But for Agassiz, the trip to Brazil was about more than science. Not only was evolution – a process not immediately observable to the human eye – deeply antithetical to Agassiz’s staunch empiricism, evolution was profoundly at odds with his perceived world order.

Michelle Y. Raji

Three decades after the then-obscure scientist Charles Darwin quietly sketched his now-famous finches aboard the HMS Beagle in the Galapagos, influential Harvard professor Louis Rodolphe Agassiz set out with much greater fanfare on a lesser-known expedition. In 1865, Agassiz and his wife, accompanied by a small group of Harvard scientists and students [including the 23 years old William James], set sail from New York to Rio de Janeiro on The Colorado.

In a lecture en route to Brazil, Agassiz challenged Darwin’s revolutionary theory of evolution on the grounds that the theory relied too much on argument and too little on fact. Agassiz posited that evolution was not plausible according to the geologic record. The trip to Brazil was an attempt to disprove Darwin once and for all. Agassiz saw in the unique biodiversity of Brazil a perfect laboratory to test his counter-theories of phylogenetic embryology and glacial catastrophe in the tropics.

But for Agassiz, the trip to Brazil was about more than science. Not only was evolution  – a process not immediately observable to the human eye – deeply antithetical to Agassiz’s staunch empiricism, evolution was profoundly at odds with his perceived world order. Though only moderately religious, Agassiz believed in the existence of a creator in all his work. Fortunately for Agassiz, this belief fit well with comparative zoology, which at the time focused heavily on hierarchal classification.

Agassiz applied this penchant for classification to his views on race. Part of the expedition involved sketching and describing mixed-race Brazilians. Agassiz saw the rampant miscegenation in Brazil as a ‘mongrelization’ of pure racial types that would ultimately result in sterility. Agassiz categorized humans into different ‘species.’ In his book on the Brazil trip, Agassiz notes, ‘the fact that [the races] differ by constant permanent features is in itself sufficient to justify a comparison between the human races and animal species.’

Director of David Rockefeller Center for Latin American Studies and Organismic and Evolutionary Biology professor Brian D. Farrell says that Agassiz’s trip typified the paternalistic approach of Latin American studies at the time. In an essay appended to his wife’s travelogue, ‘Journey in Brazil,’ Agassiz gives his general impressions on Brazilian society and suggestions for improvement. Though he felt a ‘warm sympathy, a deep-rooted belief in her future progress and prosperity,’ he didn’t see ‘among them something of the stronger and more persistent qualities of the Northern races’ – a distinction that fit his divided view of nature – ‘as ancient as the tropical and temperate zones themselves.’

For Agassiz, the expedition was also profoundly personal. Agassiz’s founding of the Museum of Comparative Zoology in 1859 coincided with the publishing of the momentous ‘On the Origin of Species.’

The high point of Agassiz’s professional career and physical culmination of his particular brand of empirical pedagogy in a museum also marked the beginning of a professional fall from grace. At the time of the expedition, Darwin’s theory of evolution had gained significant intellectual traction at Harvard. According to Museum of Comparative Zoology director and OEB professor Jim Hanken, even the students in the unofficial Agassiz Zoological Society (a kind of Agassiz fan club) were beginning to embrace Darwin’s theories.

Hanken describes Agassiz as a ‘sensational figure in his day’ for his unique pedagogy which combined engaging lectures with specimen-based study. One of Agassiz’s students, Samuel Scudder, wrote that on his first day of class Agassiz simply gave him a fish to describe and draw. After three days, Scudder turned in his assignment. A nonplussed Agassiz advised him to ‘look again. Look again!’

Under the patronage of Nathaniel Thayer and Emperor of Brazil Pedro II, Agassiz set out on his 16-month long expedition to Brazil with the aim of proving Darwin wrong. According to Louis Menand’s ‘Metaphysical Club,’ Agassiz got a hero’s welcome in Rio, even though he arrived with his entire academic career at stake.

Agassiz travelled along Amazon for over 2,000 miles. Over the course of the trip, more than 80,000 specimens were collected and shipped to the Museum of Comparative Zoology in Cambridge. In his final lecture, Agassiz claimed that the fact that fish do not migrate upstream disproved Darwin’s idea of evolution by exposure to different environments. His unlikely observations drew criticism from his colleagues, and his findings were disproved shortly after publication. Agassiz’s attempt to save his career became its death knell.

In Farrell’s mind, Agassiz ‘saw what he wanted to see.’ The autocratic Agassiz, darling of the Boston intelligentsia and the face of American professional science, never acknowledged his mistakes.

Among the students in Agassiz’s lectures was future psychologist and philosopher William James, who was largely disgusted by the way Agassiz’s biases infused his passion and professed empiricism. In James’s view, according to Menand, Agassiz should have opened possibilities for inquiry in Brazil rather than try to close them. James also believed that science was never properly independent of a society’s interests and preferences– no one could ever profess pure empiricism.

On his deathbed, the man who failed to see the truth in Darwin’s theory was asked to name his greatest achievement. His response? ‘I have taught men to observe.’

                                                                                                                      

This article was originally published in the magazine of The Harvard Crimson, a student-run non-profit, in the section Disqus.

Note from the editor. This essay is linked to the book William James: Letters, Diaries, and Drawings, (1865-1866), edited by Maria Helena P. T. Machado.

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Joaquina Pires-O’Brien

O Marquês de Pombal era um personagem proscrito na história que aprendi no curso médio no Brasil. Eu atribuo isso à inclinação política de esquerda que predominava na época; tal inclinação era um ponto cego que impedia uma visão completa do personagem, com suas virtudes e seus vícios. Os professores de história argumentam que o ‘iluminismo’[1] de Pombal, apesar de seu longo alcance, foi primariamente um mecanismo para aumentar a autocracia às custas da liberdade individual e, especialmente, uma aparelhagem para esmagar a oposição, suprimir críticas, e ampliar a explotação econômica colonial, bem como intensificar a censura da imprensa e  consolidar controle e ganhos pessoais. Apenas em 1995 o público interessado teve acesso a uma visão bem mais abrangente do marquês, através do livro de Kenneth Maxwell, Pombal: Paradoxo do Iluminismo.

Uma importante característica de Portugal do século XVIII era a sua rígida estrutura de classes sociais. E conforme escreveu Manuel Fernando Vizela Marques Cardoso, “A ordem social, mantida por costumes antigos, estava claramente definida e quase ninguém punha em causa este sistema que a própria religião e o ensino toleravam.” Assim, não é difícil entender que Pombal incomodou muita gente ao romper com essa tradição. A nobreza de Portugal o menosprezava pelo fato dele não pertencer à mesma. E as pessoas ordinárias se referiam a ele como ‘estrangeirado`, devido às suas ideias avançadas aprendidas durante suas residências em Londres e em Viena. Foi um golpe de sorte para Portugal ter um monarca capaz de reconhecer a competência de Pombal, e um golpe de sorte duplo para o próprio Pombal,  ter sobrevivido e ter tido a oportunidade de demonstrar seu valor. Para uma época definida pelas governanças absolutistas isso não é coisa de se jogar fora, principalmente se levarmos em conta a quantidade de mentes brilhantes que são desprezadas pelas viciadas máquinas governamentais dos países democráticos de hoje em dia.

Em 1o de novembro de 1755, quando Lisboa foi atingida por um violento terremoto com magnitude estimada de 9, na escala Richter, tendo sido sentido até em Hamburgo e nas ilhas dos Açores. O terremoto foi seguido de um tsunami que também destruiu os portos do golfo de Cádiz, na Espanha, com ondas de 5 a 15 metros de altura. O abalo sísmico e o tsunami foram seguidos por diversos incêndios, resultando na destruição da maior parte da cidade de Lisboa.

Na época em que Lisboa foi acometida pelo terremoto, a população de Portugal desconhecia as leis físicas acerca da gravidade e do movimento dos corpos celestes, e o seu entendimento acerca do universo era entrelaçado às crenças na revelação divina bem como à especulações sem fundamento. Entretanto, na França, Inglaterra, e Alemanha, onde as ideias do Iluminismo já estavam espalhadas na população leiga, esta tinha ao menos uma ideia vaga de que o terremoto de Lisboa tinha sido um fenômeno normal da natureza. Foi a primeira vez na história da Europa em que um cataclismo de grande porte foi assim entendido. Quão diferente foi, por exemplo, do incêndio de Londres de 1625 e da Grande Peste de 1665 a 1666, ambos caracterizados por buscas irracionais de causas e de responsáveis.

Logo após o terremoto de Lisboa, o filósofo francês Voltaire (François-Marie Arouet; 1694 – 1778), se concentrou em explicar as suas causas naturais e dissipar a teodiceia reinante de que havia sido uma punição de Deus. Por tudo isso, o terremoto de Lisboa de 1755 tornou-se o marco do limite inicial do Iluminismo, apesar de que este ainda não havia chegado a Portugal. Em meio às centenas de corpos e aos escombros da cidade, os padres chamavam a população para rezar e pregavam que o terremoto havia sido um castigo divino. Pombal foi o quem trouxe a luz à população paralisada de medo, com sua atitude resoluta e sua competente liderança.  Uma frase dele que se tornou famosa é: “O que fazer agora? Enterramos os mortos e curamos os vivos!”.O presente ensaio visa mostrar que o personagem histórico Pombal tem outros ângulos além do de déspota esclarecido. E, é bom lembrar que poderia ter sido muito pior, se ao invés de esclarecido ele fosse estúpido e inculto.

Súmula biográfica

Dom Sebastião José de Carvalho e Melo, 1o Marquês de Pombal, 1o Conde de Oeiras (13 maio de 1699 – 8 Maio de 1782) foi um diplomata e estadista português. Durante o reinado de Dom José I de Portugal, de 1750 a 1777, ele ocupou o posto de Secretário de Estado do Reino de Portugal e do Algarve, cargo equivalente a um Primeiro Ministro contemporâneo, quando foi o chefe de fato do governo português. Melo recebeu seu primeiro título de nobreza aos 60 anos de idade, quando, em 1759, D. José I nomeou-o Conde de Oeiras. O rei lhe concedeu o título de Marquês de Pombal onze anos depois, em 1770, quando tinha 71 anos de idade.

Pombal já tinha 78 anos de idade quando deixou o cargo de Secretário de Estado, após o falecimento do rei D. José I, uma idade avançada até para os padrões contemporâneos. Em circunstâncias normais, um servidor público comum já teria se aposentado há pelo menos duas décadas. Mas Pombal era um homem de elevada diligência, o que sugere que teria optado por continuar contribuindo para a reconstrução de Lisboa e a modernização de Portugal. Não foi por acaso que surgiu o termo ‘pombalino’ para descrever o estilo de arquitetura que marcou a Lisboa de após o grande terremoto, bem como a gestão de Pombal. E o que aconteceu a Pombal depois da morte de  D. José I?

Por ter perseguido os jesuítas, Pombal tornou-se um desafeto D. Maria I[i], uma católica devota e sob o domínio dos primeiros. Diz-se que até mesmo a menção do nome de Pombal induzia ataques de raiva na rainha. Não contente em retirar todos os cargos de Pombal, ela também o acusou de corrupção, e num julgamento fantoche, sem o devido direito de defesa,  Pombal foi condenado. Em seguida, a rainha também emitiu uma das primeiras ordens de restrição da história, ordenando que o marquês não estivesse a menos de 32 quilômetros de sua presença. O cumprimento do decreto real exigia que Pombal se retirasse de sua morada, na eventualidade da rainha ter que viajar para alguma localidade próxima. Finalmente, e seguindo a cartilha de Maquiavel, a rainha buscou dar mostra de sua magnanimidade, publicando um edito dizendo que perdoava ao marquês pelos seus crimes e, como ele era senil e doente, não iria exigir que ele saísse do país.  É claro que essa concessão da rainha não serviu de conforto Pombal, cujo anseio maior era limpar o seu nome. Como o belo palácio que Pombal havia construído em Oeiras ficava a menos de 32 quilômetros de Lisboa, ele não pode permanecer lá depois de ter se retirado da corte. Pombal foi morar na vila de Pombal, em Leiria, numa casa de campo de propriedade de seu tio-avô, onde morreu placidamente em 1782, aos 82 anos.

Apesar de Pombal ter sido descartado pela rainha, os seus feitos passados selaram a sua reputação. Depois que os estudiosos de outros países reconheceram o valor de Pombal no avanço da secularização, colocando-o no centro do Iluminismo europeu. Aos poucos, a contribuição de Pombal voltou a ser reconhecida em Portugal. Em 1934 Pombal foi homenageado com uma estátua em bronze dele ao lado de um leão, em cima de um pedestal de pedra trabalhada de cerca de 40 metros de altura, numa importante praça de Lisboa que também leva o seu nome.

Os primeiros anos

Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu Casconho, próximo a Soure, na região de Coimbra, na primavera de 1699. Era filho de  Manuel de Carvalho e Ataíde, um proprietário de terras na região de Leiria, e de Teresa Luísa de Mendonça e Melo. Quando jovem, ele estudou na Universidade de Coimbra, e, serviu ao exército por um curto período de tempo. Em seguida, ele se mudou para Lisboa e evadiu-se com Teresa de Mendonça e Almada (1689–1737), viúva sem filhos de seu primo António de Mendonça Furtado, falecido em 1718, a qual era onze anos mais velha do que ele. Apesar da família da noiva ter organizado o casamento do jovem casal, eles optaram por ir morar numa propriedade dos Melo, próxima de Pombal. O casal não teve filhos e Teresa faleceu em Lisboa, em 6 de fevereiro, aos 51 anos.

Em 1733 Pombal foi nomeado sócio da Academia Real de História Portuguesa, fundada em 1720 por D. João V, o Magnífico, e cuja moto era Restituet Omnia, que significa ‘restaurar todas as coisas’. Em 1740, um ano depois de ter ido para Londres como embaixador, ele foi eleito membro da Royal Society,[3] onde possivelmente teve oportunidades de ouvir os iluminados época, inclusive o francês Voltaire, eleito membro em 1741.

Carreira política

Sebastião José de Carvalho e Melo ainda não tinha nenhum título de nobreza quando, em 1938,  aos  39 anos de idade, recebeu o seu primeiro cargo público importante, durante o reinado de D. João V. Isso ocorreu quando o então primeiro ministro (secretário de Estado), o cardeal D. João da Mota, nomeou-o embaixador (plenipotenciário da corte) junto à corte da Grã Bretanha. Em 1745, Melo serviu também como embaixador de Portugal na Áustria[4].

A participação de Melo na corte de Lisboa lhe deu a oportunidade de conhecer a culta e poliglota rainha consorte, a arquiduquesa Maria Anne Josepha, da Áustria (1683–1754)[5], a  qual simpatizou de imediato com Melo. Quando este ficou viúvo de Teresa, sua primeira esposa, a rainha arranjou o casamento dele com Eleonora Ernestina von Daun, filha do Marechal de campo austríaco Leopold Josef, conde von Daun. Entretanto, o rei D. João V, não aprovou o casamento, e o chamou de volta em 1749. O casal teve sete filhos, sendo que o segundo, D. Henrique José Maria Adão Crisóstomo de Carvalho e Melo (1748-1812), passou a ser o 2º Marquês de Pombal, e, eventualmente imigrou para o Brasil. Com a morte deste, sem ter deixado descendentes legítimos, o título passou ao seu irmão D. José Francisco de Carvalho Melo e Daun.

A carreira pública de Melo é restaurada em 1950, quando D. João V morre e é sucedido pelo seu filho D. José, que era afeiçoado a ele. Melo passa a trabalhar diretamente com D. José I, e logo passa a ser o braço  direito do monarca. A experiência pregressa de Melo em Londres e em Viena foi crucial para o seu novo cargo de Secretário de Estado de Negócios Interiores, cargo equivalente a primeiro ministro. Melo era um anglófilo que procurou entender as causas do sucesso econômico inglês, e  buscou implementar políticas econômicas semelhantes em Portugal. Pombal aboliu o exército e a marinha, aboliu os Auto de fé e os estatutos civis de ‘Limpeza de Sangue’ e suas discriminações contra os novos cristãos (judeus que haviam se convertido ao cristianismo a fim de escapar da Inquisição portuguesa, e seus descendentes).

As reformas pombalinas

As reformas pombalinas consistiram de uma série de reformas voltadas a fazer com que Portugal se tornasse uma nação autossuficiente e economicamente robusta, através da expansão do território brasileiro, do enxugamento da administração do Brasil colonial, e de reformas fiscais e econômicas tanto em Portugal quanto nas colônias.

Durante a Idade do Iluminismo, Portugal era considerado um país pequeno e atrasado. Em 1750, quando a população de Portugal era de três milhões de habitantes, cerca de 200 mil pessoas viviam nos 538 mosteiros do país. Embora a economia de Portugal antes das reformas fosse relativamente estável, esta dependia do Brasil para suporte econômico, e da Inglaterra para suporte na manufatura, através do Tratado de Mutuem de 1703. Até mesmo os produtos portugueses exportados eram intermediados por mercadores expatriados, como os exportadores ingleses de vinho do Porto e os negociantes franceses como Jácome Ratton, cujas crônicas são altamente críticas à eficácia de suas contrapares portuguesas.

A necessidade de expandir o setor manufatureiro em Portugal tornou-se ainda mais imperativo devido aos gastos excessivos da coroa portuguesa, o terremoto de Lisboa de 1755, as despesas com as guerras com a Espanha por territórios da América do Sul, e a exaustão das minas de ouro e diamantes no Brasil.

As maiores reformas de Pombal foram, no entanto, econômicas e financeiras, com a criação de várias empresas e ‘guildas’ para regular todas as atividades comerciais. Ele criou a empresa ‘Douro Wine’, que demarcou a região vinícola do Douro, para garantir a qualidade do vinho do Porto; essa foi a primeira tentativa na Europa de controlar a qualidade e a produção de vinho. Diz-se que Melo governou com mão pesada, impondo leis estritas a todas as classes da sociedade portuguesa, da alta nobreza à classe trabalhadora mais pobre, e através de sua ampla revisão do sistema tributário do país. Essas reformas lhe renderam inimigos nas classes altas, especialmente entre a alta nobreza, que o desprezava como um iniciante social.

Outras reformas importantes realizadas por Pombal foram na educação. Em 1759 ele criou a base para escolas primárias e secundárias públicas seculares, introduziu treinamento profissional, criou centenas de novos postos de ensino, adicionou departamentos de matemática e ciências naturais à Universidade de Coimbra e introduziu novos impostos para custear por essas reformas.

O terremoto de Lisboa

Um desastre caiu sobre Portugal na manhã de 1º de novembro de 1755, quando Lisboa foi atingida por um violento terremoto com magnitude estimada de 9 na escala Richter. A cidade foi arrasada não apenas pelo terremoto mas também pelo tsunami e incêndios que se seguiram. Melo sobreviveu por um golpe de sorte e imediatamente embarcou na reconstrução da cidade, com sua famosa citação: “O que fazer agora? Enterramos os mortos e curamos os vivos!”.

Apesar da calamidade, Lisboa não sofreu epidemias e, em menos de um ano, já estava sendo reconstruída. A nova área central de Lisboa foi projetada para resistir a terremotos subsequentes. Modelos arquitetônicos foram construídos para testes, e os efeitos de um terremoto foram simulados por marchas de tropas ao redor dos modelos. Os edifícios e as principais praças do centro pombalino de Lisboa são uma das principais atrações turísticas de Lisboa: são os primeiros edifícios à prova de terremotos do mundo. Melo também deu uma contribuição importante ao estudo da sismologia, projetando um questionário que foi enviado a todas as paróquias do país.

O questionário perguntou se cães ou outros animais se comportavam estranhamente antes do terremoto, se havia uma diferença notável na elevação ou queda do nível da água nos poços e quantos edifícios haviam sido destruídos e que tipo de destruição ocorreu. As respostas recebidas permitiram aos cientistas portugueses modernos reconstruir o evento com precisão.

Campanha contra e os autos da fé e contra os jesuítas

Melo fez uma forte campanha para por fim aos autos de fé, aquelas cerimônias públicas organizadas pelo Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Inquisição, e que incluía uma procissão que terminava numa estrutura em cadafalso, em cima do qual os réus eram apresentados ao público. Melo sabia que não podia exterminar a Inquisição, e assim, ele se limitou a tentar influencia-la. Para tal, ele nomeou o seu irmão, D. Paulo Antônio de Carvalho e Mendonça, inquisidor-mor. Ele também usou a inquisição para combater a ordem dos jesuítas, isto é, dos padres católicos pertencentes à Sociedade de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loyola em 1540, em Paris.

Inicialmente o ingresso na Sociedade de Jesus requeria um elevado padrão educacional de seus aspirantes. Os jesuítas eram mandados para as colônias europeias na América, Ásia e África, com a missão de converter os nativos e trazê-los ao seio da cristandade. Lá eles compilaram dicionários, e ensinaram música e teatro, além de outras coisas, como fizeram o Padre Manoel da Nóbrega e o Padre José de Anchieta no Brasil. Entretanto, passados quase dois séculos, a Sociedade de Jesus entrou em decadência. Muitos padres jesuítas eram incultos e ignorantes, como aqueles que pregavam que o terremoto de Lisboa havia sido um castigo divino.

Tendo morado em Viena e Londres, esta última sendo importante centro do Iluminismo, Melo acreditava cada vez mais que a Sociedade de Jesus, cujos membros são conhecidos como ‘jesuítas’, com seu domínio da ciência e da educação, era um resistência inerente a um iluminismo independente em estilo português.

Melo conhecia bem a tradição anti-jesuita do Reino Unido, e, em Viena, fez amizade com Gerhard van Swieten, confidente da imperatriz Maria Teresa e forte adversário da influência dos jesuítas austríacos. Melo empregou a sua autoridade e seus relacionamentos para expulsar os jesuítas de Portugal, engajando-se numa campanha pública a contra os jesuítas, que foi observada de perto pelo resto da Europa. Durante o caso Távora, quando um membro dessa família tentou assassinar o rei D. José I, ele acusou a Companhia de Jesus de envolvimento. Os jesuítas foram expulsos de Portugal e seus bens confiscados pela coroa. E em 1773 os jesuítas foram expulsos de toda a Europa e suas colônias, quando os reis absolutistas europeus forçaram o Papa Clemente XIV a emitir uma bula papal  que os autorizava a suprimir a ordem em seus domínios.

O affair Távora

A diligência de Melo – que ainda não era marquês –, logo em seguida ao terremoto de 1º de novembro de 1755 fez com que D. José I lhe atribuísse ainda mais autoridade. Segundo consta, foi aí que e Melo tornou-se numa espécie de ditador. À medida que seu poder cresceu, os seus inimigos aumentaram em número, e disputas amargas com a alta nobreza se tornaram frequentes. A maior dessas disputas amargas foi o affair Távora, iniciado em 1758, quando D. José I foi gravemente ferido em uma tentativa de assassinato, ao retornar de uma visita à sua amante, a jovem marquesa de Távora.

Melo jogou todo o seu poder contra a família Távora e também contra o duque de Aveiro, que estavam envolvidos. Melo não mostrou piedade, processando todas as pessoas envolvidas, até mulheres e crianças. Foi uma grande vitória do primeiro-ministro contra os seus inimigos da aristocracia. Após o caso Távora, o novo conde de Oeiras não conheceu oposição. Como recompensa por sua rápida determinação, D. José I tornou o seu leal ministro conde de Oeiras em 1759. Mais tarde, em 1770 foi nomeado Marquês de Pombal.

O affair Távora ainda não é um capítulo encerrado da história. Há uma tese de que os mandantes do crime não foram os Távora mas sim a rainha, D. Mariana Vitória, e que o verdadeiro alvo seria a marquesa, a amante de D. João V, que o acompanhava.

A invasão da Espanha

Em 1761, a Espanha concluiu uma aliança com a França, pela qual a Espanha entraria na Guerra dos Sete Anos, em um esforço para impedir a hegemonia britânica. Os dois países viam Portugal como o aliado mais próximo do Grã-Bretanha, devido ao Tratado de Windsor. Como parte de um plano mais amplo para isolar e derrotar a Grã-Bretanha, enviados espanhóis e franceses foram mandados a Lisboa para exigir que o rei e Pombal concordassem em cessar todo o comércio ou cooperação com a Grã-Bretanha ou enfrentar uma guerra. Embora Pombal desejasse tornar Portugal menos dependente da Grã-Bretanha, esse era um objetivo a longo prazo, e ele e o rei rejeitaram o ultimato de Bourbon.

Em 1762, a Espanha declarou guerra a Portugal e enviou tropas através da fronteira. Apesar de terem conseguido capturar Almeida, eles logo pararam. Pombal havia enviado mensagens urgentes a Londres solicitando assistência militar, mas nenhuma tropa britânica foi enviada. Em vez disso, a Grã-Bretanha enviou William, o conde de Schaumburg-Lippe e alguns de seus militares para organizar o exército português.

Após a Batalha de Valência de Alcântara, os espanhóis foram empurrados de volta à fronteira. O Tratado de Paris pedia a restauração de todo o território português em troca dos britânicos devolverem Cuba, e Almeida foi evacuado.

Nos anos após a invasão, e apesar da crucial assistência britânica, Pombal começou a se preocupar cada vez mais com o aumento do poder britânico. Apesar de ser um anglófilo, ele suspeitava que os britânicos cobiçavam o Brasil e ficou alarmado com a aparente facilidade com que haviam tirado Havana e Manila da Espanha em 1762.

Relações com o Brasil

Pombal deu atenção ao Brasil, assim como às demais colônias portuguesas.

Em 1751, criou o Tribunal de Relações do Rio de Janeiro. Juntas de justiça foram instituídas nas capitanias.

Em 1763, mudou a capital do Brasil, de Salvador para o Rio de Janeiro.

Organizou a fundação de numerosas comarcas e vilas foram fundadas. A capitania de Mato Grosso, criada por D. João V, só então foi instalada. Criou a capitania do Piauí, e resolveu a questão entre as fronteiras das capitanias de São José do Rio Grande e de Rio Grande de São Pedro.

Renomeou o Estado do Maranhão, criado em 13 de junho de 1621, como Estado do Grão-Pará  e Maranhão, que permanece como uma colônia autônoma portuguesa até 1823.

Incentivou a diversificação da agricultura, fazendo com que o Brasil passasse a plantar mais arroz, tabaco, algodão e cacau.

Tornou o português a língua oficial em todo o território do Brasil.

Declínio e morte

Efetivamente, Melo governou Portugal até a morte de D. José I em 1777, quando ele foi sucedido por sua filha, Dona Maria I, cujo marido, tornou-se Dom Pedro III, um rei consorte. D. Maria I era uma católica devota e sob a influência de padres jesuítas, em decorrência de que o Marquês de Pombal era um desafeto. Assim que subiu ao trono, ela fez o que havia prometido: retirou todos os cargos políticos de Melo.

D. Maria I também emitiu uma das primeiras ordens de restrição da história, ordenando que o marquês não estivesse a menos de 32 quilômetros de sua presença. Se ela viajasse perto de suas propriedades, ele era obrigado a se retirar de sua casa para cumprir o decreto real. Diz-se que a menor referência em sua audição a Pombal induzia ataques de raiva na rainha. Dona Maria I era conhecida inicialmente como ‘a piedosa’, mas mais tarde ficou evidente que a sua piedade era uma exagerada manifestação de sua insanidade, e após ser interditada em 1792, entrou para a história como ‘a louca’. Logo no início do seu governo, de 1777 a 1792, ela afastou o Marquês de Pombal da corte, depois que este foi acusado de corrupção e condenado num julgamento fantoche. Entretanto, para mostrar-se como benemérita, a rainha fez publicar uma decisão dizendo que perdoava ao marquês por seus crimes e, como era senil e doente, não iria exigir que ele saísse do país.

Em Oeiras, entre Lisboa e Cascais, Pombal havia construído um belo palácio, completo com jardins franceses formais, com paredes decoradas com tradicionais azulejos portugueses e vinhedos entremeados por chafarizes e córregos artificiais. Entretanto, devido a proximidade do Palácio de Oeiras com Lisboa, após o seu banimento da corte, Pombal foi morar num solar de campo de propriedade de seu tio-avô, na vila de Pombal (Leiria), onde morreu placidamente em 1782, aos 82 anos.

Pombal foi enterrado no cemitério da igreja do convento de Santo Antônio, na vila de Pombal. Em 1856/7, o Marechal Saldanha, seu neto por via materna, trasladou para Lisboa os restos mortais do marquês, que foram depositados na ermida das Mercês, onde o Marquês de Pombal fora batizado e que pertencia à irmandade. Em 1923, os restos mortais passaram em definitivo para a Igreja da Memória, em Lisboa, onde se encontram até ao presente.

O julgamento da História

D. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, recebeu o julgamento da história em prestações. Foi déspota, líder cruel e implacável, e déspota esclarecido. Talvez a maior mancha na sua reputação foi ter permitido o julgamento rápido dos acusados do crime de tentativa de regicídio contra D. José I. Essa é uma acusação procedente pois a justiça para ser justa precisa ser isenta de influência política. Por outro lado, os crimes de lese-majesté eram considerados hediondos e acompanhados de pena de morte.

O terremoto de Lisboa de 1755 foi a primeiro grande calamidade da Europa a ser explicada ao povo pelas suas causas naturais e não pela vontade Divina e outras a causas improváveis. A atuação de Pombal foi crucial para essa mudança, e o colocou no centro do Iluminismo. Quando não era mais possível retirar de Pombal o rótulo de ‘iluminado’, ele passou a ser chamado ‘déspota esclarecido’.

Um dos mais cruéis julgamentos de Pombal, anteriormente mencionado, afirma que o ‘iluminismo’  do marquês foi primariamente um mecanismo para aumentar a autocracia às custas da liberdade individual e, especialmente, uma aparelhagem para esmagar a oposição, suprimir críticas, e ampliar a explotação econômica colonial, bem como intensificar a censura da imprensa e  consolidar controle e ganhos pessoais. Entretanto, esse julgamento é típico da miopia dos ideólogos de esquerda e sua noção de que a sociedade é formada por opressores e oprimidos.

O governo português reconheceu os feitos do Marquês de Pombal em 1934, com a construção um importante monumento histórico colocado na praça em Lisboa que também leva o seu nome, no topo da Avenida da Liberdade. Em 1978, na cidade de Pombal, foi criado o Museu Marquês de Pombal, que guarda a coleção de objetos relacionados ao marquês, colecionados pelo antiquário Manuel Gameiro. E, no município Oeiras, onde Pombal construiu seu magnífico palácio, marca com um feriado a data em que Sebastião José Carvalho e Melo foi elevado à dignidade de Conde de Oeiras, em 7 de Junho de 1759.

Diversas biografias recentes do Marquês de Pombal, aparentam oferecer julgamentos bem mais equilibradas do que os até então vigentes, como as abaixo citadas.

Maxwell, Kenneth. Pombal: Paradox of the Enlightenment. (Pombal: Paradoxo do Iluminismo; 1996).  do Marquês de Pombal. O Homem e o Estadista. 2016. 160 p. (Veja abaixo trecho da resenha)

Barata, José. A vida e a obraAzevedo, João Lúcio. O Marquês de Pombal e a sua época. Wentworth Press, 2019.

Em conclusão, o bom senso é muito mais chegado à objetividade do que a ideologia, que é sempre acompanhada de vieses. Na vida real, a maior parte das pessoas tem suas boas qualidades e seus defeitos, bem como os seus acertos e seus erros, e tudo deve ser levado em conta no julgamento honesto da história. O Marquês de Pombal não foi um santo mas tampouco foi o demônio como muitos o pintaram.

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Retrato do Marquês dfe Pombal
Figura 1. Marquês de Pombal.

 


Figura 2. Praça rotunda do Marquês de Pombal, em Lisboa, a 19 de março, dia seguinte ao decreto de ‘estado de emergência’ do Covid19. (Guia da Cidade.pt)

 

 Marquês de Pombal: O déspota esclarecido

Derek Beales

Resenha do livro Pombal: Paradox of the Enlightenment by Kenneth Maxwell. Cambridge University Press, 1995, 200 pp.

Por duas vezes na sua história, Portugal teve um papel de liderança na Europa. No século XV, foi pioneiro em explorações e descobertas em outros continentes, o que resultou em sua transformação num vasto império, que incluía postos avançados na Ásia, partes substanciais da África e metade da América do Sul, principalmente no atual território do Brasil. Outras potências logo seguiram o exemplo de Portugal – embora não a Áustria. O império português ainda estava em grande parte intacto, e no Brasil ainda estava em expansão, quando em 1759 Portugal tomou outra grande iniciativa, a expulsão e expropriação dos jesuítas da pátria e de suas colônias. Um por um, os outros poderes católicos, novamente com a grande exceção da Áustria, seguiram o exemplo de Portugal. Em 1773, a pressão deles sobre o papa Clemente XIV se tornou forte demais para ele resistir, e ele decretou a supressão total da ordem jesuíta. A Áustria obedeceu.

A primeira iniciativa de Portugal foi certamente uma das mais significativas da história registrada. Se o segundo não pode ser colocado na mesma classe, ainda foi um evento que surpreendeu o mundo e o mudou muito. Ninguém duvida que um homem tenha sido o principal responsável pela expulsão de Portugal dos jesuítas: o marquês de Pombal, o primeiro ministro do rei José I durante todo o seu reinado de 1750 a 1777. É a ação pela qual Pombal é mais conhecido, mas ele foi um governante excepcionalmente enérgico e implacável, que tentou transformar a maior parte dos aspectos da economia e da sociedade de seu país. O historiador Leo Gershoy o chamou de “o reformador mais espetacular e dinâmico do século” – uma reivindicação grande feita ao escrever sobre a era de Pedro, o Grande e Catarina, a Grande da Rússia, Frederick William I e Frederick, o Grande da Prússia, Maria Teresa e José II da Áustria e seu ministro, o príncipe Kaunitz.

A nova biografia de Pombal, de Kenneth Maxwell, é uma conquista notável. Em apenas 166 páginas de texto, nas quais também foram encontradas 47 ilustrações, ele explica os desenvolvimentos no Brasil e em Portugal, coloca os dois países em seus cenários mundiais, expõe a carreira do ministro, seus objetivos e ações, e depois os discute como um caso de despotismo esclarecido – tudo com evidente domínio e deleite. O livro é baseado em uma extensa pesquisa, que rendeu algumas citações esplendidamente apontadas. Se muito disso já figurou em Conflitos e conspirações: Brasil e Portugal, 1750–1808, de Maxwell, a concentração no próprio Pombal nesta biografia levou-o a considerar muitos assuntos não relevantes para o livro anterior, como a reforma educacional e a reconstrução de Lisboa, com a qual Pombal esteve profundamente envolvido. Pombal representa um imenso avanço sobre qualquer coisa publicada anteriormente em inglês sobre o assunto e, até onde eu sei, não há nada comparável a isso em qualquer idioma.

O primeiro problema sobre Pombal é o seu nome. Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu em 1699 em uma família nobre. Em 1759 foi designado conde de Oeiras, e apenas em 1769 marquês de Pombal. A sua carreira começou…

                                                                                                             

Resenha publicada em inglês no The New York Review of Books. April 18, 1996. Tradução de JPO.

 

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The New York Review of Books. April 18, 1996.

Notas

[1] O Iluminismo, ou ‘século das Luzes’, foi um movimento intelectual da segunda metade do século XVII nos países mais avançados da Europa, caracterizado por uma visão de mundo inteiramente naturalista, em contrapartida à visão supernaturalista que até então dominava. Embora o naturalismo já estivesse bem assentado nas mentes mais avançadas do século XVII,  foi apenas no século XVIII que as pessoas ordinárias começaram a se interessar tanto pelas ciências naturais quanto pelas ciências sociais e políticas.

[2] Dona Maria I conhecida como ‘a rainha louca’ foi eventualmente interditada, sendo que o governo de Portugal passou para o Príncipe Regente D. João, que após a morte de Dona Maria I passou a ser D. João VI.

[3] A Royal Society é uma das primeiras academias de ciência do mundo, fundada em Londres em 1660.

[4] É pertinente lembrar a situação política da época tanto Grã Bretanha quanto na Áustria.  Na Grã Bretanha, o monarca reinante era George II (r. 1727-1760), da casa de Hannover, escolhida pelo parlamento para ascender ao trono Britânico em 1714, tomando o lugar da casa dos Stuart. Precisamente no reinado de George II, Charles Edward, filho de James Francis Stuart e bisneto de James II, o último rei Stuart da Grã Bretanha, chega à Escócia para tentar reaver o trono britânico, provocando uma série de batalhas, sendo a última a de Culloden, em abril de 1746. Na Áustria, o poder monárquico centrava na Imperatriz Maria Teresa (r. 1740-1780), e não no seu marido, Francisco (François Étienne ou Francico Estevão), que era natural de Lorena (atualmente na França), o qual foi eleito Sacro Imperador Romano, com a designação de Francisco I.  Maria Teresa e Francisco I tiveram dezesseis filhos, dentre os quais a ultima rainha da era pre-revolucionaria da Franca, Maria Antoinette. (1755–1793).

[5] Maria Ana Josefa de Áustria (Linz, 7 de setembro de 1683 – Lisboa, 14 de agosto de 1754) era filha do imperador Leopoldo I, e da sua terceira mulher, a condessa Leonor Madalena. Era irmã dos imperadores José I e Carlos VI, também pretendente ao trono espanhol, e meia-irmã de Maria Antônia de Áustria, eleitora da Baviera, entre outros. Foi rainha consorte de Portugal de 1708 a 1750, enquanto mulher do Rei D. João V de Portugal. Três dos seus filhos sentaram-se no trono: D. José, Rei de Portugal, D. Pedro, rei-consorte de Portugal pelo seu casamento com a sua sobrinha, e D. Maria Bárbara, Rainha de Espanha pelo casamento.

Joaquina Pires-O’Brien

The building of a Brazilian national identity began with the country’s independence from Portugal in 1822. Since then, it has taken different forms that accompanied the evolution of Brazilian society throughout history. Among the various scholars who described the Brazilian national identity, Gilberto Freyre (1900-1987) is the most outstanding. Although he was only 33 years old when he published  Casa grande e senzala (The Masters and the Slaves)[1], this book remains unsurpassed as a comprehensive and penetrating analysis of Brazilian society, based on history, geography, literature, folklore, and art. The thesis Freyre developed in this book is that the Brazilian society was shaped around the sugar cane industry, where the Portuguese colonizers and the Brazilians – peasants, native Indians and black slaves –, maintained a peaceful relationship, and as a result of which, the Brazilian society emerged as a nation of mixed-blood population that evaded the scourge of racism.

Freyre was well acquainted with the two major literary movements of the twenty century in Brazil,  “Modernism”, which took off in São Paulo and Rio de Janeiro, and ‘Regionalism’, which was based in the Brazilian Northeast. He wrote:

These two movements will probably stand as the most significant in revolutionizing the letters and the life of Brazil in the direction of intellectual or cultural spontaneity, creativeness, and self-confidence set against the tradition of colonial subordination to Europe or the United States.[2]

About the Modernist movement, Freyre cites the writer Mario de Andrade (1893-1945), who had expressed regret that the movement “did not go far enough in developing its social implications”.[3] This note by Freyre is a testimony of his genius with which he distilled the essence of the Brazilian society. However, there are plenty of social implications in the character Macunaíma that Andrade introduced in an eponymous novel that appeared in 1928.

Macunaíma: the proverbial Brazilian scoundrel

Most critics recognizes Macunaíma, a character created by Mario de Andrade[4], as the proverbial Brazilian scoundrel. Macunaíma is the son of a native Indian woman, born black, with an adult body but a child’s mind, which would explain some of his vices. He is hyper-sexualised, lazy, glutton, and as if that wasn’t enough, a megalomaniac who believed he could manipulate monsters and deities, and control the universe.

As the novel unfolds, Macunaíma lived a simple life in his village near forest, but one day he heard about a big city called São Paulo, and decided that he wanted to go there. While he is toying with the idea of going to São Paulo, his mother dies. In grief, Macunaíma wanders inside the forest, when he discovers a magic fountain, bathes in it, and when he comes out of it he has become white. Macunaíma arrives in São Paulo as a white man, although his whiteness is not genuine, and he will be found out. His lover, a white guerrillera, gives birth to a black baby. When Macunaíma becomes homesick for his village he writes to the “Icamiabas”, the legendary Amazons. His letter is in a formal European Portuguese style, a strong contrast with the colloquial Brazilian Portuguese style of the novel itself, typical of the Realism style, of which Mario de Andrade was a pioneer. The formal style in Macunaíma’s letter is the symbol of his new persona as a respectable city dweller. It is also  a way the author devised mock Romanticism.

Macunaíma is described by his ethnicity and by his personality. He has all three races of Brazil, since he was born black, his mother was a native Indian, and by the force of destiny he became white. He is a hero without principles – um herói sem-caráter. There is an obvious cognitive dissonance in this description, since the idea of a hero implies having principles. Could it be that Macunaíma’s lack of principles resulted from his mixed-race condition?  Statistics shows that correlation is not necessarily causation, but the nineteen century scholars who were ignorant of statistics believed that the high level of interracial breeding in Brazil was creating a descent of undesirables.

The Anthropophagous Manifest

In 1928, the writer Oswald de Andrade (1890-1954), brother of the aforementioned Mário de Andrade, published his Anthropophagous Manifest (Manifesto antropófago), in poetic prose, proposing that Brazilians should ‘cannibalize’ the European cultural legacy, and digest it, in order to create an art that is typically Brazilian[5]. The example given is how Shakespeare’s phrase “To be or not to be” can become “Tupy or not Tupy”[6]. As others have pointed out, the Manifest’s objective was not to oppose European culture but to oppose the mind-set that only things that come from abroad are good. Brazilians should value its indigenous culture, and draw inspiration from it.

The metaphor of the cordial man

The ‘cordial man’ is a metaphor for the Brazilian personality or temperament, introduced by the Brazilian historian and sociologist Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), in his 1936 book Raízes do Brasil (Roots of Brasil)[7]. In this book, Buarque de Holanda traces the Brazilian mind-set to the time when Brazil was a colony of Portugal, when its social structure was unstable and the order precarious and the only thing that appeared as permanent and certain was the sugar industry of sugar. It was a time marked by many sources of conflicts, including the uncertainties regarding slavery, when patriarchy offered protection from the constant threat of violence. Colonial patriarchy is the root of the Brazilian patrimonialist State, where private interests trump the common good. Patriarchy continued to after Brazil gained its independence from Portugal, and even after the abolition of monarchy and the republic regime was introduced.

The metaphor of the cordial man created to depict the Brazilian mind-set is misleading, because the word ‘cordial’, which comes from the Latin cordis, meaning ‘of the heart’, has other meanings such as ‘amiable’ and ‘polite’, whilst Buarque de Holanda used ‘cordial’ in the strict sense. Thus, the metaphor of the cordial man depicts Brazilians as individuals fixated in delimiting friends and foes, and who use emotion rather than reason to separate the two. Although one could argue that the trumping of emotion over reason happens in every country in the world, there is a twist in the Brazilian fixation with ‘friends close to the chest’ (amigos do peito) and the others. This twist has to do with the peculiar way in which Brazilians define their circle of trust. The sentences below are examples I found in the internet:

 “So and so is very snobbish, for he remains working at his desk instead of having a coffee with us!”

“That individual is well qualified but is not fun to be with, he will never be promoted in the company.”

“My boss is so good, he treats me as if I was part of the family!”

“So and so got a promotion at the company, but he misses more than he works.”

“I can’t foresee any problems in him,  he is one of us .”

Judging from those examples above, one can infer that Brazilians have a very limited circle of trust.

The Friend of the Beast – O Amigo da Onça

The metaphor of the ‘cordial man’ points to the Brazilian fixation with ‘friends of the chest’ and his suspicion of all others. The typical ‘other’ could be described as the individual who would find pleasure in one’s misfortune, and who could very well be close by, posing as a friend. A popular cartoon character called ‘o amigo da onça[8] or ‘the friend of the beast’, that appeared in Brazil in the 1940s and lasted for many decades, is the best depiction of this ‘other’, and could very well be the cordial man’s alter ego.

 

Figure 1. Cartoon of the ‘friend of the beast’ and his ‘beast’ friend, a Brazilian jaguar (onça).

Although the Brazilian national identity is a work in progress, Sérgio Buarque de Holanda and the Andrade brothers pointed to the Brazilian self-doubt and lack of trust in the things that typify Brazilian-ness. When Buarque de Holanda created the metaphor of ‘the cordial man’ to depict the typical Brazilian, the concept of low trust and high trust societies was not yet described in sociology. Since then, the social scientists have shown that interpersonal trust is a key defining factor of society and that societies where people tend to trust each other (high trust societies) have stronger democracies, richer economies, better health, and less crime and corruption.

Brazilian national identity. A work in progress, stalled

The Brazilian national identity is a work in progress and this can be seen through the way it oscillates between excessive optimism and pessimism. An example of the excessive optimism is the depiction of Brazil as the country that is blessed by God or even the phrase ‘God is Brazilian’. Another example is how Brazilian-ness is described through the love of football, carnival, beach volleyball, etc., and Brazil through a litany of things in which it is the greatest in the world. Last but not least, Brazilian school children are taught that Santos Dumond, and not the brothers Orville and Wilbur Wright, invented the airplane.

But Brazilian identity also has phases of excessive pessimism and lack of confidence. During such phases, Brazilians hear in their head the murmur of a familiar phrase attributed to Charles de Gaulle: “Brésil n’est pas un pays sérieux” – “Brazil is not a serious country”.

One could say that the Brazilian identity is bipolar, and that this could be traced to the first sociological depictions of the country, some very unfavourable and some very favourable. A common concern of the nineteenth century sociologists and ethnographers was with miscegenation and what it could bring. A French diplomat called Joseph Arthur Gobineau (1816-1882), who spent one year in Brazil in 1869, believed that Brazil was condemned to perpetual misery and chaos due to its miscegenation. In the twenty century, the optimist account of Brazilian society by Gilberto Freyre showed the formative years of Brazil, including its racial miscegenation, under a positive light.

The polarization of Brazilian society in 2018

The year 2018 became marked as the year when Brazilian society became polarized between the political right and the political left. The reason this polarization happened now and not before is that it is only now that Brazil has a significant ‘right’, in the sense of conservatism, to oppose the ‘left’, in the sense of socialism[9].

The presidential election of 2018 was to have a candidate of the right[10] with a good chance of winning: Mr. Jair Messias Bolsonaro, of Partido Social Liberal (Liberal Social Party) or PSL. The candidate of the left with equal chances of winning was Mr. Fernando Haddad, of Partido dos Trabalhadores (Worker’s Party) or PT. The supporters of Bolsonaro and Haddad confronted each other on the streets, and smeared one another in social media[11], including with the use of derogatory words.

A derogatory name used for the ‘left-wingers’ supporters of PT was ‘petralha’, where  the prefix ‘pet’ is another way of saying ‘PT’, and the suffix ‘ralha’ comes from ‘Irmãos Metralha’, the Portuguese name for the infamous Disney characters Beagle Boys, who are known bandits. A derogatory name used for the ‘right-wingers’ was ‘coxinha’ (little drumstick), originally a chicken pasty on the shape of a drumstick, which came to designate the Brazilian petit bourgeois, or Brazilian of lower middle class. The new meaning from some students from the University of São Paulo who used the word to refer to the police officers called to solve conflicts on campus, who had the habit of eating ‘coxinha’ for lunch Just like the tea party in the United States was associated with the working class, the word ‘coxinha’ linked supporters of  Mr. Bolsonaro to the lower classes.

Conclusion

It is commonly recognised that national identity, but not nationalism, is beneficial to people for it gives meaning and a unifying sense of belonging. Just like happened with the other Western nations, Brazil began to build its national identity in the second half of the nineteenth century. It was well into the twenty century when the first positive Brazilian national identity appeared, in the works Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, and the Andrade brothers. The Brazilian national identity was still a work in progress when it was derailed by the sweeping idea of group identity politics.

It is a curious coincidence that 2018, a year that was marked by the left-right polarization of Brazilian society, also marked the 96th  anniversary of the publication of Mário de Andrade’s Macunaíma, and the 90th anniversary of  Oswald de Andrade’s paper ‘Manifesto antropófafo’, two poignant depictions of the  Brazilian mind-set, as well as the 78th anniversary of the publication of Sérgio Buarque de Holanda’s book The Cordial Man. In the 1920s and 1930s, when they described the Brazilian mind-set by its low regard for Brazilian-ness and the obsession with ‘friends close to the chest’ and ‘friends of the beast’, the concept of low trust and high trust societies was not yet described in sociology. Since then, the social scientists have shown that interpersonal trust is a key defining factor of society and that societies where people tend to trust each other (high trust societies) have stronger democracies, richer economies, better health, and less crime and corruption.

The left-right polarization of Brazilian society observed during the presidential election of 2018 is a split of world views that could be mended with dialogue. The observed polarization camouflages the more serious problem of identity politics groups, whose identity-based claims and reckoning of past mistakes prevent a unifying vision of society to come through.


Joaquina Pires-O’Brien is a Brazilian who lives in the UK, and the editor of the magazine PortVitoria, for speakers of Portuguese, Spanish and English.

Notes

[1] FREYRE, G. (1946). The Masters and the Slaves. New York, Alfred A Knopf, 1946. 537 pp+. First published 1933. Guttenberg.

[2] FREYRE, G. (1945). Brazil: An Interpretation. New York, Alfred A Knopf. 212p. Avail. Guttenberg. p. 176.

[3] Idem – p. 179.

[4] ANDRADE, M. (1928). Macunaíma. Edição Projeto Livro Alicia M. Dercole, São Paulo, 2016. 134 pp.

[5] ANDRADE, O. de Manifesto antropófafo e Manifesto da poesia pau-brasil. Revista de Antropofagia, Ano I, No. I, maio de 1928.

[6] Tupy. A reference to the Tupi language family, interrelated languages spoken by the indigenous peoples who lived along the coast of Brazil. It includes the Guarani language that is still spoken in Paraguay.

[7] BUARQUE DE HOLANDA, S. Raízes do Brazil. J. Rio de Janeiro, Olímpio Editora. 18ª ed., comemorativa do jubileu de ouro do livro. Open Library.

[8] It was created by Péricles de Andrade Maranhão (1924-1961), from Pernambuco, for the weekly magazine O Cruzeiro  and was so successful that even after the death of Maranhão it continued to be produced. According to Wikepedia, the editor of O Cruzeiro asked Maranhão to create a character inspired on the ‘Enemies of Man’ cartoons that appeared on the Esquire Magazine and on the character ‘El enemigo del Hombre’ created by Guillermo Divito for the Argentinian magazine Patoruzú. https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Amigo_da_On%C3%A7a. Maranhão died by suicide in 1961, on the last day of the year, when he shut himself I his home and turned on the gas. There are very little published material about him.  https://designices.com/o-amigo-da-onca-1943-1961-por-pericles/

[9] The reestablishment of the Brazilian right started in 1983 with the creation of Instituto Liberal (IL) by Donald Steward Jr., in Rio de Janeiro. Initially IL concentrated its efforts in the translation and publishing of books and pamphlets on liberalism, and eventually began to promote talks. One of IL most dedicated collaborator  was Professor Og Leme, who was on the staff until September 2003.  There are analogous IL in almost every capital of Brazil. Other similar institutes were created in Brazil, such as Instituto Mises Brasil, the Institutos de Formação de Líderes, the Instituto Millennium, the  Instituto Liberal do Nordeste, the Instituto Ordem Livre and the o Estudantes pela Liberdade, all of which being institutional partners of IL. Brazil has many conservative and classical liberal blogs. Among those which are not linked to a newspaper or magazine is the Direitas Já was launched in 2012 by Renan Felipe dos Santos and his friends, with many interesting and well researched postings covering the most important liberal thinkers and their ideas.

[10] The Brazilian right, or what is referred as right in Brazil, is conservatism or centrism, and not far-right in the sense of certain parties in Europe.

[11] The arrival of social media opened the way for the citizen journalist and opinion leaders. Many Brazilians were already users of Orkut, a social media owned and operated by Google, when Facebook was launched worldwide, in February 2004, For that reason, Brazilian took some time before embracing Facebook. Only after the closure of Orkut, in September 2014, Brazil’s participation in Facebook became significant. However, by 2018, Brazil had become the third largest user of Facebook, along with Indonesia, after India and the United States. Brazilians also become great users of Twitter, blogs and YouTube.

The systemic corruption involving the State and the private sector since 2003 is a tragedy whose consequences will haunt Brazilians for years to come. This tragedy is linked to others, like the colonized complex, that blames everything on the Portuguese colonization. The very existence of  Operation Car Wash (Operação Lava Jato) shows a change in mentality from a fixed mind-set of blaming others to an ethics of responsibility. Because of these two polarized views, Brazilian society is fighting a war of ideas, and the resulting lack of dialogue is a tragedy that could turn Brazil into a failing state.

During the presidential election campaigns of 2018 the Brazilian society became polarized between the right and the left. This polarization is a symptom of a problem even more serious, the country’s social fragmentation caused by the proliferation of identity politics groups. My two essays published in this edition cover these topics. The first essay deals with the Brazilian identity and the description of the Brazilian mind-set. The second essay covers the polarization of Brazilian society, the prolonged hegemony of the left and the emergence of the right. Both papers point out the problem of the lack of dialogue, without which Brazil will not be able to repair its fractures, find its way, and move on to better times.

As if the above tragedies were not enough, Brazil suffered another gigantic tragedy in the fire of the National Museum, in Rio de Janeiro, which occurred on the night of the 3rd of September,  2018. Founded in 1818 by D. João VI, Brazil’s National Museum housed more than 20 million items, including historical documents, botanical, zoological and mineralogical collections, ancient Greek and Roman artefacts, the largest Egyptian collection in Latin America and the oldest human fossil discovered in the present Brazilian territory, named ‘Luzia’. In the aftermath of the fire, Alexandre Garcia, a 78 years old journalist and political broadcaster, recorded a scathing lamentation of this tragedy, whose transcription is made available in this edition of PortVitoria.  Also provided is an in-depth account of the tragedy of the loss of the National Museum in the article by João José Fermi.

Reflecting on the tragedies of  Brazil reminded me of some English idiomatic phrases linked to good administration, such as ‘Not on my watch’  and ‘The buck stops here’, and the result is an English lesson written in the form of an article, which I hope some readers of PortVitoria will find useful.

The only review in this issue is of Jordan Peterson’s book 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos (2018). Peterson is a Canadian psychologist and professor at the University of Toronto who gained notoriety in Canada in 2017 for his opposition to an amendment to the Canadian Human Rights Act (Bill C-16) adding ‘gender identity or expression’ to the list of prohibited grounds of discrimination, arguing that it would interfere with the right of free speech. Peterson’s 12 Rules for Life appeared in January 2018 and in just a few weeks became a bestseller in all Anglophone countries. The Portuguese edition appeared later in May, and the book appears to be selling well in Brazil. Peterson attributes the success of his book to the fact that it filled a much needed void in the market, but it is obvious that his internet presence, in e-videos and podcasts, also played a substantial role. I confess that I became a fan of Peterson after watching a couple of his YouTube videos, having bought his book afterwards. Peterson’s ideas describe many of the problems that affect Western civilization and I am certain that they can help Brazilians sort out their cognitive dissonance.

Joaquina Pires-O’Brien

January 2019

 Post Scriptum. Following the publication of this editorial, I read in La Nacion of a video recording of Brazil’s National Museum created under Google’s Arts & Culture programme. I encourage you to visit the Google site: ‘Inside Brazil’s Museu Nacional. Rediscover the collection before the fire in 2018’. Thank you Google!

How to reference

Pires-O’Brien, J. Editorial. The tragedies of Brazil. PortVitoria, UK, v.18, Jan-Jun, 2019. ISSN 2044-8236.

Joaquina Pires-O’Brien

A polarização política da sociedade brasileira, constatada na ocasião da eleição presidencial de 2018 e caracterizada pelo surgimento de dois campos de pensamento político, um da direita e outro da esquerda, ocorreu a partir da fragmentação social em torno de grupos de identidade política diversa. O presente ensaio é uma reflexão sobre o universo dos fatores que, a meu ver, contribuíram para a polarização política da sociedade brasileira e a fragmentação social no Brasil.

A dominação da esquerda e a desonestidade dos intelectuais

A esquerda começou a se espalhar no Ocidente devido ao apoio dado, por muitos de seus acadêmicos, pensadores e jornalistas, ao experimento socialista implantado na União Soviética após a Revolução Bolchevique de 1917. Após a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, quando a depressão econômica subsequente trouxe pobreza e destituição, os articulistas do socialismo aproveitaram para reafirmar a ideia de que o capitalismo era insustentável e que o futuro da sociedade encontrava-se no socialismo. Graças à conjuntura da depressão econômica, os articulistas do socialismo ganharam popularidade e prestígio. Eles ganharam um enorme espaço tanto na mídia de massa quanto em revistas eruditas, e isso fez com que a doutrina socialista passasse a dominar no Ocidente.

A visão de que a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque marcou o fim da linha do capitalismo prevaleceu no Ocidente, contra visões alternativas, como a do economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973) de que a economia capitalista tem altos e baixos e acompanha os ciclos dos negócios. Entretanto, a explicação mais bem evidenciada acerca da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, partiu de dois economistas americanos, Milton Friedman (1912-2006) e Anna Jacobson Schwartz (1915-2012), os quais empregaram uma análise de tempos históricos para mostrar os efeitos na economia do suprimento de moeda, e apontaram a política monetária do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos como a causa da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. Essa análise foi registrada no seu livro Monetary History of the United States, 1867-1960 – National Bureau of Economic Research Publications – 1971.

A França, que até a década de 1950 era a grande influência cultural do mundo, foi o país do Ocidente que mais agregou intelectuais em torno da esquerda, mesmo porque já tinha seus próprios partidos socialistas antes da Revolução Bolchevique. Todavia, em 1920, esses partidos aceitaram afiliar-se ao Comintern, o órgão representativo do comunismo internacional, então administrado pelo politburo – o comitê principal do Partido Comunista Soviético. A esquerda latino-americana tem uma afinidade histórica como a esquerda francesa, que continuou, mesmo a partir da década de 1950 quando encontrava-se dividida e decadente e os Estados Unidos passaram a ser a grande influência cultural do mundo, o que é emm parte explicado pela agenda da esquerda radical francesa de prejudicar a política ‘de boa vizinhança’ dos Estados Unidos.

A Guerra Fria, surgida pouco depois do fim da Segunda Guerra, foi uma guerra – não declarada – pela hegemonia militar, que ocorreu em paralelo à guerra de ideias entre a direita e a esquerda. Durante a Guerra Fria, os redutos de esquerda no Ocidente, eram células inimigas dentro de seus próprios países.

O fato de a esquerda ter dominado o Ocidente até a década de 1990, e a América Latina até o presente, é uma mostra de sua enorme resiliência. A esquerda venceu três grandes assaltos à sua credibilidade. O primeiro ocorreu no fim da década de 1930, quando as atrocidades do regime de Stalin foram reveladas ao mundo. O segundo ocorreu no final da década de 1950, quando a extensão das atrocidades de Stalin foram divulgadas pelo próprio Kremlin. O terceiro foi a queda do Muro de Berlim em 1989, marcando o fim da Guerra Fria, e da própria União Soviética dois anos depois. Apenas para mostrar a dinâmica de sobrevivência da esquerda, observa-se que, após o primeiro assalto, essa corrente ideológica construiu a Teoria Crítica, após o segundo assalto, construiu a Nova Esquerda, e após o terceiro assalto reinventou-se em torno do ambientalismo e contra a globalização. Considerando-se que a natureza humana é gregária, pode-se dizer que a esquerda um clube agregador.

No Brasil, a organização chamada Foro de São Paulo que o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva (1945-) criou em 1990, com o apoio de seu amigo Fidel Castro (1926-2016), objetivou dar continuação ao socialismo na América Latina através do suporte às lideranças de esquerda a fim de ajudá-las a chegar ao poder. O grande problema do Foro de São Paulo foi ter incluído organizações terroristas e quadrilhas de narcotraficantes em seu quadro. Apesar de ter sido denunciado em 1º de setembro de 1997 pelo o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, a denúncia não foi levada a sério, e o Foro continuou a funcionar sem impedimentos. O seguinte resumo dos seus objetivos e suas ligações com organizações criminosas foi fornecido em 2007 pelo filósofo Olavo de Carvalho:

O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos sequestros, como as Farc e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime.[i]

No seu blog associado ao Instituto Liberal[ii], Roberto Barricelli confirma a denúncia da ligação entre o Foro de São Paulo e as Farq (Forças Revolucionárias da Colômbia), que foi confimada por Roberto Barricelli,

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nega qualquer relação entre si, seu partido (PT) e as Forças Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma organização narcoterrorista que pretende instaurar o comunismo na Colômbia através das táticas de guerrilha (como Fidel Castro e Che Guevara fizeram em Cuba e guerrilheiros tentaram fazer no Brasil entre 1961 e 1985).

Contudo, Lula presidiu o Foro de São Paulo junto com os falecidos líderes das FARC, Manuel Marulanda Vélez (o “Tiro Fijo”) e Raul Reyes, de 1990 até 2003, quando assumiu como Presidente do Brasil, com Reyes e de 1990 até 2008 com Marulanda, anos de seus respectivos falecimentos. O próprio Reyes assumiu o contato por longos anos com Lula através do Foro de São Paulo, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 24 de agosto de 2003. Quando Tiro Fijo e Raul Reyes morreram (em ações do Governo colombiano contra as FARC), tanto Lula quanto o PT enviaram suas condolências à organização. Inclusive, no XIV Foro de São Paulo, ocorrido em 2004, Lula e diversas figuras petistas ovacionaram Daniel Ortega pelo discurso de lamentação pela morte de Manuel Marulanda Vélez.

A enorme capacidade de reinventar-se explica em parte a resiliência da esquerda, mas outra explicação é a desonestidade dos intelectuais que inventavam ideias e estratégias sem fundamento razoável. A desonestidade dos intelectuais foi reconhecida por diversos pensadores, dentre os quais destacam-se o francês Julien Benda (1867-1956), o norte-americano Thomas Sowell (1930-) e o inglês Paul Johnson (1928-).

No seu livro La Thraison de Clercs (A traição dos intelectuais), publicado em 1927, Benda denuncia os intelectuais desonestos que se moldaram para agradar as massas. Embora a palavra ‘clercs’ que aparece no título original em francês possua cognatos noutras línguas, como a palavra portuguesa ‘clérigos’, a sua tradução mais correta é  ‘intelectuais’, pois vem do uso do termo na Idade Média, quando os clérigos, além se se ocuparem com os ofícios religiosos, também exerciam os papéis de professores, eruditos e escritores. A situação específica à qual Benda se refere no seu livro é o caso Dreyfus, sobre o qual os intelectuais regurgitavam os preconceitos do público ao invés de explicar por que o nacionalismo exacerbado e o antissemitismo eram errados. Benda enxergou a traição nos intelectuais que falharam em sua missão de informar.

Sowell é autor de Intellectuals and Society[iii](Os intelectuais e a sociedade) em cujo primeiro capítulo ele cita George Orwell, o qual disse que ‘certas ideias são tão idiotas que só um intelectual poderia acreditar nela’. O ponto de Sowell é que devemos desconfiar dos intelectuais pois há muitas evidências de que eles nem sempre estavam no caminho certo. Outro ponto de Sowell é que, embora as pessoas tendam a julgar que todas as pessoas que mexem com ideias são intelectuais, isso não é correto, pois existe o intelectual e a intelligentsia. O intelectual é um mercador de ideias, e os membros da intelligentsia[iv] são aplicadores de ideias. O termo intelectual engloba os escritores, os acadêmicos, e outros assemelhados, incluindo aqueles que são designados pseudointelectuais pelo fato de serem menos inteligentes ou terem menos conhecimentos. Os membros da intelligentsia englobam burocratas, políticos, professores, jornalistas, ativistas sociais, polícia, ou quem quer que esteja encarregado da prática política. Os intelectuais que escrevem para o grande público formam uma categoria à parte, e são chamados ‘intelectuais públicos’.  Karl Marx (1818-1983) e Sigmund Freud (1856-1939) são exemplos de intelectuais públicos cujas ideias dominaram o século XX. O terceiro ponto de Sowell é que o público leigo dá mais crédito aos intelectuais do que eles merecem. Na verdade, afirmou Sowell, os intelectuais frequentemente erram, e as duas maiores causas de seus erros são os valores a que eles são apegados e a tentação de opinar fora de seu campo de especialidade.

No seu livro Intellectuals[v] (Intelectuais), Paul Johnson faz uma apanhado crítico de 12 intelectuais públicos que mais influenciaram o mundo nos últimos 200 anos. Nesse livro, Jonhson descreve o intelectual como ‘uma pessoa que deseja remodelar o mundo politicamente, de acordo com os princípios que ele próprio criou, sendo caracterizado pelo desprezo à verdade e pela preferência maior a ideias do que a pessoas’. O livro de Johnson mostra as astúcias e malícias que ele encontrou nas obras dos intelectuais analisados, bem como as muitas incoerências entre o que afirmaram e o que praticaram na vida privada. A conclusão de Johnson é a de que os intelectuais podem ser instáveis, irracionais, ilógicos, supersticiosos, egoístas, vãos e desonestos.

A predisposição biológica para a direita ou esquerda

O psicólogo canadense Jordan Peterson explicou que existem duas maneiras diferentes de perceber o mundo, as quais correspondem mais ou menos à esquerda e à direita, e, que as pessoas nascem com uma predisposição para uma ou outra. Portanto, a biologia é parcialmente responsável pela afinidade política para a direita ou para a esquerda das pessoas. No livro de Peterson, 12 Regras Para a Vida: Um antídoto para o caos (2018), cada uma das 12 regras do título é o destilado de uma filosofia prática de vida. No seu conjunto, as 12 regras são maneiras inteligentes de lidar com os problemas da vida moderna, do isolamento social e abuso de álcool ou substâncias químicas, ao niilismo e à incapacidade de aceitar a verdade sobre o mundo

A bipolaridade humana da percepção da política é melhor coberta pela regra 11 que afirma: “Não incomode as crianças quando elas estão fazendo skateboard”, em que mostra, de uma maneira bem humorada, dois tipos diferentes de percepção do mundo. Quando começou a moda do skateboard, algumas prefeituras do Canadá criaram parques de skateboard e tentaram fazer com que a prática desse esporte só ocorresse nos mesmos, mas posteriormente os demoliram devido à impossibilidade de adquirir seguro para os mesmos. Jordan usa o exemplo para mostrar os dois tipos opostos de personalidades: o tipo das corajosas e destemidas crianças que praticam skateboard e o tipo das prefeituras que anseiam por segurança e seguro. Mas Jordan não deseja apenas mostrar que existe o tipo temerário, que vive a vida nos limites, e o tipo temeroso, que prefere viver dentro de limites. Ele quer que as pessoas analisem as coisas através dos seus reais motivos.  Para tanto cita uma frase de Carl Jung (1875-1961) que teria afirmado: “Se você não consegue entender por que alguém fez alguma coisa, observe as consequências – e infira  a motivação”. Jordan prossegue o argumento mostrando que essa frase de Jung é como um bisturi psicológico, perigosa mas com uma serventia iluminadora. Eis como ele completa o argumento:

Quando alguém alega estar agindo de acordo com os princípios mais elevados, para o bem dos outros, não há razão para supor que os motivos da pessoa sejam genuínos. As pessoas motivadas para melhorar as coisas geralmente não estão preocupadas em mudar as outras pessoas – ou, se estiverem, elas se responsabilizam por fazer as mesmas alterações em si mesmas (e em primeiro lugar). Debaixo da produção de regras impedindo os skaters de fazer coisas altamente qualificadas, corajosas e perigosas, eu vejo a operação de um espírito insidioso e profundamente anti-humano.

É significativa a predisposição biológica para a direita ou esquerda percebível na  dicotomia de percepção, e, como pináculo, o ressentimento e a inveja humana por detrás das ações coibitivas. Peterson voltou a abordar o tema predisposição natural das pessoas a uma ou outra visão do mundo, em pelo menos duas palestras divulgadas no YouTube a que eu tive a chance de assistir[vi].  Existe uma controvérsia entre a natureza e a cultura. Segundo Peterson, a natureza triunfa sobre a cultura na personalidade de cada indivíduo, daí a afirmação de que a biologia predispõe o indivíduo para a direita ou a esquerda política. As pessoas criativas mas desordenadas tendem a situar-se na esquerda liberal, enquanto que as de tipo não criativo mas ordenado que tendem a situar-se à direita.  Peterson dá o exemplo das pessoas que trabalham no Vale do Silício na Califórnia, cujas personalidades são de tipo criativo mas desordenado, e, quase sempre da esquerda liberal.

O tópico da predisposição biológica para a direita ou esquerda encontra-se bem firmado na literatura. Uma das referências que encontrei trata do agrupamentos de valores[vii] nas personalidades, os quais são observados no relógio motivacional construído em torno de dez valores definidores da personalidade e suas duas zonas opostas. A zona 1 mostra os valores do autocrescimento que incentivam e legitimam a busca do interesse próprio, e se opõem aos valores de autotranscendência (universalismo, benevolência) que enfatizam a preocupação com o bem-estar dos outros. A zona 2 mostra os valores abertos, que favorecem a mudança e incentivam a busca de novas ideias e experiências, e se opõem aos valores de conservação (segurança, tradição, conformidade) que enfatizam a manutenção do status quo e a evitação de ameaças[viii]. Essas duas zonas opostas de valores  tendem a ser associados à direita e à esquerda política.

Numa segunda referência, os cientistas chegaram à mesma conclusão acima, ao descobrir a correlação entre determinados valores, gerando dois agrupamentos definidores de personalidade. O agrupamento que corresponde ao pessoal favorável à esquerda descreve valores igualitaristas, ressentimento com as diferenças econômicas entre indivíduos ou grupos, e a ânsia por oportunidades de consertar aquilo que julga estar errado. O agrupamento que corresponde ao pessoal favorável à direita descreve valores de autossuficiência,  espontaneidade, e aceitação da ordem natural das diferenças econômicas e das diferenças de capacidade cognitiva.

Numa terceira referência, os psicólogos explicam a percepção bipolar da política em termos de direita e de esquerda através da bipolaridade de raciocínio encontrado em ‘justificadores’ e ‘contestadores’ de ‘arranjos sociais e políticos’[ix]. As dobradinhas ideológicas exemplificam essa bipolaridade: caos ou ordem; flexibilidade ou estabilidade; progresso ou tradição; valores tradicionais e feminismo; gênero binário e LGBT; processo social de cima para baixo e de baixo para cima; etc. A conclusão é de que a natureza humana mostra um antinomismo que leva a ideários opostos mas com argumentos coerentes, em tornos dos quais as pessoas se segregam.

A quarta referência que encontrei discute as ideias do biólogo e filósofo Jeremy E. Sherman, autor do livro Neither Ghost nor Machine: The Emergence and Nature of Selves (Nem fantasma nem máquina: a emergência e a natureza das personalidades). Sherman emprega o termo ‘antinomia da direita e esquerda’ para a percepção bipolar da política, e chama a atenção para o fato de que a direita e a esquerda não são intercomplementares como o yin e o yang, e, sim, reinos em guerra, que competem pelo domínio exclusivo de um mesmo espaço, e sobre qual dos dois domínios é o culpado pelo início dessa guerra[x]. Segundo Sherman, a percepção de direita e de esquerda das pessoas evoluiu biologicamente em resultado das pressões relativas à liberdade do indivíduo, cuja sobrevivência requereu equilibrar a liberdade e a repressão à liberdade, sendo que as escolhas do indivíduo nesse sentido pertencem ao campo da política[xi]. A percepção bipolar da política gera grandes tribos ideológicas, cada qual com fórmulas próprias de como vencer a guerra de ideias. O grande problema dessas tribos ideológicas é que elas subtraem do indivíduo o direito de decidir o quanto de liberdade e o quanto repressão ele deseja. As pessoas precisam pensar por si próprias e rejeitar as fórmulas ou pacotes ideológicos impostos.

A Escola Austríaca e o restabelecimento do liberalismo clássico no Ocidente

O pensador britânico G. H. Hardy (1877-1947) afirmou que o homem de primeira classe é aquele que não perde o seu tempo afirmando opiniões majoritárias, uma vez que já tem muita gente fazendo isso. O sentido que Hardy deu à expressão ‘homem de primeira classe’ é o do indivíduo sério, íntegro e temerário. Os defensores do liberalismo clássico no século XIX encaixam-se bem nessa descrição, pois então eram uma minoria. E o mais importante refúgio dessa  minoria era  Escola Austríaca de Economia fundada por Carl Menger (1840-1921). Dois membros da Escola Austríaca do século XX foram Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich A. Hayek (1899-1992). Hayek imigrou para a Grã-Bretanha pouco antes da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, e o seu livro O Caminho da Servidão[xii] foi escrito como um alerta aos ingleses acerca da ameaça do marxismo às liberdades individuais. Graças a Hayek e a seus seguidores como Milton Friedman (1912-2006) e William F. Bukley  Jr. (1925-2008), o liberalismo clássico foi reimplantado no Ocidente.

O restabelecimento da direita no Brasil

No Brasil, o restabelecimento da direita começou em 1983 com a criação do Instituto Liberal (IL), no Rio de Janeiro, por Donald Steward Jr., um engenheiro civil e empresário, filho de pais canadenses. Inicialmente, a IL concentrou seus esforços na tradução e publicação de livros e panfletos sobre o liberalismo, e em seguida começou a promover palestras e eventos educativos. Filiais do IL foram criadas em diversas outras capitais do Brasil. Pouco depois, o Brasil ganhou alguns think tanks (círculos de reflexão) como o Instituto Ludwig von Mises Brasil, o Instituto de Formação de Líderes, o Instituto Millenium, o Instituto Liberal do Nordeste, o Instituto Ordem Livre, o Instituto Burke, o Instituto Rothbard, a organização Estudantes pela Liberdade, etc. Além de promover o debate político não partidário acerca dos temas mais relevantes do momento, esses círculos de reflexão servem de pontes entre os cidadãos e o Estado.

É importante deixar claro que a palavra ‘liberal’ no nome do Instituto Liberal é empregada no sentido da doutrina da liberdade individual – o liberalismo –, surgida na Inglaterra durante século XVIII. Posteriormente, surgiram outras doutrinas que adotaram o nome ‘liberal’, mas que priorizam o coletivismo ao invés do individualismo.  A fim de não confundir as duas coisas, o liberalismo do século XVIII passou a ser chamado ‘liberalismo clássico’ enquanto que os novos liberalismos são referidos em conjunto como ‘liberalismo de esquerda’. Veja um resumo das ideias do ‘liberalismo clássico’ no postscriptum.  Entretanto, é bom lembrar que, em muitas referências a situações nos Estados Unidos, o termo liberal às vezes aparece sozinho sem o complemento ‘de esquerda’.

O aparecimento dos think tanks – ou círculos de reflexãoliberais no Brasil não foi algo banal mas uma mostra de visão, determinação e coragem.  Graças ao IL e aos think tanks acima listados, o pensamento liberal clássico tem se difundido em todo o Brasil. A Tabela 1, a seguir mostra alguns dos principais pensadores de direita no Brasil.

Tabela 1. Intelectuais liberais brasileiros do século XX e XXI

Nome Dados Gerais

 

Formação Organizações
Gustavo Corção 1896-1978 Engenheiro civil Escritor e pensador
Gilberto Freyre 1900-1987 BA U  Baylor,

MA Columbia

Fundação Joaquim Nabuco
Nelson Rodrigues 1912-1980 Autodidata teatrólogo, jornalista, cronista
José Osvaldo de Meira Pena 1917- Direito, RJ ex embaixador e ensaísta
Og F. Leme 1922-2004 Ciências Políticas,  Direito, USP;

PhD, U Chicago

USP, FGV, Santa Úrsula,  ONU, IL
Donald Stewart Jr. 1931-1999. Natural do Rio de Janeiro, era filho de canadenses. Engenheiro civil Empresário; Fundador do IL
Carlos Azambuja 1938 Economista Historiador e articulista
José Guilherme Merquior 1941-1991 PhD LSE Ex diplomata, escritor e pensador
Mário Brockman Machado 1943- Direito; PUC;

MSc. & PhD Ciência Política, U Chicago

FGV, Casa de Rui Barbosa
João Dória 1957- Graduação U Paris

Mestrado U Sussex

Jornalista e político
Eduardo Giannetti 1957- PhD Economia, U. de Cambridge Professor e escritor
Adriano Guianturco Gulisano Natural da Sicília Mestrado U Turim;

Doutorado  U Gênova

Professor IBMEC-MG, Instituto Mises Brasil

 

A vitória de Jair Bolsonaro em 2018

A eleição presidencial de 2018 foi caracterizada pelo repto da direita à esquerda, quando o candidato do PSL, Jair Bolsonaro enfrentou e venceu o candidato do PT, Fernando Haddad. A mídia foi reticente ou pouco receptiva à vitória de Bolsonaro, o contrário de como noticiou a vitória de Lula da Silva em 2002 . Com exceção do Wall Street Journal[xiii], a mídia internacional negou o benefício da dúvida a Bolsonaro e foi alarmista no prognóstico de seu governo. As matérias mais moderadas afirmaram que a eleição de Bolsonaro iria por a democracia brasileira à prova, enquanto que as menos moderadas  afirmaram que a democracia brasileira estava com os dias contados.

Bolsonaro começará o seu mandato debaixo de uma nuvem. Ele vai ter que mostrar tolerância, que é uma importante marca do liberalismo clássico, e tranquilizar a população que não votou nele. Mas a tarefa mais difícil de Bolsonaro será criar condições favoráveis ao diálogo. Encontrar um árbitro aceito pelos dois lados é o primeiro passo para acabar com a  intratabilidade que impede o diálogo.

A polarização da sociedade brasileira

A eleição presidencial de 2018 polarizou a sociedade brasileira. Essa polarização foi constatada principalmente no espaço cibernético, em especial nas redes sociais, que já predispõem as pessoas a se conectar com aqueles com quem concorda e a se desconectar daqueles de quem discorda. A direita e a esquerda organizaram o suporte a seus respectivos candidatos através de postagens acusatórias ao candidato oponente, as quais os correligionários endossavam com comentários sarcásticos e maliciosos. Era tudo ou nada, sem oportunidades de diálogo entre os dois campos políticos. A direita e a esquerda responsabilizaram uma a outra pela polarização.

Para os ‘de direita’, a polarização da sociedade brasileira começou em 2014, quando a sociedade brasileira tomou conhecimento da Operação Lava Jato voltada a desvendar os pormenores de um esquema de desvio de dinheiro e de corrupção na Petrobras, e cujas ‘delações premiadas’, situação em que indivíduos detidos e acusados de crimes aceitam colaborar na investigação em troca de uma redução de penalidades, permitiram descobrir toda uma rede de corrupção envolvendo o governo do PT.

Para os ‘de esquerda’, a polarização começou com a campanha promovida pelos ‘de direita’ para destituir a presidente Dilma Rousseff e tomar o poder do PT, em 2015. Na visão da esquerda, a Operação Lava Jato foi um complô da direita para tomar o poder, enquanto que o impeachment da presidente Rousseff[xiv] foi conduzido sem legitimidade, e não passou de um golpe de Estado.

Foram várias as causas da polarização entre a direita e a esquerda ocorrida durante a campanha eleitoral de 2018:  a presença de uma direita forte opondo-se à uma esquerda também forte; a  falta de tolerância dos que se omitiram em relação ao diálogo com o campo político oposto; a ignorância acerca de como conduzir um diálogo eficaz; e a ignorância da correta terminologia da política. Além dessas causas, há ainda a causa biológica já mencionada, nos temperamentos com predisposição para a direita ou para a esquerda política[xv].

Deixando de lado as questões de causa e de culpa, a polarização observada em 2018 foi uma segregação sobreposta a outra preexistente, a dos grupos de identidade organizados em torno de um traço identitário compartilhado, como raça, deficiência, classe social, gênero, etc., e cujo objetivo declarado é combater o preconceito.

Os grupos de identidade política têm suas raízes no pós-modernismo[xvi] e no socioconstrutivismo[xvii] ao mesmo associado, e, por essa razão, são extremamente refratários às ideias unificadoras da sociedade como a identidade nacional. Todas as pessoas que se interessam por suas sociedades deveriam procurar inteirar-se acerca do pós-modernismo. No topo da lista de boas referências sobre o pós-modernismo fica o livro de Stephen R. C. Ricks Explicando o Pós-modernismo, publicado em 2013 pela Editora Callis[xviii].

A difícil arte de ser, reconhecer e buscar o autêntico

É muito difícil ser autêntico nas sociedades dominadas pelo socioconstrutivismo. E o mundo digital é outro fator que complica as coisas dada a capacidade ilimitada de categorizar talentos. A autenticidade é um dos tópicos que o psicólogo Jordan Peterson explora no seu livro 12 regras para a vida, em especial na regra número 4: “Compare-se com quem você foi ontem, não com outra pessoa de hoje”. Peterson mostra que o homem autêntico tem uma voz interna que o julga permanentemente e que põe em dúvida o seu valor e o valor de seus esforços, o que pode fazer com que desista de analisar a sua vida e tornar-se um niilista. O conselho de Peterson é ser ousado ao invés de acuar-se. ‘Ouse ser perigoso e verdadeiro’. ‘Ouse articular-se e expressar-se’. Peterson também mostra que existe uma tríade do mal formada pela arrogância, fraude e ressentimento, e que é preciso dominá-la.

Cada indivíduo possui seu próprio gabarito de valores, através do qual o mundo lhe é revelado. Entretanto, os valores são vieses, e, por essa razão, é comum o indivíduo receber apenas a visão distorcida da realidade. Portanto, quando o mundo que o indivíduo vê não é o mundo que ele deseja, então é hora de esse indivíduo reexaminar os seus valores, e, onde for necessário, livrar-se de suas pressuposições correntes[xix]. Duas outras importantes característica do bom senso são a disposição a aprender o novo e a admitir o próprio erro.

Um exemplo de visão distorcida da realidade é o que aconteceu com pensador e escritor britânico George Orwell (1903-1950), que se autoposicionava na esquerda. Justamente por ser um adepto do socialismo, Orwell se sentia incomodado com o fato de a palavra ‘socialismo’ constar no nome do partido de Adolf Hitler, fascista e ‘de direita’, e, por essa razão ele decidiu definir os termos socialismo, comunismo e fascismo[xx] para a população leiga.  Apesar de ser reconhecido pela mente brilhante, Orwell se enganou na sua definição de ‘nazismo’ pois presumiu que a palavra ‘socialismo’ no nome do partido (Nacional Socialista) não tinha o mesmo significado daquilo que ele entendia por socialismo. Na época de Orwell, julgava-se que o fascismo e o socialismo, ou seja, a direita e a esquerda, eram ideologias diametricamente opostas, mas hoje em dia, é sabido que o fascismo e o socialismo compartilham diversas ideias como a concentração de poder e o excesso de hierarquia e de violência.

Busca do diálogo

Findo o pleito de 2018, a sociedade brasileira deve se esforçar para promover o diálogo eficaz entre facções políticas opostas. O diálogo eficaz é aquele que promove um desenlace. Mesmo que tal desenlace não seja uma solução perfeita, ainda assim é útil por indicar a alternativa menos ruim para os dois lados. O diálogo eficaz é um processo que envolve ouvir o outro com atenção, buscar ativamente denominadores comuns, explorar novas ideias e perspectivas, e escrutinar  hipóteses não testadas em ambiente aberto.

A condição para o diálogo eficaz é a civilidade, caracterizada pelo respeito dos cidadãos  uns com os outros.  Entretanto é também preciso buscar entender as ideias e as nuances ideológicas da política.  O uso incorreto de diversos termos políticos foi uma tendência observada tanto na esquerda quanto na direita. O emprego de equivalentes derrogatórios da direita ou da esquerda, como chamar alguém de ‘fascista’, ‘nazista’, ‘racista’, ‘vermelho’, ou ‘comuna’ é ofensivo e mostra um tipo de personalidade egoísta que assume para si o papel de juiz, júri e algoz.

O diálogo eficaz requer bom senso. Conforme visto anteriormente, os valores agem como vieses da realidade, e por essa razão, ser cético acerca dos nossos próprios valores é uma marca do bom senso. Qualquer pessoa que tenha uma predileção especial por determinada forma de política está suscetível a ter uma visão distorcida da política. A visão distorcida da política pode se dar devido à ignorância ou devido daquilo que o psicólogo canadense Jordan Peterson chama de ‘cegueira intencional’ (wilful blindness) [xxi], a recusa em saber algo que pode ser sabido, comum na mentalidade de que não vale a pena ter certos tipos de conhecimento. Conforme diz um antigo ditado  “Pode-se levar um cavalo até a água, mas não se pode levá-lo a beber.” O diálogo anda de mãos dadas com a cidadania, e, pensando nisso, eu decidi compartilhar com outros brasileiros o conceito do ‘homem razoável’, que aprendi na ocasião em que trabalhei como intérprete e tradutora judiciária na Inglaterra, pois trata-se de um conceito que possui diversas implicações as quais podem ser úteis ao necessário diálogo entre campos políticos opostos.[xxii]

Nos parágrafos acima eu insisti em especificar o ‘diálogo eficaz’ a fim de evitar que o mesmo seja confundido com o ‘diálogo ineficaz’, aquele que não leva a nenhum desenlace, e que é característico da mentalidade pósmoderna. No diálogo pós-moderno, nada pode ser confirmado ou contraditado, pois a mentalidade pós-modernista não tem respeito pelas evidências e desconfia da própria noção de ‘verdade’.

O conceito do homem razoável

O homem razoável é um conceito do direito inglês (e galês), o qual descreve um hipotético indivíduo comum mas é dotado de bom senso, e cuja hipotética opinião serve de guia na tomada de decisão dos juízes.  O homem razoável inglês é descrito como ‘o homem no ônibus de Clapham’. Isso porque,  quando o conceito do homem razoável foi incorporado ao direito inglês, em 1903, Clapham era um tranquilo subúrbio de Londres e típico local de residência de ingleses da classe remediada que trabalhavam em Londres. A Clapham de hoje é muito diferente da de 1903, e os passageiros típicos dos seus ônibus são estrangeiros ou filhos de imigrantes, mas o conceito do homem razoável continua o mesmo.

Numa democracia, a ideia do homem razoável mistura-se com o conceito do bom cidadão. O equivalente do homem razoável no direito do Brasil e de muitos países é o ‘homem médio’. Os conceitos do homem razoável e do homem médio surgiram separadamente.

A ideia do homem razoável vem desde a Antiguidade e a do homem médio vem da França do século XIX. O correspondente da razoabilidade na antiga Grécia era a phronēsis (φρόνησις), ou sabedoria prática, sendo que o homem razoável da antiga Grécia era o homem de phronēsis. No seu livro Menon, Platão mostra um diálogo de Sócrates no qual este afirma que a phronēsis é o atributo mais importante para se aprender, embora não possa ser ensinado e tenha que ser adquirido através do autodesenvolvimento. Para Sócrates, o homem possuidor da phronēsis era aquele capaz de discernir como e por que agir virtuosamente e, ainda, encorajar essa virtude prática noutras pessoas.

Já a ideia do homem médio foi introduzida pelo matemático e astrônomo belga Adolphe Jacques Quételet (1796-1874), no seu livro Sur l’homme (Sobre o homem; 1835), no qual Quételet imagina um indivíduo hipotético que possui todas as qualidades possíveis do homem, embora em estado latente, e, que representa a mente do povo.

Há muitas lições a serem tiradas da ideia do hipotético homem razoável, a começar pela ideia subjacente da educação mínima, caracterizada pelo autoconhecimento. O homem razoável pode não saber muita coisa, mas pelo menos ele conhece-se a si próprio, e quem conhece a si próprio reconhece não apenas as próprias limitações, como também a excelência e a genialidade dos outros.

O contrário de um homem razoável é o homem medíocre, aquele que José de Ortega y Gasset (1883-1955) descreveu como sendo o indivíduo de mente ordinária, que, sabendo que é medíocre, tem o descaramento de asseverar o seu direito à mediocridade e de impô-la aos outros.

Conclusão

A eleição presidencial de 2018 no Brasil polarizou a sociedade brasileira em torno de dois candidatos que representaram a direita e a esquerda política. Tal polarização não ocorreu antes, porque, antes a direita era insignificante. De fato, durante todo o século XX, os pensadores de direita brasileiros eram figuras raríssimas. Eles foram os verdadeiros heróis da intelectualidade, pois tiveram a coragem de nadar contra a corrente e correr o risco do desprezo.Entretanto, foi graças a eles que a direita finalmente ganhou presença na sociedade civil, sendo que um dos fatos mais marcantes disso foi a criação, em 1983, do Instituto Liberal (IL) no Rio de Janeiro, o qual serviu de conduto para a chegada de outros assemelhados. O grande problema da polarização da sociedade brasileira é a falta de diálogo, sem o qual o país não conseguirá criar a narrativa única que precisa para se reconectar e seguir em frente.

Embora a própria existência de uma direita e de uma esquerda política seja responsável pela polarização da sociedade brasileira, uma parte da responsabilidade é da biologia das pessoas, detectada nos seus descritores de personalidade ou tipos psicológicos. Conforme os cientistas apontaram, existem dois grandes agrupamentos de valores que correspondem à direita e à esquerda política, e as pessoas nascem predispostas a um ou a outro agrupamento. A biologia é o denominador comum entre os ‘de direita’ e  ‘de esquerda’, e, portanto, uma excelente oportunidade de diálogo.

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Postscriptum. Um resumo do liberalismo clássico

O liberalismo surgiu no século XVIII, na Inglaterra, em torno de certos valores fundamentais. Atualmente o liberalismo é melhor conhecido como ‘liberalismo clássico’,  a fim de distingui-lo de outros tipos de liberalismo que surgiram na virada do século XIX e no início do século XX. O liberalismo clássico defendia em primeiro lugar o individualismo, isto é, a ideia de que é o indivíduo que sabe o que é bom para ele, e, por essa razão, o Estado não deve coagir ninguém. Os principais teoristas do liberalismo clássico britânico foram John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-1790), Edmund Burke (1729-1797), Jeremy Bentham (1748-1832), Thomas Malthus (1766-1834) e John Stuart Mill (1806-873). Os dez valores primordiais do liberalismo clássico, resumidos abaixo, foram tirados do vídeo de Nigel Ashford, cientista político britânico, ligado ao Instituto for Humane Studies.[xxiii]

Liberdade. A liberdade é o valor político primário dos liberais clássicos, os quais, sempre que o governo afirma que quer fazer qualquer coisa, perguntam se a ação do governo vai aumentar ou diminuir a liberdade do indivíduo.

Individualismo. Não sacrificar o interesse do indivíduo para aquilo que algumas pessoas chamam de ‘bem comum’ assim como o comunismo e o fascismo, regimes para os quais o indivíduo não importa.

Ceticismo do poder. O poder é a capacidade de obrigar outras pessoas a fazer o que você quer, e que de outra maneira eles não fariam. O governo costuma afirmar que força alguém a fazer x porque é do interesse dela fazer isso, mas em geral quando alguém deseja forçar alguém a fazer algo é porque isso é bom para ele próprio.

Estado de Direito. É a ideia de existem princípios mais elevados através dos quais podemos examinar o que o governo faz, incluindo a igualdade perante a lei.

A sociedade civil. A sociedade civil é definida como sendo composta por associações voluntárias que existem entre o indivíduo e o Estado. A maior parte dos problemas sociais podem ser cuidados com maior eficácia por essas associações voluntárias, que incluem a família, a igreja, as instituições de caridade (ou instituições sem fins lucrativos), do que pelas burocracias governamentais.

Ordem espontânea. A ordem é entendida como a existência de regularidade e previsibilidade. Quando alguém precisa tomar uma decisão sobre o que fazer, precisa poder antever quais as consequências possíveis dessa decisão. Muita gente pensa que para que haja ordem é necessário que haja alguém ou alguma instituição capaz de manipular as coisas, mas os liberais clássicos acreditam que a ordem pode surgir espontaneamente através da interação voluntária entre as pessoas.

Livre mercado.  Livre mercado significa que qualquer transação econômica deve ser consequência da ação voluntária entre indivíduos. O governo não deve dizer para as pessoas onde trabalhar, como poupar, o que construir, e o que produzir. Isso requer propriedade privada e a garantia de que, quando houver disputas, essas possam ser resolvidas pacificamente. A história mostra que deixar as coisas acontecerem através da economia de livre mercado gera prosperidade e diminui a pobreza.

Tolerância. Tolerância quer dizer não interferir com algo porque nós o desaprovamos. Só porque não aprovamos alguma coisa não devemos forçar nossas opiniões e nem pedir ao governo que aja para fazer parar alguma coisas que eu desaprovo. O exemplo clássico disso é a liberdade de expressão.

Paz. O conceito de paz dos liberais significa o compromisso de levar seus negócios adiante, sem violência e sem guerras, e através de uma política externa de não intervencionismo. Os liberais acreditam que o livre movimento de capital, pessoas, serviços e ideias é o melhor caminho para um mundo baseado na paz.

Governo limitado. Governo limitado é a ideia de que o objetivo do governo é simplesmente defender a vida, a liberdade e a propriedade. Qualquer coisa além disso não é justificável.

O liberalismo clássico entrou em declínio no século XIX, e outras doutrinas socioeconômicas chamadas ‘liberais’ surgiram,  como  o socialismo fabiano do fim do século XIX, e o New Deal da década de 1930 nos Estados Unidos. A fim de distinguir os liberalismo do século XVIII dos que vieram depois, o primeiro passou a ser chamado ‘liberalismo clássico’, e o segundo ‘liberalismo de esquerda’.

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Joaquina Pires-O’Brien é editora de PortVitoria, revista bianual sobre a cultura ibérica e sua diáspora, cuja primeira edição saiu em julho 2010. PortVitoria é uma revista de cunho liberal clássico.

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Nota

Revisão: D. Finamore (Br)

[i] Fonte:  https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/eu-escolhi-sair-da-veja/

[ii] https://www.institutoliberal.org.br/blog/relacoes-perigosas-lula-foro-de-sao-paulo-e-farc/

[iii] SOWELL, T. Intellectuals and Society. New York: Basic Books, 2010. 4’6 pp. Kindle edition.

[iv] Inteligentsia é um neologismo derivado do latim intelligentia, que significa inteligente, mas que ganhou o novo significado no russo intelligentsiya, derivado do francês intelligentsia.

[v] JOHNSON, P. Intellectuals. New York: Harper & Row, 1989. 385 pp.

[vi] (1) Dr Jordan Peterson explains if you’re a Left Wing or Right Wing with Joe Rogan. Http: https://www.youtube.com/watch?v=QZ5jMeHM6Do&ab_channel=JoeRoganFanClips. (2) Dr Jordan Peterson. Your political beliefs are determined in large party by genetics & other ideas. https://www.youtube.com/watch?v=NwibFhqh5k0&ab_channel=EssentialTruth.

[vii] Valores são representações cognitivas de objetivos desejáveis e transsituacionais, que variam em importância, que servem como princípios guia na vida de uma pessoa ou grupo. Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. In M. P. Zanna (Ed.), Advances in experimental social psychology, 25 (pp. 1–65). New York: Academic Press.

[viii] PIURKO, Y., SCHWARTZ, S. H. & DAVIDOV, E. Basic personal values and the meaning of left-right political orientation in 20 countries. Political Psychology, Vol. xx, 2011.

[ix] JOST, J. T. “Elective Affinities”: On the Psychological Bases of Left–Right Differences. Psychological Inquiry, 20: 129-141, 2009.

[x] SHERMAN, J. E. The Deep Roots of Left vs. Right and how to get both wings to fly together. Blog Psychology Today. Http: https://www.psychologytoday.com/us/blog/ambigamy/201706/the-deep-roots-left-vs-right.

[xi] É daí que vem o imaginário ‘contrato social’ proposto por Thomas Hobbes (1588-1679).

[xii] HAYEK, F. (1944). O Caminho da Servidão. Traduzido por Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro para o Instituto Liberal. 6ª edição. São Paulo: Misses Brasil, 2010.

[xiii] WSJ Opinion, November 3, 2018. https://www.wsj.com/articles/bolsonaros-hope-and-change-1540853512

[xiv] O impeachment foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2 de dezembro de 2015, e pelo Senado Federal, em 12 maio de 2016.

[xv] O tema do determinismo biológico e a responsabilidade moral vem sendo debatido há diversas décadas pelos filósofos e cientistas.

[xvi] O pós-modernismo é definido como sendo “um estilo ou conceito surgido no século XX, nas artes, na arquitetura e no criticismo, representado pela rejeição às noções existentes de arte e à modernidade em geral, e centrado numa desconfiança generalizada das grandes teorias e ideologias” . Tradução da definição em inglês, obtido em  <https://www.google.co.uk/?gws_rd=cr#q=postmodernism+definition>.

[xvii] Os pais do pós-modernismo não aceitam que a modernidade tenha sido um avanço para a humanidade, justificando isso nas disparidades econômicas entre indivíduos ou grupos. Dentro dessa ótica, adotaram a ideia do socioconstrutivismo, voltado a ajustar iniquidades através da conscientização política, que nada mais é do que um doutrinamento de esquerda, e da criação de grupos de identidade.

[xviii] RICKS, S. R. C. Explaining Postmodernism: Skepticism and Socialim From Rousseau to Foucault. Expanded edition, 2014. Ockham’s Razor Publishing.

[xix] Jordan Peterson on Your ambitions blind you to the nature of reality. https://www.youtube.com/watch?v=7kkVoKfG0dA&ab_channel=Bite-sizedPhilosophy

[xx] As seguintes definições foram dadas por George Orwell:  Socialismo. Substantivo. (1) Uma teoria ou sistema de organização social que defende conferir a propriedade e o controle dos meios de produção e distribuição, de capital, terras, etc.,  à comunidade como um todo. (2) Um procedimento ou prática em conformidade com essa teoria. (3) (Na teoria Marxista) o estágio que sucede o capitalismo na transição de uma sociedade para o comunismo, caracterizada pela implementação imperfeita de princípios coletivistas.

Comunismo. Substantivo. Uma teoria ou sistema de organização social baseada em manter toda propriedade em comum, sendo que a posse atual é imputada à comunidade como um todo ou ao Estado.

Fascismo. Substantivo. Um sistema governamental conduzido por um ditador que tem o completo poder, que por força suprime a oposição e a crítica, e regimenta toda a indústria, o comércio, etc., enfatizando um nacionalismo agressivo, e muitas vezes, o racismo.

[xxi] Jordan Peterson on Blindness & Seeing. https://www.youtube.com/watch?v=DfdRfpUI4cU&ab_channel=TheVids.

[xxii] PIRES-O’BRIEN, J.. Amazon. 2016.

[xxiii] ASHFORD, N., Learn Liberty. Portal de educação que desde 2011 divulga vídeos explicando as ideias relevantes da sociedade livre. https://www.youtube.com/watch?v=iU-8Uz_nMaQ&ab_channel=LearnLiberty

 Jo Pires-O’Brien

Ao redigir o editorial da presente edição de PortVitoria, que fala sobre as tragédias da corrupção brasileira e da destruição do Museu Nacional no incêndio da noite de 3 de setembro de 2018, eu experimentei um longo fluxo de pensamentos que atravessou todas as áreas de conhecimento em que tenho familiaridade, incluindo a linguística e a história. Eu resolvi aproveitar essa experiência e compilar os termos ingleses de probidade administrativa e de corrupção que conhecia, e criar uma narrativa didática em torno dos mesmos, na expectativa de que sejam de alguma utilidade para os leitores de PortVitoria.

O império onde o sol nunca se põe

O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlandra do Norte, ou Reino Unido, possui uma considerável experiência em administração, que incluiu governar domínios, colônias, protetorados, mandados e territórios. A maior extensão territorial de sua história ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, quando em 28 de junho de 1919, a recém-criada Liga nas Nações, através do Tratado de Versalhes, deu início ao projeto do Mandato Britânico da Palestina, cobrindo uma vasta extensão no Oriente Médio, a qual incluía a Transjordânia, o qual foi confirmado pelo Conselho da Liga das Nações em 24 de julho de 1922, tendo entrado em vigor em 29 de setembro de 1923. A incumbência não veio em boa hora para a Grã-Bretanha, pois a sua economia estava em ruínas devido à guerra e já havia perdido a antiga posição de maior poder industrial e militar do mundo. E como era de se esperar, o império britânico entrou em declínio e terminou com a independência da Índia em 1947. O seu último protetorado foi Hong Kong, o qual foi devolvido em 30 de junho de 1997, conforme estava estipulado no acordo de leasing de 99 anos, com a China, assinado em 1898.

O Império Britânico e a sua designação de ‘o império onde o sol nunca se põe’ existe apenas na história, mas, apesar de todos os seus erros e acertos, deixou como principal legado a língua inglesa, a terceira mais falada do mundo depois do mandarim e do espanhol, e a mais importante nas relações internacionais. E, se forem contabilizados os falantes de inglês como segunda ou terceira línguas, o inglês é a primeira mais falada de todo o mundo, de acordo com Guillaume Thierry, um professor of neurociência cognitiva da Universidade Bangor1. O mundo anglófono inclui 54 estados soberanos e 27 não soberanos, todos compartilhando as mesmas raízes históricas e culturais. Os países anglófonos mais importantes são os Estados Unidos,  Grã Bretanha, a Austrália, Canadá e a Nova Zelândia.

A língua e os valores culturais

A língua é muito mais do que uma coleção de sinais de comunicação, pois suas palavras e as expressões carregam valores culturais e percepções. A linguagem e a cultura estão estreitamente ligadas, e uma influencia a outra. Por exemplo, a elevada quantidade de expressões idiomáticas do inglês de origem náutica tem a ver com o fato da marinha britânica ter dominado o mundo durante quase três séculos. A longa experiência imperial da Grã-Bretanha ensinou-a não apenas a lidar com as mais diversas culturas, mas também a desenvolver um sofisticado sistema de administração, do qual vieram as expressões idiomáticas de orgulho pela probidade administrativa: ‘not in my watch’ e ‘the buck stops here’, abaixo explicadas. Assim, sempre que alguém interage com outra língua acaba interagindo com a cultura que fala a língua.

No ranking dos países pelo nível de corrupção da Transparência Internacional, é notável a predominância dos países anglófonos. Entre os 10 países menos corruptos estão a Nova Zelândia, o Canadá e a Grã-Bretanha, enquanto que a Austrália e os Estados Unidos figuram entre os 20 menos corruptos.

Not on my watch

A expressão ‘not on my watch’, cuja tradução literal é ‘não na minha vigia’, tem origem náutica, pois vem da frase  ‘officer of the watch’, o oficial responsável por tudo o que acontece numa embarcação durante determinado turno. A expressão tem conotações probidade administrativa e de responsabilidade. Entretanto, a palavra ‘watch’ por si só, significa sentinela, turno ou administração. Segundo o Dicionário Oxford de Inglês (OED) o sentido de observação da palavra ‘watch’ evoluiu dos períodos em que a noite era dividida. Os israelitas a dividiam a noite em três períodos, os gregos em quatro ou cinco e os romanos em quatro. A partir desse sentido ‘watch’ ganhou o sentido de relógio.

A frase similar em português que mais se aproxima da frase inglesa ‘not on my watch’ seria: ‘Eu jamais aceitaria esse tipo de coisa na minha gestão’.

 

Tabela 1. Expressões inglesas com a palavra ‘watch’ no sentido de vigia ou vigiar.

Expressões Tradução
not on my watch não no meu turno; não na minha administração; de maneira alguma;
it happened on his watch aconteceu no turno dele
keep watch mantenha-se de sobreaviso
be on the watch ficar de sobreaviso
watch one’s mouth tomar cuidado com o que diz
watch the pennies tomar cuidado com o gasto
watch this space fique de olho nesse espaço
watch the time fique atento para o tempo
watch your step olhe onde pisa
watch your back proteja-se
watch the President’s back proteja o Presidente
watch the world go by ver o mundo passar

 

The buck stops here

A expressão ‘the buck stops here’ traduz-se literalmente como ‘a responsabilidade pára aqui’, ou numa tradução mais natural, ‘a responsabilidade final é minha’. Essa expressão tornou-se bastante conhecida depois que o Presidente Harry Truman, dos Estados Unidos, colocou uma pequena placa de madeira gravada com a mesma.

 

 

Figura 1. Réplica da placa que o Presidente Harry Truman colocou na sua mesa.

A palavra ‘buck’ tem origem germânica, e no inglês antigo, significa ‘veado’, ou qualquer macho cervídeo. O significado mais comum no inglês moderno é ‘dólar’. A referência mais antiga do uso de ‘buck’ no sentido de dólar é de 1748, cerca de 44 anos antes da fabricação da primeira moeda de um dólar. Consta dessa referência que no comércio entre os colonizadores americanos e os índios, a taxa de câmbio de uma caixa de uísque era ‘5 bucks’, uma referência a 5 peles de veado. Há uma outra referência datada de 1848, quando um sujeito chamado Conrad Weiser, durante uma viagem pelo atual estado de Ohio, anotou no seu diário que alguém havia sido ‘roubado no valor de 300 bucks2.

Entretanto, a palavra ‘buck’ possui diversos outros significados, além de veado e dólar, como preço, responsabilidade, culpa, homem negro, desvio, balde, etc. conforme mostrado na Tabela 2.

Tabela 2. Expressões inglesas com a palavra ‘buck’ (culpa, dinheiro, etc.).

Expressões Tradução natural
passing the buck culpar outras pessoas
pass the buck jogue a batata quente para outro
bucks the system ir contra as regras que os outros seguem
bucked the trend fazer algo diferente dos outros
big bucks dinheiro à beça
buck up your ideas organize suas ideias
making more than a quick buck ganhar uma boa quantia de dinheiro
bang your buck obter algo de qualiade por um preço baixo
buck up (v.) ganhar coragem; passar a responsabilidade para um superior;
Buck’s Fizz coquetel feito com vinho espumante ou champagne e suco de laranja.
bang for the buck valor para o dinheiro

 

Diversas expressões que denotam a probidade administrativa empregam a palavra ‘accountable’, responsabilização, que significa ter uma obrigação de prestar contas ou de responder por algo. Veja exemplos na Tabela 3.

As palavras inglesas ‘accountable’ e ‘responsible’

‘Accountable’ costuma ser traduzido como ‘responsável’, mas essa tradução lembra que ‘responsável’ possui um cognato em inglês: ‘responsible’. As palavras inglesas ‘responsibility’ e  ‘accountability’ têm sentidos distintos mas há uma sobreposição entre as mesmas. No New Oxford Dictionary (NOD), a entrada ‘accountable’ mostra dois sentidos. O primeiro sentido é o de pessoa, organização, ou instituição requerida ou esperada para justificar ações  ou decisões. O segundo sentido aparece como  ‘explicável’ e ‘compreensível’. No primeiro sentido, mas não no segundo, ‘accountable’ é sinônimo de ‘responsible. Ainda no NOD, a entrada ‘responsible’ mostra um único sentido: ter uma obrigação de fazer algo, ter o controle sobre alguém, ou ter o dever de cuidar de alguém. Disso podemos deduzir que ‘accountable’ pode ser um sinônimo de ‘responsible’, mas nem sempre é. Na linguagem jurídica, ‘accountable’ é sinônimo de ‘liable’, cuja tradução é ‘responsável por passivos’ (Passivo: conjunto de obrigações, ou dívidas, de uma pessoa jurídica de direito público ou privado). Portanto, a tradução de ‘responsible’ e ‘accountable’ para o português depende do contexto. Uma dica é examinar a frase idiomática:  ‘accountable for’, ‘be accountable’, ‘accountable to’,  ‘responsible for’, ‘be responsible’, ‘responsible to’, ‘responsible party’, ‘solely responsible’, etc.

Tabela 3. Expressões inglesas com a palavra ‘accountable’.

Frase inglesa Tradução para o português
Parents cannot be held accountable for their children’s actions Os pais não podem ser responsabilizados pelas ações de seus filhos
The directors are held accountable by the shareholders. Os diretores são obrigados a prestar contas pelos acionistas.
Senior managers are directly accountable to the Board of Directors. Os administradores sénior respondem diretamente ao Conselho Administrativo.
Local authorities should be publicly accountable to the communities they serve. As autoridades locais devem prestar contas publicamente às comunidades que servem.
Ministers are accountable to Parliament. Os ministros prestam contas ao Parlamento.

 

A palavra inglesa ‘right’

Conforme mostra o NOD, a palavra ‘right’ tem diversas conotações na língua inglesa, não apenas como substantivo, adjetivo, advérbio e verbo, mas também como componente de diversas frases idiomáticas. O Collins Portuguese Dictionary & Grammar fornece as seguintes traduções para  ‘right’:

Adjetivo: certo, correto, justo;

Advérbio: bem; corretamente;

Substantivo: direito; direita (o que não é esquerda);

Verbo: corrigir, endireitar.

Uma boa parte das expressões inglesas contendo a palavra ‘right’  tem a ver com probidade, conforme mostrado na Tabela 4.

Tabela 4. Expressões inglesas com a palavra ‘right’.

Frase inglesa Tradução para o português
to do the right thing fazer a coisa certa
to hire the right person for the job contratar a pessoa certa para o emprego
be in the right estar certo
do right by tratar com justiça; fazer justiça
in one’s right mind em sã consciência
not right in the head não está bem da cabeça
on the right track Na rota certa
put something to rights corrigir algo
right-minded de princípios corretos
right enough certamente
too right é claro; é isso mesmo
right on isso

 

O vocabulário da corrupção

A corrupção é uma praga que existe em toda parte, e as tabelas 5 e 6  relacionam palavras de expressões de corrupção ou ligadas à corrupção, em inglês e em português.

 

Tabela 5. Palavras ou expressões inglesas de corrupção.

Inglês Tradução natural
backhand propina
birds of a feather farinha do mesmo saco
blacklist lista negra; colocar na lista negra
bribe; bribery suborno; subornar
black mail chantagem; extorsão
cheat prevaricar
cook the book adulterar o livro caixa
coterie círculo social próximo;
covert secreto; encoberto
cozy up engraciar-se
cyber crime crime cibernético
deflect defletir; desviar (a atenção)
embezzle defraudar
embezzlement desfalque; fraude financeira
extort extorquir
false accounting fraude de contabilidade
fickle spirit espírito volúvel
figurehead 1. Uma pessoa com um título ou cargo mas sem muita responsibilidade; 2. Figura na proa de embarcação
forge; forgery falsificar; falsificação
hush money dinheiro pelo silêncio
innapropriate inapropriado
jobbery agiotagem; especulação; velhacaria
kickback 1. um pagamento a alguém que facilitou uma transação ou nomeação, em geral ilícito; 2. recuo forte e súbito
maladministration má administração
malfeasance má administração (tem a ver com a falta de motivação para fazer o que precisa ser feito, ou adiar o que precisa ser feito; não é necessário haver ações ilícitas)
misappropriate apropriar indevidamente
misinvoicing fatura errada; fatura fraudulenta
money laundering lavagem de dinheiro
nepotism nepotismo
pay off saldar algo como suborno
perjury perjúria; perjurar
pilfer furtar; abafar
pot shot provocação
prevaricate evadir-se, esquivar-se, ou furtar-se de compromissos
fleece tirar vantagem por práticas desonestas ou ilícitas
skimming 1. forma de evasão fiscal envolvendo não declarar dinheiro recebido; 2. tirar a nata
slush fund caixa dois (para campanhas eleitorais)
suborn subornar
tax evasion evasão fiscal
to shop denunciar
turpitude torpeza; maldade; baixeza;
venality venalidade. 1. condição ou qualidade do que pode ser vendido; 2. natureza ou qualidade do funcionário público que exige ou aceita vantagens pecuniárias indevidas no exercício do seu cargo. (D. E. Houaiss).
whitewash 1. caiação; 2. fazer com que o caso acabe em pizza
wrongdoing transgressão

 

Tabela 6. Palavras ou expressões portuguesas de corrupção.

Português Tradução para o inglês
acabar em pizza. Resultado da não apuração de uma acusação de corrupção. to end as pizza (to end as something easily digestible)
caixa dois. Prática financeira ilegal, envolvendo um caixa paralelo onde determinadas entradas ou saídas não são registradas, e, com algum objetivo ilícito. cashier two; slush fund
clientelismo. Maneira de agir envolvendo uma troca de favores ou benefícios; p. ex., quando um político ou partido político emprega processos demagógicos e favoritistas para ganhar votos. clientelism
corrupção ativa. É o crime cometido por particular que dá propina a funcionário público em troca de vantagem indevida. active corruption
corrupção passiva. É o crime cometido por funcionário público que, em razão de sua função, ainda que fora dela ou antes de assumi-la, solicita ou recebe, para si ou para outrem, vantagem indevida, ou aceita promessa de tal vantagem. passive corruption
delação premiada. Sistema empregado pelo Ministério Público para obter a colaboração de réus, oferecendo uma diminuição da pena em troca da delação. rewarded accusation
laranja. Indivíduo cujo nome é utilizado por um terceiro para a prática de ocultação de bens de origem incerta e outras formas de fraude front. A ‘laranja’ usually hides a white-collar criminal by helping him to commit crimes such as money laundering, misuse of public money, cartel between concurrents, tax evasion, etc.
peculato. Crime de apropriação, desvio ou roubo de bens públicos por um funcionário público. pecuniary misappropriation
pixuleco. Sinônimo de propina, dinheiro sujo ou dinheiro roubado bribe; dirty money or stolen money
propina. Antigamente propina era um sinônimo de gorjeta, mas hoje em dia refere-se aos ‘agrados’ oferecidos por cidadãos para funcionários públicos, em troca de favores indevidos. bribe; bribery.
testa de ferro. Indivíduo que aparece como responsável por um determinado negócio ou firma, enquanto o verdadeiro líder se mantém no anonimato, controlando a empresa. figurehead

 

Conclusão

A linguagem é muito mais do que uma coleção de sinais de comunicação, pois também exprime valores, desejáveis ou indesejáveis. A riqueza do inglês em expressões de probidade administrativa sugere que a probidade administrativa é um valor reconhecido pelos povos anglófonos. A lista da percepção da corrupção 2017 da organização pela Transparência Internacional corrobora isso, mostrando que dentre os 10 e os 20 países mais íntegros, a Nova Zelândia,  o Canadá e o Reino Unido estão no primeiro grupo, enquanto que a Austrália e os Estados Unidos no segundo.

Dentre os países lusófonos, o  Brasil ficou na posição 96, junto com a metade considerada mais corrupta, mas Portugal ficou na posição 29, entre os menos corruptos. Embora existam valores morais correlacionados à linguagem, a linguagem por si só não determina os valores morais de uma sociedade. A improbidade administrativa e a corrupção existem em todo o mundo, mas todas as sociedades podem evoluir e melhorar.

 

Post Scriptum

Após ter terminado este artigo ocorreu-me um novo fluxo de pensamentos sobre a mentalidade de querer julgar a história com base na ética contemporânea, como aquelas que se manifestaram na Cidade do Cabo, em Charlottesville e em Oxford. Assim sendo, quero esclarecer que o objetivo do presente é simplesmente oferecer uma aula de inglês cobrindo os vocabulários da administração e da corrupção. Esclareço também que a curta narrativa histórica foi incluída apenas por objetivos didáticos. Ao compilar esse pequeno artigo ou aula de inglês, não foi a minha intenção apoiar o Império Britânico ou regozijar com o poder que exerceu sobre os mais diversos povos. O fato desse trabalho tratar da língua inglesas de maneira alguma significa que eu não reconheça a situação difícil das línguas autóctones dos povos colonizados. A relação entre colonizador e colonizado sempre foi carregada de conflitos de interesse, que acredito que possam continuar sendo resolvidos pacificamente pelo intercâmbio de ideias e pelo bom senso.

 

  1. Guillaume Thierry, Professor of Cognitive Neuroscience, Bangor University. The trouble with speaking English as a second language. https://www.weforum.org/agenda/2018/04/the-english-language-is-the-worlds-achilles-heel
  2. Fonte: http://www.todayifoundout.com/index.php/2014/03/dollar-called-buck/

 


Jo Pires-O’Brien já foi professora de inglês, tradutora e pesquisadora botânica, e desde 2010 é a editora de PortVitoria, revista bianual da cultura ibero-americana.

Agradecimentos

Revisão de terminologia: Jackie Meikle (UK, Gemini Language Exchange)

Revisão geral: Carlos Pires  (Br)

A corrupção sistêmica envolvendo o Estado e o setor privado desde 2003 é uma tragédia cujas consequências assombrarão os brasileiros nos próximos anos. Essa tragédia está ligada a outras como o complexo de colonizado, que culpa tudo na colonização portuguesa. A própria existência da Operação Lava Jato mostra uma mudança de mentalidade, de uma mentalidade de culpar os outros por uma ética de responsabilidade. Por causa dessas duas visões polarizadas, a sociedade brasileira está lutando uma guerra de ideias, e a resultante falta de diálogo é uma tragédia que pode transformar o Brasil em um estado falido.

Durante as campanhas eleitorais presidenciais de 2018, a sociedade brasileira se polarizou entre a direita e a esquerda. Essa polarização é um sintoma de um problema ainda mais grave, a fragmentação social do país causada pela proliferação de grupos de identidade política. Os meus dois ensaios publicados nesta edição cobrem esses tópicos. O primeiro ensaio trata da identidade brasileira e da descrição da mentalidade brasileira. O segundo ensaio aborda a polarização da sociedade brasileira, a prolongada hegemonia da esquerda e o surgimento da direita. Os dois artigos apontam o problema da falta de diálogo, sem o qual o Brasil não poderá reparar suas fraturas, encontrar seu caminho, e seguir em frente para tempos melhores.

Como se as tragédias acima não bastassem, o Brasil sofreu mais uma gigantesca tragédia no incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que ocorreu na noite de 3 de setembro de 2018. Fundado em 1818 por D. João VI, o Museu Nacional abrigava mais de 20 milhões de itens, incluindo documentos históricos, coleções botânicas, zoológicas e mineralógicas, antigos artefatos gregos e romanos, a maior coleção egípcia da América Latina e o mais antigo fóssil humano descoberto no atual território brasileiro, chamado ‘Luzia’. No rescaldo do incêndio, Alexandre Garcia, jornalista e radialista político de 78 anos, registrou um lamento contundente desta tragédia, cuja transcrição é disponibilizada nesta edição da PortVitoria. Também é apresentado um relato detalhado da tragédia da perda do Museu Nacional no artigo de João José Fermi.

Refletir sobre as tragédias do Brasil me fez lembrar de algumas frases idiomáticas em inglês ligadas à boa administração, como ‘Not on my watch’  e ‘The buck stops here’, e o resultado é uma aula de inglês escrita na forma de um artigo, que eu espero que alguns leitores de PortVitoria achem útil.

A única revisão nesta edição é do livro de Jordan Peterson 12 Regras para a Vida: Um antídoto para o caos (2018). Peterson é um psicólogo canadense e professor da Universidade de Toronto que ganhou notoriedade no Canadá em 2017 por sua oposição a uma emenda à Lei Canadense de Direitos Humanos (Bill C-16) acrescentando ‘identidade ou expressão de gênero’ à lista de motivos proibidos de discriminação, argumentando que isso interferiria no direito à liberdade de expressão. O livro de Peterson 12 Regras para a vida apareceu em janeiro de 2018 e em apenas algumas semanas tornou-se um best-seller em todos os países anglófonos. A edição em português apareceu no final de maio e o livro parece estar vendendo bem no Brasil. Peterson atribui o sucesso de seu livro ao fato de preencher um espaço muito necessário no mercado, mas é óbvio que a sua presença na internet, em vídeos e podcasts, também desempenhou um papel substancial. Confesso que me tornei fã de Peterson depois de assistir a alguns de seus vídeos no YouTube,  tendo comprado o seu livro depois disso. As ideias de Peterson descrevem muitos dos problemas que afetam a civilização ocidental e tenho certeza de que eles podem ajudar os brasileiros a resolver suas dissonâncias cognitivas.

Joaquina Pires-O’Brien

January 2019

 

How to reference

Pires-O’Brien, J. Editorial. O trágico do Brasil em 2018. PortVitoria, UK, v.18, Jan-Jun, 2019. ISSN 2044-8236.

João José Forni

O incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro é daquelas tragédias que ninguém imagina (nem deseja) que possa ocorrer, mas todo mundo sabia que o risco existia. E que um dia sim, poderia acontecer, principalmente num prédio antigo e mal conservado. Boa parte da estrutura do prédio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, era de madeira, e o acervo tinha muito material inflamável – o que fez o fogo se espalhar rapidamente.

O soco no estômago do País, principalmente naqueles milhares de estudiosos que gostam de História, biblioteconomia, arqueologia e de todas as áreas do conhecimento que têm relação com a História, e nos empregados, o que aconteceu na noite de domingo beira o inacreditável. Mais ou menos como os franceses relaxarem e um dia ficarmos sabendo que uma pequena parte do Museu do Louvre pegou fogo. O que, convenhamos, seria muito pouco provável.

Museu reprovado em gestão de risco

O depoimento de uma funcionária do Museu, no Jornal Nacional, da Rede Globo, “A gente sempre soube que um dia isso ia acontecer, porque faltavam recursos para proteger o nosso palácio… perdemos a arte, a história”, de certa forma sintetiza o que deduzimos no primeiro momento em que vimos as labaredas engolindo o acervo do Museu: uma tragédia anunciada. Na sua dimensão mais perversa. “A gente perdeu a dignidade, já que é isso que a cultura traz, um sentimento de cidadania. Um país sem cultura não existe”, afirmou  um estudante durante manifestação no Rio.

“O mais grave na tragédia do Museu Nacional é que o incêndio não foi uma surpresa. “O museu estava jogado, apodrecendo, incluindo a parte elétrica”, disse Walter Neves, professor da Universidade de São Paulo.” Em junho, a imprensa mostrou a existência de goteiras, infiltrações e problemas das instalações elétricas. Não foi a primeira vez que funcionários, pesquisadores se manifestaram pelas condições precárias do prédio. E o que foi feito?

Para o professor José Vagner Alencar, que trabalha há 17 anos na área de geologia do Museu Nacional, em depoimento ao jornal “O Globo”:  “A sensação é como se tivesse sido bombardeado. O nosso laboratório fica nos fundos do Museu Nacional e os andares caíram por cima do nosso laboratório. Uma grande parte da história da geologia do Museu Nacional foi perdida”.

É surpreendente, para não dizer irresponsável, a forma como o governo federal, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a diretoria do Museu cuidavam daquele acervo. Os bombeiros chegaram ao local logo depois de iniciado o incêndio, mas, segundo eles, os dois hidrantes próximos ao prédio não tinham pressão suficiente. Precisaram pegar água de um tradicional lago que existe na Quinta da Boa Vista. O comandante-geral do Bombeiros disse que a falta de água atrasou os trabalhos em mais de meia hora. Fatais para um prédio que tinha estrutura antiga e abrigava acervo e produtos altamente inflamáveis. Sabe-se agora que o prédio sequer tinha alvará dos Bombeiros. Como pode um prédio público receber empregados, visitantes e pesquisadores sem alvará? Pelo visto, o risco de uma tragédia ainda maior naquele prédio era iminente.

Salta aos olhos, quando se fala em gestão de risco, é saber que o Museu Nacional não aplicou qualquer valor neste ano na compra de equipamentos ou materiais de segurança. Também não foi feito nenhum pagamento para serviços de manutenção de imóveis ou aquisição de materiais para essa finalidade. Segundo o Portal Uol, levantamento da ONG Contas Abertas mostra ainda que, nos últimos quatro anos, os desembolsos realizados com essas atividades estão bem abaixo do que se imaginaria para um prédio daquela dimensão e, sobretudo, com 200 anos, sem um esquema sistematizado de manutenção preventiva.

Quem não cuidou, agora critica

Políticos e candidatos oportunistas, incluindo os candidatos Dilma, Boulos e Manoela D’Avila, apressaram-se em ir às redes sociais tentar imputar ao atual governo e ao teto de gastos a culpa pelo incêndio, aproveitando a comoção para tirar proveito político. Não demorou para aparecer nas redes documentos e depoimentos mostrando que desde 2004 o Museu solicitava verba para manutenção. Os valores repassados pela UFRJ, que administrava o Museu, mal davam para as despesas de custeio (só a folha salarial consome 87% do orçamento da Universidade). A ironia de tudo isso é que a maior parte da direção da UFRJ, que administra o Museu, é composta por filiados do PSOL, partido de Sr. Boulos. Se o governo federal cortou, competia à UFRJ e à direção do Museu ir atrás de recursos pra amenizar o risco que o prédio e o precioso acervo corriam. O Governo Federal lava as mãos alegando que repassou os recursos totais para a UFRJ, ficando a critério dela fixar o orçamento do Museu.

Até agosto deste ano, os gastos do Museu Nacional chegaram a menos de R$ 100 mil, segundo a ONG Contas Abertas. Para dar uma dimensão dos recursos despendidos pelo museu, o Contas Abertas fez uma comparação entre os valores utilizados no ano passado pelo museu (R$ 665 mil) e os gastos para lavar 83 carros oficiais da Câmara dos Deputados. O custo anual da lavagem foi de R$ 563 mil, 89% dos desembolsos feitos em 2017 pelo museu. O orçamento da UFRJ em 2017, foi de R$ 4 bilhões.

Discussões políticas à parte, para saber de quem é a culpa, na verdade todos os últimos governos são culpados, sem isentar sequer o governo estadual e municipal do Rio de Janeiro. Nem cabem, no momento, tentativas de “terceirizar” a crise. O Museu fica na cidade do Rio de Janeiro, era uma atração turística. Se teve tantos bilhões para executar obras faraônicas para as Olimpíadas, por que não se priorizou recursos para implantar um sistema de alarme e contenção de incêndios no mais importante museu do País? Ou para fiscalizar os hidrantes para ver se estavam funcionando? Até os Bombeiros entram nesse rol de omissão.

A rotina das crises anunciadas

O Museu Nacional havia completado 200 anos. Fundado em 1818, por Dom João VI, o acervo tinha peças compradas, recebidas como presente ou obtidas por Dom Pedro I e, principalmente, por Dom Pedro II. Este tinha particular apreço por bens culturais e iniciou a coleção de múmias que estavam no Museu, peças essas que foram destruídas e jamais serão repostas. O estrago na memória do País e da Humanidade é tão grande que a Unesco chegou a compará-lo à destruição do sítio arqueológico de Palmira, no Iraque, explodido pelos fanáticos do Exército Islâmico.

Lamentavelmente, repete-se uma rotina que o país está cansado de assistir. Falhas graves de gestão de riscos. Isso aconteceu no rompimento da barragem da Mineradora Samarco; nos incêndios do Instituto Butantã e do Edifício Wilton Paes de Almeida, em S. Paulo; em vários naufrágios, no Amazonas, na Bahia; como numa das maiores tragédias ocorridas no País, o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, em 2013, que deixou 242 jovens mortos. A exemplo do que ocorreu nessas crises, no Museu Nacional não havia qualquer processo de gestão de risco sistematizado. Funcionava como tantas outras repartições públicas, onde os funcionários cuidam do dia a dia, batem o ponto, sem levar em conta que eram uma espécie de guardiões do maior acervo histórico da América Latina.

Talvez o governo, o ministério da Cultura, a UFRJ, a própria diretoria do Museu Nacional não atentassem para a importância dessa casa, ao tratá-la como mais uma repartição pública, com orçamento apertado, sucateada, abandonada, preterida em benefício de obras que davam mais visibilidade para os políticos, muitos deles corruptos, que dominaram o Rio de Janeiro nos últimos anos, de que é um triste símbolo o ex-governador Sérgio Cabral, atualmente preso.

Boa pergunta foi feita por um professor carioca nas redes sociais: você, que está lamentando a perda daquele patrimônio histórico, que mora no Rio de Janeiro, ou você turista, por acaso conhecem, foram alguma vez no Museu Nacional? A pergunta tem pertinência, porque se descobriu que ano passado 289 mil brasileiros visitaram o Museu do Louvre, em Paris e 192 mil foram ao Museu Nacional. A Mona Lisa ganhou de goleada da Luzia, pobre Luzia, agora virada pó. Provavelmente muitos cariocas e fluminenses sequer sabiam da existência daqueles tesouros, guardados no velho e mal conservado palácio na Quinta da Boa Vista. Talvez porque nem os governos, nem a prefeitura do Rio, nem a diretoria, geralmente indicação política, desse ao Museu o valor que ele tinha. Ficamos sabendo, após o incêndio, que o último presidente da República que lá esteve foi Juscelino Kubitschek, em 1958. O Museu Nacional só era bastante lembrado pelos cupins e pelas múmias que ali repousavam.

Os governantes e os próprios dirigentes da UFRJ, que reduziram, ano a ano, a verba aplicada no Museu, certamente se espelham na média do brasileiro. Visitar o Louvre é chique. Visitar Museu no Brasil é programa para turista estrangeiro ou, eventualmente, para alguns alunos fazerem trabalhos escolares. Então, deixa pra lá. Nas redes sociais, o incêndio do Museu propiciou as mais disparatadas leituras, como essa da BBC “por qué algunos ven en el devastador incendio “una metáfora” de la situación actual del país sudamericano”. A ironia da BBC faz sentido, porque, na visão dos estrangeiros, o Brasil atravessa uma difícil situação política e econômica, com 13 milhões de desempregados. O índice divulgado ontem do crescimento do PIB no 2 º trimestre foi de apenas 0,4%, quase uma miragem. Mergulhado na recessão pelo menos por dois anos, e capengando no último ano, o país não tem tempo nem dinheiro para museus. A cultura dentro do País é menos importante do que se exibir numa Copa do Mundo ou numa Olimpíada com obras faraônicas, que a economia não tinha condições de suportar.

Outros interpretam o incêndio e suas consequências como o epílogo da falência do Rio de Janeiro. Aquele Museu ardendo na noite, para tornar a visão ainda mais chocante, como também cinematográfica, de certa forma é uma imagem icônica não só do Rio, mas do próprio País. Governantes que estão preocupados mais com os cargos e as benesses que eles trarão para suas carreiras e seus bolsos, e menos no que deveriam fazer para melhorar a vida do cidadão e, no caso, preservar um patrimônio valioso.

Um boa pergunta seria: onde estão os intelectuais que ficaram dois anos gritando “Fora Temer” e nunca fizeram qualquer mobilização pelo Museu Nacional. E a diretoria do Museu que certamente apóia movimentos que reivindicam salários e não mobilizou a classe artística, os políticos do Rio tão ciosos em reclamar do governo, quando acabaram com o ministério da Cultura?

Talvez só agora muitos brasileiros que conhecem o Louvre, o British Museum, o Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque, ficaram sabendo que no Brasil havia essa preciosidade bem ali, a poucos minutos do centro do Rio. Não há desculpas para nenhum político do Rio, inclusive para os atuais candidatos que já passaram por cargos públicos naquela cidade, pela omissão. O incêndio no Museu Nacional foi uma falha grave, inclusive da diretoria, como foi a do Instituto Butantã ou do Museu do Amanhã, em São Paulo. O que aconteceu ali na Quinta da Boa Vista foi um crime e certamente a Polícia Federal precisa apurar quem são os culpados pela tragédia. Essa foi uma crise anunciada.

Tesouro perdido

A pressa agora para angariar recursos para a “reconstrução do Museu”, com planos mirabolantes envolvendo os maiores bancos e estatais, recursos que foram reduzidos ao longo do tempo, principalmente nos últimos de dez anos, é apenas um espasmo político ante a comoção do incêndio. Até porque – vamos encarar o incêndio na sua crua realidade, no seu efeito destruidor, e deixar de tentar mascarar o vexame internacional do Brasil – o Museu Nacional, que lá estava instalado, jamais será reconstruído ou recuperado.

Os valores históricos que lá existiam, salvo talvez algumas peças mais resistentes, foram definitivamente perdidos. A maioria delas, principalmente os objetos colecionados há dois séculos e oriundos de todas as partes do mundo, principalmente da África, eram exemplares exclusivos, que só o Brasil tinha.

O acervo do Museu tinha perfil acadêmico e científico, com coleções focadas em paleontologia, antropologia e etnologia biológica. Fósseis, múmias, peças indígenas e livros raros. Menos de 1% do material estava exposto. Segundo a vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, 90% do acervo em exposição se perdeu. Certamente trata-se da maior tragédia cultural do Brasil, em dois séculos.

O prédio histórico, que já foi palácio de um senhor de escravos e serviu de residência à família imperial portuguesa, de 1808 a 1821; e abrigou a família imperial brasileira de 1822 a 1889, tendo servido a dois imperadores, D. Pedro I e D. Pedro II, pode até ser reconstruído e restaurado. Mas a riqueza histórica que lá repousava – cerca de 20 milhões de peças – tão ciosamente patrocinadas e colecionadas por Dom Pedro II e outros tantos abnegados, durante 200 anos, viraram cinza. Apenas cinza. É o legado que os governantes e os gestores atuais e que, infelizmente, nós todos deixaremos para as gerações futuras


João José Forni é jornalista, é Consultor de Comunicação e autor do livro Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação Precisam saber para Enfrentar Crises Corporativas.

 

Nota. Artigo publicado no portal Comunicação & Crise, em 05 de setembro de 2018.

Fonte: https://www.comunicacaoecrise.com/site/index.php/artigos/1067-museu-nacional-uma-crise-prevista-no-limite-da-irresponsabilidade

Email do autor: jforni46@gmail.com

Editor’s note. Spanish and English translation are available below

Alexandre Garcia

Bom dia a vocês. Como se a gente pudesse dizer bom dia, né, depois dessa tragédia. E é simbólico que em plena semana da pátria, tenhamos deixado em cinzas boa parte das raízes da pátria. Nada explica, nada justifica, nada desculpa uma tragédia que foi preparada pouco a pouco. Ano a ano, dia a dia. Segundo os bombeiros, não havia equipamento preventivo antifogo dentro do principal museu do país. E nessa noite se viu que nem sequer havia água nos hidrantes para abastecer as mangueiras. Cortes de verbas deixaram o museu como o último da fila, sendo tomado pelos cupins, e agora, pelo fogo. Cortaram recursos onde já faltavam, e não onde está sobrando, no Estado brasileiro inchado e incompetente.
Quem não sabe cuidar do passado, que futuro pode ter? Agora se leem e se ouvem em declarações, que é uma perda incalculável, essa obviedade do Presidente da República. Ou que vai auxiliar a universidade federal a recuperar o museu. Recuperar o que? Esperar o juízo final, para que das cinzas se levantem 20 milhões de peças, entre elas a ‘Luzia’, nossa ancestral de doze mil* anos? Saliva não apaga fogo. Ação preventiva teria evitado. O fogo que queimou na semana da pátria, queima também o patrimônio de história, de ciências, de arte, uma memória que pertence às gerações futuras. E ficam as cinzas como símbolo do desleixo, da irresponsabilidade, da falta de nacionalidade dos contemporâneos desta tragédia de lesa-pátria.

* A idade estimada de ‘Luzia’ é de 25 mil anos.


Alexandre Garcia (1940-) é jornalista e comentarista político brasileiro.
Nota. Transcrito do vídeo em Youtube gravado em 04 de setembro de 2018.

 

Saliva no apaga fuego

Alexandre Garcia

Buen día para ustedes. Como si la gente pudiera decir buen día, no, después de esa tragedia. Y es simbólico que en plena semana de la patria, hayamos dejado en cenizas buena parte de las raíces de la patria. Nada explica, nada justifica, nada excusa una tragedia que fue preparada poco a poco. Año a año, día a día. Según los bomberos, no había equipo de prevención de incendios dentro del principal museo del país. Y esa noche se vio que ni siquiera había agua en los hidrantes para abastecer las mangueras. Cortes de fondos dejaron el museo como el último de la fila, siendo tomado por las termitas, y ahora, por el fuego. Cortaron recursos donde ya faltaba, y no donde sobraba, en el Estado brasileño hinchado e incompetente.
¿Quién no sabe cuidar del pasado, qué futuro puede tener? Ahora se leen y se oyen en declaraciones, que es una pérdida incalculable, esa perogrullada del Presidente de la República. O que va a auxiliar a la Universidad Federal [de Rio de Janeiro] a recuperar el museo. ¿Recuperar qué? ¿Esperar el juicio final, para que de las cenizas spuedan levantar 20 millones de piezas, entre ellas la ‘Luzia’, nuestra ancestral de doce mil* años? Saliva no apaga fuego. La acción preventiva habría evitado. El fuego que quemó en la semana de la patria, quema también el patrimonio de historia, de ciencias, de arte, una memoria que pertenece a las generaciones futuras. Y quedan las cenizas como símbolo del descuido, de la irresponsabilidad, de la falta de nacionalidad de los contemporáneos de esta tragedia de lesa patria.

* La edad estimada de ‘Luzia’ es de 25 mil años.


Alexandre García (1940-) es periodista, presentador y columnista político brasileño.
Nota. Transcrito del vídeo en Youtube grabado el 04 de septiembre de 2018.

 

Saliva does not put out fire

Alexandre Garcia

Good morning to you. As if one could say good morning, after this tragedy. And it is symbolic that in the week we celebrate our homeland, we turned into ashes a good part of our nation’s heritage. Nothing explains, nothing justifies, nothing excuses a tragedy that was gradually impending. Year after year, day after day. According to the firefighters, there was no fire preventive equipment inside the country’s most important museum. And on that night, the hydrants did not even have water to supply the firemen’s hoses. Cuts in resources had put the museum at the end of the queue, to be gradually gnawed by termites, and now, by the fire. They cut off resources from where they were already insufficient, rather than from where they were dispensable, in the swollen and incompetent Brazilian state.
What future is there for those who do not even know how to take care of the past? Now one hears and reads in various statements, that it was an incalculable loss, this truism of the President. Or that he will help the Federal University [of Rio de Janeiro] to restore the museum. Restore what? To wait for the final judgment, so that from the ashes they can raise 20 million pieces, among which ‘Luzia’, our twelve thousand* years’ ancestor ? Saliva does not put out fire. Preventive action could have prevented it. The fire in the week we celebrated our homeland also turned into ashes a heritage of history, science, and art, and a memory that belonged to future generations. So the ashes remain, as a symbol of the neglect, the irresponsibility, the lack of patriotism of those who lived at the time of this high treason tragedy.

* The estimated age of ‘Luzia’ is 25 thousand years.


Alexandre Garcia (1940-) is a Brazilian journalist and political broadcaster.
Note. Transcribed from the Youtube video recorded on 4th September, 2018.