismo. Consequentemente poderia acreditar que a razão é um derivado, que a vontade e o desejo governam, que a sociedade é uma batalha entre vontades antagônicas, que as palavras são apenas instrumentos na luta de poder pela dominação e que tudo é válido no amor e na guerra.

Era isso que os sofistas argumentavam 2.400 anos atrás. A única diferença, portanto, entre os sofistas e os pós-modernistas é de que lado eles estão.

Trasímaco era representante da segunda e mais rude geração de sofistas, que arrolava argumentos subjetivistas e relativistas em defesa da afirmação política de que a justiça serve aos interesses dos mais fortes. Os pós-modernistas — entrando em cena após dois mil anos de cristianismo e dois séculos de teoria socialista — simplesmente inverteram essa afirmação: o subjetivismo e o relativismo são verdadeiros, só que os pós-modernistas estão do lado dos grupos mais fracos e historicamente oprimidos. A justiça, ao contrário do que dizia Trasímaco, serve aos interesses dos mais fracos298.

A conexão com os sofistas afasta a estratégia pós-moderna da fé religiosa em direção à realpolitik. Os sofistas ensinavam retórica não como meio para promover a verdade e o conhecimento, mas para vencer os debates no mundo beligerante da política cotidiana. Na política cotidiana, não se alcança nenhum sucesso efetivo fechando-se os olhos para os dados.

Na verdade, ela requer abertura para as novas realidades e flexibilidade para adaptar- se às circunstâncias. Ampliar essa flexibilidade a ponto de tratar com descaso a verdade ou a coerência dos argumentos pode parecer, como muitas vezes pareceu, parte de uma estratégia para obter êxito político. Cabe aqui citar Lentricchia: o Pós-modernismo “não busca encontrar os fundamentos e as condições da verdade, mas exercitar o poder visando a mudança social”.

Discursos contraditórios como estratégia política

No discurso pós-moderno, há uma explícita rejeição da verdade, e a coerência pode ser um fenômeno raro. Considere os seguintes pares de afirmação:  Por um lado, toda verdade é relativa; por outro, o Pós-modernismo a descreve tal como realmente é.

  • Por um lado, todas as culturas merecem igual respeito; por outro, a cultura ocidental é exclusivamente destrutiva e má.
  • Os valores são subjetivos — mas sexismo e racismo são realmente um mal.
  • A tecnologia é má e destrutiva — mas é injusto que alguns povos tenham mais tecnologia que outros.
  • A tolerância é boa e a dominação é má — mas quando os pós-modernistas chegam ao poder, a correção política se instala.

Existe um padrão comum: subjetivismo e relativismo em uma respirada, absolutismo dogmático na seguinte. Os pós-modernistas estão bem cientes das contradições — especialmente porque seus oponentes se deliciam em apontá-las sempre que surge uma oportunidade. E, é claro, um pós-modernista pode refutar citando Hegel: “Trata-se meramente de contradições da lógica aristotélica”. Mas uma coisa é dizer isso, outra muito diferente é sustentar psicologicamente as contradições hegelianas.

Portanto, esse padrão levanta a seguinte questão: que lado da contradição é mais profundo para o Pós-modernismo? Será que o Pós-modernismo está realmente comprometido com o relativismo, mas às vezes resvala no absolutismo? Ou os compromissos absolutistas são mais profundos, e o relativismo é um manto retórico?

Veja mais três exemplos, desta vez sobre os conflitos entre a teoria pós-modernista e o fato histórico.

  • Os pós-modernistas dizem que o Ocidente é profundamente racista, mas sabem muito bem que o Ocidente foi o primeiro a acabar com a escravidão, e que é somente nos lugares onde penetraram as ideias ocidentais que as ideias racistas estão na defensiva.
  • Dizem que o Ocidente é profundamente sexista, mas sabem muito bem que as mulheres ocidentais foram as primeiras a ter direito de voto, direitos contratuais e oportunidades que a maioria das mulheres do mundo ainda não tem.
  • Dizem que os países capitalistas do Ocidente são cruéis com seus membros mais pobres, subjugando-os e enriquecendo-se à custa deles, mas sabem muito bem que os pobres no Ocidente são muito mais ricos que os pobres de qualquer outro lugar, tanto em posses materiais quanto em oportunidades de melhorar sua condição.

Para explicar a contradição entre o relativismo e a política absolutista, existem três possibilidades:

  1. A primeira possibilidade é a de que o relativismo seja primário e a política absolutista, secundária. Qua filósofos, os pós-modernistas enfatizam o relativismo, mas qua indivíduos particulares, eles acreditam em uma versão particular de política absolutista.
  2. A segunda possibilidade é a de que a política absolutista seja primária, ao passo que o relativismo é uma estratégia retórica usada para promover essa política.
  3. A terceira possibilidade é a de que ambos, o relativismo e o absolutismo, coexistam no Pós-modernismo, mas as contradições entre eles simplesmente não têm importância psicológica para aqueles que as sustentam.

A primeira opção pode ser excluída. O subjetivismo e seu consequente relativismo não podem ser primários para o Pós-modernismo por causa da uniformidade da política do Pós-modernismo. Se o subjetivismo e o relativismo fossem primários, então os pós- modernistas  estariam adotando  posições  políticas  variadas  dentro  do  espectro,  e  isso simplesmente não é o que acontece. Assim sendo, o Pós-modernismo é primeiro um movimento político, e um tipo de política que só recentemente chegou ao relativismo.

Pós-modernismo maquiavélico

Tentemos então a segunda opção, a de que o Pós-modernismo se interessa primeiro pela política e só secundariamente pela epistemologia relativista.

“Tudo, ‘em última análise’, é político”. Essa frase de Fredric Jameson, tantas vezes citada, deve ter recebido um viés fortemente maquiavélico, como se fosse uma declaração da disposição de usar qualquer arma — retórica, epistemológica, política — para alcançar fins políticos. Então, o Pós-modernismo se revela, surpreendentemente, nada relativista. O relativismo   se   torna   parte   de   uma   estratégia   política,   algum  tipo   de   realpolitik maquiavélica usada para tirar a oposição do caminho.

Por essa hipótese, os pós-modernistas não precisam acreditar muito no que dizem. O jogo de palavras e boa parte da raiva e da fúria que utilizam, tão características de boa parte de seu estilo, podem ter a finalidade não de usar as palavras para afirmar as coisas que acreditam ser verdadeiras, mas de usá-las como armas contra um inimigo que ainda esperam destruir.

Cabe aqui citar novamente Derrida: “A desconstrução só tem sentido ou interesse, pelo menos a meu ver, como radicalização, isto é, também na tradição de um certo marxismo, em um certo espírito do marxismo”.

Discursos retóricos maquiavélicos

Vamos supor que você esteja discutindo política com um colega estudante ou um professor. Você não consegue acreditar, mas parece que está perdendo a discussão. Todos os seus quatro gambitos argumentativos estão bloqueados, e você continua acuado nos cantos. Sentindo-se encurralado, você então se pega dizendo: “Bem, é tudo uma questão de opinião; é pura semântica.”

Qual o propósito, nesse contexto, de apelar para a opinião e o relativismo semântico? O propósito é tirar o oponente das suas costas e conseguir algum espaço para respirar. Se o seu oponente aceitar que é uma questão de opinião ou semântica, ou então, se você perder a discussão, não importa: ninguém está certo ou errado. Mas se o seu oponente não aceitar que tudo é questão de opinião, então a atenção dele será desviada do assunto em pauta — ou seja, política — para a epistemologia. Pois agora ele precisa mostrar por que não se trata apenas de semântica, e isso vai  tomar-lhe tempo. Enquanto isso, você conseguiu afastá-lo. E se achar que ele está se saindo bem no argumento semântico, você pode sair-se com esta: “Bem, mas e quanto às ilusões perceptuais?”

Para adotar essa estratégia retórica, você realmente precisa acreditar que é uma questão de opinião ou pura semântica? Não, não precisa. Você pode acreditar piamente que está certo em sua visão política; e também pode estar ciente de que seu único objetivo é usar as palavras para se livrar do sujeito de tal maneira que pareça que você não perdeu a discussão.

Essa estratégia retórica também funciona no âmbito dos movimentos intelectuais. Foucault identificou a estratégia de maneira clara e explícita: “Os discursos são elementos ou bloqueios táticos que operam no campo das relações de força; pode haver discursos diferentes e até mesmo contraditórios dentro da mesma estratégia”.

Desconstrução como estratégia educacional

Eis  aqui  um exemplo.  Kate  Ellis  é  uma  feminista  radical.  Ela  acredita,  conforme escreve na Socialist Review, que o sexismo é mau, que a ação afirmativa é boa, que o capitalismo e o sexismo andam de mãos dadas e que, para conquistar a igualdade entre os sexos, é preciso derrubar a sociedade atual. Mas ela acha que tem um problema quando tenta ensinar esses temas aos alunos. Julga que eles pensam como capitalistas liberais — acreditam na igualdade de oportunidades, na remoção de barreiras artificiais e no julgamento justo para todos, e também acreditam que, por meio da ambição e do esforço, podem superar a maioria dos obstáculos e alcançar sucesso na vida. Isso significa que seus alunos estão identificados com todo o esquema capitalista liberal que ela considera um erro absoluto. Então, escreve Ellis, ela vai lançar mão da desconstrução como arma contra essas antiquadas crenças do Iluminismo.

Se ela conseguir minar a crença dos alunos na superioridade dos valores capitalistas e do conceito de que as pessoas é que são responsáveis pelo próprio sucesso ou fracasso, isso vai desestabilizar seus valores essenciais.

Ellis acha que a ênfase no relativismo pode ajudar nisso. E quando as crenças iluministas  dos  alunos  forem  esvaziadas  pelos  argumentos  relativistas,  ela  poderá preencher o vazio com os princípios políticos corretos, de esquerda.

Uma conhecida analogia pode ser útil aqui. Segundo essa hipótese, os pós-modernistas não são mais relativistas do que os criacionistas em suas batalhas contra a teoria evolucionista. Vestindo sua batina multiculturalista e afirmando que todas as culturas são iguais, os pós-modernistas se assemelham aos criacionistas, que reivindicam simplesmente um tempo igual para o evolucionismo e o criacionismo. Os criacionistas às vezes argumentam  que  o  criacionismo  e  o  evolucionismo  são  igualmente  científicos,  ou igualmente religiosos, e que, portanto, deveríamos tratá-los igualmente e conceder-lhes o mesmo tempo. Os criacionistas realmente acreditam nisso? Tudo o que eles querem é um tempo igual? É claro que não. Eles são, em essência, contrários à evolução — estão convencidos de que ela é um erro, um mal, e, se estivessem no poder, eles a aboliriam. No entanto, como tática de curto prazo, enquanto estiverem perdendo o debate intelectual, haverão de enfatizar o igualitarismo intelectual, argumentando que ninguém conhece de fato a verdade absoluta. Os pós-modernistas maquiavélicos sustentam a mesma estratégia — reivindicam igual respeito para todas as culturas, mas o que realmente querem, a longo prazo, é eliminar a cultura capitalista liberal.

A interpretação maquiavélica explica também o uso que os pós-modernistas às vezes fazem  da  ciência.  A  Teoria  da  Relatividade,  de  Einstein;  a  Mecânica  Quântica;  a Matemática  do  Caos;  e  o  Teorema  da  Incompletude,  de  Gödel,  serão  citados  com frequência para provar que tudo é relativo, que não se pode conhecer nada, que tudo é caos. Na melhor das hipóteses, uma pessoa encontrará nos textos pós-modernistas interpretações dúbias dos dados, porém, o mais comum é que ela não tenha uma ideia clara do que trata o teorema em questão ou como se dá sua comprovação.

Isso é particularmente evidente no famoso caso do físico Alan Sokal e do periódico de extrema-esquerda Social Text. Sokal publicou um artigo nesse periódico dizendo que a ciência havia desacreditado a concepção iluminista de que existe uma realidade objetiva, cognoscível, e que os resultados mais recentes da Física Quântica corroboravam a política da esquerda radical307. Ao mesmo tempo, Sokal declarou na revista Lingua Franca que o artigo era uma paródia da crítica pós-moderna à Ciência.

Estarrecidos, os editores e defensores do Social Text reagiram. No entanto, em vez de argumentar que consideravam verdadeira ou legítima a interpretação da Física apresentada no artigo, os editores ficaram profundamente constrangidos e, humildemente, insinuaram que Sokal é que havia violado os sagrados laços da honestidade e integridade acadêmica.

Estava claro, porém, que os editores não sabiam muito de Física e que o artigo fora publicado por causa dos benefícios políticos que pensavam em auferir dele.

A interpretação maquiavélica também explica por que os argumentos relativistas são arrolados apenas contra os grandes livros do Ocidente. Se alguém está comprometido com objetivos políticos, seu principal obstáculo são os livros influentes escritos por mentes brilhantes que se encontram do outro lado do debate. Existe na literatura um vasto corpo de romances, peças, poemas épicos, e poucos deles apoiam o socialismo. Grande parte dessas obras apresenta análises convincentes da condição humana, feitas de perspectivas opostas.

No Direito Americano, existe a Constituição e todo o conjunto de precedentes do common law, e pouquíssimos deles favorecem o socialismo. Consequentemente, se você é estudante ou professor de Literatura ou Direito com vocação para a esquerda, e se vê confrontado com o cânone jurídico ou literário do Ocidente, você tem duas escolhas: pode enfrentar as tradições oponentes, pedir que os alunos leiam os grandes livros e as grandes decisões e discutir com eles em classe. Esse é um trabalho árduo e também muito arriscado — os alunos podem concordar com o lado errado —; ou pode encontrar um meio de descartar toda a tradição e ensinar apenas os livros que se encaixam na sua política. Se está procurando atalhos, ou se tem a sorrateira suspeita de que o lado certo pode não se dar bem no debate, então a desconstrução é tentadora. Ela permite que você descarte toda a tradição literária e jurídica, por se basear em pressupostos sexistas, racistas ou exploradores, e serve de justificativa para afastá-la.

No entanto, para empregar essa estratégia, você realmente tem de acreditar que Shakespeare era um misógino, que Hawthorne era um puritano disfarçado ou que Melville era um imperialista tecnológico? Não. A desconstrução pode ser usada simplesmente como metoda ret6rico para livrar-se de mnobsticulo.

Portanto, segundo essa hip6tese maquiavelica, o P6s-modemismo  nao e run salto de fe para  a  esquerda  academica,  mas, antes, uma estrategia  politica  perspicaz  que, embora utilize o relativismo, nao acredita nele.

Pós-modernismo do ressentimento

Existe ainda um traço psicologicamente mais sombrio no Pós-modernismo que nenhuma das explicações anteriores detectou até agora. O Pós-modernismo foi explicado acima como uma resposta ao ceticismo radical, como uma resposta de fé à crise de uma visão política ou como uma estratégia política inescrupulosa. Essas explicações dizem respeito à epistemologia e à política do Pós-modernismo e resolvem a tensão entre seus elementos relativistas  e  absolutistas.  Na  explicação  “kantiana”  do  Pós-modernismo,  a  tensão  se resolve colocando o ceticismo em primeiro plano e o compromisso político em segundo, como consequência acidental. Nas explicações “kierkegaardiana” e “maquiavélica”, a tensão se resolve colocando o compromisso político em primeiro plano e tratando o uso da epistemologia relativista como racionalização ou estratégia retórica.

A última opção é não resolver a tensão. A contradição é uma forma de destruição psicológica, mas as contradições às vezes não têm relevância, do ponto de vista psicológico, para aqueles que as vivenciam, pois, afinal de contas, nada importa.

No movimento intelectual pós-moderno, o niilismo está próximo da superfície como nunca antes na história.

No mundo moderno, o pensamento de esquerda foi um dos terrenos mais férteis para a disseminação da destruição e do niilismo. Desde o reinado do Terror a Lênin e Stálin, Mao e Pol Pot, até o surto de terrorismo nas décadas de 1960 e 1970, a extrema-esquerda exibiu, repetidas vezes, sua disposição de usar a violência para alcançar objetivos políticos e demonstrou intensa frustração e raiva diante de seus fracassos. A esquerda também incluiu muitos companheiros de viagem oriundos do mesmo universo político e psicológico, mas que não contavam com nenhum poder político. Herbert Marcuse, que claramente sugeriu usar a Filosofia para a “‘aniquilação absoluta’ do mundo do senso comum”, foi apenas uma voz recente e explícita de maneira incomum. É sobre essa história do pensamento e da prática esquerdistas que as vozes de esquerda mais moderadas, como Michael Harrington, empenharam-se em nos advertir. Refletindo sobre essa história, Harrington escreveu: “Quero evitar essa visão absolutista que torna o socialismo tão transcendente a ponto de incitar seus sectários à cólera totalitária, no esforço de criar uma ordem perfeita”.

Da cólera autoritária ao niilismo é um passo curto. Como observou Nietzsche em Aurora: Alguns homens, quando não conseguem realizar seu desejo, exclamam raivosamente: “Que o mundo todo pereça!”. Essa emoção repulsiva é o ponto alto da inveja, cuja implicação é: “Se não posso ter algo, ninguém pode ter coisa alguma, ninguém deve ser coisa alguma!”

O ressentimento nietzscheano

Paradoxalmente, Nietzsche é um dos grandes heróis dos pós-modernistas. Eles o citam por  seu  perspectivismo  na  epistemologia,  pelo  uso  que  faz  da  forma  aforística  — enigmática e de estrutura fluida — em vez da forma de tratado, mais científica, e pela agudeza psicológica com que diagnostica a decadência e a hipocrisia. Quero usar Nietzsche contra os pós-modernistas para variar.

O conceito de ressentimento de Nietzsche é semelhante ao que conhecemos, mas denota uma  amargura  mais  rançosa,  mais  ácida,  mais  tóxica,  e  represada  por  muito  tempo. Nietzsche usa ressentimento no contexto de sua famosa descrição da moral dos senhores e dos escravos em Além do bem e do mal e, de maneira mais sistemática, na Genealogia da moral. A moral dos senhores é a moral dos vigorosos, dos fortes apaixonados pela vida. É a moral dos que amam a aventura, dos que se deliciam na criatividade e em seu próprio senso de propósito e assertividade. A moral dos escravos é a moral dos fracos, dos humildes, dos que se sentem vitimados e temem se aventurar em um mundo grande e mau. Os fracos são cronicamente passivos, principalmente porque têm medo dos fortes. Por isso, os fracos se sentem frustrados: não conseguem o que querem na vida. Passam a ter inveja dos fortes e, secretamente, começam também a odiar-se por sua fraqueza e covardia. Mas ninguém pode viver achando que é abominável. Então, os fracos inventam uma racionalização — uma racionalização que lhes diz que eles são os bons e os morais porque são fracos, humildes e passivos. A paciência é uma virtude, dizem, assim como a humildade e a obediência, e é virtude também estar do lado dos fracos e oprimidos. E, é claro, o oposto dessas coisas é mau — a agressividade é má, da mesma maneira que o orgulho, a independência e o sucesso físico e material.

Mas, naturalmente, trata-se de uma racionalização, e os fracos inteligentes nunca vão se convencer completamente disso, pois essa constatação causaria um estrago dentro deles. Enquanto isso, os fortes zombam dos fracos, e isso causa um estrago dentro deles. E os fortes e os ricos ficarão cada vez mais fortes, mais ricos e continuarão a aproveitar a vida. E ver isso causa estragos. No fim, os fracos inteligentes desenvolvem um sentimento de ódio de si mesmos e de inveja dos seus inimigos, e precisam revidar. Eles sentem necessidade de ferir seu odiado inimigo da maneira que puderem. Mas, é claro, não podem se arriscar ao confronto físico direto — são fracos. Sua única arma são as palavras. Assim, argumentava Nietzsche, os fracos se tornam extremamente hábeis com as palavras.

Em nossa época, o mundo criado pelo Iluminismo é forte, ativo, exuberante. Durante algum tempo no século passado, os socialistas acreditaram que a revolução era iminente, que o infortúnio se abateria sobre os ricos e que os pobres seriam abençoados. Mas essa esperança cruelmente se desfez. O capitalismo parece agora um exemplo de “dois mais dois  são  quatro”,  e,  como  o  homem subterrâneo  de  Dostoiévski,  é  fácil  ver  que  os socialistas mais inteligentes odiariam esse fato. O socialismo é o perdedor da história, e, se souberem disso, os socialistas odiarão esse fato, odiarão os vencedores por terem vencido e odiarão a si mesmos por terem escolhido o lado errado. O ódio, quando se torna crônico, leva à necessidade de destruir.

No entanto, o fracasso político é uma explicação muito limitada para a gama de temas niilistas presente no Pós-modernismo. Os pensadores pós-modernos afirmam que não foi só a política que fracassou — tudo fracassou. O ser, como diziam Hegel e Heidegger, realmente se tornou nada. Portanto, em suas formas mais extremas, o Pós-modernismo trata de enfatizar isso e fazer o nada reinar.

É evidente que estou flertando com a argumentação ad hominem aqui, por isso deixarei que os pós-modernistas falem por si.

Foucault e Derrida sobre o fim do homem

Em sua introdução à Arqueologia do saber, Foucault fala, em certo momento, na primeira pessoa. Discorrendo autobiograficamente sobre suas motivações para escrever e seu desejo de extinguir-se: “Posso me perder e aparecer, finalmente, diante de olhos que jamais voltarei a encontrar. Decerto não sou o único que escreve para não ter mais um rosto”.

Foucault estende seu desejo de aniquilação a todo o gênero humano. No final de As palavras e as coisas, por exemplo, ele quase que anseia pela iminente extinção da humanidade: O homem é “uma invenção recente” que logo será apagada, como um rosto desenhado na areia à beira do mar”. Deus está morto, escreveram Hegel e Nietzsche. O homem também estará morto, espera Foucault.

Derrida também reconhece o tipo de mundo que o Pós-modernismo está promovendo e declara sua intenção de não estar entre os que permitem que sua náusea leve a melhor. Os pós-modernistas, escreve ele, são aqueles que não “desviam o olhar quando diante do ainda inominável, que só se anuncia e pode fazê-lo, como é necessário sempre que um nascimento se aproxima, sob a espécie da não espécie, na forma informe, muda, infante e aterradora da monstruosidade”.

O nascimento de monstros é uma concepção pós-moderna do processo criativo, que anuncia o fim da humanidade. Outros pós-modernistas enfatizam a feiura da criação pós- moderna ao mesmo tempo que sugerem que a humanidade simplesmente passou do ponto. Kate Ellis observa, por exemplo, o “pessimismo caracteristicamente apolítico da maior parte do Pós-modernismo, segundo o qual a criação é tão somente uma forma de defecação”.

Monstros e produtos refugados são temas  centrais  na Arte do século 20, e há um paralelo elucidativo entre os desenvolvimentos ocorridos no universo artístico durante a primeira metade do século e os desenvolvimentos ocorridos nas demais ciências humanas na segunda metade do século. Com Marcel Duchamp, o mundo da arte chega ao  Pós- modernismo antes do restante do mundo intelectual.

Solicitado pela Sociedade de Artistas Independentes de Nova York a submeter algum trabalho para exposição, Duchamp enviou um urinol. É claro que ele conhecia a História da Arte. Sabia o que havia sido realizado — que, durante séculos, a Arte fora um veículo poderoso, que exigiu o mais alto desenvolvimento da visão criativa humana e rigorosa habilidade técnica; e sabia que a Arte tinha o incrível poder de exaltar os sentidos, o intelecto e as paixões dos que a experimentavam. Refletindo sobre a História da Arte, Duchamp decidiu fazer uma declaração. O artista não é um grande criador — Duchamp foi comprar em uma loja de material de hidráulica. A obra de arte não é um objeto especial — era um produto de massa feito em uma fábrica. A experiência da Arte não é empolgante e dignificante — na melhor das hipóteses, é intrigante e, na maioria das vezes, deixa no outro uma sensação de repulsa. Mas não só isso, pois Duchamp não escolheu um objeto pronto qualquer. Ao escolher o urinol, sua mensagem era clara: A Arte é algo em que você urina.

Os temas dadaístas giram em torno da ausência de significado, mas suas obras e manifestos são declarações filosóficas significativas no contexto em que são apresentados. Kunst ist Scheisse (“Arte é merda”) foi, adequadamente, o lema do dadaísmo. O urinol de Duchamp foi o símbolo adequado. Tudo é dejeto a ser mandado para o esgoto.

Segundo essa hipótese, portanto, o Pós-modernismo é uma generalização sobre o niilismo do movimento Dadá. Não só a Arte é merda, tudo é.

Os pensadores pós-modernos herdaram uma tradição intelectual que assistiu à derrota de todas as suas grandes esperanças. O Contrailuminismo, desde o início, suspeitou do naturalismo iluminista, de sua razão, de sua visão otimista do potencial humano, de seu individualismo na ética e na política, de sua ciência e tecnologia. Para os que se opuseram ao Iluminismo, o mundo moderno não ofereceu nenhum conforto. Os defensores do Iluminismo diziam que a ciência substituiria a religião, mas a ciência ofereceu os espectros da entropia e da relatividade. A ciência seria a glória da humanidade, mas ela nos ensinou que o homem evoluiu, com sangue nos dentes e nas garras, do lodo. A ciência faria do mundo um paraíso tecnológico, mas gerou bombas nucleares e superbacilos. E a confiança no poder da razão, que está por trás de tudo isso, revelou-se uma fraude no entender dos pós-modernistas. A ideia de armas nucleares nas garras de um animal irracional e voraz é assustadora.

Enquanto os pensadores neoiluministas se conciliaram com o mundo moderno, da perspectiva pós-moderna o universo estilhaçou-se, tanto metafísica quanto epistemologicamente. Não podemos nos voltar para Deus nem para a natureza, e não podemos confiar na razão nem na humanidade.

Mas  sempre  houve  o  socialismo.  Por  pior  que  tenha  se  tornado  o  universo  na metafísica, na epistemologia e no estudo da natureza humana, persistia ainda a visão de uma ordem ética e política que transcenderia tudo para criar a linda sociedade coletivista.

O fracasso da esquerda política em realizar essa visão foi apenas a gota d’água. Para a mente  pós-moderna,  são  estas  as  lições  cruéis  do  mundo  moderno:  a  realidade  é inacessível, não se pode conhecer coisa alguma, o potencial humano é zero e esses ideais éticos e políticos deram em nada. As reações psicológicas à perda de tudo são a raiva e o desespero.

Mas os pensadores pós-modernos também se veem cercados pelo mundo iluminista que não entendem. Os pós-modernistas se veem desafiando um mundo dominado pelo liberalismo e pelo capitalismo, pela ciência e tecnologia, por pessoas que ainda acreditam na realidade, na razão e na grandeza do potencial humano. O mundo que eles diziam ser impossível e destrutivo realizou-se e está prosperando. Os herdeiros do Iluminismo estão governando o mundo e marginalizaram os pós-modernistas, confinando-os à academia. À raiva e ao desespero somou-se o ressentimento.

Alguns se refugiaram no quietismo, outros se retiraram para um mundo privado de jogo estético e autocriação. Outros, no entanto, revidam com a intenção de destruir. Mas, novamente, as únicas armas do Pós-modernismo são as palavras.

A estratégia do ressentimento

O mundo artístico do século 20 fornece, mais uma vez, exemplos prescientes. O urinol de Duchamp mandou o recado: Urino em você, e seus últimos trabalhos colocaram essa atitude em prática. Sua versão da Mona Lisa foi um claro exemplo: uma reprodução da obra-prima de Leonardo da Vinci ganhou um bigode caricato. Essa também foi uma declaração: Eis aqui uma realização magnífica que não tenho a esperança de igualar, então vou desfigurá-la e torná-la uma piada.

Robert Rauschenberg foi mais adiante que Duchamp. Sentindo-se à sombra das realizações de Willem de Kooning, pediu que lhe trouxessem uma pintura do artista, que ele então apagou e pintou por cima. Isso foi uma declaração: Não consigo ser especial, a menos que destrua antes o que você fez.

A desconstrução é uma versão literária de Duchamp e Rauschenberg. A teoria da desconstrução diz que nenhuma obra tem significado. Qualquer significado aparente pode ser convertido no seu oposto, em nada, ou revelar-se uma máscara que esconde algo repugnante. O movimento pós-moderno contém muitas pessoas que gostam da ideia de desconstruir o trabalho criativo de outras. A desconstrução tem o efeito de nivelar qualquer significado e valor. Se um texto pode significar alguma coisa, então não significa nada mais que qualquer outra coisa — nenhum texto, portanto, é grandioso. Se um texto encobre algo fraudulento, então começa a insinuar-se a dúvida com respeito a tudo que aparenta ser grandioso.

Faz sentido, portanto, que essas técnicas desconstrutivas sejam mobilizadas principalmente contra trabalhos que não se enquadram nos compromissos pós-modernos.

A estratégia não é nova. Se você odeia alguém e deseja feri-lo, então atinja-o naquilo que é importante para ele. Quer ferir um homem que adora crianças e odeia quem as molesta sexualmente? Faça insinuações e espalhe boatos de que ele aprecia pornografia infantil. Quer ferir uma mulher que tem orgulho de sua independência? Espalhe o rumor de que ela se casou com quem se casou porque ele é rico. Se os boatos são falsos ou verdadeiros não vem ao caso, e se as pessoas vão acreditar em você ou não, não importa de fato. O importante é desferir um golpe certeiro e contundente na psique do outro. Você sabe que essas acusações e rumores causarão tremor, mesmo que não deem em nada. Restará, dentro de si, o brilho maravilhosamente sombrio de saber que foi você. E, afinal, pode ser que os rumores deem algum resultado.

O melhor retrato dessa psicologia vem de um homem europeu muito branco e há muito morto: William Shakespeare, em seu Otelo. Iago simplesmente odiava Otelo, mas não tinha esperança de conseguir derrotá-lo em um confronto aberto. Como destruí-lo então? A estratégia de Iago foi atacar Otelo no seu ponto mais sensível: a paixão por Desdêmona.

Iago insinuou indiretamente que ela andava dormindo fora de casa, espalhou mentiras e suspeitas sutis sobre a fidelidade dela, semeou a dúvida na cabeça de Otelo sobre a coisa que ele mais prezava na vida e deixou que essa dúvida agisse como um lento veneno.

Assim como os pós-modernistas, as únicas armas de Iago eram as palavras. A única diferença é que os pós-modernistas não são tão sutis a respeito dos alvos que pretendem atingir.

O mundo iluminista contemporâneo orgulha-se de seu compromisso com a igualdade e a justiça, de sua mente aberta, das oportunidades que oferece a todos e de suas realizações na ciência e na tecnologia. O mundo iluminista está orgulhoso, confiante e sabe que é a onda do futuro. Isso é insuportável para uma pessoa totalmente identificada com uma perspectiva oposta e fracassada. É esse orgulho que ela quer destruir. O melhor alvo de ataque é o senso iluminista de seu próprio valor moral. Acusá-lo de sexismo e racismo, de difundir o dogma da intolerância e de ser cruelmente explorador. Minar sua confiança na razão, na ciência e na tecnologia. As palavras nem precisam ser verdadeiras ou coerentes para causar o estrago necessário.

E, como Iago, o Pós-modernismo não precisa ficar com a garota no final. Destruir Otelo é suficiente.

Pós-modernismo

Mostrar que um movimento leva ao niilismo é importante para compreendê-lo, assim como mostrar que um movimento niilista e fracassado ainda pode ser perigoso. Rastrear as raízes do Pós-modernismo de volta a Rousseau, Kant e Marx explica de que maneira se entrelaçaram todos os seus elementos. No entanto, identificar as raízes do Pós-modernismo e relacioná-las às nocivas consequências contemporâneas não refuta o Pós-modernismo.

Faz-se necessário ainda refutar essas premissas históricas e identificar e defender alternativas a elas. O Iluminismo baseava-se em premissas opostas às do Pós-modernismo, mas, embora tenha criado um mundo magnífico com base nessas premissas, ainda não as articulou e defendeu por completo. Esse ponto fraco é a única fonte de poder do Pós- modernismo contra ele. É essencial, portanto, completar a articulação e a defesa dessas premissas para garantir o progresso da visão iluminista e protegê-la das estratégias pós-modernas.

                                                                                                                                               

O presente ensaio foi tirado de: http://pablo.deassis.net.br/wp-content/uploads/Explicando-o-Pos-modernismo-Stephen-R.-C.-Hicks.pdf

Explicando o Pós-Modernismo é uma publicação da Callis Editora, que lançou uma 1ª edição eletrônica em 2011. Coordenação editorial: Miriam Gabbai; Tradução: Silvana Vieira; Revisão: Ricardo N. Barreiros; Preparação de texto: Maria Christina Azevedo; Projeto gráfico e diagramação: Idenize Alves.

O ensaio publicado nesta edição de PortVitoria corresponde ao capítulo 6 do livro acima citado, cujo título original é  Explaining Postmodernism. Skepticism and Socialism from Rousseau to Focault) de Stephen R. C. Hicks. Primeira edição 2004, Scholarlgy Publishing. Edição expandida em 2011, Ockham’s Razor Publishing.

O objetivo de publicar esse ensaio em PortVitoria é apresentar o relevantíssimo tema do Pós-Modernismo através de uma amostra do brilhante livro de Stephen R. C. Hicks. Aproveitamos a oportunidade para encorajar os nossos leitores a adquirir e ler o livro completo de Stephen R. C. Hicks.

Joaquina Pires-O’Brien

El postmodernismo es definido como “un estilo o concepto surgido en el siglo XX, en las artes, en la arquitectura y en el criticismo, representado por el rechazo a las nociones existentes de arte y a la modernidad en general, y centrado en una desconfianza generalizada de las grandes teorías e ideologías”1 . El postmodernismo vino en dos olas de focos diferentes. La primera, al final de la Segunda Guerra Mundial, se manifestó en la reacción contra los criterios estéticos del arte, de la arquitectura y de la literatura. La segunda, en el último cuarto del siglo XX, se manifestó en torno de una escuela de ‘pensamiento’ que proclamaba “no existen verdades, sino apenas interpretaciones”.

El postmodernismo que vino en la primera ola atacó la conceptuación estética aplicada al arte y a la arquitectura. Es difícil evaluar posibles daños a la sociedad causados por el postmodernismo que vino en la primera ola. Al final de cuentas, ¿Qué le importa a la sociedad que alguien resuelva construir su casa en estilo pastiche? ¿O que una galería de arte resuelva exhibir una cama ‘desarreglada’ y con sábanas sucias como si fuese una obra de arte?2  Al final de cuentas, gusto es gusto. Sin embargo, los daños a la sociedad, causados por el postmodernismo de la segunda ola, fueron reconocidos en su negación de los valores del Iluminismo que dieron origen a la modernidad y fueron cristalizados a partir de la segunda mitad del siglo XVIII.

La modernidad fue muy bien descrita en el ensayo de Joel Mokyr que fue publicado en portugués y en español, en 2011, en la revista electrónica PortVitoria. Sigue abajo la conclusión de Mokyr acerca de la modernidad:

Por más improbable que pudiese parecer en la época, una comunidad relativamente pequeña de intelectuales, en un pequeño rincón de la Europa del siglo XVIII, cambió el curso de la historia universal. Ellos no sólo concordaron en que el progreso era algo deseable; ellos escribieron un programa pormenorizado de cómo implementarlo, y, lo que es más admirable, lo llevaron adelante. Hoy en día gozamos de confort material, acceso a la información y entretenimiento, mejor salud, de ver prácticamente todos nuestros hijos llegar a la edad adulta (aún si optamos por tener pocos hijos), y de una razonable expectativa de que pasaremos muchos años de una jubilación económicamente segura y dotada de ocio. Esas cosas eran los lujos que Smith, Hume, Watt y Wedgwood apenas soñaban. Entre tanto, sin el Iluminismo, ellas nunca se habrían vuelto realidad.

El progreso tecnológico se volvió parte de nuestras vidas. Nosotros aprendimos a esperar que la ciencia y la tecnología continúen avanzando cada año que pasa y que descubriremos cada vez más cosas sobre el mundo físico para mejorar nuestra existencia material, sea en la medicina, en los materiales, en la energía o en la tecnología de la información. Nuestra creciente preocupación con el ambiente y la influencia que la tecnología ha tenido en nuestro frágil planeta está acrecentando matices y sofisticaciones a esa creencia. Ignorante del impacto de los hidrocarburos en la atmósfera, la edad del Iluminismo quemó carbón mineral sin ninguna preocupación. Nuestra edad está aprendiendo una lección más: que precisamos más que nunca el progreso tecnológico, pero también precisamos ser inteligentes con el mismo. Ben Franklin concordaría.

No se puede negar que la modernidad mejoró considerablemente la calidad de vida de las personas. Sin embargo, esa modernidad no vino de sopetón. Fue un producto de la maduración de la mente occidental y de los esfuerzos de los pensadores que insistieron en entender el mundo natural por sí mismo, sin llevar en cuenta la revelación religiosa. Los pensadores en el centro de ese movimiento no fueron los primeros en pensar de ese modo, sino los primeros que tuvieron coraje de desafiar el poder de la Iglesia.

La modernidad no desechó el conocimiento antiguo, por el contrario, lo preservó junto al nuevo conocimiento. La modernidad no sólo transformó Occidente, como también acabó siendo incorporada a su identidad. Dada esa constatación, es menester preguntar por qué le tiran piedras. ¿De dónde vino el postmodernismo? ¿Por qué rechaza y ataca a la modernidad?

Las raíces del postmodernismo

Las raíces del postmodernismo se extienden hasta la escuela de lingüística fundada por el lingüista suizo Ferdinand de Saussure (1857-1913) en la Universidad de Ginebra, en Suiza, al comienzo del siglo XX. La escuela saussuriana dio origen al movimiento conocido como ‘estructuralismo’, que surgió alrededor de la naturaleza estructurada del ‘signo lingüístico’ (la palabra) – formado por un ‘significante’ y un ‘significado’ – el cual forma la base de la lingüística sincrónica que Saussure priorizó sobre la lingüística diacrónica o histórica. El estructuralismo lingüístico se preocupó de identificar no sólo lo que está evidente en el texto, sino también lo que no está en las estructuras del ‘significado’. En otras palabras, el estructuralismo lingüístico se preocupó de descubrir eventuales discursos escondidos en las entrelíneas.

De la lingüística, el estructuralismo migró a la crítica literaria y la antropología, que luego se ocuparon en descubrir eventuales conspiraciones en elusivos mensajes subliminares abrigados en las entrelíneas de la teoría. Y, como quien busca, encuentra, los estructuralistas encontraron ‘planes’ y generaron una teoría de conspiración, segundo la cual ideas e ideologías son impuestas a las personas.

El criticismo literario de los estructuralistas pasó a ver la literatura no como algo basado exclusivamente en contenido, pero como un sistema relativo capaz de sufrir mutaciones por medio de la historia. Luís Althusser (1918-90) tomó prestado de la lingüística el radical ‘semio’ de la palabra ‘semiótica’ o ‘semiología’, y propuso el término ‘semio-criticismo’. Jacques Derrida (1930-2004) vio la literatura como un vehículo de diseminación de ideología; introduciendo el término ‘desconstrucción’ para designar la técnica de revelar significados escondidos en las entrelíneas. Michel Foucault (1926-1984) reinterpretó la frase ‘saber es poder’ de Francis Bacon (1561-1626) como ‘el saber es un instrumento del poder’, acusando el deseo de adquirir conocimiento técnico de ser un discurso de poder y un instrumento de exclusión.

El movimiento conocido como ‘post-estructuralismo’ es el propio estructuralismo, aunque criticado; resáltese que no todos los críticos del estructuralismo se identificaron como ‘post-estructuralistas. Los proponentes más conocidos de ese movimiento son Althusser, Júlia Kristeva (1941-), Derrida y Foucault. Los post-estructuralistas crearon una crítica literaria llamada ‘crítica post-estructuralista, ‘crítica moderna’ o ‘crítica post-moderna’, basada en la desconstrucción de las estructuras conceptuales del texto, a fin de revelar los significados ocultos en las entrelíneas del texto literario.

El postmodernismo hincó raíces en la antropología y en las ciencias sociales en general, y, de esas raíces, surgió el ‘construccionismo social’, la idea del lenguaje como un instrumento de impulso social y de revolución. Dos tipos de construccionismo social fueron identificados: el universal y el particular. Ambos ven el lenguaje y la comunicación como instrumentos de poder y de empoderamiento. El construccionismo universal se refiere al constructo general, mientras que el constructivismo particular se refiere al constructo de una realidad específica de una categoría específica de individuos. Ya sea en el construccionismo social universal, o en el particular, la realidad es confinada a aquello de lo cual se habla, o sea, la única realidad que existe es aquella que aparece en los medios, y eso fue resaltado en un artículo de revisión firmado por Naveed Yazdani, Hasan S. Murad y Rana Zamin Abbas, publicado en 2011:

Para los filósofos postmodernos los ‘estudios culturales’ o estudio de identidad son el puntal principal de la cultura y la cuestión de la identidad está impregnada en la humanidad. Los íconos de los medios son los componentes claves de la cultura postmoderna y muchos filósofos contemporáneos se sienten tan confortables escribiendo sobre Madonna como sobre política, los clásicos y la ética.

El construccionismo social está ligado a la noción de individuos desplazados, surgidos de los más diversos caminos de la vida, de la cual viene la ‘muerte del sujeto’, que ocurre cuando la identidad es desecha y la capacidad de acción es perdida. El argumento del construccionismo social es la esperanza de que cualquier cosa que esté equivocada pueda ser arreglada, una vez que los significados no son fijos.

Derrida fue identificado como uno de los principales instigadores de las protestas contra la globalización ocurridos a fines del siglo XX en Seattle, Praga, Quebec y Génova. Eso fue hecho demonizando al capitalismo y plantando en las mentes jóvenes la idea de que la globalización era una ideología que precisaba ser desconstruida.

La inculcación postmodernista

La inculcación post-modernista, en el medio académico, tiene gran recepción en el anhelo de los profesores de mantener las cosas como siempre estuvieron, principalmente las cercas imaginarias alrededor de las disciplinas académicas. Tal inculcación es un sabotaje de la educación de más de una generación de jóvenes. ¿Cómo esos individuos van a encontrar significado en sus profesiones después de graduados? ¿Cómo que van a resolver problemas que requieren discernir la verdad de la mentira, o lo racional de lo irracional?

A pesar de todas sus faltas, el postmodernismo en el medio académico estadounidense sobrevivió bastante tiempo sin ser molestado. La explicación más probable para eso es la continuación de la separación entre las ciencias y las humanidades, la cual fue el tópico de una conferencia de C. P. Snow (1905-80) en 1959, posteriormente transformada en el libro The two cultures (Las dos culturas). Es probable que muchos científicos ni siquiera hayan tomado conocimiento del desprecio y de los insultos de los post-modernistas a la ciencia.

Cuatro académicos que enfrentaron con vigor el postmodernismo y sus idiosincrasias fueron el físico y matemático estadounidense, Alan Sokal (1955-); el filósofo de la ciencia canadiense, Ian Hacking (1936-); el filósofo y clasicista, Allan Bloom (1930-92); y el psicólogo Steven Pinker (1954-), profesor de la Universidad de Harvard y autor de diversos libros acerca de la naturaleza humana.

Sokal es sin duda el crítico más creativo del postmodernismo. A fin de mostrar la frivolidad de ese movimiento, escribió un artículo falso, cargado de ininteligibilidad, verbosidad y subjetividad, el cual fue publicado en 1996, en el periódico Social Text. Sokal escribió otro artículo para anunciar el trote, el cual fue publicado un año después, en el periódico Lingua Franca. La broma de Sokal no acabó con el postmodernismo, pero por lo menos lo sacudió considerablemente. Con todo, Sokal no se detuvo allí. En 1997, él y el francés Jean Bricmont, publicaron el libro Intellectual Impostures (Imposturas intelectuales), cuya edición en inglés tuvo el título Fashionable nonsense: Postmodern intellectual’s abuse of science (1998; El absurdo que es moda: el abuso de la ciencia por los intelectuales postmodernos). En ese libro, Sokal y Bricmont mostraron los absurdos del artículo-broma de Sokal, así como diversos ejemplos de abusos en conceptos y terminologías científicas cometidos por intelectuales famosos.

La crítica de Hacking al postmodernismo consistió en examinar minuciosamente el contenido de diversos libros que tenían en el titulo la palabra ‘construcción’ con la finalidad de desmenuzar los principales factores unificadores del construccionismo social. El resultado de eso fue publicado, en 1999, en el libro The social construction of what? (¿Construcción social de qué?). En ese libro, Hacking lista una enorme relación de cosas señaladas como habiendo sido ‘socialmente construidas’, incluyendo raza, género, masculinidad, naturaleza, hechos, realidad y el pasado.

Bloom atacó la llamada Nueva Crítica (New Criticism) literaria, uno de los pilares del postmodernismo. En su libro The closing of the american mind, publicado en 1986, Bloom denunció el peligro de las influencias irracionales, como la Nueva Crítica, que difundieron en el medio académico de los Estados Unidos. Para Bloom, tales influencias comprometen las humanidades y destruyen la buena cultura universitaria de los Estados Unidos. El gran problema, señala Bloom, es que no existe reciprocidad para la ‘apertura a lo cerrado’ (openness to closeness) de Occidente.

Pinker criticó el postmodernismo y sus diversas facetas en su libro Tabla Rasa. La negación contemporánea de la naturaleza humana. La crítica de Pinker se concentra en el mal entendimiento de la naturaleza humana, causado por las diversas teorías de conspiración del postmodernismo, según las cuales ‘las observaciones son siempre contaminadas por teorías, y las teorías son saturadas de ideología y doctrinas políticas; por lo tanto, quien afirma estar en posesión de los hechos o saber la verdad está sólo intentando ejercer poder sobre todo el resto’. Pinker aborda, también, el relativismo creado específicamente para impedir la crítica de las cosas que son tenidas como ‘culturales’, lo que acaba permitiendo diversas violaciones de la integridad física de las personas como la mutilación genital femenina, el apedreamiento de mujeres y los castigos corporales de gran crueldad. He aquí como Pinker concluye su crítica:

Es irónico que una filosofía que se enorgullece de desconstruir el instrumental del poder adopte un relativismo que imposibilita contestar el poder, pues niega que existan referencias objetivas en relación a los cuales los logros de los poderosos puedan ser evaluados. Por la misma razón, el texto debería refrenar a los científicos radicales que aseveran que las aspiraciones de otros científicos a teorías con realidad objetiva (incluyendo teorías sobre la naturaleza humana) son, en la realidad, armas para preservar los intereses de la clase, sexo y raza dominantes. Sin una noción de la verdad objetiva, la vida intelectual degenera en una lucha para saber quién mejor consigue ejercer la fuerza bruta para ‘controlar el pasado’.

De los cuatro críticos del postmodernismo encima listados, sólo Pinker continúa batallando para corregir los errores y malentendidos del postmodernismo. En un artículo publicado, en 2013, en la revista electrónica The New Republic, Pinker hizo un llamado, a los autores surgidos de las humanidades, contra la mentalidad anticientífica que ha prevalecido en ese medio. Él explica que las prácticas de la ciencia, como la ‘revisión por pares’ (peer review), el debate abierto y el método doble ciego, fueron creados específicamente para esquivar los errores y pecados a los cuales los científicos, por ser humanos, son vulnerables.

El artículo de Pinker ilustra bien la ofensiva anticiencia de la mentalidad post-modernista en los Estados Unidos. En el medio del artículo de Pinker apareció un hyperlink de un video de tres minutos con el siguiente título: “VEA la réplica de Leon Wieseltier”. Este último era el propio editor literario de la The New Republic . Pero eso no fue todo. Pocas semanas después, Wieseltier publica en la The New Republic  un largo ensayo, cargado de sarcasmo y términos derogatorios, intitulado ‘Crimes against humanities: Now science wants to invade the liberal arts. Don’t let it happen’ (Crímenes contra las humanidades: Ahora la ciencia desea invadir las artes liberales. No permita que eso suceda). Por alguna razón, Pinker aceptó participar en una tercera rueda de ese ‘debate’, en una materia intitulada ‘Science vs. the Humanities, round III’ (Ciencia versus Humanidades, III round), también publicada en la The New Republic, la cual consistió de una réplica de Pinker seguida de otra de Wieseltier. Otros artículos y blogs fueron publicados; en general, atacando no sólo a Pinker y a su visión de la consiliencia (la unión entre la ciencia y las humanidades), sino también las aberraciones del darwinismo social y de la eugenia, que nada tenían que ver con el artículo inicial de Pinker. Sin embargo, Pinker fue defendido por el filósofo y científico cognitivo Daniel Dennett (1942-), en una materia publicada en la Edge Conversations, considerado el portal más interesante y estimulante de internet.

En la materia encima mencionada, Dennett da una síntesis de la situación del sector de humanidades de las universidades estadounidenses. Según él, existe una generación de académicos deficitarios que no tienen respeto por la evidencia y tampoco creen en la verdad; tales académicos se conforman con ‘conversaciones’ en las cuales nadie está equivocado, y, nada puede ser confirmado, sino sólo afirmado en cualquier estilo que sea capaz de desarrollar.

Conclusión

El postmodernismo es una embestida contra la modernidad que vino en dos olas. En la primera ola, el postmodernismo denunció a la cultura como un instrumento del poder, y, en la segunda, denunció a la ciencia. Sin embargo, el postmodernismo no representa la primera embestida contra la modernidad, la cual fue bastante combatida por los pensadores que insistían en colocar la Divina Providencia en la ecuación del conocimiento, y, después, por los pensadores que interpretaron los criterios de excelencia y objetividad de la ciencia moderna como una forma de elitismo.

El pensamiento postmoderno interpreta los criterios de excelencia y objetividad de la ciencia moderna como una forma de elitismo. Por esa razón, la mentalidad postmodernista es incapaz de ver las cosas boas que resultaron del Iluminismo. Por esa razón, la mentalidad postmodernista es incapaz de ver las cosas buenas que resultaron del Iluminismo. Persiguió los valores iluministas de la búsqueda de la verdad del mundo natural – en oposición al mundo supranatural –, lo que incluyó la creencia en el conocimiento unificado, la superioridad del conocimiento científico sobre otros tipos de conocimiento, y, el reconocimiento de un canon civilizatorio y de su importante papel en la Educación Liberal y en la enseñanza de las humanidades. Como si no bastase, preconizó, a impresionables mentes jóvenes, la idea extravagante de que la ciencia moderna y el canon literario son constructos sociales, manifestaciones de la arrogancia y del imperialismo de Occidente. Causó la guerra de las culturas de las décadas de 1980 y 1990, y continúa dificultando la enseñanza de las humanidades, cuyos alumnos son inculcados a aceptar el relativismo y otras ideas obscurantistas, y a rechazar la consiliencia del conocimiento.

Aunque la inculcación postmodernista haya sido registrada con firmeza sólo en el medio académico de los Estados Unidos, eso no significa que no haya ocurrido en otros países. Los individuos mejor preparados de cualquier país o sociedad deben tener cuidado con las visiones radicales de punta cuyas implicaciones éticas aun no fueron completamente aclaradas. Es ese el caso del postmodernismo, ideología que gira alrededor de la idea irracional de que los valores de la modernidad, característicos de la civilización occidental, hacen parte de una gran conspiración de Occidente para mantener el poder y la hegemonía. El postmodernismo es una doctrina absurda, irracional y engañosa. Es el caballo de Troya de la civilización.

Referencias

BLOOM, A. The closing of the american mind. Simon & Schuster Paperbacks, New York. 1987. ISBN: 978-0-761-65715-4.

BLOOM, H. The western canon: the books and school of the ages. Simon & Schuster Paperbacks, New York. 1994. ISBN:.

DENNETT, D. Let’s Start With A Respect For Truth. Edge, Conversations, 9.10.2013 (www.edge.org/conversations).

Hacking, I. The social costruction of what? Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1999. ISBN 0-674-00412-4.

Mokyr, J. (2011). Iluminados e enriquecidos: Devemos nossa prosperidade moderna às ideias do Iluminismo. PortVitoria, UK, v. 3, Jul-Dec, 2011. (https://www.portvitoria.com/archive.html).

Pinker, S. (2002). The Blank Slate. The modern denial of human nature. Part VI. Penguin Books 2003. ISBN-13 978-0-140-27605-3.

PINKER, S. (2013). Science is not your enemy. An impassionated plea to neglected novellists, embattled professors and tenure-less historians. The New Republic, Special Edition, August 6 2013.

SNOW, C. P. (1959)The two cultures. With introduction by Stefan Collini. Cambridge University Press, 1998, twelfth printing, 2009.

Sokal, A. Beyond the hoax. Science Philosophy and Culture. Oxford University Press, 2008.

YAZDANI, NAVEED, MURAD, HASAN S. & ABBAS, RANA ZAMIN (2011). From modernity to post-modernity: a historical discourse on western civilization. International Journal of Business and Social Science, v. 2 (11), Special Issue. June 2011.

 

Notas

  1. Traducción de la definición más común en inglés, obtenida por medio del Google: “a late 20th-century style and concept in the arts, architecture, and criticism, which represents a departure from modernism and is characterized by the self-conscious use of earlier styles and conventions, a mixing of different artistic styles and media, and a general distrust of theories.”<https://www.google.co.uk/?gws_rd=cr#q=postmodernism+definition>.
  2. En 1998, la artista plástica británica Tracey Emin (1963-) exhibió su propia cama ‘desarreglada’ como una ‘obra’ de arte intitulada ‘My bed’, la cual fue exhibida, en 1999, en la galería Tate Modern, cuando fue indicada para el Turner Prize. En 2000, Charles Staachi, propietario de una galería de arte compró la ‘My bed’ por £150.000 libras. La segunda vez que la ‘My bed’ fue colocada en el mercado de arte fue en julio de 2015, cuando fue comprada por un coleccionador alemán llamado Christian Duerckheim, el cual prestó la obra de arte a la galería Tate por diez años. Emin había expresado su deseo de que su ‘obra’ quedase para siempre en la galería Tate Modern, pero ésta no disponía de recursos suficientes. En el remate de Christie, la obra ‘My bed’ fue vendida por £2,54 millones, más del doble de lo estimado. En una entrevista, Duerckheim explicó que compró ‘My bed’ por el hecho de ser “una metáfora para la vida, donde los problemas comienzan y la lógica muere”. Consultado en la Wikipedia y en el portal del The Guardian: <https://www.theguardian.con/uk-news/2015/mar/30/tracey-emins-messy-bed-displayed-tate-britain-first-time-in-15-years>.
  3. La revista The New Republic fue fundada en 1914, por líderes del ‘Movimiento Progresista’ (de izquierda), como una revista de opinión que busca atender el desafío de la nueva época. En la década de 1980, The New Republic incorporó algunos elementos del conservadorismo. La revista fue puesta a la venta en 2012 y adquirida por Chris Hughes, cofundador del Facebook. El 4 de diciembre de 2014, fue anunciado que Gabriel Snyder, surgido de la Gawker y de la Bloomberg, sería su nuevo editor, en sustitución de Franklin Foer. Además de eso, el nuevo director ejecutivo, Guy Vidra, surgido de Yahoo, anunció su intención de reducir el número de ediciones anuales de 20 a 10, lo que provocó una ola de pedidos de demisión, la cual incluyó la del editor literario Leon Wieseltier. El resultado de ello fue la suspensión de la edición de diciembre de 2014. The New Republic era inicialmente semanal, pasando a 20 ediciones al año. Durante un corto espacio de tiempo, publicó 10 ediciones al año, con una circulación de 50.000 ejemplares. El 11 de enero de 2016, Chris Hughes colocó The New Republic en venta, la cual fue comprada el 26 de febrero por Win McComack. Este asumió el puesto de editor jefe y nombró a Eric N. Bates, ex-editor ejecutivo de la Rolling Stone, editor. The New Republic tiene un registro impresionante de colaboradores notables. Entre tanto, tiene también diversas asociaciones cuestionables, como Michael Whitney Staight, que fue editor de 1948 a 1956, quien, como fue descubierto, era un espía de la KGB. Fuente: <//en.wikipedia.org/wiki/The_New_Republic>.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

Nota adicional

Este artículo es de El hombre razonable de Joaquina Pires-O’Brien, publicado por primera vez en noviembre de 2016, en la edición Kindle, na Amazon.

Joaquina Pires-O’Brien

O pós-modernismo é definido como sendo “um estilo ou conceito surgido no século XX, nas artes, na arquitetura e no criticismo, representado pela rejeição às noções existentes de arte e à modernidade em geral, e centrado numa desconfiança generalizada das grandes teorias e ideologias”1 . O pós-modernismo veio em duas levas de focos diferentes. A primeira, no final da Segunda Guerra Mundial, manifestou-se na reação contra os critérios estéticos da arte, da arquitetura e da literatura. A segunda, no último quarto do século XX, manifestou-se em torno de uma escola de ‘pensamento’ que proclamava “não existem verdades, mas apenas interpretações”.

O pós-modernismo que veio na primeira leva atacou a conceituação estética aplicada à arte e à arquitetura. É difícil avaliar possíveis danos à sociedade causados pelo pós-modernismo que veio na primeira leva. Afinal de contas, que importa à sociedade que alguém resolva construir a sua casa em estilo pasticho? Ou que uma galeria de arte resolva exibir uma cama ‘dormida’ e com lençóis sujos como se fosse uma peça de arte?2 Afinal de contas, gosto é gosto. Todavia, os danos à sociedade, causados pelo pós-modernismo da segunda leva, foram logo reconhecidos na sua negação dos valores do Iluminismo que deram origem à modernidade e foram cristalizados a partir da segunda metade do século XVIII.

A modernidade foi muito bem descrita no ensaio de Joel Mokyr que foi publicado em português e em espanhol, em 2011, na revista eletrônica PortVitoria. Segue abaixo a conclusão de Mokyr acerca da modernidade:

Por mais improvável que pudesse parecer na época, uma comunidade relativamente pequena de intelectuais, num pequeno canto da Europa do século XVIII, mudou o curso da história universal. Eles não apenas concordaram que o progresso era algo desejável; eles escreveram um programa pormenorizado de como implementá-lo, e, o que é mais admirável, levaram-no adiante. Hoje em dia usufruímos de confortos materiais, acesso a informação e entretenimento, melhor saúde, de ver praticamente todos os nossos filhos chegarem à idade adulta (mesmo se optamos por ter poucos filhos), e de uma razoável expectativa de que passaremos muitos anos de uma aposentadoria economicamente segura e dotada de lazer. Essas coisas eram os luxos que Smith, Hume, Watt e Wedgwood apenas sonhavam. Entretanto, sem o Iluminismo, elas nunca teriam se tornado realidade.

O progresso tecnológico se tornou parte das nossas vidas. Nós aprendemos a esperar que a ciência e a tecnologia continuarão avançando a cada ano que passa e que iremos descobrir cada vez mais coisas sobre o mundo físico para melhorar a nossa existência material, seja na medicina, nos materiais, na energia ou na tecnologia da informação. A nossa crescente preocupação com o ambiente e a influência que a tecnologia tem tido no nosso frágil planeta está a acrescentar nuances e sofisticações a essa crença. Ignorante do impacto dos hidrocarbonetos na atmosfera, a idade do Iluminismo queimou carvão mineral sem qualquer preocupação. A nossa idade está aprendendo mais uma lição: de que precisamos mais do que nunca do progresso tecnológico, mas também precisamos ser inteligentes com o mesmo. Ben Franklin concordaria.

Não há como negar que a modernidade melhorou consideravelmente a qualidade de vida das pessoas. Todavia, essa modernidade não veio de supetão. Foi um produto do amadurecimento da mente ocidental e dos esforços dos pensadores que insistiram em entender o mundo natural por ele próprio, sem levar em conta a revelação religiosa. Os pensadores no centro desse movimento não foram os primeiros a pensar desse modo, mas os primeiros que tiveram coragem de desafiar o poder da Igreja.

A modernidade não jogou fora o conhecimento antigo, pelo contrário, preservou-o junto ao novo conhecimento. A modernidade não apenas transformou o Ocidente, como também acabou sendo incorporada na sua identidade. Dada essa constatação, é mister perguntar por que lhe atiram pedras. De onde veio o pós-modernismo? Por que rejeita e ataca a modernidade?

As raízes do pós-modernismo

As raízes do pós-modernismo estendem-se até a escola de linguística fundada pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) na Universidade de Genebra, na Suíça, no início do século XX. A escola saussuriana deu origem ao movimento conhecido como ‘estruturalismo’, que surgiu em torno da natureza estruturada do ‘signo linguístico’ (a palavra) – formado por um ‘significante’ e um ‘significado’ – o qual forma a base da linguística sincrônica que Saussure priorizou sobre a linguística diacrônica ou histórica. O estruturalismo linguístico preocupou-se em identificar não apenas o que está evidente no texto, mas também o que não está nas estruturas do ‘significado’. Em outras palavras, o estruturalismo linguístico se preocupou em descobrir eventuais discursos escondidos nas entrelinhas.

Da linguística, o estruturalismo migrou para a crítica literária e a antropologia, que logo se ocuparam em descobrir eventuais conspirações em elusivas mensagens subliminares abrigadas nas entrelinhas da teoria. E, como quem procura, acha, os estruturalistas encontraram ‘planos’ e geraram uma teoria de conspiração, segundo a qual ideias e ideologias são impostas às pessoas.

O criticismo literário dos estruturalistas passou a enxergar a literatura não como algo baseado exclusivamente em conteúdo, mas como um sistema relativo capaz de sofrer mutações através da história. Luís Althusser (1918-90) tomou emprestado da linguística o radical ‘semio’ da palavra ‘semiótica’ ou ‘semiologia’, e propôs o termo ‘semio-criticismo’. Jacques Derrida (1930-2004) enxergou a literatura como um veículo de disseminação de ideologia; introduzindo o termo ‘desconstrucionismo’ para designar a técnica de revelar significados escondidos nas entrelinhas. Michel Foucault (1926-1984) reinterpretou a frase ‘saber é poder’ de Francis Bacon (1561-1626) como ‘o saber é um instrumento do poder’, acusando o desejo de adquirir conhecimento técnico de ser um discurso de poder e um instrumento de exclusão.

O movimento conhecido como ‘pós-estruturalismo’ é o próprio estruturalismo, porém criticado; ressalte-se que nem todos os críticos do estruturalismo identificaram-se como ‘pós-estruturalistas. Os proponentes mais conhecidos desse movimento são Althusser, Júlia Kristeva (1941-), Derrida e Foucault. Os pós-estruturalistas criaram uma crítica literária chamada ‘crítica pós-estruturalista, ‘crítica moderna’ ou ‘crítica pós-moderna’, baseada na desconstrução das estruturas conceituais do texto, a fim de revelar os significados ocultos nas entrelinhas do texto literário.

O pós-modernismo fincou raízes na antropologia e nas ciências sociais em geral, e, dessas raízes, surgiu o ‘construcionismo social’, a ideia da linguagem como um instrumento de alavancagem social e de revolução. Dois tipos de construcionismo social foram identificados: o universal e o particular. Ambos veem a linguagem e a comunicação como instrumentos de poder e de empoderamento. O construcionismo universal refere-se ao constructo geral, enquanto que o construtivismo particular refere-se ao constructo de uma realidade específica de uma categoria específica de indivíduos. Quer no construcionismo social universal, quer no particular, a realidade é confinada àquilo do qual se fala, ou seja, a única realidade que existe é aquela que aparece na mídia, e isso foi ressaltado num artigo de revisão assinado por Naveed Yazdani, Hasan S. Murad e Rana Zamin Abbas, publicado em 2011:

Para os filósofos pós-modernos os ‘estudos culturais’ ou estudo de identidade são o esteio principal da cultura e a questão da identidade está impregnada na humanidade. Os ícones da mídia são os componentes chaves da cultura pós-moderna e muitos filósofos contemporâneos sentem-se tão confortáveis escrevendo sobre Madonna quanto sobre política, os clássicos e a ética.

O construcionismo social está ligado à noção de indivíduos deslocados, oriundos dos mais diversos caminhos da vida, da qual vem a ‘morte do sujeito’, que ocorre quando a identidade é desfeita e a capacidade de ação é perdida. O apelo do construcionismo social é a esperança de que qualquer coisa que esteja errada possa ser consertada, uma vez que os significados não são fixos.

Derrida foi identificado como um dos principais instigadores dos protestos contra a globalização ocorridos na virada do século XX em Seattle, Praga, Québec e Gênova. Isso foi feito demonizando o capitalismo e plantando nas mentes jovens a ideia de que a globalização era uma ideologia que precisava ser desconstruída.

A inculcação pós-modernista

A inculcação pós-modernista, no meio acadêmico, tem grande acolhimento no anseio dos professores de manter as coisas como sempre estiveram, principalmente as cercas imaginárias em torno das disciplinas acadêmicas. Tal inculcação é uma sabotagem da educação de mais de uma geração de jovens. Como tais indivíduos vão encontrar significado em suas profissões depois de formados? Como é que vão resolver problemas que requerem discernir a verdade da inverdade, ou o racional do irracional?

Apesar de todas as suas faltas, o pós-modernismo no meio acadêmico norte-americano sobreviveu bastante tempo sem ser incomodado. A explicação mais provável para isso é a continuação da separação entre as ciências e as humanidades, a qual foi o tópico de uma palestra de C. P. Snow (1905-80) em 1959, posteriormente transformada no livro The two cultures (As duas culturas). É provável que muitos cientistas sequer tenham tomado conhecimento do desprezo e dos insultos dos pós-modernistas à ciência.

Quatro acadêmicos que enfrentaram com vigor o pós-modernismo e suas idiossincrasias foram o físico e matemático norte-americano, Alan Sokal (1955-); o filósofo da ciência canadense, Ian Hacking (1936-); o filósofo e classicista, Allan Bloom (1930-92); e o psicólogo Steven Pinker (1954-), professor da Universidade de Harvard e autor de diversos livros acerca da natureza humana.

Sokal é sem dúvida o crítico mais criativo do pós-modernismo. A fim de mostrar a frivolidade desse movimento, ele escreveu um artigo falso, carregado de ininteligibilidade, verbiagem e subjetividade, o qual foi publicado em 1996, no periódico Social Text. Sokal escreveu outro artigo para anunciar o trote, o qual foi publicado um ano depois, no periódico Lingua Franca. O trote de Sokal não acabou de vez com o pós-modernismo, mas pelo menos abalou-o consideravelmente. Contudo, Sokal não parou aí. Em 1997, ele e o francês Jean Bricmont, publicaram o livro Intellectual Impostures (Imposturas intelectuais), cuja edição em inglês teve o título Fashionable nonsense: postmodern intellectual’s abuse of science (1998; O absurdo que é moda: o abuso da ciência pelos intelectuais pós-modernos). Nesse livro, Sokal e Bricmont mostraram as absurdidades do artigo-trote de Sokal, bem como diversos exemplos de abusos em conceitos e terminologias científicas cometidos por intelectuais famosos.

A crítica de Hacking ao pós-modernismo consistiu em examinar minunciosamente o conteúdo de diversos livros que tinham no título a palavra ‘construção’ com a finalidade de destrinchar os principais fatores unificadores do construcionismo social. O resultado disso foi publicado, em 1999, no livro The social construction of what? (Construção social do quê?). Nesse livro, Hacking lista uma enorme relação de coisas apontadas como tendo sido ‘socialmente construídas’, incluindo raça, gênero, masculinidade, natureza, fatos, realidade e o passado.

Bloom atacou a chamada Nova Crítica (New Criticism) literária, um dos pilares do pós-modernismo. No seu livro The closing of the american mind, publicado em 1986, Bloom denunciou o perigo das influências irracionais, como a Nova Crítica, que grassaram no meio acadêmico dos Estados Unidos. Para Bloom, tais influências comprometem as humanidades e destroem boa cultura universitária dos Estados Unidos. O grande problema, aponta Bloom, é que não existe reciprocidade para a ‘abertura ao fechado’ (openness to closeness) do Ocidente.

Pinker criticou o pós-modernismo e as suas diversas facetas no seu livro Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. A crítica de Pinker concentra-se no mau entendimento da natureza humana, causado pelas diversas teorias de conspiração do pós-modernismo, segundo as quais ‘as observações são sempre contaminadas por teorias, e as teorias são saturadas de ideologia e doutrinas políticas; portanto, quem afirma estar em posse dos fatos ou saber a verdade está apenas tentando exercer poder sobre todo o resto’. Pinker aborda, ainda, o relativismo criado especificamente para impedir a crítica das coisas que são tidas como ‘culturais’, o que acaba permitindo diversas violações da integridade física das pessoas como a mutilação genital feminina, o apedrejamento de mulheres e as punições corporais de grande crueldade. Eis como Pinker conclui a sua crítica:

É irônico que uma filosofia que se orgulha de desconstruir o instrumental do poder adote um relativismo que impossibilita contestar o poder, pois nega que existam referenciais objetivos em relação aos quais os logros dos poderosos possam ser avaliados. Pela mesma razão, o texto deveria refrear os cientistas radicais que asseveram que as aspirações de outros cientistas a teorias com realidade objetiva (incluindo teorias sobre a natureza humana) são, na realidade, armas para preservar os interesses da classe, sexo e raça dominantes. Sem uma noção da verdade objetiva, a vida intelectual degenera em uma luta para saber quem melhor consegue exercer a força bruta para ‘controlar o passado’.

Dos quatro críticos do pós-modernismo acima listados, apenas Pinker continua batalhando para corrigir os erros e mal-entendidos do pós-modernismo. Num artigo publicado, em 2013, na revista eletrônica The New Republic3, Pinker fez um apelo, aos autores oriundos das humanidades, contra a mentalidade anticientífica que tem prevalecido nesse meio. Ele explica que as práticas da ciência, como a ‘revisão por pares’ (peer review), o debate aberto e o método duplo-cego, foram criados especificamente para driblar os erros e pecados aos quais os cientistas, por serem humanos, são vulneráveis.

O artigo de Pinker ilustra bem a ofensiva anticiência da mentalidade pós-modernista nos Estados Unidos. No meio do artigo de Pinker apareceu um hyperlink de um vídeo de três minutos com o seguinte título: “ASSISTA a réplica de Leon Wieseltier”. Este último era o próprio editor literário da The New Republic. Mas isso não foi tudo. Poucas semanas depois, Wieseltier publica na própria The New Republic um longo ensaio, carregado de sarcasmo e termos derrogatórios, intitulado Crimes against humanities: Now science wants to invade the liberal arts. Don’t let it happen (Crimes contra as humanidades: Agora a ciência deseja invadir as artes liberais. Não permita que isso aconteça). Por alguma razão, Pinker aceitou participar de uma terceira rodada desse ‘debate’, numa matéria intitulada ‘Science vs. the Humanities, round III’ (Ciência versus Humanidades, III round), também publicada na The New Republic, a qual consistiu de uma tréplica de Pinker seguida de outra de Wieseltier. Outros artigos e blogs foram publicados; em geral, atacando não apenas Pinker e a sua visão da consiliência (a união entre a ciência e as humanidades), mas também as aberrações do darwinismo social e da eugenia, que nada tinham a ver com o artigo inicial de Pinker. Todavia, Pinker foi defendido pelo filósofo e cientista cognitivo Daniel Dennett (1942-), numa matéria publicada na Edge Conversations, considerado o portal mais interessante e estimulante da internet.

Na matéria acima mencionada, Dennett dá uma síntese da situação do setor de humanidades das universidades norte-americanas. Segundo ele, existe uma geração de acadêmicos deficitários que não têm respeito pela evidência e tampouco acreditam na verdade; tais acadêmicos conformam-se com ‘conversações’ nas quais ninguém é errado, e, nada pode ser confirmado, mas apenas afirmado em qualquer estilo que for capaz de desenvolver.

Conclusão

O pós-modernismo é uma investida contra a modernidade que veio em duas levas. Na primeira leva, o pós-modernismo denunciou a cultura como um instrumento do poder, e, na segunda, denunciou a ciência. Todavia, o pós-modernismo não representa a primeira investida contra a modernidade, a qual foi bastante combatida pelos pensadores que insistiam em colocar a Divina Providência na equação do conhecimento.

O pensamento pós-moderno interpreta os critérios de excelência e objetividade da ciência moderna como uma forma de elitismo. Por essa razão, a mentalidade pós-modernista é incapaz de enxergar as coisas boas que resultaram do Iluminismo. Perseguiu os valores iluministas da busca da verdade do mundo natural – em oposição ao mundo supranatural –, o que incluiu a crença no conhecimento unificado, a superioridade do conhecimento científico sobre outros tipos de conhecimento, e, o reconhecimento de um cânone civilizacional e do seu importante papel na Educação Liberal e no ensino das humanidades. Como se não bastasse, preconizou, a impressionáveis mentes jovens, a ideia estapafúrdia de que a ciência moderna e o cânone literário são construtos sociais, manifestações da arrogância e do imperialismo do Ocidente. Causou a guerra das culturas das décadas de 1980 e 1990, e continua atrapalhando o ensino das humanidades, cujos alunos são inculcados a aceitar o relativismo e outras ideias obscurantistas, e a rejeitar a consiliência do conhecimento.

Embora a inculcação pós-modernista tenha sido registrada com firmeza apenas no meio acadêmico dos Estados Unidos, isso não significa que não tenha ocorrido em outros países. Os indivíduos mais bem preparados de qualquer país ou sociedade devem tomar cuidado com as visões radicais de ponta cujas implicações éticas ainda não foram completamente esclarecidas. É esse o caso do pós-modernismo, ideologia que gira em torno da ideia irracional de que os valores da modernidade, característicos da civilização ocidental, fazem parte de uma grande conspiração do Ocidente para manter o poder e a hegemonia. O pós-modernismo é uma doutrina absurda, irracional e enganosa. É o cavalo de Troia da civilização.

Referências

BLOOM, A. The closing of the american mind. Simon & Schuster Paperbacks, New York. 1987. ISBN: 978-0-761-65715-4.

BLOOM, H. The western canon: the books and school of the ages. Simon & Schuster Paperbacks, New York. 1994. ISBN:.

DENNETT, D. Let’s Start With A Respect For Truth. Edge, Conversations, 9.10.2013 (www.edge.org/conversations).

Hacking, I. The social costruction of what? Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1999. ISBN 0-674-00412-4.

Mokyr, J. (2011). Iluminados e enriquecidos: Devemos nossa prosperidade moderna às ideias do Iluminismo. PortVitoria, UK, v. 3, Jul-Dec, 2011. (https://www.portvitoria.com/archive.html).

Pinker, S. (2002). The Blank Slate. The modern denial of human nature. Part VI. Penguin Books 2003. ISBN-13 978-0-140-27605-3.

PINKER, S. (2013). Science is not your enemy. An impassionated plea to neglected novellists, embattled professors and tenure-less historians. The New Republic, Special Edition, August 6 2013.

SNOW, C. P. (1959)The two cultures. With introduction by Stefan Collini. Cambridge University Press, 1998, twelfth printing, 2009.

Sokal, A. Beyond the hoax. Science Philosophy and Culture. Oxford University Press, 2008.

YAZDANI, NAVEED, MURAD, HASAN S. & ABBAS, RANA ZAMIN (2011). From modernity to post-modernity: a historical discourse on western civilization. International Journal of Business and Social Science, v. 2 (11), Special Issue. June 2011.

Notas

  1. Tradução da definição mais comum em inglês, obtida através do Google: “a late 20th-century style and concept in the arts, architecture, and criticism, which represents a departure from modernism and is characterized by the self-conscious use of earlier styles and conventions, a mixing of different artistic styles and media, and a general distrust of theories.” <https://www.google.co.uk/?gws_rd=cr#q=postmodernism+definition>.
  2. Em 1998, a artista plástica britânica Tracey Emin (1963-) exibiu a sua própria cama ‘dormida’ como uma ‘peça’ de arte intitulada My bed, a qual foi exibida no ano seguinte na galeria Tate Modern, quando foi indicada para o Turner Prize. Em 2000, Charles Staachi, proprietário de uma galeria de arte comprou a My bed por £150.000 libras. A segunda vez que a My bed foi colocada no mercado de arte foi em julho de 2015, quando foi comprada por um colecionador alemão chamado Christian Duerckheim, o qual emprestou a peça de arte à galeria Tate por dez anos. Emin havia expressado o seu desejo de que a sua ‘peça’ ficasse para sempre na galeria Tate Modern, mas esta não dispunha de recursos suficientes. No leilão da Christie, a peça My bed foi vendida por £2,54 milhões, mais do que o dobro do estimado. Numa entrevista, Duerckheim explicou ter comprado a My bed pelo fato de ela ser “uma metáfora para a vida, onde os problemas começam e a lógica morre”. Consultado na Wikepedia e no portal do The Guardian: <https://www.theguardian.com/uk-news/2015/mar/30/tracey-emins-messy-bed-displayed-tate-britain-first-time-in-15-years>.

 

  1. A revista The New Republic foi fundada em 1914, por líderes do ‘Movimento Progressista’ (de esquerda), como uma revista de opinião que busca atender o desafio da nova época. Na década de 1980, a The New Republic incorporou alguns elementos do conservadorismo. A revista foi posta à venda em 2012 e adquirida por Chris Hughes, cofundador do Facebook. Em 4 de dezembro de 2014, foi anunciado que Gabriel Snyder, oriundo da Gawker e da Bloomberg, seria seu novo editor chefe, em substituição a Franklin Foer. Além disso, o novo diretor executivo, Guy Vidra, oriundo da Yahoo, anunciou a sua intenção de reduzir o número de edições anuais de 20 para 10, o que provocou uma onda de pedidos de demissão, a qual incluiu a do editor literário Leon Wieseltier. O resultado disso foi a suspensão da edição de dezembro de 2014. A revista The New Republic era inicialmente semanal, passando a 20 edições ao ano. Durante um curto espaço de tempo, publicou 10 edições ao ano, com uma circulação de 50000 exemplares. Em 11 de janeiro de 2016, Chris Hughes colocou a The New Republic à venda, a qual foi comprada em 26 de fevereiro por Win McComack. Este assumiu o posto de editor-chefe e nomeou Eric N. Bates, ex-editor executivo da Rolling Stone, editor. A The New Republic tem um registro impressionante de colaboradores notáveis. Entretanto, tem também diversas associações questionáveis, como Michael Whitney Staight, que foi editor de 1948 a 1956, o qual, como foi descoberto, era um espião da KGB. Fonte: <//en.wikepedia.org/wiki/The_New_Republic>.

                                                                                                                                                                                                                 

Nota adicional

O presente artigo foi extraído do livro de Joaquina Pires-O’Brien O homem razoável, publicado inicialment em novembro de 2016, em edição Kindle, na Amazon.

Joaquina Pires-O’Brien

Postmodernism is defined as “a late-20th-century style and concept in the arts, architecture, and criticism that represents a departure from modernism and has at its heart a general distrust of grand theories and ideologies as well as a problematical relationship with any notion of ‘art’”1.

Postmodernism came in two waves of different foci. The first, at the end of World War II, manifested itself in the reaction against the aesthetic criteria in art, architecture and literature. The second, in the last quarter of the twentieth century, was around a school of thought that proclaimed “there are no truths but only interpretations”.

The postmodernism that came in the first wave attacked the aesthetic conceptualizations applied to art and architecture. It is difficult to assess possible damage to society caused by postmodernism that came in the first wave. After all, what does it matter to society if someone decides to build their house in a pastiche style?2 Or that an art gallery decides to exhibit an unkempt bed with dirty sheets as if it were an art piece? Taste is taste, one could argue.

However, the damage to society caused by the post-modernism of the second wave was soon recognized in its denial of the values of the Enlightenment that gave rise to modernity and which crystallized from the second half of the eighteenth century.

The notion of modernity is well explained in Joel Mokyr’s essay entitled ‘Enlightened and Enriched. We owe our modern prosperity to Enlightenment ideas’, published in the City Journal (2010) and reproduced in PortVitoria (2011):

As unlikely as it may seem, then, a fairly small community of intellectuals in a small corner of eighteenth-century Europe changed world history. Not only did they agree on the desirability of progress; they wrote a detailed program of how to implement it and then, astoundingly, carried it through. Today, we enjoy material comforts, access to information and entertainment, better health, seeing practically all our children reach adulthood (even if we elect to have fewer of them), and a reasonable expectation of many years in leisurely and economically secure retirement. These are luxuries that Smith, Hume, Watt, and Wedgwood could only dream of. But without the Enlightenment, they would not have happened.

Technological progress has become part of our lives. We have learned to expect that science and technology will advance every year and that we will discover more and more about the physical world in order to improve our material existence, whether in medicine, materials, energy, or information technology. Our growing concern with the environment and the influence that technology has had on our fragile planet is adding nuance and sophistication to this belief. The age of Enlightenment burned coal without concern, unaware of the impact of hydrocarbons on the atmosphere. Our age is learning a further lesson: we need technological progress more than ever, but we need to be smart about it. Ben Franklin would agree.

There is no denying that modernity has greatly improved the quality of life of people. However, this modernity did not come as a surprise. It was a product of the maturation of the Western mind and the efforts of thinkers who insisted on understanding the natural world for themselves, without taking into consideration religious revelation. The thinkers at the centre of this movement were not the first to think that way, but simply the first who dared to challenge the power of the Church.
Modernity did not throw away the old knowledge. That was preserved along with the new knowledge. Modernity not only transformed the West, bit it was also incorporated into its identity. This realization begs the question of why people throw stones at it. Where did postmodernism come from? Why does it reject and attack modernity?

The roots of postmodernism
The roots of postmodernism extend to the linguistic school founded by the Swiss linguist Ferdinand de Saussure (1857-1913) at the University of Geneva, Switzerland, at the beginning of the 20th century. The Saussurian school gave rise to the movement known as ‘structuralism’, which arose around the structured nature of the ‘linguistic sign’ (the word) – formed by a ‘signifier’ and a ‘signified’ – which forms the basis of synchronic linguistics which Saussure prioritized over the diachronic or historical linguistics. Linguistic structuralism has been concerned with identifying not only what is evident in the text, but also what is not in the structures of ‘meaning’. In other words, linguistic structuralism was concerned with discovering possible discourses hidden between the lines.

From linguistics, structuralism migrated to literary criticism and anthropology, which soon became concerned with the uncovering of possible conspiracies in elusive subliminal messages sheltered between the lines of theory. As in the saying ‘seek and you shall find’, the structuralists come up with ‘plans’ and generated conspiracy theory stating that ideas and ideologies are imposed on people.

The literary criticism of the structuralists came to see literature not as something based exclusively on content, but as a relative system capable of mutation through history. Luís Althusser (1918-90) borrowed from linguistics the radical ‘semio’ of the word ‘semiotics’ or ‘semiology’, and proposed the term ‘semi-criticism’. Jacques Derrida (1930-2004) saw literature as a vehicle for the dissemination of ideology, and introduced the term ‘deconstructionism’ to designate the technique of revealing the hidden meanings between the lines. The phrase ‘knowledge is power’, attributed to Francis Bacon(1561-1626), was reinterpreted by Michel Foucault (1926-1984), who stated that the desire to acquire technical knowledge was a discourse of power and an instrument of exclusion.

The movement known as ‘post-structuralism’ is structuralism itself, although criticized; it should be noted that not all critics of structuralism have identified themselves as post-structuralists. The best-known proponents of this movement are Althusser, Julia Kristeva (1941-), Derrida and Foucault. Post-structuralists have created a literary critique called ‘post-structuralist criticism’, ‘modern criticism’ or ‘postmodern criticism’, based on the deconstruction of the conceptual structures of the text, in order to reveal the hidden meanings within the lines of the literary text.

Postmodernism, or post-structuralism, took root in anthropology and social sciences in general, and from these roots emerged ‘social constructivism’, the idea of language as an instrument of social leverage and revolution. Two types of social constructionism were identified: the universal and the particular. Both see language and communication as instruments of power and empowerment. Universal constructivism refers to the general construct, whereas particular constructivism refers to the construct of a specific reality of a specific category of individuals. In both the universal and the particular social constructivism, reality is confined to what we are talking about, that is, the only reality that exists is that which appears in the media, and this was emphasized in a review article signed by Naveed Yazdani, Hasan S Murad and Rana Zamin Abbas, published in 2011:

For postmodern philosophers ‘cultural studies’ or studies of identity are the mainstay of culture and the question of identity pervade humanity. Media icons are the key components of postmodern culture and many contemporary philosophers are just as comfortable writing about Madonna as they area about politics or classics or ethics.

Social constructionism is linked to the notion of displaced individuals coming from the most diverse paths of life, from which comes the ‘death of the subject’, which occurs when identity is undone and the capacity for action is lost. The appeal of social constructionism is the hope that anything that is wrong can be repaired, since meanings are not fixed.

Derrida was identified as one of the main instigators of the protests against globalization occurred at the turn of the 20th century in Seattle, Prague, Quebec and Genoa. This was done by demonizing capitalism and planting in young minds the idea that globalization was an ideology that needed to be deconstructed.

The postmodernist inculcation
The postmodernist inculcation in academia has a great acceptance in the teachers’ longing to keep things as they have always been, especially the imaginary fences around the academic disciplines. Such inculcation has sabotaged of the education of more than a generation of young people. How will such individuals find meaning in their professions after they graduate? How are they going to solve problems that require discerning the truth from untruth, or the rational from the irrational?
Despite all its faults, the postmodernism in the American academic environment survived unchallenged for a long time. The most likely explanation for this was the continuation of the split between science and the humanities, which was the topic of a lecture by C. P. Snow (1905-80) in 1959, later transformed into the book The Two Cultures. It is reasonable to assume that most scientists were not aware of the postmodernists’ contempt and insults to science.

Four academics who vigorously challenged postmodernism and its idiosyncrasies were the American physicist and mathematician, Alan Sokal (1955-); the Canadian philosopher of science, Ian Hacking (1936-); the philosopher and classicist, Allan Bloom (1930-92); and psychologist Steven Pinker (1954-), a professor at Harvard University and the author of several books on human nature.

Sokal is undoubtedly the most creative critic of postmodernism. In order to show the frivolity of this movement, he wrote a false article, loaded with unintelligibility, verbiage and subjectivity, which was published in 1996 in the journal Social Text. Sokal wrote another article to announce the hoax, which was published a year later in the journal Lingua Franca. Sokal’s hoax did not bring down postmodernism, but at least it shook it considerably. However, Sokal did not stop there. In 1997, he and Frenchman Jean Bricmont published the book Impostures Intellectuelles, which was first translated into English as Fashionable Nonsense: Postmodern Intellectual’s Abuse of Science (1998), and then in the UK as Intellectual Impostures. In this book, Sokal and Bricmont showed the absurdities of Sokal’s hoax article, as well as several examples of abuses in scientific terminology and concepts by famous intellectuals.

Hacking’s critique of postmodernism consisted in carefully examining the content of various books which had the word ‘construction’ in the title, in order to unmask the main unifying factors of social constructionism. The results were published in The Social Construction of What? (1999). In this book, Hacking lists an enormous list of things that are said to have been ‘socially constructed’, including race, gender, masculinity, nature, facts, reality, and the past.

Bloom attacked the literary movement called ‘New Criticism’, one of the pillars of postmodernism. In his book The Closing of the American Mind, published in 1986, Bloom denounced the danger of irrational influences such as the New Criticism that became all the rage in American universities. For Bloom, such influences compromise the humanities and destroy the good university culture in the United States. The big problem that Bloom pointed out, was the fact that there was no reciprocity for the ‘openness to closeness’ of the West.

Pinker criticized postmodernism and its many facets in his book Tabula Rasa: The Contemporary Denial of Human Nature. Pinker’s criticism focuses on the misunderstanding of human nature, caused by the various conspiracy theories of postmodernism, according to which ‘observations are always tainted by theories, and theories are saturated with ideology and political doctrines; therefore whoever claims to be in possession of the facts or to know the truth is only trying to exert power over all the rest.’ Pinker also addresses the relativism specifically created to prevent criticism of things that are perceived as ‘cultural’, which leads to a number of violations of people’s physical integrity such as female genital mutilation, the stoning of women and large-scale corporal punishment. cruelty. Here’s how Pinker concludes his criticism:

It is ironic that a philosophy that prides itself on deconstructing the accoutrements of power should embrace a relativism that makes challenges to power impossible, because it denies that there are objective benchmarks against which the deceptions of the powerful can be evaluated. For the same reason, the passages should give pause to radical scientists who insist that other scientists’ aspirations to theories with objective reality (including theories about human nature) are really weapons to preserve the interests of the dominant class, gender, and race.

Of the four critics of postmodernism listed above, only Pinker continues to struggle to correct the errors and misunderstandings of postmodernism. In an article published in 2013 in the electronic journal The New Republic3, Pinker appealed to the authors of the humanities against the anti-scientific mentality that has prevailed in this environment. He explains that the practices of science, such as ‘peer review, open debate and the double-blind method, were specifically designed to deal with the errors and sins to which scientists, because they are human, are vulnerable.

Pinker’s article well illustrates the anti-science offensive of the postmodern mentality in the United States. In the middle of Pinker’s article appeared a hyperlink of a three-minute video with the following title: “WATCH Leon Wieseltier’s replica”. The latter was none but the literary editor of the The New Republic. But that was not all. A few weeks later, Wieseltier published in The New Republic a long essay, full of sarcasm and derogatory terms, entitled ‘Crimes against humanities: Science now wants to invade the liberal arts, do not let that happen’. For some reason, Pinker agreed to participate in a third round of this debate, in a subject entitled ‘Science versus Humanities, III round’, also published in The New Republic, which consisted of a replica of Pinker followed by another by Wieseltier. Other articles and blogs have also been published; in general, attacking not only Pinker and his view of consilience (the union between science and the humanities) but also the aberrations of social Darwinism and eugenics, which had nothing to do with Pinker’s original article. However, Pinker was defended by the philosopher and cognitive scientist Daniel Dennett (1942-), in an article published in Edge, considered the world’s most interesting and stimulating internet journal.

In the above-mentioned article, Dennett gives a summary of the state of the humanities in American universities. According to him, there is a generation of deficient academics who have no respect for evidence and do not believe in truth; such scholars conform to ‘conversations’ in which no one is wrong and nothing can be confirmed, but only asserted in whatever style one is able to develop.

Conclusion
Postmodernism is an onslaught against modernity that came in two waves. In the first wave, postmodernism denounced culture as an instrument of power, and, in the second, denounced science. However, postmodernism does not represent the first attack against modernity, which was strongly opposed by the thinkers who insisted on placing the Divine Providence in the equation of knowledge.

Postmodern thought interprets the criteria of excellence and objectivity of modern science as a form of elitism. For this reason, the postmodern mentality is unable to see the good things that resulted from the Enlightenment. It attacks the Enlightenment values of the search for the truth of the natural world – as opposed to the supernatural world – which included a belief in unified knowledge, the superiority of scientific knowledge over other types of knowledge, and the recognition of a civilizational canon and its role in liberal education and in the teaching of the humanities. As if these were not enough, it planted in impressionable young minds, the preposterous idea that modern science and the literary canon are social constructs, and manifestations of the West’s arrogance and imperialism. It caused the culture wars of the 1980s and 1990s, and continues to disrupt the teaching of the humanities, whose students have been indoctrinated to accept relativism and other obscurantist ideas, and to reject the consilience of knowledge.

Although postmodernist inculcation has been firmly recorded only in the academic world of the United States, this does not mean that it has not occurred in other countries. The best prepared individuals in any country or society should beware of cutting-edge radical visions whose ethical implications have not yet been fully elucidated. This is the case of postmodernism, an ideology that revolves around the irrational idea that the values of modernity, characteristic of Western civilization, are part of a great conspiracy by the West to maintain power and hegemony. Postmodernism is an absurd, irrational and misleading doctrine. It is the Trojan horse of civilization.

References
BLOOM, A. The closing of the american mind. Simon & Schuster Paperbacks, New York. 1987. ISBN: 978-0-761-65715-4.
BLOOM, H. The western canon: the books and school of the ages. Simon & Schuster Paperbacks, New York. 1994. ISBN:.
DENNETT, D. Let’s Start With A Respect For Truth. Edge, Conversations, 9.10.2013 (www.edge.org/conversations).
HACKING, I. The social costruction of what? Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1999. ISBN 0-674-00412-4.
MOKYR, J. (2011). Iluminados e enriquecidos: Devemos nossa prosperidade moderna às ideias do Iluminismo. PortVitoria, UK, v. 3, Jul-Dec, 2011. (https://www.portvitoria.com/archive.html).
PINKER, S. (2002). The Blank Slate. The modern denial of human nature. Part VI. Penguin Books 2003. ISBN-13 978-0-140-27605-3.
PINKER, S. (2013). Science is not your enemy. An impassionated plea to neglected novellists, embattled professors and tenure-less historians. The New Republic, Special Edition, August 6 2013.
SNOW, C. P. (1959). The two cultures. With introduction by Stefan Collini. Cambridge University Press, 1998, twelfth printing, 2009.
SOKAL, A. Beyond the hoax. Science Philosophy and Culture. Oxford University Press, 2008.
YAZDANI, NAVEED, MURAD, HASAN S. & ABBAS, RANA ZAMIN (2011). From modernity to post-modernity: a historical discourse on western civilization. International Journal of Business and Social Science, v. 2 (11), Special Issue. June 2011.

Notes
1. Translation of the most common definition in English, obtained through Google: “the late 20th-century style and concept in the arts, architecture, and criticism, which represents a departure from modernism and is characterized by the self-conscious use of earlier styles and conventions, a mix of different artistic styles and media, and a general distrust of theories.” .
2. In 1998, the British artist Tracey Emin (1963-) exhibited her own ‘bed’ as a ‘piece’ of art entitled My bed, which was exhibited the following year at the Tate Modern gallery, when it was nominated for Turner Prize. In 2000, Charles Staachi, owner of an art gallery bought My bed for £ 150,000 pounds. The second time My bed was put on the art market was in July 2015, when it was bought by a German collector named Christian Duerckerheim, who loaned the art piece to the Tate gallery for ten years. Emin had expressed his desire that his ‘play’ be forever in the Tate Modern gallery, but it did not have sufficient resources. At the Christie auction, the piece My bed sold for £ 2.54 million, more than double that estimate. In an interview, Duerkerheim explained that he bought My bed because it was “a metaphor for life, where problems begin and logic dies.” Accessed on Wikepedia and the Guardian portal: .

3. The magazine The New Republic was founded in 1914 by leaders of the ‘Progressive Movement’ (left) as an opinion magazine that seeks to meet the challenge of the new era. In the 1980s, The New Republic incorporated some elements of conservatism. The magazine went on sale in 2012 and was acquired by Chris Hughes, co-founder of Facebook. On December 4, 2014, it was announced that Gabriel Snyder, from Gawker and Bloomberg, would be his new editor-in-chief, replacing Franklin Foer. In addition, Yahoo’s new CEO Guy Vidra announced his intention to reduce the number of annual editions from 20 to 10, prompting a wave of resignations that included literary editor Leon Wieseltier. As a result, the December 2014 edition was suspended. The New Republic was initially weekly, rising to 20 issues per year. For a short time, he published 10 issues a year, with a circulation of 50,000 copies. On January 11, 2016, Chris Hughes put The New Republic up for sale, and on February 26 it was bought by Win McComack. He took over as editor-in-chief and appointed Eric N. Bates, a former executive editor of Rolling Stones, editor. The New Republic has an impressive record of notable contributors. However, it also has several questionable associations, such as Michael Whitney Staight, who was its editor from 1948-1956, was discovered to be a KGB spy. Source: .

Additional note
This article is excerpted from Joaquina Pires-O’Brien’s book O homem razoável (The Reasonable Man), first published in November 2016, on Kindle edition on Amazon, simultaneously with its Spanish translation.

Norman Berdichevsky

Cuando estaba en la escuela secundaria entendí (o pensé tener entendido) la palabra ‘narrativa’ como la narración de una historia desde el punto de vista de un tercero. Tanto en el cine como en el teatro, los créditos utilizados para enumerar al ‘narrador’, el personaje del testigo presencial, solían dar una explicación neutral desde una perspectiva no sesgada, en contraste con las opiniones y sentimientos personales de los personajes principales. ¡Dios mio! ¡Cómo ha cambiado eso! Es difícil escapar del significado contemporáneo de la palabra que abunda en todas las ciencias sociales, la política y su corolario de ‘posmodernidad’. La primera vez que vi esta expresión, parecía una contradicción en los términos. ¿Cómo podría algo estar más lejos en el futuro que ‘moderno’? Ambos términos enfatizan la importancia de integrar el nuevo conocimiento en un marco aceptable que confirme los valores más preciados de un grupo. De lo contrario, es irrelevante.

En las últimas décadas, el ‘posmodernismo’ ha llegado a significar una actitud de escepticismo o rechazo de las ideologías prevalecientes y previamente aceptadas, y el cuestionamiento de los supuestos de racionalidad y las nociones universalistas de moralidad objetiva, realidad, verdad, razón, lenguaje, naturaleza humana y progreso social. Las ideas modernas.

Los medios posmodernos rechazan la noción de que cualquier texto o producto de medios tenga un valor más alto que otro, y por lo tanto, todos los juicios son solo una cuestión de gustos. Cualquier cosa puede llamarse arte y merece llegar al público. Cuando se ve de esta manera, no existe una realidad estable, confiable o universal; La belleza y la estética son arbitrarias, relativas y subjetivas. Es irónico que el posmodernismo rechace las nociones universalistas de la realidad objetiva de que, durante más de un siglo, los partidarios del marxismo creyeron que el marxismo era firmemente correcto y objetivamente analizado, y que siguiera leyes inmutables.

Al observar las controversias actuales en las ciencias sociales, las ciencias políticas y las artes, a menudo es imposible escapar de la palabra y el concepto cada vez más utilizados por los portavoces de la izquierda. Clasificada como posiblemente la ‘narrativa’ reciente más grotesca de la política de identidad es la declaración que ‘Jesús era palestino’, proclamada por Linda Sarsour (dos veces copresidenta de la Marcha de las Mujeres y ex directora ejecutiva de la Asociación Árabe Americana de Nueva York). La congresista Ihlan Omar reafirmó algo similar, a saber, que Jesucristo, entendido como el Mesías anunciado con devoción por todas las denominaciones cristianas como el cumplimiento de las profecías del Antiguo Testamento (es decir, judías), probablemente era ‘un palestino de piel morena’, y así, agregando cínicamente el color de la piel. La política de identidad domina obsesivamente la política de izquierda. En esta narrativa, los ‘palestinos’ son transportados más de 2,000 años atrás en la historia, y los judíos eliminados de los 3,000 años de historia antigua, junto con la longevidad de su idioma y religión.

¿Fue esta la primera vez que se promovió una reescritura histórica extraña, única y absolutamente fantástica, así como totalmente inverosímil? Difícilmente.

El antisemitismo, el odio más antiguo, supera todas las demás consideraciones y estándares para juzgar la historia y la realidad, ha había sido adoptado por las doctrinas raciales nazis que proclamaban a Jesús como un ario, declarado el 22 de abril de 1922 en un discurso de Hitler en Munich, cuando habló de la necesidad de una ‘Iglesia Arriana’ y lo que llamó ‘Cristianismo Positivo’, no dependiente del ‘Credo de los Apóstoles’ o de la ‘fe en Cristo como el Hijo de Dios’. Debía entenderse como retratado por el Partido Nazi, un credo apóstata, que ignoraba sus orígenes judíos como lo ven todas las denominaciones del cristianismo oriental y occidental, tanto antes como después de la Reforma.

Ludwig Müller, el candidato de Hitler fue ‘elegido’ como el nuevo Reichsbischof alemán el 27 de septiembre de 1933, después de que el régimen nazi lo impusiera unos meses antes. En 1937, casi todas las iglesias evangélicas protestantes en Alemania sucumbieron a la definición nazi de la misión de la iglesia, según lo definido por Hans Kerrl, el ministro nazi para los asuntos de la iglesia. Sus tres puntos principales fueron:

  1. El ‘Arrianismo’ y el no judaísmo de Cristo;
  2. La promoción del objetivo político de la unidad nacional alemana, superando las diferencias confesionales con el objetivo de disminuir la influencia de la Iglesia Católica en Alemania) y uniendo el protestantismo en una única Iglesia Cristiana ‘positiva’ y unitaria bajo el pulgar del estado nazi. No fue coincidencia que el voto nazi en todas las elecciones de Weimar Alemania fuera notablemente más bajo en las áreas católicas que en las predominantemente protestantes. Esto se hizo aún más claro después de la toma del poder de Hitler en 1933.
  3. Dar aliento a los seguidores para apoyar la creación de una ‘patria arriana’ más grande, que se extendería en un área aún más grande que los pueblos de habla alemana de Europa Central y Oriental.

En contraste con la falta de indignación de hoy contra una opinión tan absurda de que Jesús era un palestino de piel morena, la ‘Iglesia Positiva’ alemana provocó la resistencia de aquellos alemanes que tenían cierta conciencia de que una declaración tan maníaca estaba jugando al desprecio en dos mil años de tradición cristiana

Una minoría distinta de clérigos protestantes se negó a vender sus almas al diablo y se enfrentó a intentos de rescribir la historia y la moral como: Karl Barth, Dietrich Bonhoeffer, Martin Niemöller y Wilhelm Busch. Ellos no podían conciliar la afirmación del estado nazi de control total sobre el individuo con la noción de que la soberanía suprema debería pertenecer solo a Dios.

La Iglesia Confesional (Bekennende Kirche) fue un movimiento dentro del protestantismo alemán en la década de 1930 en oposición a estos esfuerzos patrocinados por el gobierno para unificar todas las iglesias protestantes en una iglesia protestante pronazi. En noviembre de 1933, el pastor Friedrich Niemöller fundó la ‘Liga de pastores de emergencia’, que se comprometió a resistir los programas de la iglesia controlada por el estado y su declaración teológica. Pasó de ser un movimiento defensivo contra el control nazi de las iglesias a una resistencia organizada. Secciones de la Iglesia Confesional se mantuvieron activas en protestar contra la eutanasia y la persecución de los judíos (incluso si se opusieron más fuertemente sobre la base teológica de que los judíos que se convirtieron al cristianismo ya no podrían ser considerados responsables de su origen biológico). Bajo intensa presión nazi, la Iglesia Confesional se vio obligada a esconderse. En 1937, Niemöller y otros 700 pastores fueron arrestados.

A través de parlamentarios del Congreso como Rashida Tlaib de Michigan e Ilhan Omar de Minnesota, trabajando con el líder musulmán negro Farrakhan, muchos musulmanes estadounidenses han acordado lo que podría llamarse una alianza con la izquierda política que los ve a todos como ‘víctimas’. A nivel internacional, esto significa identificarse con la intensa campaña antiisraelí orquestada por el presidente iraní Ahmadinejad, cuya obsesión es ‘borrar a Israel del mapa’ e ‘imaginar’ (que es todo lo que pueden hacer en este momento) un ‘Mundo Sin Sionismo’.

Las únicas voces reconocidas entre los 1,500 millones de musulmanes del mundo que no siguen una línea partidaria en esta visión islámica de los judíos los han convertido en herejes que necesitan protección caso se atreva a hablar en alguna parte. Son voces de disidentes o ex musulmanes, como Ayan Hirsi Ali, una solamí-estadounidense y activista de derechos humanos en los Países Bajos, Brigitte Gabriel, una activista política libanesa-estadounidense, Wafa Sultan, médico y psiquiatra egipcio, Irshad Manji, autor canadiense de The Trouble with Islam (El problema del Islã), y el Dr. M. Zuhdi Jasser, médico y ex oficial de la Marina de los EE. UU., autor de A Battle for the Soul of Islam: An American Muslim Patriot’s Fight to Save His Faith (La batalla por el alma del Islam: la lucha de un patriota musulmán estadounidense para salvar su fe), y Ibn Warraq, un indiano autor de diversos libros incluyendo Why I am Not a Muslim (Por que no soy musulman).

En la visión islámica del mundo, la mayoría de los cristianos ya son sospechosos de pertenecer al grupo de aquellos que rechazaron el mensaje de Mahoma como la verdadera fe y, para empeorar las cosas, a menudo apoyan a Israel. Generaciones de clérigos y estadistas cristianos, desde Disraeli hasta Winston Churchill y el presidente Harry Truman, defendieron la causa sionista. Sin su ayuda y aliento, hoy no habría Israel, sino ‘un mundo sin sionismo’, como a los iraníes les gusta imaginar. Israel no se puede deshacer y no solo por la herencia de la Biblia.

Todavía en febrero de 1941, y a pesar del sincero deseo del establishment protestante estadounidense de no arriesgarse a involucrarse en la Segunda Guerra Mundial, Reinhold Niebhur habló convincentemente a través del diario que había fundado, Christianity and Crisis (Cristianismo y Crisis), en una advertencia de trombón sobre el nazismo. Sus intenciones finales no eran simplemente la erradicación de los judíos, sino la extirpación del cristianismo y la abolición de toda la herencia de la cultura cristiana y humanista. Niebhur basó sus puntos de vista no en una interpretación literal ‘evangélica’ de las promesas bíblicas, sino en los fundamentos de la justicia de las naciones; el también pidió alguna forma de compensación para los árabes palestinos, que podrían ser desplazados si sus líderes fueran negarse a hacer posible cualquier acuerdo.

El éxito de las ‘narrativas’ alternativas promovidas por muchos de la izquierda, tanto en el congreso de EE. UU. Como en el parlamento británico y en los principales medios de comunicación, es muy evidente. Esto ha llevado a crisis internas en el Partido Demócrata estadounidense y el Partido Laborista británico, que han entrado en pánico y están desesperados por una fórmula electoral para derrotar a Donald Trump y evitar el ascenso de Boris Johnson como primer ministro. Saben que entre los jóvenes y los diversos grupos de inmigrantes de primera y segunda generación de origen afroasiática y no cristiana, es mucho más fácil presentar una ‘narrativa’ alternativa al enfatizar repetidamente sus simpatías por las ‘personas de color’ en las cuáles pueden excluir a la mayoría de los judíos que viven en ambos los países.

La matemática electoral no es difícil de entender. Los musulmanes en el Reino Unido hoy superan en número a los judíos en un factor de 10 a 1. El líder del Partido Laborista británico, Jeremy Corbyn, puede proclamar cínicamente que sus manos están limpias, que aparecen en plataformas sin el uso de invectivas antijudías y que continúan utilizándose ‘el hombre de paja’[1] de la ‘extrema derecha’ Del mismo modo, en los Estados Unidos, los judíos obedientes que durante generaciones han sufrido un afecto equivocado por los demócratas en el establishment político, permanecen como siempre en los bolsillos de este partido, ayudados por la propensión a una ‘nueva narrativa’ y la prevalecía del posmodernismo en gran parte de los medios de comunicación.

Una significante parte de esta misma lógica se aplica a las declaraciones y afirmaciones de la congresista demócrata Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), lo que implica que su visión de la moralidad de un tema va más allá de los ‘hechos’ reales tal como existen en el suelo o en loa números blancos y negros que se espera obtener de una respuesta correcta a una pregunta en aritmética. Por supuesto, esto deja mucho que desear para las afirmaciones absurdas que son históricamente falsas, como la afirmación de que Jesús era palestino, pero están empaquetadas con simpatía en el paquete de simpatía por los oprimidos.

El Washington Post recientemente otorgó a la congresista cuatro Pinochios (‘premios’ por mentir, distorsionar hechos, exageros escandalosos y distorsiones simples). En una entrevista con el periodista Anderson Cooper presentada en ‘60 Minutes ‘, la congresista AOC dijo:

Oh, Dios mío, si la gente realmente quiere aumentar una imagen aquí o una palabra allí, yo argumentaría que ‘no pueden ver el bosque debido a los árboles’[2]. Creo que hay muchas personas más preocupadas acerca de estar correctas precisamente, objetivamente y semánticamente do que estar moralmente ciertas.[3]

Este es el arma posmoderna que la izquierda usa constantemente. Los argumentos no pueden decidirse sobre la base de los hechos, sino que deben juzgarse por su valor moral y su contexto (según lo decida el espectador) como en la pos modernidad. Para AOC, ser ‘moralmente correcto’ es más importante que ‘ser correcto según los hechos,’ y cada vez que comete un ‘error’, no es lo mismo que el presidente Trump sea moralmente deficiente o corrupto, y por eso, es peor que mentir. Los republicanos no pueden usar las mismas tácticas que los demócratas. Aunque frecuentemente tropiecen en las tácticas y los tweets torpes e ineptos del presidente a las manos del cuarteto Sarsour-Omar-Tlaib-Ocassio-Cortez, ellos deben tratar de canjear el sentido común de los estadounidenses que entienden que estas cuatro personas son profetas de desánimo, de destrucción y desilusión.

                                                                                                                                  

Norman Berdichevsky es parte del consejo editorial de PortVitoria y también es uno de nuestros colaboradores más frecuentes. Es un estadounidense que vivió en Israel, Dinamarca, España y el Reino Unido, donde vive actualmente. Gran parte de sus artículos se publican en New English Review, incluido este artículo, publicado allí en agosto de 2019.

Traducción: J Pires-O’Brien (Reino Unido – RU); Revisión: Erica Gwyther (RU)

[1] Oriundo del inglés ‘straw man’, el término ‘hombre de paja’ significa un argumento u oponente débil o imaginario creado solo para ser refutado fácilmente. El término también se usa para denotar a una persona creada para cubrir una transacción generalmente cuestionable, como un testaferro. También se usa figurativamente: marioneta, autómata, muñeca. Nota del traductor.

[2] Traducción de la expresión idiomática en el idioma Inglés: ‘missing the forest for the trees’, que se utiliza para describir un caso en el que uno está tan centrado en los detalles de un proyecto dado que no puede ver o entender todo el tema.

[3] Citación original: “Oh my goodness, If people want to really blow up one figure here or one word there, I would argue that they’re missing the forest for the trees. I think that there’s a lot of people more concerned about being precisely, factually, and semantically correct than about being morally right”.

Norman Berdichevsky

Quando eu cursava o ensino médio eu entendia (ou pensei que entendia)  a palavra ‘narrativa’ como sendo a narração de uma história do ponto de vista de um terceiro. Tanto no cinema quanto no teatro, os créditos costumavam listar o ‘narrador’, o personagem testemunha ocular, usado para dar um relato neutro a partir de uma perspectiva não tendenciosa, em contraste às opiniões e sentimentos pessoais dos personagens principais. Meu Deus! Como isso mudou! É difícil escapar do significado contemporâneo da palavra que abunda em todas as ciências sociais, políticas e seu corolário de ‘pós-moderno’. A primeira vez que vi essa expressão, parecia uma contradição em termos. Como algo pode estar mais longe no futuro do que ‘moderno’. Ambos os termos enfatizam a importância de integrar novos conhecimentos em uma estrutura aceitável que confirme os valores mais queridos de um grupo. Caso contrário, é irrelevante.

Durante as últimas décadas, o ‘pós-modernismo’ passou a significar uma atitude de ceticismo ou rejeição das ideologias reinantes e previamente aceitas, e o questionamento das suposições de racionalidade e das noções universalistas de moralidade objetiva, realidade, verdade, razão, linguagem, natureza humana e progresso social. As ideias modernas.

A mídia pós-modernista rejeita a ideia de que qualquer produto de texto ou mídia tenha um valor maior que outro, e portanto, todos os julgamentos são apenas questões de gosto. Qualquer coisa pode ser chamada de arte e merece chegar ao público. Quando vista dessa maneira, não há realidade estável, confiável ou universal; a beleza e a estética são arbitrárias, relativas e subjetivas. É irônico que o pós-modernismo rejeite as noções universalistas de realidade objetiva que, por mais de um século, os adeptos do marxismo acreditavam ser firmemente corretas e analisadas objetivamente pelo marxismo, e, que seguiam leis imutáveis.

Olhando as controvérsias atuais nas ciências sociais, ciências políticas e nas artes, é muitas vezes impossível escapar da palavra e do conceito que é cada vez mais empregado pelos porta-vozes da Esquerda. Classificada como sendo possivelmente a mais grotesca ‘narrativa’ recente da política de identidade é a afirmação ‘Jesus era palestino’, proclamada por Linda Sarsour (duas vezes copresidente da Marcha das Mulheres e ex-diretora executiva da Associação Árabe Americana de Nova York). A congressista Ihlan Omar reafirmou algo parecido, nomeadamente, que Jesus Cristo, entendido como o Messias anunciado com devoção por todas as denominações cristãs como sendo o cumprimento das profecias do Antigo Testamento (ou seja, judaicas), era provavelmente ‘um palestino de pele marrom’, e assim, acrescentando cinicamente a cor da pele. A política de identidade domina obsessivamente a política da Esquerda.

Nesta narrativa, os ‘palestinos’ são transportados por mais de 2.000 para trás na história, e os judeus eliminados de 3.000 anos de história antiga, juntamente com a longevidade de sua língua e de sua religião.

Por acaso essa foi a primeira vez que uma reescrita histórica bizarra, única e absolutamente fantástica, além de totalmente implausível foi promovida? Claro que não.

O antissemitismo, o ódio mais antigo, supera todas as outras considerações e padrões de se julgar a história e a realidade. Já era adotado pelas doutrinas raciais nazistas que proclamavam que Jesus era um ariano, declarado já em 22 de abril de 1922 em um discurso de Hitler em Munique, quando ele falou sobre a necessidade de uma ‘Igreja Ariana’ e sobre aquilo que ele chamou de ‘Cristianismo Positivo’, não dependente do ‘Credo dos Apóstolos’, nem da ‘fé em Cristo como o filho de Deus’. Era para ser entendido da forma como retratado pelo Partido Nazista, um credo apóstata, que ignorava as suas origens judaicas como eram vistas por todas as denominações de Cristianismo do Oriente e do Ocidente, tanto antes quanto depois da Reforma.

Ludwig Müller, o candidato escolhido por Hitler foi ‘eleito’ como o novo Reichsbischof alemão em 27 de setembro de 1933, depois que o regime nazista já o havia imposto alguns meses antes. Em 1937, quase todas as igrejas evangélicas protestantes da Alemanha sucumbiram à definição nazista da missão da igreja, conforme definido por Hans Kerrl, o ministro nazista para Assuntos da Igreja. Seus três pontos principais eram:

  1. O ‘arianismo’ e o não judaísmo de Cristo;
  2. A promoção do objetivo político da unidade nacional alemã, superar as diferenças confessionais com o objetivo de diminuir a influência da Igreja Católica na Alemanha) e unir o protestantismo em uma única Igreja Cristã ‘positiva’ e unitária, sob o polegar do Estado nazista. Não foi por acaso que o voto dos nazistas em todas as eleições da Alemanha de Weimar foi notavelmente mais baixo nas áreas católicas do que nas predominantemente protestantes. Isso ficou ainda mais claro após a tomada do poder de Hitler em 1933.
  3. Incentivar os seguidores a apoiar a criação de uma ‘Pátria Ariana’ maior, e que se estenderia por uma área ainda maior que a dos povos de língua germânica da Europa Central e Oriental.

Em contraste com a ausência de indignação hoje contra uma visão tão absurda por muitos de que Jesus era um palestino de pele marrom, a ‘Igreja Positiva’ alemã provocou resistência por parte daqueles alemães que tinham alguma consciência de que tal afirmação maníaca menosprezava dois mil anos de tradição cristã.

Uma minoria distinta de clérigos protestantes se recusou a vender suas almas ao diabo e enfrentou essas tentativas de reescrever a história e a moralidade, como: Karl Barth, Dietrich Bonhoeffer, Martin Niemöller e Wilhelm Busch. Eles não podiam e não conseguiam reconciliar a reivindicação do Estado nazista de controle total sobre o indivíduo com a noção de que a soberania suprema deveria pertencer apenas a Deus.

A Igreja Confessional (em alemão: Bekennende Kirche) foi um movimento dentro do protestantismo alemão na década de 1930 em oposição a esses esforços patrocinados pelo governo para unificar todas as igrejas protestantes em uma única igreja protestante pró-nazista. Em novembro de 1933, o pastor Friedrich Niemöller fundou a Liga Emergencial de Pastores, que comprometia-se a resistir aos programas da igreja controlada pelo Estado e à sua declaração teológica. A mesma transformou-se de um movimento defensivo contra o controle nazista das igrejas em uma resistência organizada. Seções da Igreja Confessional permaneceram ativas no protesto contra a eutanásia e a perseguição aos judeus (mesmo que objetassem da forma mais veemente, com base na teologia, de que os judeus que se converteram ao cristianismo não podiam mais ser responsabilizados pela sua origem biológica). Sob uma intensa pressão nazista, a Igreja Confessional foi forçada à clandestinidade. Em 1937, Niemöller e 700 outros pastores foram presos.

Por meio de parlamentares do congresso americano como Rashida Tlaib, de Michigan, e Ilhan Omar, de Minnesota, trabalhando em conjunto com o líder muçulmano negro Farrakhan, muitos muçulmanos americanos concordaram com o que pode ser chamado de aliança com a esquerda política que os vê todos como ‘vítimas’. A nível internacional, isso significa uma identificação com a intensa campanha anti-Israel orquestrada pelo presidente iraniano Ahmadinejad, cuja obsessão é ‘riscar Israel do mapa’ e ‘imaginar’ (o que é tudo o que eles podem fazer no momento) um ‘Mundo Sem Sionismo’.

As únicas vozes reconhecidas entre os 1,5 bilhão de muçulmanos do mundo a não seguir uma linha partidária nessa visão islâmica dos judeus fizeram das mesmas hereges que precisam de proteção caso ousem falar em algum lugar. São vozes de dissidentes ou ex-muçulmanos, como Ayan Hirsi Ali, americana nascida na Somália e ativista de direitos humanos na Holanda, Brigitte Gabriel, uma ativista política libanesa-americana, Wafa Sultan, médica e psiquiatra egípcia, Irshad Manji, autor canadense de The Trouble with Islam, e Dr. M. Zuhdi Jasser, médico e ex-oficial da marinha americana, autor de A Battle for the Soul of Islam: An American Muslim Patriot’s Fight to Save His Faith (Uma batalha pela alma do Islã: a luta de um patriota muçulmano americano para salvar sua fé), e Ibn Warraq, um indiano autor de diversos livros incluindo Why I am Not a Muslim (Porque eu não sou muçulmano).

Na visão islâmica do mundo, a maioria dos cristãos já é imediatamente suspeita de pertencer ao grupo dos que rejeitaram a mensagem de Maomé como a verdadeira fé, e, para piorar a situação, muitas vezes apóiam Israel. Gerações de clérigos e estadistas cristãos, de Disraeli até Winston Churchill e o presidente Harry Truman, defenderam a causa sionista. Sem a ajuda e o incentivo deles, hoje não haveria Israel, mas ‘um mundo sem sionismo’, como os iranianos gostam de imaginar. Israel não pode ser desfeito e não apenas por causa da herança da Bíblia.

Ainda em fevereiro de 1941, e apesar do desejo sincero do establishment protestante americano de não arriscar o envolvimento na Segunda Guerra Mundial, Reinhold Niebhur falou de forma convincente através do diário que havia fundado, Christianity and Crisis (Cristianismo e Crise), emitindo um clarim de alerta acerca do nazismo. Os seus objetivos finais não eram simplesmente a erradicação dos judeus, mas a extirpação do cristianismo e a abolição de toda a herança da cultura cristã e humanística. Niebhur baseou os seus pontos de vista não em alguma interpretação ‘evangélica’ literal das promessas bíblicas, mas nos fundamentos de justiça das nações; ele também pediu alguma forma de indenização para os árabes da Palestina, que poderiam ser deslocados caso os seus líderes se recusassem a tornar possível qualquer acordo.

O sucesso das ‘narrativas’ alternativas promovidas por muitos da Esquerda, tanto no congresso dos EEUU quanto no parlamento britânico e na grande mídia é muito aparente. Isso levou a crises internas no Partido Democrata Americano e no Partido Trabalhista Britânico, que entraram em pânico e estão desesperados por uma fórmula eleitoral para derrotar Donald Trump e impedir a ascensão de Boris Johnson como Primeiro Ministro. Eles sabem que entre os jovens e os vários grupos de imigrantes de primeira e segunda geração de origem afro-asiática e não cristã, é muito mais fácil apresentar uma ‘narrativa’ alternativa enfatizando repetidamente suas simpatias por ‘pessoas de cor’ das quais eles podem excluir a maioria dos judeus que vivem nos dois países.

A matemática eleitoral não é difícil de se entender. Atualmente, os muçulmanos no Reino Unido superam os judeus por um fator de 10 a 1. O líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, pode proclamar cinicamente que suas mãos estão limpas, aparecendo em plataformas sem o uso de invectivos antijudaicos e continuando a empregar o homem de palha[1] da ‘extrema direita’. Da mesma forma, nos EEUUA, judeus obedientes e que há várias gerações sofrem de uma afeição equivocada pelos democratas no establishment político, permanecem como sempre nos bolsos desse partido, auxiliados pela propensão a uma ‘nova narrativa’ e pela prevalência do pós-modernismo em grande parte da mídia.

Uma boa parte dessa mesma lógica aplica-se às declarações e reivindicações da congressista democrata Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), o que implica que a sua visão da moralidade de uma questão supera os reais ‘fatos’ que existem, ou os números em preto e branco que se espera de uma resposta certa para uma pergunta em aritmética. Obviamente, isso deixa muito a desejar das alegações absurdas que são historicamente falsas, como a afirmação de que Jesus era um palestino, mas, elas são empacotadas com simpatia no pacote da simpatia pelo oprimido.

Recentemente, o Washington Post concedeu à congressista quatro Pinóquios (‘prêmios’ por mentir, distorcer grosseiramente os fatos, exageros ultrajantes e equívocos simples). Em uma entrevista ao jornalista Anderson Cooper apresentada no programa ‘60 Minutes’, a congressista AOC disse:

Oh meu Deus, se as pessoas querem realmente expandir uma figura aqui ou uma palavra ali, eu diria que elas estão deixando de ‘enxergar a floresta por causa das árvores’[2]. Eu penso que há muitas pessoas mais preocupadas em estar corretas precisamente, factualmente e semanticamente do que em estar moralmente certas.[3]

Esta é a arma pós-moderna da qual a Esquerda faz uso constante. Os argumentos não podem ser decididos com base nos fatos, mas devem ser julgados por seus valores morais e contextos (da forma que espectador decidir) como no pós-modernismo. Para AOC, ser ‘moralmente correto’ é mais importante do que ‘estar factualmente correto,’ e sempre que ela comete um ‘erro’, não é a mesma coisa que o presidente Trump ser moralmente deficiente ou corrupto, e por isso mesmo, é pior do que mentir. Os republicanos não podem usar as mesmas táticas que os democratas. Embora os primeiros muitas vezes tropecem nas táticas e nos tweets desajeitados e inaptos do Presidente nas mãos do quarteto Sarsour-Omar-Tlaib-Ocassio-Cortez, eles devem buscar restaurar o bom senso dos americanos que entendem que essas quatro pessoas são profetas do desalento, da destruição e da decepção.

                                                                                                                                  

Norman Berdichevsky faz parte do conselho de redação de PortVitoria e é também um de nossos colaboradores mais frequentes. Ele é um americano que viveu em Israel, Dinamarca, Espanha e Reino Unido, onde vive atualmente. Uma boa parte dos seus artigos estão publicados na New English Review, incluindo este artigo, ali publicado em agosto de 2019.

Tradução: J Pires-O’Brien (UK); revisão: D. Finamore (Br)

[1] Do inglês ‘straw man’, a expressão ‘homem de palha’ significa um argumento ou adversário fraco ou imaginário, e facilmente refutável. A expressão é também usada para denotar uma pessoa criada para servir de cobertura para uma transação geralmente questionável, como um ‘laranja’. A expressão é também usada com sentido figurativo: fantoche, autômato, boneco.  Nota do tradutor.

[2] Tradução da expressão idiomática inglesa: ‘miss the forest for the trees’, usada para descrever uma determinada situação que o enfoque nos detalhes de um projeto, acaba impedindo de ver o projeto como um todo.

[3] Citação original: “Oh my goodness, If people want to really blow up one figure here or one word there, I would argue that they’re missing the forest for the trees. I think that there’s a lot of people more concerned about being precisely, factually, and semantically correct than about being morally right”.