Norman Berdichevsky

Resenha do livro O homem razoável e outros ensaios (El hombre razonable y otros ensayos) de Joaquina Pires-O’Brien. Beccles, UK, KDP, 2016. Disponível na Amazon.com.

O anúncio da adoção da nova palavra post-truth (pós-verdade) pelos autores do dicionário Oxford, em 16 de novembro de 2016, chegou dias depois da publicação de um e-book em português chamado O homem razoável e outros ensaios, já traduzido para o espanhol (El hombre razonable y otros ensayos) – uma coleção de 23 ensaios sobre alguns dos mais definidores, e controversos, aspectos da Civilização Ocidental. A proximidade dos dois eventos mostra que a autora é deveras bem sintonizada com a Civilização Ocidental e os seus problemas. Um dos ensaios desse livro trata especificamente do pós-modernismo, a doutrina ou mentalidade da qual a palavra post-truth se originou. Além do pós-modernismo, esse livro cobre outros temas contemporâneos como a educação liberal, as duas culturas (o racha entre a ciência e as artes e humanidades) e o 9/11, assim como alguns temas atemporais como a utopia, o amor e o apego humano aos mitos. A autora, Jo Pires-O’Brien, uma brasileira residente no Reino Unido, é editora de PortVitoria, revista online, bianual, sobre atualidades, cultura e política, centrada na cultura ibérica e sua diáspora, cujos artigos são publicados em espanhol, português e inglês.

O ensaio com o tema mais difícil de entender – seja lá em que língua – é precisamente o que fala do pós-modernismo, o qual é descrito através de sua fascinação com o conceito de ‘narrativas’; isto é, onde muitos fazem da mídia um brinquedo – uma atitude de ceticismo ou desconfiança no tocante a ideologias e aos diversos princípios do pensamento racional, incluindo a existência de realidade objetiva, da verdade e das noções de progresso existentes – o mesmo afirma que o conhecimento e a verdade são produtos de sistemas históricos e sociais e da interpretação política. A preocupação da autora com a ameaça do pós-modernismo não é sem justificativa. O termo post-truth adotado em 2016 pelos autores do dicionário Oxford, captura a ideia pós-modernista de que ‘não existem verdades, mas apenas interpretações’. Se não há verdade, então a ciência e outros elementos da Civilização Ocidental moderna, como o cânone literário, são irrelevantes.

O título do livro foi tirado do primeiro ensaio, o qual trata do hipotético ‘homem razoável’ (reasonable man), preservado no direito civil e na lei contratual na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, embora sem uma definição precisa. Tal ‘homem razoável’ – sem o artigo definido que aparece nas versões em português e em espanhol – ou ‘o homem no ônibus de Clapham’ no folclore britânico, representa uma pessoa dotada de bom senso e cuja opinião é tomada como sendo a opinião pública, e, por isso, valorizada em diversos casos particulares, como, por exemplo, na definição de como uma pessoa deve se portar (em termos de ação ou inação) em relação a outras em situações de ameaça. Não há necessidade de estabelecer uma intenção maliciosa, e é esperado que tal indivíduo fictício possa cometer ‘erros razoáveis’ de acordo com as circunstâncias, o que, como tal, é uma questão da ética. Há deveras muito alimento para pensar acerca de quanto dos sistemas legais do Ocidente, os quais, particularmente nos países anglo-saxões, são uma função de alguma tradição distinta. A partir do ensaio, aprendemos que o conceito do homem razoável se estende até a Antiguidade, ao conceito da phronesis ou ‘sabedoria prática’ dos antigos gregos. Para Sócrates, a phronesis era a capacidade de discernir como e porque alguém deve agir virtuosamente, enquanto que Aristóteles – e, também, já na antevéspera da Idade Moderna, Spinoza, – definiu-a como sendo a capacidade de pensar logicamente. A qualidade de uma sociedade depende de seu cabedal humano, medido pela proporção de ‘cidadãos razoáveis’. O tema da lei reaparece num outro ensaio que trata do crime de affray – ou rixa – usar ou ameaçar usar violência ilícita para com outra pessoa de tal modo que uma pessoa de ‘razoável firmeza’ presente na cena tema pela própria segurança. A etimologia da palavra affray é explicada, mostrando que vem de uma palavra em protogermânico com um radical protoindo-europeu.

Diversos ensaios tratam de pensadores influentes, tais como Friedrich Hayek, Jacques Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes, Elias Canetti, Stefan Zweig e George Orwell. O ensaio intitulado ‘O filósofo da liberdade’ fala de Hayek, notoriamente desfavorecido entre os críticos esquerdistas das sociedades afluentes modernas e suas políticas econômicas. Hayek foi um dos poucos que não perdeu a fé no capitalismo no dia seguinte ao Black Friday de novembro de 1929. Em O caminho da servidão (1944), que virou um best-seller, Hayek explicou os mal-entendidos acerca do sistema econômico do capitalismo e sublinhou o valor da liberdade de cada um de utilizar seu próprio empreendedorismo e suas habilidades para progredir, e, acima de tudo, esclareceu que democracia não era um valor final mas um meio para alcançar a liberdade. A constituição da liberdade é outro grande livro de Hayek, muito embora não tenha sido um best-seller. Hayek era altamente admirado pela primeira ministra Margaret Thatcher, que uma vez levou o livro A constituição da liberdade para uma sessão no Parlamento e bateu-o contra a caixa de despachos enquanto dizia: “É nisso que nós acreditamos”. Outra personalidade que evidencio é George Orwell (Eric Blair), autor de 1984 e Na pior em Paris e Londres, o qual é tratado em dois ensaios; um que apresenta um resumo crítico da vida de Orwell e outro que descreve as poderosas metáforas contidas no seu livro 1984.

A carreira anterior da autora no Brasil, como pesquisadora botânica com PhD em ecologia florestal, é revelada num ensaio sobre o malfadado ‘Projeto Floram’, um projeto de reflorestamento. Ela baseou este ensaio nos arquivos do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) bem como na sua memória pessoal. Nesse ensaio, ela mostra como o Projeto Floram foi concebido e explica como a maledicência pública imerecida fez com que os investidores do setor privado retirassem seu suporte. A inibição do Projeto Floram é sintomática de um dos maiores problemas do nosso tempo – o aquecimento global. Conforme Pires-O’Brien corretamente concluiu…“O Projeto Floram foi um exemplo da contenda constante entre a situação real e a ideal”.

Um ensaio curto, porém afiado, fala sobre a cultura e o relativismo cultural, traçando o novo significado conferido à palavra cultura por alguns antropólogos e sociólogos, e mostrando a sua conexão com o relativismo cultural. Os ensaios restantes tratam das grandes ideias que floresceram no Ocidente e ajudaram a formar a Civilização Ocidental – a Bíblia, a noção do paraíso, a utopia, a aprendizagem ao longo da vida, o amor, a mente sã num corpo são e a educação liberal –, bem como tratam dos seus maiores desafios e ameaças correntes à Civilização Ocidental: o pós-modernismo e o extremismo islâmico. Embora seja uma coleção eclética de ensaios, há um denominador comum na temática deles: a luta da razão contra a irracionalidade.

Por último mas não menos importante, a autora aborda o extremismo islâmico responsável pelos ataques do 9/11 e o emprego do jihad, como um meio para alcançar o poder político. Isso é feito na forma de uma série de perguntas e respostas que tratam não apenas dos perpetradores dos ataques do 9/11, como também de diversos tópicos relevantes acerca da religião do islamismo: o fundamentalismo islâmico; a história dos conspiradores e sua motivação; a natureza do Corão; as rivalidades entre as seitas islâmicas adversárias (xiitas e sunitas); o jihad; o wahhabismo e o salafismo; a Irmandade Muçulmana; a aspiração de um novo califado; as crenças da maioria dos muçulmanos comuns que não são fundamentalistas; e, ainda, a falha, a falta de cooperação e as suposições ingênuas das agências de inteligência norte-americanas. Tudo isso é explicado com clareza e sem exagero.

Este é um livro para ler e reler, a fim de nos ajudar a colocar em perspectiva ideias diversas porém cruciais. Na qualidade de resenhista cuja primeira língua é o inglês e com uma razoável capacidade de ler espanhol, achei o texto em espanhol bastante fácil de ler; claro, preciso e leve, tanto entretém quanto informa. O estilo é do tipo que cativa a atenção do leitor e que não ‘vagueia’ ou ‘cansa’ como é frequente em casos de textos similares, que abarcam dúzias de temas diversos e provocativos. Outro diferencial de O homem razoável é que seus ensaios de temática variada estão bem conectados.

Até o momento, o livro apareceu em português e em espanhol, e há uma indicação no Prefácio de que uma tradução inglesa não está na mesa: “O repertório dos temas abordados já é bem conhecido nos países situados no âmago da Civilização Ocidental, mas não nos países da periferia. A presente coletânea tem por objetivo contribuir para corrigir essa distorção”. Embora isso provavelmente seja verdade, acredito que, mesmo na língua inglesa, há um espaço na literatura para uma análise concisa e clara como esta, que reflete sobre as ideias que formaram a Civilização Ocidental e sobre aquelas que são uma ameaça à mesma. Tenho uma esperança fervorosa de que uma edição em inglês em breve ocupará esse espaço. Esse é um livro valioso cuja leitura deveria ser obrigatória para alunos que estão entrando na universidade para estudar nas áreas de história, filosofia, ciências sociais e relações internacionais.


Dr. Norman Berdichevsky é um norte-americano especializado em geografia humana e com forte interesse nas culturas hispânica e portuguesa. É autor de diversos livros e muitos artigos e ensaios, e, faz parte do Conselho Editorial de PortVitoria.

Fernando R. Genovés

I. A identidade em discussão

Ser liberal [libertário] é uma determinada atitude ante a realidade ou envolve também a adoção de um credo político definido e uma linha normativa de ação? A caracterização de ‘radical’ ao liberal é justa? Por que o liberal não acaba se ajustando ao protótipo do conservador e muito menos ao do extremista?

Extrair a voz ‘radical’ ou o ‘radicalismo’ em relação à práxis do liberalismo [libertarianismo] conduz, numa primeira aproximação do assunto, ao encontro com os usos da linguagem ordinária, onde ‘radical’ é, geralmente, aceito como sinônimo de ‘violento’, ‘extremista’. É necessário limpar o terreno de obstáculos conceituais que não deixam visualizar o horizonte abrangente.

Ser radical significa, no sentido restrito, ir à raiz das coisas. Os primeiros filósofos foram, essencialmente e necessariamente, radicais: buscavam conhecer o princípio fundamental — a natureza — das coisas; não o que parece a nós, mas sim, o que são na realidade. ‘Radical’ pressupõe, portanto, e principalmente, uma determinada atitude perante a vida.

A noção de ‘liberalismo’ nasceu na Espanha durante o século XIX. Não obstante, o debate sobre o que constitui políticas radicais (políticas no sentido restrito de politics, e também no sentido mais amplo de policies) na História do Ocidente surgiu no final do século XVIII nas terras britânicas e americanas, quando muitos de seus pensadores e políticos se viram sacudidos pela fenomenal comoção (o ‘cataclismo’, na denominação de Leo Strauss) causada pela Revolução Francesa. Todavia, as controvérsias sobre as potencialidades do radicalismo político remetem a feitos anteriores, todos eles vinculados, de uma maneira muito significativa, a eventos revolucionários: a Revolução Gloriosa britânica de 1688 e a Revolução Americana de 1776.

Os panfletos radicais da época, que construíam virtudes normativas a partir de feitos consumados, eram repletos de otimismo; em todo lugar eles animavam o aprofundamento e a extensão dos direitos naturais do homem, a soberania popular, o sufrágio universal e a derrocada das tiranias de todos os tipos.

Enquanto que Edmund Burke rejeitou de cara e sem reservas a opção revolucionária francesa desde o primeiro momento, Alexis de Tocqueville, por sua vez, adotou uma atitude suavemente compreensiva a respeito da mesma, dividindo entre os dois lados em jogo (cf. o Antigo Regime e a Revolução) as responsabilidades e os erros. Thomas Carlyle, com o espírito repleto de romantismo e apaixonado pelo heroico, confrontou a questão pelo ponto de vista de um poeta que canta eventos de estatura épica e com sabor de sangue e de tragédia.

Durante o século XIX, o radicalismo adquire nos países anglo-saxões um tom marcadamente teórico e filosófico, de orientação utilitarista, o que fez com que não perdesse a índole prática e consequencial do tema. ‘Filósofos Radicais’ é, precisamente, a rotulagem que John Stuart Mill e seus seguidores adotaram na hora em que se fizeram conhecer no Parlamento e na sociedade. O seu objetivo era acelerar as reformas sociais e revitalizar a abertura das crenças (ou das mentes) na população, tudo isso pela transformação final do antigo regime aristocrático numa sociedade livre, de mercado, moderna, secular, democrática e liberal.

Apesar de ter uma disposição decidida para aprofundar e ampliar as conquistas de liberdade na vida pública, o ser radical remete mais a uma atitude pessoal do que ao seguimento restrito de um prontuário programático coletivo; para pôr em prática o coletivismo e o planejamento já há o comunismo em suas variadas versões. Não importa que a doutrina radical tenha, em certas ocasiões, se materializado em programas de partidos políticos identificados por tal rótulo. Seja como for, o ser radical, pela sua própria natureza, resiste a atrelar-se a um programa político de objetivos últimos, ou submeter-se à disciplina da aparelhagem de partidos.

Algo similar poderia ser dito do indivíduo liberal, se entendermos por tal o indivíduo para quem a ideia de liberdade significa algo ‘sagrado, como a vida ou a propriedade’ (Lorde Acton); e, o ‘sagrado’ entendido como sinônimo de superior, principal, intocável e inalienável. Lorde Acton afirmou enfaticamente que a liberdade é mais uma questão de moral do que de política. Porque, se a liberdade implica não estar submetido ao domínio dos outros, ou estar o mínimo possível, é preciso que os indivíduos aprendam a controlar-se por si mesmos, a cuidar de si mesmos e a praticar a liberdade na primeira pessoa. Nenhuma outra coisa significa, a rigor, a ética.

Eis aqui a vivência radical do liberalismo. Conforme declarou José Ortega y Gasset, na mesma linha de pensamento de Lorde Acton, o liberalismo ‘é uma ideia radical sobre a vida’; significa crer que cada qual pode (e deve) realizar a sua individualidade e o seu ‘intransferível destino’. Essa posição abunda na tradicional interpretação da liberdade, caracterizada como liberdade negativa, isto é, como a inexistência ou o livramento de coação nas ações humanas. Devemos a Isaiah Berlin algumas das mais relevantes contribuições sobre o tema. Não obstante, há outras menos conhecidas, como esta de Jaime Balmes, que nos parecem igualmente concludentes: “Seja qual for a acepção adotada para a palavra liberdade, é patente que o seu significado inclui sempre a ausência daquilo que impede ou constrange o exercício de alguma faculdade.”

É, na ênfase posta na caracterização da liberdade, na importância reconhecida de sua própria existência e na radicalidade de sua defesa, onde encontramos notórias diferenças entre liberais e conservadores. Para o liberal, não há outro objetivo humano maior do que a liberdade. Nenhum outro valor o solapa ou supera, pois tudo o que é valioso no homem requer necessariamente a sua presença e a sua ajuda. O conservador, em troca, mostra-se menos zeloso com a liberdade. De acordo com os conservadores, advertiu Lorde Acton, a liberdade para os homens é tida como um luxo e não como uma necessidade. Em tal escala de valores, a liberdade pode, consequentemente, ser sacrificada, se as circunstâncias assim o exigirem, ou ficar sujeita à desvalorização por algum bem distinto tido como superior, como a ordem e a segurança, o bem-estar ou a paz, a tradição ou os bons costumes.

Num ensaio intitulado O que é ser conservador?, Michael Oakeshott mostra que o conservador não se identifica na política pela defesa intransigente de alguns determinados princípios, mas, sim, pelo fato de mostrar, perante a política, uma particular ‘disposição’, a saber: a sua desdobrada tendência à moderação. Segundo ele, um conservador é aquela pessoa propensa a atuar de modo moderado e como moderador. Dentro dessa perspectiva, a função do Governo consistiria, em primeira instância, em evitar a excitação dos ânimos dos indivíduos, a fim de minimizar o impacto de conflitos e querelas. O conservador aprecia a contenção e a conciliação, a concórdia e a evitação de tensões; em consequência, repudia qualquer tipo de radicalismo…

Segundo Oakeshott não há nada inconsistente nem contraditório em ser conservador a respeito do Governo e radical a respeito de qualquer outra esfera, como os costumes e os valores. É possível combinar as obrigações morais e as convicções éticas, os compromissos públicos e os sentimentos privados, sem cisões internas e sem ‘rasgar as roupas’. As possibilidades de tal convivência afetam tanto a área das coerências pessoais quanto a das alianças práticas. Liberais e conservadores podem, portanto, entender-se mutuamente e chegar a acordos, desde que a responsabilidade não falhe ou o humor não se desfaça. Em matéria de mestres, o parecer de Oakeshott é de que “há mais que aprender acerca desta disposição [a conservadora] de Michel de Montaigne, Blaise Pascal, Thomas Hobbes e David Hume do que da de Edmund Burke ou Jeremiah Bentham.” Contudo, a ‘disposição’ conservadora e a ‘atitude’ liberal não confluem facilmente, embora não falte quem fomente na política a adoção de uma postura liberal-conservadora, como expressão efetiva de uma práxis niveladora.

Inclinar-se pelo liberalismo e distanciar-se do conservadorismo não significa relegar ou renunciar àquilo que é mais proveitoso em cada tradição. Mas, se existem liberais que chegam à conclusão de não ser conservadores, talvez eles devam explicar por que não o são.

II. Porque ser liberal não significa, necessariamente, ser conservador

Numa espécie de post-scriptum do livro Os fundamentos da liberdade (The Constitution of Liberty, 1960) o importante ensaio de Friedrich A. Hayek, ‘Por que não sou conservador?’ constitui uma declaração de princípios do autor sobre o que é ser liberal e o que não é. Nele ficou demarcado o espaço próprio de atuação daqueles que, desde a época do liberalismo, encontram-se, vivencialmente, mais entre conservadores e socialistas, servindo de fachada de uns e enfrentando outros. De fato, sustém Hayek, na prática política, o liberal muitas vezes não tem outra alternativa senão apoiar-se em partidos conservadores, procurando não perder a alma e a própria identidade em tal operação, a fim de frear o avanço do socialismo.

Diferentemente dos socialistas e dos conservadores, o liberal não é, quer por definição quer por coerência prática, um homem de partido. É um partidário da liberdade. Em tal esforço ele empenha a sua ação, a dimensão prática de sua vida. O compromisso com esse ideal e objetivo faz com que se sinta completamente incompatível com o socialismo. Isso inclui qualquer forma de socialismo que os mais diversos grupos e partidos políticos adquiram ou adotem. O partidário da liberdade é o indivíduo que se mostra oposto — ‘radicalmente oposto’, sublinha Hayek — ao conservadorismo. Por que um verdadeiro liberal não pode ser um conservador?

Estritamente falando, o liberal mantém um conflito de ideias com o conservador. Como já anteriormente assinalado, o conservadorismo exibe uma determinada ‘disposição’ perante a ação (ou a não ação), enquanto que o liberal revela sobretudo uma ‘mentalidade’. Na hora de delimitar objetivos, a disposição conservadora olha para o passado, mede as palavras e os passos que dá; ou seja, se modera. O conservador não estimula nas pessoas o gosto pela novidade (no fundo ele a teme e a detesta); a atitude liberal, pelo contrário, “sempre olha adiante” (Hayek, op. cit.). O liberal não se opõe à evolução, às reformas e tampouco às mudanças: “não lhe preocupa a distância em que estamos nem a velocidade em que vamos; a única coisa que lhe importa é esclarecer se estamos a caminhar na direção certa” (Hayek, op. cit.). Tal inclinação está muito relacionada com aquilo que necessariamente anda junto com a liberdade, como a espontaneidade.

Lorde Acton dizia que a essência da liberdade consiste em não crer na santidade do passado, uma vez que nada é mais sagrado do que a liberdade. Eis aqui, talvez, a chave do nosso assunto.

Aceitar a livre evolução dos fatos, o movimento dos acontecimentos e da vida, implica confrontar com valentia a contingência irredutível e ingovernável que é própria da sorte. A planificação e as regulagens obsessivas que definem o modo de atuação socialista (o seu ‘racionalismo torpe’) não se distanciam muito, no fundo, da paixão conservadora pela lei e a ordem, do desejo de que tudo esteja sob controle. O movimento da liberdade implica derrubar ídolos, bem como todo e qualquer obstáculo que freie ou impeça o desenvolvimento pleno das possibilidades humanas e a espontaneidade dos nossos atos, embora ignorando, às vezes, onde possam nos levar, posto que frequentemente “procedemos um tanto às cegas” (Hayek, op. cit.). Isso não significa abandonar-se a uma conduta louca e irresponsável, mas sim, entregar-se à defesa de uma existência aberta e expedita. A ação do homem livre só está limitada àquilo que a lei expressamente proíbe ou que a experiência acumulada prudentemente desaconselha.

A ligação estreita com a ordem e com o controle das ações explica a ‘afeição’ do conservador pelo autoritarismo, a rejeição da liberdade plena e a disposição a aceitar a coação e a ‘arbitrariedade estatal’ como veículos de imposição de crenças e objetivos práticos, especialmente quando as coisas não vão de acordo com os seus planos. Frente a esta disposição, a atitude do liberal oferece um perfil certamente radical.

Um regime de liberdade pressupõe fixar uma atitude que prescinda “substancialmente da coação e da força” (Hayek, op. cit.), embora tenhamos anseios por modos de atuação atraentes, estimulantes e tentadores. Sobre isso Hayek adverte com uma pungente perspicácia que, devido à sua substancial falta de princípios, os conservadores em geral rechaçam as medidas socializantes, protecionistas e dirigistas próprias dos seus adversários, exceto… quando essas medidas os beneficiam ou lhes são lucrativas.

Contudo, há uma “debilidade do conservador” que dificulta bastante a convergência com o ser liberal. Trata-se da distinta posição adotada por um e outro perante o progresso das ciências, os valores morais e a abertura das ideias. Nesse capítulo de profundas convicções, Hayek se mostra radicalmente sincero: “Vamos falar claramente: o que me incomoda no conservador é o seu obscurantismo” (Hayek, op. cit.). Hayek confessa, por exemplo, a irritação que lhe causa a oposição teimosa de tantos conservadores à teoria da evolução e às explicações “mecanicistas” do fenômeno da vida.

Se tal incômodo foi expresso pelo autor austríaco em 1959, que tipo de sentimento pode ter um liberal do início do século XXI, quando percebe que não poucos conservadores, criacionistas e partidários do “desenho inteligente e intencional” da natureza, por exemplo, põem em pé de igualdade a letra da Bíblia e o discurso científico dos cientistas evolutivos e neoevolutivos?

Quando perguntado, anos atrás, acerca da definição de neoconservador, Irving Kristol respondia o seguinte: é “um liberal atracado na realidade”.

III. Radicais e extremistas

O filósofo norte-americano Robert Nozick publicou, em 1997, um sucinto e bastante esclarecedor artigo titulado ‘As características do extremismo’, incluído no livro de recompilação Socratic puzzles (Quebra-cabeças socráticos, 1997), bastante útil para não confundir o conceito de extremismo com o de radicalismo. Nele, Nozick oferece um retrato sucinto do tipo extremista articulado a oito sinais indicativos desse comportamento.

O primeiro sinal específico de um extremista é a sua tendência a tensionar as posições e levá-las ao limite, o que o coloca literalmente às margens da realidade e o compele a adotar habitualmente posturas excessivas, ‘marginais’ e, eventualmente, meramente testemunhais. Assim, o extremista se exercita sobre a corda estirada ou sobre “o que for o mais difícil de tudo”, e, em tal faina de aeromodelismo, não teme ser visto com admiração e tampouco aplaudido por uma plateia extasiada. Nessa exibição, como noutras que veremos a seguir, um extremista tem muito pouco em comum com um radical.

A segunda característica do extremismo é tomar como inimigo quem quer que se mostre contrário aos seus postulados: “quem não está comigo está contra mim”. Eis aqui uma afecção infectada de ardor e fanatismo: o que o extremista odeia, até a morte.

A terceira característica do extremista é a repugnância que sente por acordos e compromissos, sempre interpretados como deserção dos objetivos. A seus olhos, fazer um acordo ou propor um contrato significa forçosamente “rebaixar-se”. Ao observar um adversário muito distante de onde o mesmo se encontra (de onde ele próprio se fixou), acaba julgando-o como uma pessoa inacessível, incompreensível e intratável.

Em quarto lugar, os comportamentos extremos e endurecidos estão próximos do uso da força, o que nas mãos de um intransigente torna-se de imediato em pura violência. A manifestação mais patente — diríamos quase, ‘mais natural’ — do extremismo é, portanto, o terrorismo. A rigor, o terrorismo não significa violência radical, mas sim violência extrema.

Em quinto lugar, destacam-se a impaciência e a incontinência: os objetivos e os propósitos perseguidos hão de ser alcançados de imediato e por completo. O extremista é um indivíduo precipitado e expedito. Enxerga qualquer atraso na vitória como um fracasso ou derrota. O extremismo não se traduz apenas num “tudo ou nada”, como também num “agora ou nunca”.

O extremismo, em sexto lugar, não se proclama na solitude ou de modo individual, pois requer um cenário grupal e comunal. O extremista, pouco convencido, na realidade, de suas próprias forças (sempre humanas, demasiadamente humanas), necessita estar rodeado de camaradas para assim sentir-se “compelido” a agir. Como impõe objetivos “impossíveis”, necessita amplificar a sua ação com o concurso de outros para assim sentir-se vestido.

A sétima característica do extremista é o fato de situar-se, como norma, no extremo do espectro político, não de fato ou conjunturalmente, mas sim sistematicamente. Se alguém ocupar o seu lugar extremado, ele se arredará dando um passo mais adiante. Quem joga o jogo do extremismo não permite que ninguém seja mais extremista do que ele. O extremista não consegue parar; é preciso que alguém o pare.

Finalmente, em oitavo lugar, o extremismo prático (não há outro; o teórico não passa de simples retórica) se nutre do extremismo de base psicológica ou de atitudes. Não é extraordinário que um extremista ziguezagueie pelo arco político ininterrupto, passando, por exemplo, da extrema esquerda para a extrema direita, e vice-versa. Tampouco permite a criação de convergências. A história do totalitarismo, sem ir mais longe, traz abundantes casos deste gênero. O movimento do extremista é horizontal; o do radical, vertical.

Radical, conservador ou extremista? Na minha opinião, o político que tenta ofender o seu adversário acusando-o de ser radical não age inteligentemente. Tal imputação representa, na prática, um elogio. O mesmo não ocorre com a qualificação ‘extremista’. Como afirmou Nozick: “raramente há alguém disposto a dizer ‘Esta é a postura correta, e é uma postura extremista’”. Tal sentença foi proferida por um filósofo que costuma ser qualificado como ‘libertário’. A propósito, Hayek não gostava dessa última designação: era demasiadamente “artificial e rebuscada”, segundo ele próprio confessou.

Isso não vai à raiz das coisas, mas busca arrancá-las pela força.

Isso não se dará, digo eu, por haver dentro do liberalismo um posicionamento extremo, ou para fugir, no final das contas, de outro tipo conservador, mas talvez por adotar em seu seio uma atitude marcadamente radical. Mas isso é um outro capítulo na história do liberalismo.


*****
Fernando R. Genovés (Valência, 1955) é escritor, ensaísta, crítico literário e analista cinematográfico. É doutor em Filosofia pela Universidade de Valência (Espanha), e ganhador do Prêmio Juan Gil-Albert de Ensaio em 1999. É autor de numerosos artigos em jornais e revistas especializadas, como Libertad Digital, ABC Cultural, Claves de Razón Práctica, Debats, Revista de Occidente e El Catoblepas. Até o momento já publicou 13 livros de não ficção, entre os quais cabe citar Marco Aurelio. Uma vida contenida (2012), La ilusión da empatía (2013), Dos veces bueno. Breviario de aforismos y apuntamientos (2014), El alma das ciudades. Relatos de viajes y estancias (2015). Mantém os seguintes blogs: Los viajes de Genovés, Cinema Genovés y Librepensamientos.

 

Nota

© F R Genovés. O presente ensaio foi extraído do libro La riqueza da libertad, 2016. ISBN e-book 978-84-608-6112-6, disponível na Amazon.

 

Tradução: Jo Pires-O’Brien (UK); Revisão: Débora Finamore (Br)

 Referência

Genovés, Fernando Rodriguez. O Liberal é um radical ou um conservador? PortVitoria, UK, v.14, Jan-Jun, 2017. ISSN 20448236, https://portvitoria.com

Joaquina Pires-O’Brien

As a magazine about the Iberian culture PortVitoria could not ignore the recent referendum for independence held in Catalonia on Sunday, 1st October 2017, in which only 42% of the eligible voters participated, but resulted in a 90 per cent ‘yes’ vote. The national administration in Madrid has declared it unconstitutional and Spain’s Constitutional Court outlawed the referendum. Our editor and contributor Norman Berdichevsky, a cultural geographer with extensive knowledge and expertise on Iberian history, discusses various angles of the problem in his paper ‘The Catalonian referendum and what lay behind it’.

Could Catalonia’s referendum rekindle similar movements elsewhere which in turn could trigger a war? Lets examine the two opposing arguments. The ‘no’ argument states that most people are against violence and would prefer the stability of a normal life, even if backwards and faulty, to the instability of a war. The ‘yes’ argument states that Catalonia’s secessionist movement could rekindle similar movements around the world; fuelled by nationalism and ethnic claims, the same type that caused the wars of the 20th century.

In the 21st century, many State-nations face the problems of secessionism as well as subcultural affirmation. These two are connected by a crave for identity, which is the ‘dish of the day’ in the battle of ideas of the 21st century. One thinker who has contributed greatly to enlighten the battle of ideas of the 21st century is Thomas Sowell, an American economist and a Senior Fellow of The Hoover Institution at Stanford University, California. Among his many books, Sowell wrote on subcultural affirmation in his book Intellectuals and Society (2009), where he calls attention for the dishonesty of self-serving intellectuals behind the single issue activism of the 21st century. He writes: “When you want to help people, you tell them the truth, When you want to help yourself, you tell them what they want to hear.” We are pleased to offer the review of Sorwell’s book by David Gordon, a senior researcher at the Ludwig von Mises Institute.

The compounding effects of the internet and the world’s super-population have brought the world’s ambiguities too close for comfort, making the battle of ideas in the 21st century much more volatile than of previous times. We in the 21st century should reflect upon the 20th century if we are to prevent the current battle of ideas from turning into war. No one depicted better the war of ideas of the 20th century and the mass movements it created than the Spanish philosopher José Ortega y Gasset (1883-1955). Ortega had a lifetime interest in capturing reality, and his books are still very relevant in the 21st century. His 1914 book Meditations on Quixote depicts the spirit of Spain itself in the character Sancho Panza. His 1929 book The Revolt of the Masses depicts changes as they were occurring all over Europe, describing the barbarism of lootings, the coerciveness of the mass movements and the homogenization of ideas. Ortega showed that the right to freedom comes with the responsibility to think for ourselves and that there is a relation between thinking and surviving: “We do not live to think, but, on the contrary, we think in order that we may succeed in surviving”. The two essays by Fernando Genovés presented in the current edition of PortVitoria cover the themes of Ortega the thinker and the battle of ideas. They were taken from Genovés 2016 book La riqueza de la libertad, and are offered in their English translation.

December 2017

 

How to reference

Pires-O’Brien, J. Editorial. Is individualism a kind of egoism? PortVitoria, UK, v.16, Jan-Jun, 2018. ISSN 2044-8236.

Norman Berdichevsky

Within the space of a week, referenda to determine the question of national independence took place in Kurdistan (see NER September 2017) and Catalonia (or Catalunya). Both of these two issues are just being made felt in a world already full of ethnic and religious conflicts and disputed border regions, yet they have been given little recognition by most media reporting that prefers to focus on the responsible central government authorities in the national capitals of Baghdad (Iraq) and Madrid (Spain), both of which expressed total opposition.

There are a number of glaring differences between these two issues but in each case, it is clear that they threaten what is not just a fragile relationship between neighbors, but the upsetting of traditional alliances as well as the involvement of outside powers. Press coverage of the participation and the division between yes/no votes were accurately reported in Kurdistan where approximately 90% voted yes for independence with a very high turnout of more than 80% whereas in Catalonia the 90% yes majority turns out to have been a so called “majority” only of those who voted, constituting less than 45% of the eligible voters, i.e., a non-“majority” of about 35%, an equally poor result of the one obtained in the previous illegal referendum of 2015).

Moreover, the Kurdish population of Iraq is heavily concentrated in the Kurdish region but almost entirely absent in the remainder of the country, whereas in Catalonia, a large percentage of the resident population is not Catalan but consists of Spaniards from other regions who have sought work and eventually settled there in what is the most prosperous and dynamic region of the country. In addition, may Catalans live and work in other regions of Spain. By contrast, Kurdistan is landlocked and surrounded by three hostile powers, Iran, Iraq and Turkey that have done everything in their power to threaten the Kurds.

The case of Catalonia, like that of Scotland, is much more intricate and meshed with the neighboring more powerful rival state. Both regions were absorbed into a major European state that expanded to become a world power. Both have therefore perplexed many observers. In Ireland and Scotland, local nationalisms are not entwined with the cultivation of a separate language, Yet their nationalisms challenged English rule to free themselves from serving the British empire.

The “national language” is spoken by a tiny dispersed, rural population or is used purely as cosmetic dressing for show along with old folk festivals. First language speakers of Irish Gaelic (also known as Erse) and Gaelic are found only in the most remote and rural areas and barely account for 1% of the populations. In Wales, there is an active Welsh speaking population of close to 20% almost all of whom are also fluent in English. In the Kurdish areas of their heartland in present day Northern Iraq as well as Iran and Turkey, there is strong sympathy for the cause of an independent homeland but major difference in local dialects makes mutual understanding very problematic.

Only in Catalonia is there a very intimate correspondence between a true sense of national identity with fluency in the original and ancestral language confirming what German philosopher Johan Gottfried von Herder (1744-1803) wrote (On the Origin of Speech, 1772. Uber den Ursprung der Sprache). He wrote: “Has a nationality anything dearer than the speech of the fathers? In its speech resides its whole thought domain, its traditions, religion and basis of life, all its heart and soul . . . With language, the heart of a people is created.”

It is for this reason that the Catalans have maintained such a fierce sense of pride and opposition to the concept that they must regard themselves first and foremost as “Spaniards” because they are citizens of Spain. It is understandable that in their own homeland they should have priority status. Catalans take great pride in their illustrious artists and painters such as Gaudí and Dalí and resent foreigners referring to them simply as “Spaniards”.

The issue of Catalan separatism once again threatens the unity of the country, a close NATO ally. It further constitutes a divisive invitation to Muslim extremists who wish to add fuel to the fire of a jihadist crusade determined to reverse the Christian “Reconquista” and win back the territory of the entire Iberian peninsula for the ummah as ISIS pledged, true to its vision of an all embracing Caliphate. This was reiterated by El Qaida and other extremist groups after the van attack in Barcelona on Las Ramblas thoroughfare which left 13 people dead. In a propaganda video, an ISIS member described the Barcelona perpetrators as “our brothers,” while another threatened “Spanish Christians” and promises to return the country to the “Land of the Caliphate.”

The historical divide of language, geographic orientation, economy, social mores, and history

As early as the twelfth century, Catalan balladeer-poets, or troubadours, wandered through the region and northward into Provence at a time when the language spoken there was recognized as a Catalan dialect. This vibrant poetic tradition and the use of Catalan by philosophers and historians, the greater achievements of Catalan seafarers and merchants who travelled throughout the Mediterranean and brought their language to Corsica, Sardinia, and Sicily and traded with the Orient at a time when Spain still had no overseas experience, colonies or trans-Atlantic ties. This heritage has, for many generations, contributed to the feeling that a noble and civilized culture had been submerged by Castile, the central region located on the meseta (upland) that led the struggle against the Muslims from the 9th to the 15th centuries.

Catalans regarded Castile as a region that had remained under Arab Muslim rule for much longer and absorbed a tradition, and character traits that deviated considerably from their own much more commercial, literate, cosmopolitan, sophisticated, and “tolerant nature.” Recently, the city council of Barcelona and the regional parliament both passed regulations against bullfighting, long regarded as a primitive Castilian tradition.

Barcelona, rather than Madrid, became the engine of change, progress, industrialization, workers’ unions, the first railways and the first opera. In Castile, the old prejudices against merchants and working with one’s hands still prevailed among an elite out of touch with new developments. Arch-conservatives distrustful of Catalan commercial astuteness even labeled support for the Republic during the Civil War (1936-39) part of what they called a “Judeo-Catalan conspiracy”. This was hardly surprising.

In the eyes of the Catholic, conservative and rural-agrarian traditions of the central Spanish meseta of Castile and Andalucia, the resourcefulness of the Catalans as merchants, traders, and their industriousness, literacy, sobriety and international connections across the Mediterranean in both North Africa and the Levant evoked the Jewish traits most held in ill repute by the church and stood in contrast to the haughty pride, devout religiosity, monastic institutions and exaggerated sense of honor and disdain for manual work that characterized the model of the Castilian gentleman (hidalgo).” (see Spanish Vignettes; An Offbeat Look Into Spain’s Culture, Society and History)

The late 15th century Kingdom of Aragon, prior to the so called “unification” of Spain with Castile, had capitalized on these commercial and maritime successes and embraced a territory extending from the Northeast of the peninsula to the Balearic Islands, Sardinia, Corsica, Sicily, Southern Italy and part of Greece.

Spain was “unified” in 1469 by the marriage of Ferdinand of Aragon with Isabella of Castile-Leon. Nevertheless, the two halves of this kingdom maintained separate identities, languages, distinct, laws, weights and measures for another two hundred years. Until the early 1700s, the official title of the King was “Rey de las Españas” (in the plural to recognize the diversity of Castile, Aragon, Galicia, The Basque Country and Andalucia), just as the Czar titled himself as “Czar of all the Russias.”

As early as 1640-1652, Catalonia tried to follow Portugal’s successful revolt and reimpose its language, laws, customs, and traditions but without success. During the War of the Spanish succession (1699-1702) the Catalans supported the losing cause of the Hapsburg dynasty. By 1707, the authorities in Madrid imposed a through uniformity throughout the kingdom extending to laws, currency, weights and measures and language.

The Catalans made a transition to a modern economy and became the dynamo of Spain, outdistancing economic activity in the rest of the country. During that time, Barcelona grew much faster than any other city in Spain. Industry in the manufacture of paper, iron, wool, leather, textiles and processed fish, as well as in the export of wine and cotton led to a new sense of confidence and prosperity.

The 20th century and its conflicts

Since the end of the 18th century, disaffection grew, as the central power in Madrid wasted enormous resources in numerous unsuccessful, vain, and costly enterprises trying to retain control of its empire in Central and South America, Puerto Rico, Cuba, Morocco, and the Philippines, all held in little regard as remote and distracting by all Catalans. The wealth of Spain, in part, plundered from the expelled Jews and Moors and indigenous peoples of the “New World” was squandered.

Barcelona was the scene of a spontaneous uprising that began on Monday 26th July 1909 when the city was shut down by a massive general strike. The revolt started after the government had called up military reservists to fight in Morocco. Trams were overturned, communications cut and trains carrying troops were held up by women sitting on the rails. The city has retained this reputation as a hotbed of opposition to authority. No wonder the current government in Madrid feared the outcome of holding any referendum in Catalonia, the goal of which was independence, and would reignite old passions.

The Lasting Linguistic Divide

Catalan nationalists argue (correctly) that Catalan is much closer to Latin and has more words of Greek origin than Castilian which absorbed both Basque and Arabic elements. The most politically incorrect remark a foreigner can make about Catalan is that it is a “dialect” of “Spanish”. In fact, Portuguese, the language of an independent nation for more than eight hundred years is closer to Castilian-Spanish than Catalan.

By the eighth century, most of the peninsula was under the invaders. The languages of the western half of the peninsula in Galicia and Leon resembled Portuguese and had a certain Celtic as well as Germanic influence whereas those in Aragon, Catalonia, and the Balearic Islands were closer to Rome. Sounds common in Arabic, Basque and Castilian Spanish include the harsh guttural “j”, “ch” and ñ sounds are absent in Catalan. All over Spain, road signs have been overwritten with graffiti in the Catalan and Basque areas with the local language equivalents (see postscript below).

The international devised language, Esperanto, resembles Catalan more than any other national language and this similarity was used as a screen by Catalan nationalists during the early period of General Franco’s rule (circa 1940 until about 1970) when Catalan was suppressed, frowned upon and practically excluded from any public manifestation or cultural exhibition.

The language issue has long been the source of irritation for Catalans who have to remind the world that their language is spoken by more people, close to nine million, throughout Spain (as both a first and second language), than speak Danish (barely 6 million speakers) yet not accorded any recognition by the institutions of the European community or outside of Catalonia. Compare this with the official status of Erse with no more than 20,000 speakers.

Catalan is accorded the same status as Scottish Gaelic (50,000 speakers) as a “semi-official” language by the EEC. Over the last few decades, the local authority (Generalitat) of Catalonia has succeeded in making Catalan the language of instruction in all state primary and secondary schools much as the Quebecois have done with French in Quebec. Similarly, various regulations ostensibly guaranteeing bilingualism in Castilian Spanish and Catalan are often interpreted to favor the local language.

The Civil War and since then

Catalonia also proved to be the most loyal region in Spain to the ideals of the short-lived Republic (1931-1939) and was the stronghold of resistance to the Fascist uprising commanded by General Franco. Barcelona, the seat of much political power in the hands of Catalan nationalists, socialists, Trotskyites, and Communists was the last major base to fall and the Franco regime crushed every attempt to maintain Catalonia’s sense of individuality, including any remnant cultural and linguistic separateness.

This even extended to sport as matches between the two greatest football (soccer) clubs FC Barcelona and Real Madrid were subject to intense political pressure during the 1950s and 60s to ensure a victory by the Madrid club.

In the last years of his life, General Franco (died 1975) began to make tentative reforms relaxing the tight control over Catalonia and the Catalan language, hoping it would pave the way for the regime to follow him. His successors believed they had succeeded and have been taken by surprise by the new round of aggressive assertions of Catalan identity and the renewed call for independence.

Catalonia thus has a much stronger claim to individuality and separateness from the rest of the country than the Scots have. They are however, like the Scots, aware that to demand secession would plunge the economy and society of the two regions into chaotic conditions provoking bloodshed among fellow citizens and even among families. This explains the high proportion of voters in the referendum who simply refused to take part or cast blank ballots. Their NATO allies are aghast as this potential conflict, the roots of which go back more than seven hundred years, and poses what might be called a threat to security from Muslim North Africa.

On Sunday, October 8, a massive rally in Barcelona with a crowd of more than half a million matchers organized by Societat Civil Catalana, the region’s main pro-unity organization demonstrated the rejection of both resident Catalans and many others in the region to separate from Spain. The march featuring the slogan “Let’s recover our common sense”, called for dialogue with the rest of Spain.

The Catalan president, Carles Puigdemont, is under growing pressure to stop short of declaring independence amidst threats from major companies and banks to abandon the region. He has given contradictory answers to Spanish Prime Minister Rajoy about how he interprets the result of the referendum. The Spanish constitution already recognizes that the Catalans constitute a “nation within a nation.” What more can be done for them in the U.N. and in the European Union?

As in Quebec, where two unsuccessful referenda for independence were narrowly defeated, the great majority of the population outside the disputed region simply wishes to restore harmony but believes that no further compromises should be made. Spanish friends and allies must convince the Catalans that their heritage and history can be secured but only without confrontation and in solidarity with other Spaniards against a real threat to them all from militant Islam.

The issue remains cloudy at this juncture.

Postscript

Standard Spanish

CATALUÑA, ¿UNA NACIÓN?

Cataluña está unida al resto de España desde hace más de 500 años, desde que los Reyes Católicos (Isabel y Fernando) unen los reinos de Castilla y Aragón.

Sin embargo, en el tipo de monarquía que había en España, cada uno de los antiguos reinos y principados que la integraba gozaba de una cierta independencia: leyes e instituciones propias, pago de impuestos, derechos y privilegios propios de cada zona . . . A este conjunto de leyes propias, derechos y privilegios se los conoce como fueros.

Cataluña nunca fue un reino independiente, formaba parte del reino de Aragón, pero era un principado que tenía una cierta independencia y unos fueros propios.

Carlos II, el último rey de la dinastía de los Austrias, muere sin heredero. El resultado es una guerra, la guerra de Sucesión, en la que se enfrentan dos aspirantes a la Corona de España: Felipe V, de la dinastía de los Borbones (Francia), y el archiduque Carlos, de la dinastía de los Austrias.

Text in Catalan

CATALONIA, UNA NACIÓ?

Catalonia està unida a la resta d’Espanya des de fa més de 500 anys, des que els Reis Catòlics (Isabel i Ferran) uneixen els regnes de Castella i Aragó.

No obstant això, en el tipus de monarquia que hi havia a Espanya, cada un dels antics regnes i principats que la integrava gaudia de una certa independència: lleis i institucions pròpies, pagament d’impostos, drets i privilegis propis de cada zona . . . A aquest conjunt de lleis pròpies, drets i privilegis se’ls coneix com fueros.

Catalonia mai va ser un regne independent, formava part del regne d’Aragó, però era un principat que tenia una certa independència i uns furs propis.

Carles II, l’últim rei de la dinastia dels Àustries, m

or sense heredero. El resultat és una guerra, la guerra de Successió, en la qual es enfrentan 2 aspirantes a la Corona d’Espanya: Felip V, de la dinastia dels Borbó (França), i l’arxiduc Carles, de la dinastia dels Àustria.

English Version

CATALUÑA, ONE NATION?

Catalonia has been joined with the rest of Spain for more than 500 years since the Catholic Monarchs (Isabel and Fernando) united the kingdoms of Castile and Aragón.

Nevertheless, in the type of monarchy that existed in Spain, each one of the ancient kingdoms and principalities that comprised the country enjoyed a certain degree of independence: each with its own laws and institutions, taxes, rights and privileges. This complex of maintaining its own laws, rights and privileges is known as “fueros.”

Catalonia was never an independent kingdom; it was rather a principality which formed part of the Kingdom of Aragon, but rather, a principality that had a certain independence and some its own fueros.

Carlos II, the last king of the Dynasty of Asturias died without an heir. The result of this was a war, The War of Spanish Succession in which two claimants to the Spanish throne clashed: Felipe V, of the Bourbon Dynasty (France) and the Archduke Carlos, of the Asturias Dynasty.

                                                                                                                                               

Norman Berdichevsky is the author of The Left is Seldom Right and Modern Hebrew: The Past and Future of a Revitalized Language.

Note

The present article was originally published in New English Review, in November 2017. Source: http://www.newenglishreview.org/

                                                                                                                                               

 Comments from readers & replies

14Feb2018

Manuel Sánchez Cánovas (Spain) wrote:

This message is to make abundantly clear that Catalonia is NOT the most affluent of Spanish regions: Madrid produces the same GDP with one million and a half million less inhabitants than Catalonia, and stats about the underground economy, define a completely different picture of what Catalonian nazi onalists would like it to be. I think your articles about this subject, albeit correct, include serious mistakes in terms of the assesment of the relative economic power of this so very indebted region. Were you interested in my ideas about this subject, please note my article in Linkedin about it: www.linkedin.com/pulse/catalonia-spain-do-trust-pro-brexit-british-sources-sánchez-cánovas/

Norman Berdichevsky (US) wrote:

Manuel Sanchez Canovas writes to first tell readers that he thinks my article is “….albeit correct”, but “includes serious mistakes in terms of the assessment of the relative economic power” of Catalonia (which he refers to as “this very indebted region”). He goes on to refer readers to his own article “Catalonia is Spain, do not trust pro Brexit British sources”, with which I am in fundamental agreement, criticizing the radical leftwing turn Spanish voters made following Jihadist terrorist outrages in Madrid and Barcelona. In fact my article comes to the same conclusion when I wrote….”The issue of Catalan separatism once again threatens the unity of the country, a close NATO ally. It further constitutes a divisive invitation to Muslim extremists who wish to add fuel to the fire of a jihadist crusade determined to reverse the Christian “Reconquista” and win back the territory of the entire Iberian peninsula for the ummah as ISIS pledged, true to its vision of an all embracing Caliphate. This was reiterated by El Qaida and other extremist groups after the van attack in Barcelona on Las Ramblas thoroughfare which left 13 people dead. In a propaganda video, an ISIS member described the Barcelona perpetrators as “our brothers,” while another threatened “Spanish Christians” and promises to return the country to the “Land of the Caliphate.”

Thus I am mystified why Senor Sanchez would add that the economic statistics I referred to about Catalonia’s economic vibrancy somehow produces “stats about the underground economy”,  that “define a completely different picture of what Catalonian Nazi-onalists would like it to be.” I resent the implication that I am somehow giving cover to Catalonian “Nazi-onalists.”

Catalonians and their love of their language and culture have always added a cultural dimension of Spain’s Mediterranean-Roman heritage that cannot be diminished or enhanced by economic criteria. However, I believe the following statistics are, as far as I can determine as a foreigner, still largely true…

Ivana Kottasová wrote in CNN MONEY (Oct. 2, 2017). The referendum vote comes as Spain

“emerges from nearly a decade of economic trauma. Catalonia is its most economically productive region. Here’s what’s at stake:

Richer on their own?

Catalonia accounts for nearly a fifth of Spain’s economy, and leads all regions in producing 25% of the country’s exports. It contributes much more in taxes (21% of the country’s total) than it gets back from the government. Independence supporters have seized on the imbalance, arguing that stopping transfers to Madrid would turn Catalonia’s budget deficit into a surplus.

Catalonia has a proven record of attracting investment, with nearly a third of all foreign companies in Spain choosing the regional capital of Barcelona as their base.”

Norman Berdichevsky

 

“Ser você mesmo num mundo que está constantemente tentando fazer outra coisa de você é a maior realização.” Ralph Waldo Emerson

Joaquina Pires-O’Brien

O individualismo é entendido diferentemente por socialistas e liberais. Para os socialistas, o individualismo é a primazia dos valores ligados ao indivíduo e ao seu bem-estar sobre os valores ligados à comunidade e ao bem-estar comunitário. Para os liberais, individualismo é a visão moral, política e social que prega a independência humana e a importância da autoconfiança e da liberdade. Essas duas definições de individualismo são contrárias e não podem estar ambas corretas. Por acaso o individualismo é uma forma de egoísmo, como afirmam os socialistas, ou é uma simples preferência pelo indivíduo, em contraposição ao coletivo, como afirmam os liberais?

O primeiro passo no processo de entendimento de qualquer palavra terminada em ‘ismo’ é procurar descobrir a mensagem por detrás desse sufixo, que indica tendência, viés ou preconceito. O segundo passo é entender a palavra sem o ‘ismo’. A palavra  ‘individualismo’ surgiu na década de 1820, entre os seguidores franceses do socialismo de Claude-Henri Saint-Simon (1760–1825), sendo logo exportada para a Inglaterra, Alemanha e outros países.

O significado da palavra sem o ‘ismo’ pode elucidar o sentido verdadeiro da mesma palavra com o ‘ismo’. A palavra ‘indivíduo’ vem do latim (indīviduus), cujo significado é ‘indivisível’ ou ‘inseparável’, e nos remete à palavra grega para ‘átomo’ (άτομο), cujo significado é o mesmo. Na doutrina do ‘individualismo’, a palavra indivíduo refere-se à pessoa humana  (antropos) considerada a unidade básica da sociedade. Como o contrário de ‘indivíduo’ é o ‘coletivo’, o contrário do individualismo é o coletivismo. Portanto, ‘individualismo’ significa valorizar o ‘indivíduo’ em preferência ao ‘coletivo’. Um possível motivo da conotação negativa imputada ao individualismo está na visão ultrassimplificada do mundo como um jogo de somatório zero, no qual o ganho de um representa sempre uma perda para o outro. Finalmente, podemos perguntar se o ‘individualismo’ não seria um direito natural das pessoas, considerando-se que desde tempos imemoriais a sociedade reconhece indivíduos, ainda que que a palavra ‘individualismo’ só tenha aparecido no século XIX.

Os liberais acreditam no individualismo devido ao fato de que a responsabilidade e a responsabilização – os ingredientes essenciais da boa cidadania e da boa governança –, residem no indivíduo e não no grupo. Acreditam,  ainda que a corruptibilidade e a incorruptibilidade são atributos do indivíduo, pois é o indivíduo e não o grupo, que pode ser chamado a juízo. Finalmente, individualismo é acompanhado da regra dourada a qual afirma que devemos tratar o outro da forma como desejamos que o outro nos trate. Tal regra implica no reconhecimento dos direitos do outro, o que é suficiente para desfazer a conotação de egoísmo do individualismo.

O individualismo é, portanto, a preferência pelo hábito de ser e agir independente e com iniciativa própria. Ser um ‘individualista’ significa ter o hábito de cultivar a própria mente, de refletir sobre ideias e, se necessário, desafiar as normas ou padrões da sociedade. Sobre as raízes do individualismo, embora alguns cientistas sociais as tenham colocado no cristianismo e o seu entendimento acerca da individualidade da vida e da salvação, a maioria aceita que o individualismo tem raízes mais profundas, incluindo o estoicismo.

Alguém poderia argumentar que o reconhecimento de talentos natos e das capacidades implica, também, no reconhecimento dos individualismos psicopatológicos como o autismo, a sociopatia e a megalomania. Tal não é o caso, e o motivo é a  diminuição de responsabilidade dessas pessoas, a qual é normalmente levada em contra pela legislação de cada país.

Liberdade e igualdade

Liberdade e igualdade são valores atrelados, o que significa necessariamente que o aumento de um requer uma diminuição do outro. A discrepante visão acerca da liberdade e da igualdade entre socialistas e liberais também atrapalha o entendimento do individualismo. Enquanto os socialistas enxergam a igualdade como algo que tende para o absoluto, para os liberais a igualdade é simplesmente ser tratado igual pela lei. Conforme já visto, a visão dos socialistas de que o ganho de uns resulta sempre na perda de outros costuma ser usada como justificativa para aumentar o valor da igualdade em detrimento da liberdade.

As visões díspares dos socialistas e liberais tanto sobre o individualismo quanto sobre a liberdade e a igualdade têm diversas implicações importantes para a sociedade. A facilidade com que os socialistas sacrificam a liberdade a fim de ganhar mais igualdade, é conducente ao Estado grande e oneroso. A desconfiança dos socialistas no individualismo é acompanhada da desconfiança da excelência, que para eles é uma forma de elitismo. Enquanto que, pela ótica socialista, o indivíduo é coagido a curvar-se ao denominador comum da maioria, que é a própria mediocridade, pela ótica liberal, o indivíduo é encorajado a desenvolver ao máximos seus talentos natos e suas capacidades. O individualismo, e não o coletivismo, é o melhor caminho para a boa governança, pois além de favorecer a boa cidadania, favorece o bom desenvolvimento do homem razoável do direito inglês, que é mais conducente à excelência do indivíduo, da qual toda a sociedade se beneficia.

Declarações de direitos do homem nos Estados Unidos e França

Os primeiros estados a adotar declarações de direitos do homem foram os Estados Unidos e a França. A Declaração de Independência dos Estados Unidos, aprovada pelo Congresso norte-americano, em 4 de julho de 1776, sublinhou os direitos do homem junto ao direito de se revoltar contra o domínio político. Em 1787, a Constituição dos Estados Unidos da América foi aprovada, e, em 15 de dezembro de 1791, recebeu dez emendas, chamadas coletivamente de ‘Bill of Rights’, garantindo uma relação de direitos do indivíduo, como o direito à vida, à propriedade e à liberdade. Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi aprovada em 1789, pela Assembleia Constituinte, poucos meses depois da tomada da Bastilha. O problema dessa Declaração é que a mesma interpretou a lei como uma “expressão da vontade do povo”, cuja intenção era promover tal igualdade de direitos e proibir “apenas as ações danosas à sociedade”. A interpretação ao pé da letra do termo “vontade do povo” levou à ditadura da facção majoritária dos jacobinos.

O primeiro crítico de peso das declarações de direitos do homem dos Estados Unidos e da França foi o pensador francês Alexis de Tocqueville (1805-59) que, em sua viagem aos Estados Unidos em 1831, feita com o objetivo de pesquisar o sistema prisional deste país, estudou os mais diversos aspectos da sociedade norte-americana. Tocqueville publicou as suas observações, feitas a partir desta viagem, no livro Democracy in America (1835 e 1440; A Democracia na América), dividido em dois volumes.

Antes mesmo de viajar para os Estados Unidos, Tocqueville havia reconhecido os problemas causados pela democracia direta, implementada na França pós-revolucionária, e acreditava que era possível aperfeiçoar o regime através de reformas. Mais tarde, durante a crise da Segunda República Francesa, ele apoiou o Partido da Ordem (Parti d’Ordre) contra os socialistas, mas, em dado momento, desencantou-se com a política e com os jogos dos arrivistas do poder.

Qual deve ser a esfera do governo?

A extensão da esfera do governo é a maneira de decidir como deve ser o equilíbrio entre liberdade e igualdade. Um dos primeiros pensadores modernos que se preocupou com isso foi Karl Wilhelm von Humboldt (1767-1835), pensador alemão e irmão mais velho do naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859), que viajou pela América do Sul e fez a primeira descrição científica de suas paisagens. É mister notar que os dois irmãos foram educados por pensadores do Iluminismo como o médico kantista Marcus Herz e o botânico Karl Ludwig Willdenow.

Karl Humboldt foi o grande visionário da unificação da Alemanha ocorrida em 18 de janeiro de 1871, quando Guilherme I da Prússia foi elevado a Imperador da Alemanha. O seu livro The Sphere and Duties of Government (1854; A esfera e os deveres do governo), escrito em 1791 e publicado postumamente em 1852, trata dos dois objetos da política, a questão de quem deve governar e ser governado; e a questão da demarcação das esferas do governo e dos governados. Para Von Humboldt, a segunda é mais importante do que a primeira, pois a delimitação da esfera do cidadão abarca a sua vida privada e os limites de sua liberdade.

…existem dois grandes objetos, a mim me parece, que devem ser mantidos distintamente sob a vista, nenhum dos quais podendo ser ignorado ou ser subordinado sem causar um dano grave ao modelo comum; esses são – primeiro, determinar, no tocante à nação em questão, quem deve governar, quem deve ser governado, e organizar o funcionamento do poder constituído; e segundo, prescrever a esfera exata à qual o governo, uma vez construído, deve estender ou confinar as suas atuações. O último objeto, o qual abraça mais imediatamente as vidas privadas do cidadão, e de uma maneira mais especial determina os limites de sua atividade livre e espontânea, é, estritamente falando, o propósito verdadeiro e final; o primeiro é apenas um meio necessário de como chegar à esse importante fim. Contudo, por mais estranho que possa parecer, é no alcance do primeiro desses objetivos que o homem direciona a sua melhor atenção; e, como nos cabe mostrar, esta busca exclusiva de um propósito definido coincide apenas com a manifestação usual da atividade humana.

A comparação entre a modernidade e a antiguidade era o grande debate da época pós-revolucionária em que Humboldt viveu. Muitos tomaram partido da modernidade e, em muitos aspectos, cogitaram colocar a antiguidade na lata de lixo da história. Essa não era a postura de Humboldt, o qual reconhecia o quanto os antigos valorizavam a individualidade. Ele ilustrou isso com a seguinte citação da Ética de Aristóteles:  “Pois aquilo que peculiarmente pertence a cada um por natureza é o melhor e o mais prazeroso para cada um; consequentemente, para o homem constituído especialmente pelo intelecto, a vida (mais prazerosa) é aquela de acordo com o intelecto. Essa é, portanto, a vida mais feliz.”

Nessa mesma época pós-revolucionária, quando os primeiros Estados Modernos eram criados, Humboldt entendeu que a pergunta relevante acerca do papel do Estado era: ‘deve este fornecer apenas a seguridade ou deve fornecer a totalidade do bem-estar físico e moral da nação?’. Quem tem apreço pela liberdade na vida privada optaria pela primeira premissa. Infelizmente, os que acham que o Estado deve prover mais do que segurança não pensam na potencial injúria que tal política pode causar à liberdade.

Humboldt reconhece que o Estado Moderno, com sua solicitude de agir pelo indivíduo e prover o seu bem-estar, cria uma necessidade de impostos, enquanto que as legislações criadas nesse sentido acabam limitando a liberdade do indivíduo e valorizando menos o que o indivíduo é e mais o que ele possui. O capítulo II do seu livro The Sphere and Duties of Government trata especificamente do indivíduo e da individualidade. Seu título éof the individual man, and the highest ends of his existence’ (Do homem individual e os objetivos mais elevados de sua existência).

O verdadeiro propósito do homem, ou aquele que é prescrito pelo eterno e imutável ditame da razão, e não sugerido por anseios vagos e transientes, é o mais alto e mais harmonioso desenvolvimento de seus poderes no tocante a um todo completo e consistente. A liberdade é a grande e indispensável condição que a possibilidade de tal desenvolvimento pressupõe; mas ao lado dessa há uma outra que é essencial, – intimamente conectada com a liberdade, na verdade –,  uma variedade de situações. Mesmo o mais livre e autoconfiante dos homens é frustrado e impedido no seu desenvolvimento pela uniformidade de posições. Mas se por um lado é evidente que uma diversidade desse tipo é o resultado constante da liberdade, por outro lado, existe um tipo de opressão que, sem impor restrições no homem em si, gera uma impressão peculiar de suas próprias circunstâncias circundantes; essas condições de liberdade e variedade de situações, podem ser tomadas, num determinado sentido, como sendo uma mesma coisa. Ainda assim, pode contribuir à perspicuidade capaz de apontar a distinção entre elas.

… a razão não pode desejar para o homem nenhuma outra condição do que aquela em que cada indivíduo desfrute da mais absoluta liberdade de se desenvolver por suas próprias energias, em sua perfeita individualidade, mas cuja natureza externa é deixada sem qualquer agência humana, apenas recebendo a impressão de si própria e da autodeterminação que é dada a cada indivíduo, segundo a medida de seus desejos e instintos, e limitado apenas pelos limites de seus poderes e seus direitos.

Humboldt conclui que a razão deve ser a base de cada sistema político e o ponto de partida de toda investigação acerca do mesmo. A razão deve ser usada, a fim de salvar o que é necessário para preservar a liberdade, e nunca deve ceder a pressões para abrir mão da liberdade.

As visões de John Stuart Mill e Bertrand Russell

A visão de Humboldt sobre a esfera do governo impressionou o pensador britânico John Stuart Mill (1806-73), um dos nomes mais importantes do liberalismo britânico, o qual, por sua vez, influenciou seu afilhado Bertrand Russell (1872-1970), o grande divulgador do individualismo no século XX.

No seu famoso ensaio intitulado ‘Da individualidade’, Mill reconhece que a individualidade, isto é, o caráter de uma pessoa, é o principal ingrediente do progresso social, inspirado no livro The Sphere and Duties of Government (1854; A Esfera e os Deveres do Governo) de Humbolt. O ensaio de Mill começa mostrando que, se todas as pessoas do mundo menos uma, tivessem determinada opinião, tal maioria não justificaria silenciar o indivíduo de opinião divergente. Tirar a liberdade de expressão é sempre condenável, não importa que a opinião seja minoritária ou até errada. Mill concorda com Von Humboldt ser uma pena que a maioria tenda a ver o indivíduo que insiste em sua individualidade como um causador de problemas. Não obstante, as faculdades humanas da percepção, do julgamento, do sentimento discriminador, da atividade mental e da preferência moral, só são exercitadas fazendo-se escolhas. Portanto, o privilégio de ser um ser humano reside em experimentar ser ele próprio a fim de amadurecer as suas faculdades humanas e, com elas, interpretar a experiência de sua própria maneira.

Para Mill, o indivíduo de caráter autêntico é aquele que tem desejos e impulsos próprios que expressam a sua natureza. O homem cujos desejos e impulsos não são dele próprio tem o mesmo caráter que o de uma locomotiva a vapor.  Diz-se que uma pessoa tem um caráter forte quando, além de ter impulsos próprios, tais impulsos são encontram-se sob o controle de uma determinação forte. O indivíduo que desenvolve o seu caráter torna-se mais rico, diversificado e  animado; e, por se tornar mais valioso para si mesmo, é capaz de ser mais valioso para os outros, através de ideias que alimentam o tipo de pensamento elevado que enriquece a sociedade. Como Von Humboldt, Mill também reflete sobre o debate acerca dos antigos versus modernos e reconhece a importância dada pelos primeiros não apenas à individualidade mas também à capacidade intelectual. Identifica que os antigos valorizavam as mentes superiores enquanto que a tendência moderna é dar ascendência à mediocridade pelo fato de a mesma refletir melhor a maioria.

Russell abordou o individualismo na série de palestras intitulada ‘Reith Lectures’ feitas para a BBC, que ele mais tarde transformou em ensaios e publicou no livro Authority and the Individual (1950; A autoridade e o indivíduo)1. Na primeira palestra, intitulada ‘Social Cohesion and Human Nature’ (A coesão social e o indivíduo), Russell fez a pergunta de como conciliar a iniciativa individual que é necessária para o progresso com a coesão social que é necessária para a sobrevivência. Na palestra ‘The role of individuality’ (O papel da individualidade) Russell reafirma a ideia de Mill (seu padrinho), ao sublinhar a importância dos indivíduos não conformes ao progresso social e a própria sobrevivência da sociedade.

Praticamente todo progresso artístico, moral e intelectual depende desse tipo de indivíduos, os quais foram um fator decisivo na transição do barbarismo para a civilização. Se uma comunidade quiser progredir, precisa de indivíduos excepcionais, cujas atividades, embora úteis, não são necessariamente do tipo genérico. Na sociedade altamente organizada há sempre uma tendência para que as atividades de tais indivíduos sejam indevidamente tolhidas; por outro lado, se a comunidade não exercer nenhum controle, o mesmo tipo de iniciativa individual capaz de produzir uma inovação valiosa pode também produzir um criminoso. O problema, como todos aqueles com os quais nós nos preocupamos, é uma questão de equilíbrio; a liberdade de menos traz estagnação, e em excesso, o caos.

Russell termina reclamando da homogeneização da sociedade e da falta de espaço para a espontaneidade e a iniciativa, e portanto, para a individualidade. Para ele, a melhor maneira de as crianças aprenderem é seguindo os seus próprios instintos.

Conclusão

O presente ensaio procurou explicar o individualismo mostrando o que é e o que não  é. O individualismo é a primazia pelo indivíduo em contraposição ao grupo. A razão por detrás do individualismo é o reconhecimento de que os direitos e as responsabilidades humanas são imputáveis apenas a indivíduos. O individualismo não é uma forma de egoísmo, o amor exagerado aos próprios valores e interesses, como ocorre no tipo de comportamento que sacrifica o dever ao interesse particular. O contrário de egoísmo é altruísmo, definido como a inclinação a preocupar-se com o outro sem uma expectativa de ser retribuído. O egoísmo, assim como os outros vícios ou virtudes, independem de ideologias. O individualismo se opõe à conformidade inquestionável do grupo. Ser individualista não significa ignorar as comunidades, mas sim, refletir sobre os seus valores antes de aceitá-los. Conforme Mill e Russell reconheceram, as pessoas diferentes têm uma capacidade maior de descobrir coisas e de reconhecer a originalidade, e, por essa razão, são mais úteis à sociedade.

O individualismo floresceu no século XVIII na Europa e nos Estados Unidos, mas perdeu prestígio durante o século XIX em razão do Movimento Romântico e do avanço do socialismo. O Movimento Romântico enalteceu o espírito comunitário do povo, assim como a sua língua e cultura, e, influenciou o processo de criação de nações durante o século XIX e o início do século XX. Também serviu de suporte para os regimes fascistas, surgidos após a Primeira Guerra Mundial, bem como para a indústria de publicidade e da propaganda. O movimento da contracultura das décadas de 1960 e 1970 teve um veio de liberalismo na promoção da liberdade sexual e da autenticidade do indivíduo. Infelizmente tal movimento não concretizou seu apoio ao individualismo, pois era bem mais simpático coligar-se ao socialismo ou a sua forma mais diluida, o progressismo. Por fim, no que diz respeito à revolução digital do final do século XX , ainda não se sabe se a mesma favoreceu, ou não, o individualismo. O que é sabido é que essa revolução criou as massas do espaço cibernético, que giram em torno de sexo, moda, celebridades e as mais diversas aspirações.

O homem é ao mesmo tempo um indivíduo e um animal social. Tanto a individualidade quanto a coesão social são fatores importantes na configuração da sociedade. Entretanto, conforme Russell e outros identificaram, a conformação social pode acarretar a perda da capacidade de pensar por si próprio, e portanto, a perda da criatividade necessária à sobrevivência da própria  sociedade. Para Russell, é importante conciliar a iniciativa individual à participação na comunidade. A melhor justificativa do individualismo é que o desenvolvimento das capacidades do indivíduo e da excelência beneficia a toda a sociedade. Outra justificativa considerável é que ninguém consegue ser feliz sem ser ele próprio.

[1] Publicou também o livro Unpopular Essays (1950; Ensaios Impopulares).

Referências

Von Humboldt, Baron Wilhelm (1852). The Sphere and Duties of Government. Translated by Joseph Coultlhard Jr. London, John Chapman, 1854. (Ideen zu einem Versuch, die Gränzeen der Wirksamkeit des Staats zu bestimmen).

Mill, J. S. Of individuality. In: Boaz, David, editor. The Libertarian Reader, 1997. New York, Simon & Schuster.

Russell, Bertrand (1950). Authority and the Individual. London, Simon and Schuster. 79 pp.

Tocqueville, Alexis de (1835, 1840). Democracy in America. Volume I. Translated by Henry Reeve. Guttenberg, eBook, released Jan 21 2006, last updated Feb 7 2013.

                                                                                                                                               

Joaquina Pires-O’Brien é uma ex-botânica brasileira residente na Inglaterra, de onde ela edita a revista eletrônica PortVitoria – www.portvitoria.com, sobre generalidades, cultura e política, dedicada a falantes de português e espanhol. Em 2016 ela publicou o O homem razoável (2016), uma compilação de 23 ensaios sobre a Civilização Ocidental e a educaçção liberal, disponível exclusivamente pela Amazon.

Revisão: Débora Finamore

Referência

Pires-O’Brien, J. Sobre o Individualismo. PortVitoria, UK, v. 15, Jul-Dec 2017. ISSN 20448236.

Joaquina Pires-O’Brien

Book Review of Emperor of the West: Charlemagne and the Carolingian Empire
by Hywel Williams. Quercus, London. 2010. ISBN: 978-0-85738-162-0. 460 pages. £10.99

In advance of Belgium, France, Italy, Luxembourg, the Netherlands and West Germany signing the Treaty of Rome in 1957, there was an earlier European Union under the Frankish empire of Charlemagne (742-814) and the Carolingian dynasty that lasted until the 10th century when it was replaced by the Ottonian dynasty. The saga of the Old European Union, which included most of western and central Europe, is the subject of this book published by Hywel Williams, a British historian, journalist and broadcaster. The story of Charlemagne served as an inspiration of the European Union for as pointed out by Williams all the signatories of the Original Treaty of Rome had claims of being heirs to Charlemagne as their countries were once part of the Carolingian empire.

This book covers the period between 400 and 1000 of the common era, when Europe’s national identities were formed. It is organised into nine chapters preceded by a well presented Introduction. The first two chapters describe Charlemagne and the backdrop of the ongoing process of Christianization of Europe. The larger than life personality of Charlemagne is revealed gradually in the chapters of this book and show how Charles became Magnus. Charles was the third son of Pippin the Short (714-768), was three years old when his father ascended to the throne in 752 after deposing Childeric III, the last king of the Merovingian dynasty. Pippin the Short groomed all of his sons for power, providing them with opportunities to meet the right people and to recognise authority and power. After Pippin’s death in 768, Charles and his brother Carloman were crowned kings but Carloman died shortly after and Charles inherited the Frankish kingdoms of Austrasia, Neustria and Burgundy, plus Alamannia. As Williams describes, from then on Charles grew in importance, becoming the most important ally of the Roman Catholic Church and creating his empire.

Charlemagne is shown in this book as a man who valued family, tradition and the counsel of wise men – such as Alcuin of York. He understood not only the powerful but also the common people. He also understood the threats that lie dormant under the veneer of civilization, as evidenced in his will Divisio Regnorum, where he ordered in writing that his sons should not harm by death, mutilation, blind or tonsure any of his grandsons and nephews without a fair trial and enquiry.
The third chapter deals with how Charles developed a military campaign that changed the map of Europe, incorporating Aquitaine, Lombardy, Saxony and Bavaria. The main motive behind the wars of territorial expansion was to Christianize the kingdoms thought to be pagans threatened by Muslim occupation. Chapter four describes how Charles went to become the Magnus Roman Emperor, occupying the void left by the western partition of the old Roman Empire.

Chapters five through seven describe the system that Charlemagne introduced to govern, such as the creation of the Frankish national assembly composed of two segments, minting and other institutions and his partnership with the Roman Catholic Church. Chapter eight describes the cultural and intellectual life in Europe which gave rise to the Carolingian Renaissance. The final chapter shows how the Carolingian empire influenced the rest of Europe, how it was divided after Charlemagne’s death, and how it gradually became weakened by Viking attacks. It also shows the emergence of the Ottonian empire of Saxony which eventually replaced the Carolingian empire, after Otto I conquered the Lombards and began a quest to Christianize Scandinavia. In 962 Otto I was summoned to Rome to become de defender of the Pope and the papal states, just like his predecessor Charlemagne.

Williams criticises the early medieval authors who failed to check the evidence they were given, giving rise to false generalizations such as: “… and so we learn that the Lombards had beards, that Avars wore their hair in braids, and that the Franks went into battle carrying the axe known as ‘francisca’. Details such as these are hardly enough to separate a national identity.”

The author is also critic of the broad-brush strokes used to create the histories of the various nations, which tended to conceal important facts. One of the things he points out that not even France can be considered a ‘natural nation’ for it too had a very long building process:

When Clovis established his Frankish kingdom in the Gaul of c. 500 his people spoke a variety of Germanic languages and dialects, and they were a very small minority compared with the Romanized population and the other groups of barbarian peoples who were already settled in the province. It took well over 300 years for this minority to assimilate itself into the language of the majority, and the process by which the natives learn to accept that they too were now Franks was very long drawn out.

The national identities of Europe were formed gradually between 400 and 1000, as shown by the appearance of words that did not exist previously which is an evidence that such words were created to help the process of nation building. This was the period when names such as Danes, Bulgarians, Croats, Serbs, Poles, Czechs, Hungarians and many others appeared and became labels of individuals. The names of the various regions of Europe like Burgundy, Lombardy, Bavaria and Saxony also appeared in the early Middle Ages. The emergence of labels for peoples and places helped the image of the Germanic peoples – which the Romans referred to as ‘barbarians’, a term which meant simply ‘foreigners’. It was then that the Angles and the Saxons became the English and when inhabitants of Roman Germania became Germans.

Williams also explains the differences between the history of Spain and the history of Italy. During the seventh century, Spain, then under the Visigoth rule, had a culture that was considered superior to that of the Franks, although it was ended by the Muslim conquest of the eighth century. The case of Italy is a bit more complicated because not only it became occupied by the Lombards and the Ostrogoths but also for being the homeland of the ancient Romans. The lack of a common identity between these invaders and the local Roman population explains why Southern Italy did not integrate into the Westernised culture of the rest of Europe until the eleven century, with the arrival of the Norman invaders.

Although the Carolingian era ended with the end of the first millennium, the legacy of Charlemagne continued under the Ottonian dynasty, and so did the dream of European hegemony. Williams completes his argument pointing out the similarities between the inhabitants of the Carolingian and the Ottonian empires: both were a mixture of original Roman populations and Romanized barbarian peoples.

The stories of Charlemagne and the individuals who constructed Europe in the Middle Ages contained in Emperor of the West are sown together with great skill, like a well thought patchwork quilt. This book’s 14 pages of primary source references and 47 pages of secondary ones suggest that the narratives were also well researched. With sixteen pages of beautiful and meaningful illustrations, Emperor of the West offers a relevant, informative, critical and a truly compelling read.
______________________________________________________________________________________
Citation:
WILLIAMS, H. Emperor of the West: Carlos Magno and the Carolingian Empire. London, Quercus, 2010, ISBN 978-0-85738-162-0. Resenha de: PIRES-O’BRIEN, J. (2012). The Medieval European Union. PortVitoria, UK, v. 6, Jan-Jun, 2013. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com/

Fernando R. Genovés

Desmontando viejas leyendas que reinventan y falsifican la sustancia y la historia de la civilización occidental, haciéndola depender, no de sí misma, sino de fuerzas exógenas y culturalmente extrañas, incluso hostiles

La caída de Roma fue, en gran medida, cosa de Roma” Adrian Goldsworthy
“En la Edad Media, el Islam no se helenizó, del mismo modo que Occidente no se islamizó.» Sylvain Gouguenheim

La civilización caída, se levantó por su propio pie
El azar, o acaso la no siempre discernible necesidad, allegan a mi mesa de trabajo dos libros de análisis histórico de distinto calibre y argumento, si bien ambos plantean un propósito común: refutar la imagen creada por una amplia sección de la historiografía y que presenta a Occidente como una civilización sin alma propia; dependiente de otras culturas externas para existir; que no se basta a sí misma ni se ha hecho a sí misma, ni para crear o crearse ni siquiera para entrar en decadencia y caer{1}. Los textos valientes y formidables a los que aludo son La caída del Imperio romano. El ocaso de Occidente de Adrian Goldsworthy{2} y Aristóteles y el Islam. Las raíces griegas de la Europa cristiana de Sylvain Gouguenheim.{3}

A lo largo de generaciones, la Historia de la humanidad suele transmitirse tan plagada de embustes y tergiversaciones que llega a parecerse más a un cúmulo de leyendas que a una fiel crónica de acontecimientos. A menudo, semejantes desviaciones de la realidad y de los hechos son debidos a falta de documentación y rigor, a negligencia e incompetencia en la investigación. Pero, no faltan tampoco casos en los que las ficciones y reinvenciones provienen de intereses espurios, vengan de la mano de la tendenciosidad culturalista e ideológica, o bien de simples prejuicios presentados con un presunto armazón científico. Sobran los ejemplos en casi todos los campos: muchos desafueros en el arte han cobrado prestigio actuando en nombre de las «Vanguardias» o las «Nuevas tendencias», bastantes calamidades en literatura pasan por «licencias poéticas» o «experimentalismo» y, en fin, al salvoconducto sin fronteras que legitima no importa qué análisis o explicación le llaman «lectura» o «interpretación». A la vista de la impunidad intelectual vigente, del multiculturalismo rampante y de las mitificaciones autorizadas en detrimento de la racionalidad científica, hoy más que nunca urge separar el grano de la paja e identificar con nombre y apellidos el mensaje fraudulento.

Al césar lo que es del césar
A propósito de Roma, en foros modernos y manuales de Historia, suele difundirse la noticia de que el Imperio romano entró en decadencia y se derrumbó como consecuencia principal de la presión y los asaltos que le infligieron las tribus bárbaras; esto es, como consecuencia de una fuerza externa superior a ella. Un declive puesto de manifiesto en el siglo II de nuestra Era y que culmina en el VII. No faltan, sin embargo, pruebas y argumentos muy solventes y convincentes favorables a explicar el ocaso de Occidente como resultado, en última instancia, de causas internas. ¿Cómo comprender la naturaleza de tan profunda disparidad?

A fin de dar razón de este hecho fenomenal que todavía concita el interés de estudiosos, y público en general, Adrian Goldsworthy ha compuesto su reciente trabajo, titulado originalmente The Fall of the West. The Death of the Roman Superpower, con una precisión e intención hurtadas en la versión en español. Adrian Goldsworthy no es un desconocido entre nosotros, tampoco un advenedizo, un autor de nueva ola, uno más empeñado en hacer su particular aportación a la Historia o a la novela histórica. Doctor en Historia, formado en las selectas aulas de Oxford, y dedicado durante bastantes años a la enseñanza en varias universidades, Goldsworthy es en la actualidad un reconocido especialista en el mundo romano de la Antigüedad, al que ha dedicado, entre otros, los siguientes libros: El ejército romano, La caída de Cartago: las guerras púnicas, Grandes generales del ejército romano y, más recientemente, el muy celebrado César: la biografía definitiva. En el momento presente, ultima una biografía conjunta de Antonio y Cleopatra.

¿Por qué sigue fascinándonos de manera tan poderosa la caída del Imperio romano? Quizás porque se trata de un acontecimiento, en el fondo, incomprensible, protagonizado por un Estado de enorme extensión y una longeva hegemonía en el mundo conocido por entonces. Desde el Próximo Oriente hasta Britania, una forma de vida basada en el honor, la gloria y el derecho imperó durante siglos entre pueblos muy diversos, los cuales en muy raras ocasiones se resistían a ser romanizados, o pugnaban por dejar de serlo.

De hecho, durante siglos, especialmente en las proximidades de la frontera del Rin, no pocos pueblos bárbaros decidieron instalarse cerca del limes a fin de comerciar y tratar con Roma, aportando hombres para las legiones y solicitando a cambio oro, provisiones y armas, cuando no protección sin más frente al asalto y acoso de otras hordas bárbaras. Cuando podían burlar los controles de las legiones apostadas en la frontera, saltaban la línea de demarcación y se instalaban a este lado del mundo. «Pasarse al Oeste», vale decir, comenzaba a ser ya una costumbre, antes de lo que algunos piensan o quisieran creer.

«La gran paradoja de la caída del Imperio romano es que no se produjo porque la gente que lo conformaba (pero tampoco los que no formaban parte de él) dejaran de creer en él o desearan que dejara de existir.»{4}
A este respecto, resulta oportuno traer a colación el célebre dictum del mayor estudioso de la decadencia y caída de Roma, Edward Gibbon, quien en su monumental obra dedicada al tema, sugiere dejar de preguntarse por qué el Imperio romano acabó siendo destruido, para, en realidad, sorprenderse de que durase tanto tiempo… Ocurre, con todo, que tras tantos siglos de dominio y poderío, sin otro modelo estructurado y estable, tanto político como militar, que le hiciera sombra o frente, resultaba –y acaso todavía resulta– inimaginable un mundo sin Roma.

Conmueve, en definitiva, en los diversos sentidos del verbo conmover, la traumática comprobación de que Roma no era, en su augustal grandeza, después de todo, una realidad inmortal. El fin de Roma no supuso el fin del mundo, ciertamente; aunque «en comparación con la vida en el Imperio romano, el mundo que surgió de entre sus ruinas resulta tremendamente primitivo.»{5}

Y, con todo, Roma cayó. ¿Cómo pudo suceder? Parece poco fundado el recurso a la presión externa como causa principal del colapso del Imperio. Durante la existencia de Roma, sólo otros dos imperios estaban en condiciones de competir con ella por el dominio mundial: Partia y Persia. Sin embargo, aunque los enfrentamientos con ambas potencias fueron constantes, en ningún momento llegaron a poner en peligro la integridad y la estabilidad del poder imperial romano. Como máximo, algunos territorios limítrofes, particularmente con Persia, fueron cedidos a los reyes de Oriente, a menudo para ser recuperados posteriormente, y, en cualquier caso, nunca se trató de importantes posesiones. Pero, lo que es más relevante: ni los partos ni los persas estuvieron en ningún momento interesados por Occidente.

Se mire por donde se mire, la civilización occidental ha demostrado esta notable singularidad que la distingue del resto: la preocupación y el interés, tanto material como espiritual, por los demás pueblos y las otras culturas, actitudes inapreciables fuera de su ámbito de pensamiento y acción. Persia fue, en efecto, un poderosísimo reino, y algunas victorias parciales lograron luchando contra las legiones del Imperio. Ahora bien, Persia nunca ambicionó conquistar Roma ni entrar en Roma.

Los hunos, además de otras hordas bárbaras, sí asediaron la ciudad del Tíber, así como otros centros o sedes de poder de los emperadores. Lograron incluso que cedieran las defensas de la Ciudad Eterna para entregarse, a continuación, al saqueo y la destrucción. El afán de las huestes nómadas venidas de las lejanas estepas se limitaba, habitualmente, a la invasión y la razia, la depredación y la devastación, nunca anhelaron la ocupación del Imperio.

Aunque dividida administrativamente en el Imperio Este y el Imperio Oeste, gobernada por emperadores simultáneos, y aun hablando distintas lenguas, Roma siempre fue Roma. Los emperadores y ciudadanos de Roma, en la Galia, Hispania, norte de África o Egipto, eran, ante todo, romanos. Cuando, finalmente, los bárbaros –visigodos, francos, ostrogodos, vándalos, etcétera– van haciéndose sitio entre las ruinas de Roma, lo hacen fundando reinos locales e independientes. Reyes y caudillos mandan en sus dominios, pero no hay en ellos indicio ni vestigio de voluntad imperial.

Los bárbaros no vencieron a Roma ni quebraron su unidad y universalidad. Tampoco, en sentido estricto, ocuparon su lugar. Los bárbaros, simplemente, se hicieron con los despojos de un Imperio, previamente debilitado y menoscabado; Imperio decaído por sí mismo, por sus propios errores y por sus propias miserias y dejaciones.

Guerras civiles y usurpaciones sin freno; crecimiento imparable de la burocracia y el gasto del Estado; corrupción e intrigas criminales por hacerse con el mando y control de las instituciones civiles y militares; preocupación principal de los emperadores y gobernantes del Bajo Imperio romano limitada a la supervivencia y la permanencia en el poder y no tanto ya a perpetuar la gloria y el poderío del modo de civilización romano: he aquí los desencadenantes fundamentales de la caída de Occidente, según Goldsworthy. Atendamos, a continuación, al resumen que hace de los hechos:

 «El Bajo Imperio romano no estaba concebido para ser un gobierno eficiente, sino para mantener al emperador en el poder y beneficiar a los miembros de la administración. Muchos de ellos podían disfrutar de carreras de gran éxito de acuerdo con los estándares de la época sin llegar a ser jamás eficaces en el papel que teóricamente se suponía que desempeñaban. Las enormes dimensiones del Imperio impidieron el veloz colapso o la catástrofe súbita.»{6}

Roma, republicana e imperial, causa de su ascenso y grandeza, de su auge y esplendor, fue, asimismo, causa de su decadencia y caída. Roma no pagaba a traidores. Tampoco sus herederos deberían pagar a impostores ni deudas no contraídas.

Finalmente, Roma cayó. ¿A qué es debido el interés por parte de tanto comentarista en magnificar la visión de una Roma vencida por el bárbaro, la perspectiva de un Occidente débil y vulnerable, en contraposición a la fortaleza y determinación de un Oriente no romano conquistador y aun regenerador? ¿Por qué esa insistencia en sostener un imagen exógena del devenir de Occidente, difícilmente sostenible en sentido historiográfico? Goldsworthy, en el Prefacio y el Epílogo de su estudio, realiza unas oportunas consideraciones sobre el significado y el destino de los imperios y las superpotencias en la Historia, advirtiendo de los problemas que conlleva forzar determinados paralelismos; por ejemplo, entre Roma y Estados Unidos de América. Tales digresiones ayudan a dar respuesta a las preguntas.

¿Es Estados Unidos la nueva Roma? Para empezar, Estados Unidos no es sensu stricto un Imperio, por más que se esfuerce algún publicista en señalar lo contrario. Es la potencia mundial, democrática, constitucional y no expansionista, erigida hoy en único baluarte solvente de la libertad, la seguridad y los valores de Occidente. La única potencia mundial en condiciones de proteger el limes que separa hoy la barbarie de la civilización, así como de preservar la integridad occidental ante un panorama de amenazas, probables o probadas, venidas de Oriente: «por ejemplo, la coleta de un chino que asome por los Urales o bien una sacudida del gran magma islámico»{7}. Como sucedió con Roma, Estados Unidos dejará un día de ser superpotencia. Probablemente, si le sucede a sus dirigentes y élites lo que a Roma con sus emperadores: que «perdieron el sentido de la amplitud de su misión y, por el contrario, se concentraron en la supervivencia.»{8}

Algunos muestran una gran ansiedad por presenciar otro colapso de Occidente, e incluso hacen lo que pueden para que ello ocurra cuanto antes. Se trata de los nuevos bárbaros, asediando de mil formas las ciudades de Occidente, socavando la moral de los herederos de Atenas, Roma y Jerusalén, esperando el momento de asistir al declinar de su misión para dar el golpe definitivo. Y es que «criticar a Roma se ha convertido en un modo de criticar la política y la cultura estadounidense, lo que, inevitablemente, influye sobre su visión de ambas potencias.»{9}

Y sí, Roma cayó. En síntesis, ¿cómo y cuándo pasó?
«El Imperio romano de Occidente dejó de existir en el siglo V. Aun aquellos estudiosos que describen el proceso como una transformación admiten ese simple hecho. El Imperio romano de Oriente perduró otros mil años, hasta que fue invadida por los turcos. Ni siquiera en su máximo esplendor tenía esperanzas de llegar a dominar el mundo: era una potencia, más que una superpotencia. El siglo VI demostró que carecía de la capacidad para reconquistar las provincias occidentales perdidas. En el siglo VII, los árabes le arrebataron aún más territorio.»{10}

Dar al-Islam lo que es del Islam
La caída definitiva del Imperio romano de Occidente coincide en el tiempo con el ascenso del islamismo. Roma seguiría existiendo después como potencia mundial, pero ya sin las dimensiones y el esplendor de antaño, hasta la caída de Constantinopla por los turcos. Siguiendo la convención histórica, ahí tendría lugar el cambio de Era: desde la Edad Media a la Edad Moderna. Durante ese largo lapso de tiempo, Occidente y Oriente –representados por la civilización judeo-cristiana y por el Islam, respectivamente– pugnaron cruentamente por la hegemonía política, cultural y espiritual de los dominios que ambos abarcaban, y de los que ansiaban abarcar. En ese escenario de «conflicto de civilizaciones», Europa ha representado uno de los principales espacios en disputa; por lo visto, hasta nuestros días.

Acabamos de comentar las variaciones sobre el tema a propósito de la caída de Roma. La reinvención de la Historia no ha pasado tampoco de largo por este nuevo caso, según han puesto en evidencia varios y bizarros ensayos y trabajos de investigación dispuestos a desmontar otra gran falsificación del pasado, a saber: que Occidente recuperó el saber griego en el Medioevo –permitiéndole así conservar la cultura clásica y hacerla florecer nuevamente en el Renacimiento– gracias a la contribución determinante del Islam, y más en concreto, a las traducciones árabes de los grandes textos clásicos realizadas por sabios musulmanes.

El libro de Sylvain Gouguenheim, Aristóteles y el Islam. Las raíces griegas de la Europa cristiana, constituye una valiosa contribución al esfuerzo desmitificador de esta otra imagen de Europa intencionadamente deformada{11}. Sylvain Gouguenheim, nacido en 1960, ejerce en la actualidad de profesor de Historia Medieval en la École Normale Supérieure de Lyon. Además del referido libro, es autor de otras obras especializadas: Les fausses terreurs de l’an mil (1999), Les Chevaliers teutoniques (2008), Regards sur le Moyen âge: 40 histoires medievales (2009) y La réforme grégorienne. De la lutte pour le sacré à la sécularisation du monde (2010). Pero, ciertamente, es su estudio Aristote au Mont Saint-Michel, título original publicado en Francia por la editorial Seuil en 2008, el texto que le ha proporcionado mayor celebridad. Celebridad y renombre no exentos de polémica, ni aun de un violento hostigamiento dirigido desde sectores de medios universitarios y de comunicación «cansados de Occidente», al haber contravenido la «corrección política» vigente en Francia, en Europa y, en realidad, en todo el mundo. El autor ha puesto en duda, de manera razonada y pública, la realidad del denominado «Islam de las Luces», supuesta causa primordial del proceso de culturización y civilización de Europa. He aquí el acto infiel. ¿Cuál es, en síntesis, el mito que Gouguenheim desmonta y que, a la vista de lo desvelado, ha provocado la ira del «pensamiento único» galo, acusándole, como insulto más moderado, de «islamófobo»?

Mientras Europa estuvo encerrada en las largas Dark Ages de la Edad Media, fue incapaz de salir de su estado de postración cultural e intelectual, tanto por la parálisis que supuso el dominio sobre ella de la espiritualidad cristiana como por el desconocimiento del legado del pensamiento griego. El gran saber generado en la Grecia clásica sólo pudo ser recuperado merced al esfuerzo traductor y hermenéutico de los filósofos musulmanes («falasifa»), quienes lo trasmitieron a Europa para ser vertido al latín. Esto probaría que el mundo musulmán fue superior espiritualmente al mundo cristiano medieval y colocaría a Occidente ante una gran deuda que pagar al Islam: Europa debería al Islam nada menos que su propia identidad cultural. Semejante acto de aceptación y sumisión convertiría a Occidente en «una especie de heredera o apéndice del mundo musulmán»{12}. Así habla el mito medievalista que reinventa la civilización.

Ocurre, en efecto, que esta narración, repetida hasta la saciedad, constituye una leyenda más que un devenir de acontecimientos históricos. Algunos de los datos que Gouguenheim pone sobre la mesa resultan muy clarificadores, y aun demoledores, para la fiabilidad de la visión hagiográfica de un Islam civilizador de Europa. El acceso que, en verdad, tuvieron los falasifa a la herencia griega nunca fue de primera mano, sino a través de traducciones previas del griego al siríaco. Y el motivo es bien sencillo: los sabios musulmanes no dominaban el griego. Incluso Al-Farabi, Avicena y Averroes lo ignoraban. Por lo demás, la lengua árabe, auténtica protagonista en la transmisión del saber clásico, carecía del aparato lingüístico necesario para verter en sentido estricto, y fielmente, el contenido de la sabiduría griega.

Por ejemplo, términos esenciales en la filosofía o el derecho, como «razón» o «persona», no tienen un claro y preciso correspondiente en la lengua árabe: «los conquistadores [árabes] eran guerreros, mercaderes, ganaderos, no sabios o ingenieros. Por eso hubo que inventar un vocabulario científico y técnico.»{13} La misma identificación práctica entre lo árabe y lo musulmán es abusiva. De hecho, bastantes traductores de raza árabe que colaboraron en las tareas divulgadoras eran cristianos de fe. Del mismo modo, mucho de lo atribuido al Islam, provenía, en realidad, de autores sabeos, judíos o persas.

Los sabios musulmanes estaban consagrados, preferentemente, no a la ciencia, sino a la custodia del texto coránico, y no tanto a su comentario crítico. Mucha fama ha trascendido sobre la «Casa de la Sabiduría» (Bayt al-Hikma), presentada como centro musulmán de acogida y faro iluminador de la ciencia universal, cuando gran parte de la misma no es, también, más que leyenda. En realidad, se trataba de la biblioteca privada del sultán Harun al-Rasih y sus allegados directos, y, en última instancia, reservada a expertos en el Corán y la astronomía (tareas complementarias, pues, por ejemplo, necesitaban precisar al máximo el calendario de periodos sagrados como el Ramadán)

«Durante más de tres siglos, entre el VII y el X, por tanto, la “ciencia arabo-musulmana” de Dar al-Islam fue en realidad una ciencia griega por su contenido e inspiración, y siríaca, y después árabe, por su lengua. La conclusión es clara: el Oriente musulmán se lo debe prácticamente todo al Oriente cristiano. Y es esta deuda la que solemos pasar por alto en la actualidad, tanto en el mundo musulmán como en el occidental.»{14}

La línea de continuidad entre la tradición greco-romana y el Occidente medieval cristiano nunca se rompió en Europa. Occidente, por sí mismo, conservó, atesoró y divulgó el legado clásico, permitiendo así, de propia mano, el gran desarrollo científico y cultural que fundó la Modernidad. En los scriptoria de monasterios repartidos por todo el viejo continente se copiaron miles de manuscritos y centenares de códices que han llegado hasta nosotros directamente de traducciones del griego al latín. Los libros circulaban y los eruditos también, hasta el punto de formar una red de escuelas de sabiduría, suficientemente comunicadas entre sí (al menos, lo que aquellos tiempos permitían). Como refiere Gouguenheim, Europa pudo conocer los textos griegos, no porque se los trajesen de fuera, sino porque los buscó y conservó por medio de sus propios sabios y amanuenses.

No fue tampoco Toledo la primera cantera de traductores. Al menos otras dos localizaciones son merecedoras de reconocimiento por su labor pionera y emérita en la traslación de textos: Antioquia y Mont Saint-Michel. A la abadía localizada en el hermoso emplazamiento de Normandía dedica, en particular, el autor de Aristóteles y el Islam un decisivo capítulo que representa un perfecto homenaje al trabajo traductor y copista de unos monjes empeñados en conservar las propias raíces. Entre ellos, destaca por la calidad y extensión de su trabajo, Jacobo de Venecia: «eslabón perdido en la historia del paso de la filosofía aristotélica del mundo griego al mundo latino.»{15}

Se trata, en suma, de Dar al-Islam lo que es del Islam, es decir, reconocerle su realidad, y no más; así como de conservar en Occidente lo que le es propio y le corresponde, sus verdaderas raíces: la cultura griega y la tradición judeo-cristiana.


Dr. Fernando Rodríguez Genovés es escritor, ensayista, crítico literario y profesor funcionario de carrera en la asignatura de Filosofía. En 2004, obtuvo el título de Doctor en Filosofía por la Universidad de Valencia con la tesis «La noción moral de contento entre la ética antigua y la moderna: Marco Aurelio, Montaigne y Spinoza». Además de ser el autor de cinco libros y de varios blogs, el Dr. Genovés es fundador y colaborador habitual de El Catoblepas, revista crítica del presente, de periodicidad mensual, publicada desde 2002. Su último libro, Cine, espectáculo y 11-S, publicado en 2011, está disponible gratuitamente en Internet.

© Dr. Fernando R. Genovés
Cortesía de: El Catoblepas (ISSN 1579-3974 35), número 107 • enero 2011.
Fuente: http://www.nodulo.org/ec/2011/n107p07.htm

Notas
{1} El presente ensayo conoció una primera edición en papel con el título de «Occidente por sí mismo. Leyendas que reinventan la civilización», en la revista Debats, Institució Alfons el Magnànim, nº 108, 2010/3, Valencia, págs. 24-29.
{2} Adrian Goldsworthy, La caída del Imperio romano. El ocaso de Occidente, La Esfera de los Libros, Madrid, 2009, 631 páginas.
{3} Sylvain Gouguenheim, Aristóteles y el Islam. Las raíces griegas de la Europa cristiana, Gredos, Madrid, 2009, 267 páginas.
{4} Adrian Goldsworthy, La caída del Imperio romano, pág. 32.
{5} Ibíd., pág. 13.
{6} Ibíd., pág. 513.
{7} José Ortega y Gasset, «La rebelión de las masas», en Obras Completas, Tomo IV, Editorial Taurus, Madrid, 10 volúmenes (Santillana Ediciones Generales/Fundación José Ortega y Gasset, en coedición), Madrid 2005, pág. 355.
{8} Adrian Goldsworthy, op. cit., pág. 523
{9} Ibíd., pág. 16.
{10} Ibíd., pág. 501.
{11} Es justo destacar, entre las contribuciones aludidas, el brillante trabajo de Rosa María Rodríguez Magda, Inexistente Al Ándalus. De cómo los intelectuales reivindican el Islam, Nobel, Oviedo 2008, galardonado con el Premio Internacional de Ensayo Jovellanos 2008.
{12} Sylvain Gouguenheim, Aristóteles y el Islam, pág. 18.
{13} Ibíd., pág. 80.
{14#125; Ibíd., pág. 91.
{15} Ibíd., pág. 96.
© 2011 www.nodulo.org

Referencia:
Genoves, F.R. Ocidente, libre de dudas culturales. PortVitoria, UK, v. 5, Jul-Dec, 2012. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com/

Joaquina Pires-O’Brien

Book Review of An introduction to Danish Culture. By Norman Berdichevsky
McFarland & Company, Jefferson (NC, USA) and London, 2011. xv + 233 pp. $45.00
ISBN 978-0-7864-6401-2. Available at: www.amazon.com

An introduction to Danish Culture is an incisive up to date analysis of Denmark and Danish culture by former long term resident Norman Berdichevsky, an American from New York whose credentials include a PhD in human geography from the University of Wisconsin, Madison. Berdichevsky acquired fluency in Danish during the time he lived in Denmark, from 1979-1985, and he remains in touch with the country and family living there. This book is a substantial contribution to the gaps in the English language literature about Denmark, covering the essential regional uniqueness of the country’s constituent parts including the overseas outliers of the Faroes, Greenland and Bornholm, biographies of eleven important historical figures and contemporary personalities including the Queen and the late great much beloved Danish-American humorist Victor Borge. It examines the Danish language, differences between town and country, the special mind-set of “coziness” known as hygge, cuisine, the famous pedestrianized streets and a look at the great historical epochs of the Viking age and the little known border dispute with Germany over Schleswig-Holstein. Of special interest for Jewish readers are the chapters on the Virgin Islands (former Danish West Indies) and why Jews have had such a long and fortunate relationship with their fellow citizens.

Berdichevsky long standing love affair began with an actual one leading to marriage and his long term connection to the country. His earliest notions of Danish culture were formed as a result of ‘a healthier approach to social relations, love of the outdoors, rejection of the hard-sell American approach to commercial success, anti-militarism, modesty and anti-snobbery’. These were precisely the things that attracted him to Denmark but like other Americans, he discovered that there is also something “rotten in Denmark” as Hamlet became aware of. One can carry anti-snobbishness too far and many Danes including Hans Christian Andersen were driven from the country because by what is known as “janteloven”, an attitude of “anti-achievement” that no one should excel too much because it puts others in a bad light.

Part I deals with the Danish geography and its interface with the country’s economy, and transportation needs. Before its largest bridges were constructed to connect the main peninsula of Jutland to its two large islands, Fünen and Zealand, Berdichevsky explains how Denmark was a unique sea state dependent on a fleet of ferries that eventually became integrated with the railroads incorporating built-in railroad tracks on their decks. This innovation would allow the trains to enter and exit the vessel by rolling off onto the existing tracks.

Part II deals with culture itself, including language, pinpointing cultural tolerance as an important trait of the Danish people. An entire chapter is dedicated to the Jewish cemeteries around the provinces, with records of past Jewish enclaves and an explanation of why the Danish Jews largely assimilated as a result of tolerance. This is contrasted with the difficulties today of a recalcitrant Muslim population living in ethnic enclaves and reluctant to integrate.

In a chapter dedicated to Danish-American relations, the author gives an account of the annual Rebild Celebrations to commemorate the American Independence Day. The venue is a 190 acre park outside the city of SkØrping, which was purchased by the Danish immigrant community of Chicago and donated to the Danish government. The idea for the initiative came from Max Henius, the son of a Polish Jew who in 1857 arrived in Denmark after a journey on foot from Poland, and later immigrated to the United States. The first time the Rebild Celebrations took place was August 5, 1912, and it attracted some 15 thousand people including the current monarch King Christian X, who actually received the deed of the property and turned it into the Danish American National Park.

This chapter also provides information on the American population who defined their ethnic origin as being ‘Danish’ in the last two censuses. Here are some examples of the factual information provided: most Danish-Americans are concentrated in California, Utah, Minnesota, Wisconsin Washington and among many Mormons in Utah and Nevada. Only some 30,000 Americans continue to use the Danish language at home. This same chapter ends with the perceptions of Denmark by the Americans who work there and speak the language.

Part III covers a selection of personalities which Berdichevsky elected to represent the best minds of Denmark. First on the list is world famous Hans Christian Andersen (1805-76), the writer of fairy tales and short stories (second only to the Bible in the number of translated works) with appeal both to children, Piet Hein (1905-96), a true Renaissance genius who was an innovative philosopher, mathematician, poet, inventor and designer, and Søren Kierkegaard (1813-55), the philosopher who is often regarded as the father of existentialism. Lesser known figures are Arne Jacobsen (1902-71), the father of Danish design, who created the famous Egg Chair and many other iconic furniture pieces. In contemporary science the big name is that of the eminent physicist Niels Bohr (1886-1962) who won the Nobel Price of Physics in 1922, and one of the founders of Quantum Physics who proved that an atomic bomb was possible. Another important personality is Nicolai Frederik Severin Grundtvig (1783-1871), a multifaceted thinker, clergyman and educationalist whose influence in Danish society led him to be considered the Father of the Nation. He strove to realize opportunities for the education of ordinary people, in an age when education was a privilege of the rich, and inculcated the values of social responsibility and social participation. We must not forget Karen Blixen, author of “Out of Africa” (1985), the big Holywood hit film starring Merryl Streep, as it probably made Blixen the most well know Danish woman of all time.

Part IV, the last one of this book covers the topics of politics and history. Around the first millennium, Denmark was already an established monarchy under the Viking king Canute (ca. 990-1035), who also had a claim over England, Norway and parts of Sweden. Relations with Germany are another topic covered extensively, from matters related to border demarcation to the relations with the Nazi regime and the fate of the Danish Jews. Dr. Berdichevsky demolishes the myth from Leon Uris’ book Exodus, that during the German occupation the Danish King Christian X wore an armband with the Star of David in solidarity to the Jews. More realistic and inspiring is the reality that thousand of Danes from every walk of life helped their Jewish countrymen at a moment’s notice, a much more dramatic story than the myth of the king. The final chapter portrays the sibling rivalry that exists between Denmark and Sweden which he compares to a similar one between Portugal and Spain, the two peninsulas that guard the entrance of Europe’s two major inland seas, the Mediterranean and the Baltic.

This book is well illustrated with photos, cartoons and other things that help capture much of the content of the text. The high price is its only drawback, although this is probably due to the book’s restricted niche market. In any case, for anyone interested in learning more about the Danish culture, it is a price worth paying. After all, this book does exactly what it says in its title. And does it quite well, providing a balanced and accurate description of the Danish culture.

Citation:
BERDICHEVSKY, N. An introduction to Danish Culture. Jefferson (NC, USA) and London, McFarland & Company, 2011. ISBN 978-0-7864-6401-2. Review by: PIRES-O’BRIEN, J. (2012). A new view of Danish Culture. PortVitoria, UK, v. 4, Jan-Jun, 2012. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com/

Fernando R. Genovés

El fenómeno masivo de la inmigración, pero, sobre todo, el crecimiento de las sociedades abiertas, contribuyen a la pujanza de la multiculturalidad, pero también de su fatal secuela ideológica: el multiculturalismo. He aquí un producto doctrinal que contraviene los principales postulados éticos; entre otros, el de la reciprocidad.
¿Cómo lo llaman? Multiculturalismo… Mire, eso es una absoluta majadería. Mi opinión es que si un hombre lía el petate y se marcha a otro país, tendrá que hacer alguna concesión a ese país. V. S. Naipaul

Multiculturalismo y democracia liberal
Millares, millones, de inmigrantes procedentes de los países más lejanos del planeta acuden a Europa en busca de una nueva tierra prometida. Muchos vienen en son de paz, para ganarse la vida con su esfuerzo y trabajo, beneficiándose de –mira por dónde, algo tendrán– las sociedades abiertas todavía vigentes en el viejo continente, de sus oportunidades y ventajas, de las que no carecen aquéllos o están muy mermadas: por ejemplo, el régimen de libertad económica, de movimientos humanos y de capitales y los valores democráticos. Otros, aterrizan al objeto de extender los circuitos de delincuencia a nuevos espacios «vírgenes» donde actuar, en muchos casos surgiendo del frío y de la estepa, y confiando siempre en aprovecharse del clima benigno y del viento del oeste, así como del talante liberal que exhiben nuestras sociedades occidentales, malgré tout. Semejante situación es sentida por una parte de sus habitantes con un vago sentimiento de vergüenza y un punto de culpabilidad, lo que hace que a menudo no sepan valorar lo que tienen y se ha ganado con siglos de trabajo y esfuerzo. Otros, en fin, se acercan a nosotros con vistas a realizar prácticas de terrorismo, sirviéndose asimismo para ello de la debilidad, la tolerancia y la buena disposición que ostentan las políticas de apaciguamiento y el multiculturalismo realmente existentes –junto al sentimiento de culpa, antes aludido– en la mayoría de naciones de la vieja Europa.

Llegan los de más aquí y los de más allá desde culturas asentadas en religiones, costumbres y concepciones del mundo muy diversas y distantes entre sí; con unas pautas de comportamiento tan variadas como, en algún caso, muy poco variables y aplicadas, poco dispuestas a la adaptación y a la aclimatación cultural. Esta circunstancia determina, obviamente, que los efectos de integración de las personas que provienen de muy diferentes lugares, con desiguales propósitos y con dispareja disposición, ofrezcan una gran variedad. Los hay que acuden a los nuevos destinos con espíritu constructivo e inclinados a la integración y a la asimilación social y cultural en el seno de las comunidades de acogida. Hay quienes, yendo de paso, se limitan a batir el territorio, hacer caja y largarse raudos una vez el territorio está «quemado», para a continuación marcharse a la búsqueda de nuevos objetivos. Y definitivamente, quienes, dejando para los pobres el desembarcar en nuestras costas en patera, aterrizan cómoda y directamente en el aeropuerto, allegándose así a unas ciudades modernas –que, en el fondo de su corazón palpitante, detestan– con el heroico y misericordioso encargo de desintegrarlas, y algunos de ellos incluso a desintegrarse literalmente en el empeño. He aquí una peculiar manera de entender la asimilación, la ósmosis con el entorno.
¿Cómo afrontar estos hechos desde las sociedades receptoras? Existen dos grandes modelos de respuesta: la muticulturalista y la democrática-liberal. Para el multiculturalismo, basado en prontuarios igualitaristas y comunitaristas, todas las culturas son equiparables, pero al mismo tiempo y paradójicamente, inconmensurables entre sí; tienen el mismo valor por el hecho de ser, y a fin de que sigan existiendo, promulga unas políticas proteccionistas generalistas, que incluso exigen a las autoridades públicas que las protejan, fomenten y subvencionen, sin otras reservas ni discriminaciones que no sean las denominadas «positivas». Para la perspectiva democrática-liberal, en cambio, inspirada en principios y valores de equidad ponderada, de fomento de la excelencia individual y de la preeminencia incontestable de la libertad individual, por delante de bienes y beneficios de cualquier otra clase, las culturas fácticas no se confunden con el ideal de la civilización, de la misma manera que las libertades no significan lo mismo que la libertad, ni las masas humanas pueden ahogar jamás al individuo humano soberano. En todo caso, las culturas se miden no por su naturaleza o esencia sino por su grado de viabilidad práctica, por los efectos que acarrean en la existencia de las personas; en la medida, vale decir, en que no obstaculizan o impiden el libre y espontáneo ejercicio de los fines de los individuos. Para una concepción liberal de la cultura, no pueden aceptarse culturas «puras» o incivilizadas, ni aquellas ajenas al examen criterial del mérito, la jerarquización y la crítica permanente.

De entre esta multitud trashumante y migratoria, se encuentran muchos musulmanes insatisfechos y desesperados de la vida que tienen por delante en sus propios países, allí donde el reloj de arena del desierto y el de la Historia se han parado hace siglos. Miran hacia Occidente con el fin de encontrar empleo y seguridad material, un presente y un futuro viables, mientras muchos de sus compatriotas, gobernantes y líderes se vuelven hacia el pasado, casi todos, orientándose hacia Oriente, en dirección a la Meca, a la hora de las plegarias, varias veces al día, al objeto de encontrar así guía espiritual. El considerable volumen de personas que están siendo empujadas en las últimas oleadas migratorias, las evidenciadas dificultades de integración que han mostrado las comunidades islámicas asentadas en ciudades de América y Europa y, muy en particular, el hecho de que los atentados terroristas del 11 de septiembre de 2001 en EEUU y los del 11 de marzo de 2004 en España fueran perpetrados por musulmanes asentados en suelo americano y europeo, después de haberse movido a placer por ambos continentes, preparando y planificando el ataque, son circunstancias que exigen un nuevo planteamiento del fenómeno de la inmigración, especialmente del islámico, así como una revisión de las teorizaciones liberales, y no liberales, sobre el multiculturalismo y el futuro de la democracia. Urge constatar, en primera instancia, la siguiente evidencia: las instituciones musulmanas no son lo que parecen ser demasiado a menudo.

En el breve y conocido ensayo, casi un manifiesto, de Giovanni Sartori (La sociedad multiétnica. Pluralismo, multiculturalismo y extranjeros) publicado en 2001, quedaron ya expuestas con extraordinaria lucidez y concisión las circunstancias que han generado el advenimiento de un fenómeno migratorio brusco e incontrolado en una Europa cada vez más en retirada y huérfana de principios, que fusiona y confunde peligrosamente el mestizaje, el maquillaje y el tatuaje. He aquí una muestra de las peligrosas consecuencias que está suponiendo el llamado «multiculturalismo» en el seno de las sociedades occidentales, democráticas, multiétnicas (en las otras, el multietnicismo simplemente no supone problema en absoluto, porque practican el etnicismo puro sin miramientos, avalado por su tradición cultural), un peligro no sólo centrado en problemas de convivencia y calidad de la democracia sino en la misma supervivencia de la democracia. Tanto es así que en las circunstancias actuales más que de movimientos migratorios cabe hablar de auténticas incursiones. En el caso particular de los musulmanes, la principal problemática que plantean a los países occidentales gira en torno a la opción entre la integración y el integrismo. Un conflicto profundo de lealtades, renuncias y asimilaciones derivado de raíces religiosas, y culturales, que es preciso dilucidar y enderezar.

Siendo, sin lugar a dudas, la civilización occidental superior económica, política y moralmente a las restantes del mundo, y siendo la democracia liberal la estructura política que mejor puede afrontar los retos de la historia en la era del declive de las ideologías reinante, resulta llamativo que ambas categorías –«civilización occidental» y «democracia liberal»– se encuentren desde hace décadas en posición defensiva, es más, acorraladas, intimidadas e infamadas por la ofensiva de doctrinarios dogmáticos y rabiosamente reaccionarios, como los representados, entre otros, por el denominado «multiculturalismo». O sea, por un totum revolutum, un revoltijo de lugares comunes, pensamiento único y corrección política muy burdos, esgrimidos por una especie de colectivo de indocumentados que paradójicamente aspira a representar, sin vergüenza alguna, a los sin tierra y a los sin papeles.

Viajes de ida y vuelta
Que la civilización mediterránea ha significado, desde antiguo, una entidad culturalmente superior a la barbarie del Norte, es cosa probada merced a la constatación de un hecho inapelable: los bárbaros no conocían más que la cultura de la guerra, la violencia y el botín. Además, vinieron ellos al encuentro –al choque– con los habitantes de las riberas del Mare Nostrum, y no al contrario. En ningún caso, es imaginable que los fenicios, los antiguos griegos y romanos anhelasen conquistar poblados –es un decir– de Laponia o de las Highlands del Norte, e instalarse allí tan campantes y tan frescos: Julio Cesar no llegó tan lejos, pero igualmente lamentó pasarse de la raya, o mejor, de la linde o el paralelo.

Con frecuencia, para no perder el norte, basta con no perder de vista la dirección de los movimientos de masas desplazadas, exiliadas, emigradas o en busca de refugio, para comprender por dónde soplan en cada momento los vientos de la civilización, el bienestar y la libertad. A la Alemania nazi, la España franquista, los regímenes comunistas, las dictaduras, la Cuba castrista, los países diezmados por las guerras tribales, el hambre y la pobreza, no se acude –dirección contraria– en busca de libertad y bienestar. De estos sitios se sale y huye. A semejantes paraísos perdidos por la ideología totalitaria no va uno por las buenas, sino, por lo común, actuando en funciones de escritor «comprometido», audaz corresponsal de prensa, aventurero, misionero o simple voluntario sin fronteras. O como sospechoso huésped habitual.

Las sociedades libres, occidentales y liberales, a tenor de lo que sostiene el-pensamiento-único-realmente-existente, serían depravadas y corrompidas, pero de ellas se parte, principalmente, por motivos de negocios, ocio, turismo o por gusto de viajar, pero, generalmente, para volver a ellas; más que nada porque está legalmente permitido y porque particularmente apetece. Uno no huye de ellas por miseria, persecución o falta de libertad, con la desesperada necesidad de buscar prosperidad, por ejemplo, en Cuba, Corea del Norte o Ruanda. ¿Hace falta insistir sobre este punto?

Ciertamente, el teniente británico T. E. Lawrence sintió fascinación por los árabes y su causa, y vivió muy identificado con el modo de vida del desierto de Arabia, las costumbres de sus moradores, sus vistosas vestimentas… Mas, finalmente, retornó a la verde Inglaterra. Quién sabe las razones últimas que movieron las piernas y la cabeza de este hombre contradictorio de alma angustiada. Acaso, después de todo, sintiera añoranza –sorprendente, sin duda, pero añoranza al cabo– por el clima británico, la cerveza caliente y el pastel de riñones. El caso es que volvió para morir en su tierra. Es cosa sabida, asimismo, que la escritora Isak Dinesen –seudónimo de Karen Blixen– tenía una granja en África, donde, según propia confesión, durante los años que estuvo en el continente negro, fue inmensamente feliz. Mas, aun con ello y con todo, retornó un día a su Dinamarca natal. Durante los años sesenta y setenta, en fin, miles de jóvenes europeos, abandonando familias y estudios, e insatisfechos con la obvia sosería de la vida fácil y burguesa, se liaron la manta a la cabeza, como quien dice, y, mirando hacia atrás con ira y hacia delante con utopía, emprendieron la larga marcha a Katmandú, para acabar volviendo pocos años después, más delgados y pálidos que antes de su partida, a casa, o sea, a las bostezantes ciudades de Birminghan, Hamburgo o Pontevedra, por citar tres casos al azar, cumpliendo así el expediente y escribiendo un capítulo más en el inmemorial ciclo, ritual y sagrado del eterno retorno.

¿Y qué decir de Jean-Jacques Rousseau? Elevó a categoría filosófica el mito del buen salvaje, escribió un potente discurso contra las ciencias y las artes, contra los vicios de los europeos moralmente arruinados por el lujo y la disolución de las costumbres, contra la fama y la notoriedad. Por todo ello adquirió pocas rentas –extremo éste que siempre lamentó de veras–, aunque sí gran celebridad –también se quejó mucho de esta circunstancia, y vive Dios que no la desaprovechó–. Viajó por Europa, sin salir de ella, mientras reprendía y sermoneaba a los ociosos privilegiados en cuyas mansiones era acogido, y su disgusto se tornaba cólera contra ellos en el momento en que lo despedían por haragán, gruñón e ingrato. Siempre le quedaba la campiña francesa para dar paseos y consagrarse a la ensoñación solitaria.

Otro acalorado del mito del buen salvaje, Paul Gauguin, dejó atrás, en París, familia y amigos, la decadente Europa burguesa, para buscar el edén en Tahití, donde, en efecto, encuentra ociosidad y grandes placeres del cuerpo y del alma, pero también enfermedades, hambre, miseria y muchos disgustos. No es un emigrante: no envía dinero a casa, lo pide insistentemente. Occidente es para morirse de asco, pero en los mares del Sur intenta casi todo sin éxito, incluso suicidarse sin compasión con arsénico; finalmente, cuando planeaba volver a Europa, la morfina le asegura el pasaje al largo viaje. También podríamos referir aquí otros casos, otras aventuras, como la del capitán James Cook y el resultado de su convivencia con los nativos de las islas Hawai… Pero dejémoslo aquí.

Bienvenidos y mal hallados
Efectivamente, la hospitalidad no es siempre bien correspondida. Tampoco la pauta de una conducta definida por la reciprocidad. Y justamente por motivos de hospitalidad, correspondencia y reciprocidad –o de su ausencia– provienen la mayor parte de los problemas ocasionados por la inmigración, la extranjería y la convivencia presentes en las modernas sociedades democráticas multiétnicas. En esta situación, las nociones de tolerancia y respeto han sufrido un serio quebranto, casi diría que han sido bastardeadas, o incluso más, profanadas, hasta el punto de hacerse irreconocibles con respecto a su sentido originario y genuino. Hoy se habla sin empacho de derechos de los emigrantes, de los ciudadanos, en general, de la Ciudadanía, del Civismo, pero poco o nada de deberes. Y la simple referencia a este asunto, suele despacharse a menudo mediante el recurso acusador e incontestable de «racista». Y ahí se acabó la discusión. (Racismo: ¿otra palabra transfigurada en palabra-comodín?, ¿otra palabra-trampa?). He aquí un método expeditivo que en la práctica dificulta que pueda articularse y divulgarse relajadamente el planteamiento básico y esencial del asunto, a saber: no es la inmigración el problema ni un inconveniente en sí mismo, sino que, por el contrario, constituye un fenómeno que enriquece la constitución y crecimiento de las sociedades libres y abiertas. Piénsese si no, cómo se hizo América. El problema social, el conflicto político, el choque cultural, vienen como consecuencia de la irrupción de determinadas políticas antisistema, radicales, suicidas e irresponsables que se adoptan al efecto; la expansión de determinada teología de la inmigración que altera y debilita en la práctica el entramado legal y el modelo de vida cívico en las sociedades abiertas; de la extensión del multiculturalismo como actualización, junto a otras doctrinas corporativas y comunitarias, de los viejos y caducos colectivismos aflorados al calor del odio y el resentimiento contra la civilización occidental.

Hay colectivos de inmigrantes, muy laboriosos y pragmáticos, que asumen y se aplican resueltamente a las obligaciones ciudadanas y constitucionales de las sociedades de acogida. Muchos de sus miembros participan activamente en su desarrollo y engrandecimiento, sumándose junto al resto de la población a un mismo espíritu de lealtad constitucional; o incluso mayor, en señal de gratitud. De bien venidos, es ser agradecidos. He aquí una muestra notoria de una actitud honesta y estrictamente virtuosa, inspirada en los principios morales de la lealtad, la correspondencia y la reciprocidad. Tal actitud es fácilmente reconocible –con las obvias excepciones de rigor– en la población inmigrante de origen asiático, también en la procedente de países que padecieron regímenes comunistas en la Europa del Este, personas en su mayoría de hábitos discretos y disposiciones abiertas hacia los nuevos vecinos, y, desde luego, poco violentas o reactivas contra el sistema que les acoge: sería como morder la mano que te da de comer y te garantiza una libertad desconocida antes, o matar la gallina de los huevos de oro.

Con los colectivos islámicos la situación se transforma radicalmente. Cierto que es justo y conveniente atender al comportamiento individual de las «personas musulmanas», individualmente consideradas, pero ocurre que la misma dificultad de poder hacer esta distinción entre individuo y grupo en la comunidad islámica ya apunta al núcleo del problema, complicando su dilucidación. Parejo extrañamiento hacia el individualismo lo hallamos en muchas culturas orientales, con la sencilla diferencia de que éstas no aspiran a imponer sus modelos de procedencia en las sociedades occidentales en la que se instan, ni tienden al proselitismo, actitudes que, por el contrario, sí son patentes –y a menudo de manera harto agresiva– entre los islámicos.

Las polémicas y los conflictos surgidos a cuenta del «chador» en las escuelas públicas europeas –en Francia, muy en particular– son un ejemplo palmario de lo que decimos, pero no el único. Mientras las sociedades occidentales modernas progresan en un modelo de escuela laica, en el que la enseñanza de la religión cristiana va siendo reducida al mínimo, restándole vocación o tentación de obligatoriedad y exclusión, gracias, entre otras razones, a la propia autorregulación de la Iglesia, una buena parte de comunidades musulmanas exigen que se impartan enseñanzas de religión islámica en centros públicos con carácter obligatorio para sus creyentes –los «infieles» quedan, por principio, relegados–. Que esta promoción del islamismo, en detrimento del cristianismo, venga solidariamente acompañada por el empuje de los mismos Gobiernos nacionales europeos –señaladamente entusiastas en los casos francés y español, de Jacques Chirac y José Luis Rodríguez, respectivamente– constituye un fenómeno grotesco, «milagroso», de ángel caído, y tan patético que no podemos considerar ahora con la atención que merece.

La fatwa que condenó a muerte al escritor británico Salman Rusdhie fue propugnada por el imán Jomeini desde Irán, pero editada y proclamada por asociaciones y centros islámicos desde la propia Gran Bretaña contra un ciudadano británico. Pues bien: pocos «creyentes», muy pocos, la condenaron públicamente, dentro o fuera de los países occidentales, siempre bajo la vigilancia coactiva y amenazadora de sus comunidades de origen y sangre. El asesinato del cineasta holandés Theo van Gogh, y las amenazas de muerte de dos parlamentarios del mismo país –Geert Wilders y Ayaan Iris Ali– componen en nuestros días la lamentable actualidad de una similar presión fanática extraña que estalla en el interior de nuestras sociedades. Durante la guerra del Golfo Pérsico de principios de los años 90 del siglo XX y los más recientes conflictos bélicos de Afganistán e Irak, y, en general, en la presente guerra contra el terrorismo global, pocas, muy pocas, agrupaciones islámicas, amparadas por las libertades democráticas occidentales, condenan sin paliativos los atentados y las agresiones, mientras aprovechándose de la cobertura que éstas les brindan, gran número de ellas lanzan proclamas y manifiestos contra las bases del mismo sistema y aun en favor de los agresores. He aquí una muestra más de la asimetría y déficit de reciprocidad detectable en nuestras sociedades: en el seno de las comunidades islámicas no caben la disensión ni ningún derecho individual entre sus miembros y el cumplimiento de las leyes vigentes en el país de acogida se suele ver como una imposición ilegítima, cuando tales derechos son reconocidos universalmente, constitucionalmente, por los Estados democráticos.

Para el multiculturalismo esta circunstancia no sólo sería aceptable, sino también loable: favorece genéricamente el respeto de las identidades, de las diferencias y la diversidad, aunque individualmente ahogue o frustre las expectativas de aquellos musulmanes que aspiran a insertarse en el orden democrático de libertades; e incluso desalienta a las propias sociedades de origen a derribar las tiranías y establecer estructuras democráticas (verbigracia, las reacciones de todo pelaje contra la intervención de la Coalición en Irak para destituir a Sadam Husein en el año 2004). Por esta razón, entre otras, son muy contrarios a la globalización y beligerantes contra la mundialización. De modo que, en lugar de apoyar el fomento y la extensión de la democracia liberal, pugnan por su paralización y retroceso, a fin de que no llegue a donde no existe y para dinamitarla allí donde florece.

La nómina de países musulmanes regulados por leyes y administraciones nominalmente democráticas es muy reducida (Turquía, Indonesia, Pakistán, Egipto, Marruecos…), y casi siempre inspiradas en un dudoso ideario de aplicación a la raigambre e idiosincrasia de la cultura «propia», lo que da lugar a artefactos como las denominadas «democracia musulmana» o «democracia islámica», lo cual supone apelar a artificios tan poco convincentes como el hablar en Occidente de «democracia orgánica», «democracia popular» o «democracia vasca», pongamos por caso. Algunos países, como Pakistán o Argelia, con el objetivo de sortear, o retrasar, la ascensión islamista impulsada por aquellos que buscan acceder al poder para imponer la ley islámica como esquema de organización social y político, han recurrido a dictaduras militares con el fin de hacerles frente, evitando así un virus, pero produciendo una bacteria.

La gran cuestión para el presente y futuro de Occidente que nos va a ocupar en los próximos años consiste, sin duda, en dilucidar qué naciones representan un serio peligro para la estabilidad mundial, al objeto de corregir la anomalía, en ese empeño democratizador particular y de seguridad mundial, y con qué naciones islámicas podemos contar como aliadas leales para la paz y la estabilidad mundiales, y con cuáles no, al objeto de reestructurar y recomponer las alianzas. Exponemos aquí unas incertidumbres y unos recelos más que justificados y que no se dirigen sólo a los países islámicos. Ocurre que, en estos últimos tiempos, y en especial a raíz de los atentados terroristas del 11-S y la III Guerra de Irak, incluso dentro de la tradicional coalición occidental y de los organismos internacionales (ONU, OTAN), se han destapado comportamientos ferozmente agresivos hacia los países atacados por la vesania terrorista y indecentemente desleales hacia éstos y los insobornables aliados (a la cabeza, claro está, se han lucido con singular fulgor Francia y Alemania).

¿Qué significa «minoría»?
¿Qué futuro hay para los países islámicos dejados a su propia dinámica, que no evolución o progreso? ¿Islamismo integrista o dictadura militar, tanto en casa como fuera de ella, consumible o exportable? Dramática alternativa, si no queda otra opción, o si es ésta la única que, en efecto, se impone en estos países obstruidos. Y verdaderamente trágica si se pretende exportar, o forzar desde dentro, a las democracias occidentales, como una consecuencia necesaria, ineludible, del multiculturalismo.

El superior problema de la convivencia pacífica y de la estabilidad en las sociedades modernas multiétnicas es, en efecto, el de la reciprocidad, tantas veces incumplida o vulnerada. Esta situación queda patente en el hecho muy frecuente de que los mismos que reclaman la condición y los derechos de ciudadanía se sienten autorizados para imponer sus peculiaridades a la mayoría social, sean o no compatibles con los principios y valores constitucionales vigentes. Una situación ésta a todas luces injusta, puesto que vulnera los principios de la igualdad ante la ley de todos los ciudadanos y distorsiona la recta dirección del Derecho. Al procurar acogerse a una arbitraria exención o excepción singular, animan a las denominadas «minorías» a guarecerse bajo el paraguas de la impunidad, a multiplicarse artificialmente, activando con esa actitud incluso actuaciones agresivas y beligerantes. No de otra estrategia sino de ésta se alimenta y crece, en su origen, la práctica terrorista: se benefician de las generosas cualidades de la ley en los países libres para vulnerarla y dañarla, y, a ser posible, destruirla. Lo que demuestra de nuevo la labor de zapa y distorsión que practican las ideologías intencional y prácticamente destructivas: empiezan por embestir contra el ámbito significativo de las palabras para a continuación apropiarse de la cosa significada.
Excepto para cualquier persona no minada por la propaganda o el pensamiento único tenido por progresista, es cosa clara que la pobreza no justifica el terrorismo. Pues bien, afirmamos ahora que tampoco la condición de minoría social legitima la violencia. Ser minoría no es equivalente a estar en minoría: lo primero es sustancial, lo segundo, accidental. Para el liberalismo, los verdaderos actores sociales y los únicos sujetos políticos son los individuos, y cada individuo representa la más perfecta minoría que se pueda concebir. ¿Cómo se puede afirmar sin cinismo que el liberalismo atente contra el derecho de las minorías, cuando para dicha doctrina los derechos son primariamente individuales y casi «sagrados»? ¿Quién no ha descubierto aún la estafa que representan muchas reivindicaciones de derechos de una «minoría social» que no buscan otra cosa que oprimir en la práctica los derechos de la «minoría individual»? ¿Es que no saben sumar dos y dos, o es que los gregarios agregados, mancomunados y soldados van siempre de cuatro en cuatro?

A la hora de afrontar conflictos de este tipo, es fácil comprobar cómo colisionan entre sí la concepción pluralista y la multiculturalista, entendiendo la segunda como derivación tergiversada o corrupción de la primera. El pluralismo liberal-democrático postula la diversidad y la diferencia cultural e intelectual como garantías de dinamismo y vitalidad individuales, y condición de existencia de las sociedades abiertas dentro de un orden social, político y jurídico. El multiculturalismo antidemocrático fomenta, en cambio, la fragmentación, en lugar de la integración; la particularidad, en lugar del individualismo; los compartimentos estancos, no los vasos comunicantes; la subcultura de la imposición y la confrontación, frente al pacto y el concierto social; la «discordia concorde», y no la «concordia discorde»; en suma, el choque de culturas y la desestabilización social y política, y, de ninguna manera, una armonía espontánea entre formas de vida e ideologías opuestas, últimamente conocida como «alianza de civilizaciones».

Paradojas del universalismo (y otras antinomias)
Bajo estas condiciones, varias esferas teóricas próximas a la onda expansiva del multiculturalismo quedan afectadas por la metralla ideológica. Sin ir más lejos, las tesis sobre el universalismo –proclamadas por una muchedumbre de analistas que entienden la categoría como principio absoluto (virtud absoluta), presupuesto indiscutible de la ética y la filosofía política y garantía de validez– han quedado malparadas, averiadas y en evidencia, tanto por lo que afecta a su facticidad como a su practicidad, especialmente bajo las actuales circunstancias. Pues, cabe preguntarse, ¿cómo puede el principio del universalismo sostenerse en ese lugar privilegiado de la ética y servir a la vez de condición y garantía de corrección moral –éste es, no se olvide, el ideal propugnado–, si una parte importante de naciones y pueblos de la comunidad internacional no se sienten miembros de la comunidad mundial ni dispuestos a ajustarse al principio de reciprocidad, ni, en general, a participar de los presupuestos universalistas –y éste es, algo no menos relevante, el hecho evidenciado–? ¿Qué quedaría, en realidad, del ideal universalista efectivo? La oferta de un consenso basado en presupuestos universalistas, cuando queda reducida a una opción unidireccional y particular, entra en contradicción consigo misma, y su perspectiva de futuro, muy debilitada.

Es empresa difícil promover, e imponer, el ideal universalista contra el sentimiento de la mitad o una gran parte del universo: ése fue, y es, no se olvide, el gran error, el fracaso, del jacobinismo republicano, del imperialismo antidemocrático y del caudillismo de cualquier género. Pero, puede llegar a descender hasta un caso de esquizofrenia política, con tendencias suicidas, el practicar un universalismo a escala local y el sufrir al mismo tiempo los efectos del localismo a escala universal. Es ésta una de las muchas paradojas, acechanzas y desventuras que transpiran, o se presienten, tras las consignas antiglobalización, las exhortaciones relativistas y los programas de actuación comunitaristas y nacionalistas. Hoy, en universidades, medios de comunicación y Gobiernos en activo, descuellan ideologías y creencias que se sirven de las nociones de universalismo y globalización maliciosamente, de manera particularmente ajustada a su propio provecho. He aquí un problema muy serio de reciprocidad. En principio, tan desasosegante, o más, como enviar una carta a quien tiene como norma no contestar jamás a las misivas; ser tolerante con los intolerantes; pacifista con los belicistas; paciente con los agentes; liberal con los antiliberales; dialogante con el autista político; demócrata con el antidemócrata; cortés con el grosero. Y, en fin, resulta una acción tan arriesgada y estúpida como introducir alimento a un estómago que te lo expulsa encima sin la menor consideración ni recato.

Consideremos otras paradojas del universalismo. Los universalistas tratan como fines los postulados multiculturalistas, pero éstos tratan como medios los universalistas. Los universalistas, de la corte de Habermas y Dworkin, creen que el discurso y el diálogo ofrecen las óptimas garantías para el entendimiento común de los individuos, a la vez que, superando las formas de vida singulares, apuntan hacia una «comunidad ideal de comunicación». Los muticulturalistas, al estilo de Taylor o Kymlika, defienden que todas las culturas, comunidades o naciones se entienden y se sostienen por sí mismas, remarcando así los rasgos de su singularidad, y en cuanto al postulado del llamado «patriotismo constitucional», se sienten patriotas pero muchas veces actúan contra los dictados de la constitución, o bien se benefician de las utilidades constitucionales para sustentar su patriotismo nacional (hacia dentro) y anticonstitucional (hacia fuera). Aquéllos, los universalistas, proponen un plan procedimental acordado y consentido –o consensuado–, libre de reservas y de particularidades prejuzgadas, con el que abordar los conflictos y llegar a acuerdos justos. Mientras éstos, los multiculturalistas, prefieren vivir en la reserva, para lo cual institucionalizan y prolongan los conflictos como forma de mantener encendida la particularidad, sustentando una idea de la justicia de talante autárquico y raigambre platónica de ciudad-Estado, según la cual la justicia no se materializa en el principio proporcional de «a cada uno lo suyo», sino en el más encogido y sectorial de «cada uno a lo suyo».
Los universalistas, en suma, celebran el carácter universal de los derechos individuales en los que sentirse representadas todas y cada una de las personas, desde una perspectiva moral, política y jurídica de los mismos ajustados a los principios de igualdad y legalidad. Entretanto, los multiculturalistas defienden el derecho a la diferencia frente a otras entidades o comunidades, pero practican la uniformidad dentro de la suya, al tiempo que privilegian los llamados derechos «colectivos» y/o de «minoría social» –no universales– sobre los individuales –universales–, porque los derechos, así lo entienden, se estipulan y crecen en el seno de grupos y familias predeterminadas e inmutables, también inconmensurables con respecto a otros y otras.

¿Más paradojas? El relativismo cultural justifica sin rebozo el carácter generalizador de sus principios; el multiculturalismo y el comunitarismo están persuadidos de que la razón les acompaña al sostener que el mundo entero tiene el deber absoluto de respetar las singularidades, aunque para ello la mayoría de los individuos deba plegarse a las exigencias de una corporación o agrupación minoritaria; el nacionalismo no duda en propiciar un marco mundial en el que todas las supuestas y queridas naciones adquieran el estatuto de Estados de hecho, con soberanía nacional inviolable, no importa que esto suponga la implantación en el planeta de miles de Estados con derecho a voto y veto en una virtual Organización de Naciones Unidas, más descontrolada, corrupta e ingobernable de lo que es ahora. Los ideólogos antiglobalizadores, en fin, tampoco se mueren de vergüenza (no la conocen), sino que se sienten muy seguros de sí mismos y orgullosos al emplazar a una movilización global contra la globalización…, entre otras ingeniosidades y portentos.

Las contrariedades del multiculturalismo también afectan a las religiones monoteístas, en su versión ecuménica, aunque con distinto impacto. El cristianismo practicó en el pasado una vocación expansionista agresiva, sobre todo, hasta que el advenimiento de la Modernidad, la Ilustración y su convivencia dentro de las sociedades liberales –además de, según hemos apuntado antes, su propia autorregulación– momento en el que moderó el ímpetu abarcador de su abrazo apostólico; hoy el universalismo activo que practica se ve traducido (al menos desde el Concilio Vaticano II) en la misión misionera, sin duda evangelizadora, pero desplegada de modo pacífico y ajustada a las maneras democráticas. El judaísmo, tras el Holocausto, soportando después el asfixiante marcaje y acoso de sus vecinos árabes que le tienen en estado continuo de alerta y emergencia, y el antisemitismo de todo género y lugar que no cesa, aspira más que nada a que se deje en paz a sus creyentes y a su etnia, procurando conservar íntegro y seguro el Estado de Israel. Por el contrario, y en contraste con las anteriores semblanzas, el islamismo vive agitado por las proclamas de los sectores, organizaciones y tribus nativas que patrocinan el inmovilismo y la parálisis en sus propios dominios, mientras en el exterior, in partibus infidelium, abogan, como parte de un sueño expansionista y violento, por la hostilidad, la confrontación con Occidente y la yihad.

La crisis de Occidente
En el momento presente, todo está justificado por parte de las fuerzas expansionistas y violentas, por parte del terrorismo, a fin de arruinar (a) las sociedades occidentales y la doctrina del liberalismo que las inspira. Y «todo» significa precisamente eso mismo: todo. Desde el 11 de septiembre de 2001 la amenaza ya es una cruda y sangrante realidad. No se limita al acoso ideológico, a forzar conflictos institucionales, al «todos contra uno», a las batallas callejeras contra el sistema capitalista, a las consecuencias de recesión económica: aspira a la crisis mundial y a la expansión global del totalitarismo. Está en marcha la alianza anti-civilización occidental sellada fácticamente y con fuego por los nostálgicos del socialismo realmente existente (la vieja/nueva izquierda) y el integrismo islamista (la vieja/nueva cruzada integrista), en la que ese «todo» acechador que pende sobre nuestras cabezas o alrededor de nuestros cuellos se traduce, desde el momento en que lanzó el ultimátum a la Tierra, en el siguiente dilema: o se cede ante el desafío del totalitarismo, el terror y la barbarie o se responde con los instrumentos y los recursos de la democracia y la civilización. Como se ve, no es el Todo o la Nada, sino que el Todo, de triunfar el reto global de la Alianza de la Muerte, se traduciría en una totalitaria Nada. Las consecuencias del nihilismo.

Sin duda, en Occidente tenemos un problema. Debemos reconocer, sin tapujos, velos o chadores, que una gran crisis amenaza y atenaza a Occidente con la gravedad de una metástasis que crece desde dentro: una crisis, en primera instancia, de autoestima y de autoridad. Se le ataca de muerte y vacila, titubea, duda si tiene derecho a defenderse. La civilización occidental hunde sus raíces en el edificante aprendizaje de la duda, y ello le ha permitido crecer enriquecida por los valores de la tolerancia, el vitalismo y la libertad, pero también, y a menudo, ha ido muy lenta de reflejos en la lucha contra los dogmáticos y los fanáticos. Formados en una cultura del humanismo y la paz, los occidentales, personas prudentes y discretas, huyen de la algarada y la turba; evitan contestar a los provocadores; se dedican a sus asuntos y a sus negocios; por supuesto, son egoístas e individualistas; probablemente no se obsesionan por hacer el bien a los demás, pero por la misma razón tampoco porfían por hacerles mal; temen por su vida y por la seguridad de sus bienes; les gusta divertirse, hacer proyectos y planes para el futuro, trabajar y ahorrar, ir a las discotecas y bares; y, por encima de todo, odian la guerra, más que nada, porque les fastidia la cena con imágenes desagradables vertidas por televisión y complica las vacaciones programadas a Egipto o Túnez…

Por todo esto y más, la sociedad occidental, exhibiendo ante el mundo entero estos hábitos y valores, se revela como muy decadente a los ojos oscuros del creyente ofuscado por el ideal de la Sumisión, pero también a sectores agitados de sus ciudades y pueblos. La mayor parte de los ciudadanos europeos no comprenden del todo cómo pueden ser odiados de la manera en que se les odia, hasta la muerte. Esa es su fatal inocencia. No saben qué hacer con aquellos que les miran mal a fin de contentarles. Y es que, en verdad, nada puede contentar a los esencialmente descontentos. Se saben afortunados por disfrutar del mejor modo de vida en los mejores sitios del planeta, porque así los han querido y construido, no porque sean lugares sagrados. Así son de interesados e individualistas los occidentales. Pero, ¿por qué se sienten culpables? Otros sujetos europeos, por el contrario, comparten, al mismo tiempo, el sentimiento sumiso al Islam y el resentimiento a Occidente, y explotan de indignación anticapitalista. Mas ¿por qué éstos no se sienten culpables?

¿Será porque unos y otros sienten ser o representar la autoridad en el mundo, y deploran esta circunstancia? La autoridad (auctoritas): palabra bajo sospecha. Se ha extendido la especie de que la libertad pertenece a la familia lingüística de la debilidad, la fragilidad, la flojedad, la pusilanimidad, el aguante –no la palabra-trampa resistencia–, la contención, la paciencia, la blandura y la flacidez: una parentela en la que la autoridad sería pieza extraña y cosa inconveniente. Que esta especie la han extendido los que buscan su perdición, no hay duda de ello. ¿Cómo se ha podido ser tan ciego para no comprender que ambos términos –libertad y autoridad– se necesitan mutuamente, aunque no se atraigan?

Ningún pueblo –decía Stefan Zweig–, ninguna época, ningún hombre de pensamiento se libra de tener que delimitar una y otra vez libertad y autoridad, pues la primera no es posible sin la segunda, ya que, en tal caso, se convierte en caos, ni la segunda sin la primera, pues entonces se convierte en tiranía. (Castellio contra Calvino.)

Los hombres y las mujeres occidentales no pueden desentenderse de esta apremiante llamada, si quieren seguir siendo libres.
Occidente ha logrado vencer a la tiranía y a los totalitarismos en el pasado en varias ocasiones, en lucha permanente contra los totalitarismos, sea el nacionalismo, el nazismo o el comunismo. Por lo general, respondiendo con firmeza, con la fuerza de las armas, cuando aquéllos le declaraban la guerra y no quedaba otro remedio, como ultima ratio. Vencer ahora la amenaza de la nueva alianza antioccidental –contra el capitalismo y la economía de mercado, contra la sociedad abierta y el sistema de libertades, contra la democracia representativa y liberal–, surgida tras la nueva declaración de guerra escenificada el 11 de septiembre de 2001, representa la tarea y la responsabilidad de nuestro presente. El dramático tema de nuestro tiempo de vesania.
______________________________________________
Dr. Fernando Rodríguez Genovés es escritor, ensayista, crítico literario y profesor funcionario de carrera en la asignatura de Filosofía. En 2004, obtuvo el título de Doctor en Filosofía por la Universidad de Valencia con la tesis «La noción moral de contento entre la ética antigua y la moderna: Marco Aurelio, Montaigne y Spinoza». Además de ser el autor de cinco libros y de varios blogs, el Dr. Genovés es fundador y colaborador habitual de El Catoblepas, revista crítica del presente, de periodicidad mensual, publicada desde 2002. Su último libro, Cine, espectáculo y 11-S, publicado en 2011, está disponible gratuitamente en Internet.

© Dr. Fernando R. Genovés
Cortesía de: El Catoblepas 35, enero 2005.
Fuente: http://www.nodulo.org/ec/2005/n035p07.htm

Referencia:
Genovés, F. R.Multiculturalismo, universalismo y reciprocidad. PortVitoria, UK, v. 4, Jan-Jun, 2012. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com/

Norman Berdichevsky

Al igual que Bélgica, Uruguay se estableció como un amortiguador entre dos importantes naciones, Brasil y Argentina, cerca de la estratégica desembocadura del río de la Plata y en el punto de confluencia de los ríos Paraná y Uruguay. Al principio de la independencia uruguaya en 1928, el país contaba con una escasa población de 75.000 habitantes. Sólo había una ciudad importante, Montevideo, la capital. El resto de la población se encontraba dispersa entre la región noroeste donde se hablaba portugués y la región sur donde se hablaba español.

Actualmente Uruguay está reconocido como un país donde sólo se habla español pero un examen más de cerca revela vestigios del bilingüismo colonial que también contribuyó a la formación de una identidad nacional, casi por un accidente de la historia, como una “provincia perdida” de sus dos poderosos vecinos y posteriormente como un estado amortiguador neutral.
Los historiadores uruguayos llegaron a designar a los indios Charrúas, que mataron a los primeros colonizadores españoles, en la banda “izquierda” (este) del río Paraná, como los “fundadores de la nación”. Los Charrúas postergaron por más de ciento cincuenta años el asentamiento en la banda este permitiendo que Buenos Aires, en la banda opuesta, se transformarse en el puerto más importante y en el centro de asentamiento de toda la región Rioplatense, dejando a Montevideo en la sombra.

En Uruguay la lengua oficial fue determinada por la política del gobierno central que favoreció una lengua – el español – sobre su rival, el portugués. La rivalidad centenaria entre España y Portugal fue transferida al Nuevo Mundo. La poco definida y luchada frontera entre los imperios de España y Portugal había sido objeto de disputa desde el acuerdo de la “División del Mundo” entre los dos poderes ibéricos con el apoyo del Papa, con la firma del Tratado de Tordesillas de 1494.

Montevideo era la que tenía inicialmente más ventajas, con un puerto natural mejor y más adecuado para recibir grandes embarcaciones transoceánicas. Esta ventaja geográfica sobre Buenos Aires debería haber convertido su lado del gran estuario del Río de La Plata en el puerto más importante y en el centro para la latitud media de España, la colonia sudamericana de la costa atlántica. El asentamiento en la banda oriental de la bahía se vio postergado por la feroz resistencia de los indios Charrúa, hasta que en 1680 los portugueses asentados en las tierras del sur de Brasil, deseosos de expandir sus dominios, fundaron la Colonia del Sacramento, cerca de la desembocadura del río Uruguay. Cuarenta años después, el gobierno colonial español, con base en Buenos Aires, envió una expedición a través del río, circunvalando el poblado portugués, para construir un fuerte militar, el Fuerte de San José, donde hoy se encuentra Montevideo, con el objeto de explotar la bahía natural y de contener la fuerte expansión portuguesa.

Montevideo se encontraba mucho más atrasado que Buenos Aires, que había sido elegida como la capital del virreinato del Río de la Plata y se utilizó primariamente como puerto para el comercio español de esclavos africanos destinados a suplir mano de obra para las plantaciones de azúcar de Cuba. El resultado fue la presencia de una pequeña población negra que se asentó de forma permanente en la ciudad contribuyendo a un son peculiar de la música folclórica uruguaya (ausente en Argentina) conocido como el candombe.

Las vacas introducidas por los europeos pronto corrieron a sus anchas por la Pampa y sus alrededores a lo largo de los ríos donde los grandes rebaños proporcionaron una fuente de riqueza por la comercialización de cuero, pieles, carne enlatada y más tarde, con la llegada del ferrocarril y los barcos refrigerados, por la distribución de carne fresca y congelada. Este enorme recurso era explotado por los gauchos, vaqueros sin filiación política al gobierno central y sin idealismos por una nueva nacionalidad. Se resistían al control de los gobiernos centrales y a menudo peleaban entre ellos. Gradualmente todos los gauchos consideraron necesario restringir el movimiento de sus grandes manadas para facilitar y abaratar el sacrificio de las reses y el embalaje de la carne.

Como consecuencia de las Guerras Napoleónicas, Gran Bretaña se vio involucrada en el rompecabezas político de Sudamérica, cuando en 1808 capturó temporalmente a Buenos Aires y a Montevideo, después de que Napoleón invadiera España y encarcelara al rey Fernando VII. Los patriotas locales argentinos rechazaron la autoridad del virrey de paja y establecieron un gobierno interino para gobernar la colonia en nombre del legítimo Rey Fernando, aunque secretamente aspiraban a su independencia de España. En Buenos Aires la autoridad interina no consiguió mantener un control eficaz de la banda este ni de los territorios periféricos.

Cuando el virrey de paja decidió mudar su corte desde Buenos Aires a Montevideo, después de la ocupación Británica, su mera presencia provocó sentimientos de independencia en los habitantes de la banda este. Se unieron en un movimiento de sublevación pensando que podrían disfrutar de una sustancial autonomía en una Argentina independiente. Cuando su descontento con el gobierno de la nueva capital de la República Argentina independiente alcanzó un punto crítico, Argentina insistió en mantener su lealtad a Buenos Aires y en impedir que la banda este se separase.

El asunto del estado de Uruguay permanecía indefinido cuando, en 1818, el Brasil Imperial, todavía bajo dominio portugués, invadió Uruguay. Gran Bretaña había formado fuertes vínculos con los portugueses junto a quienes ayudaron a expulsar a las tropas francesas de España. En 1821, Brasil ya independiente, se anexionó a Uruguay anexionándolo como su “Provincia Cisplatina.” Esto enfureció a Argentina y provocó un inmediato intento de “rescate” para recuperar Uruguay. A pesar de haber etiquetado previamente a los líderes uruguayos de “separatistas”, “gauchos rebeldes” y “anarquistas”, las fuerzas armadas argentinas intervinieron para proteger el territorio de la “subyugación brasileña.” En 1828, ambas partes estaban exhaustas y aceptaron la propuesta de Lord John Ponsoby del Ministerio Británico de Asuntos Exteriores, y convertir la “Banda Oriental” en un estado independiente. El nombre aún figura en la designación oficial de Uruguay como la “República Oriental de Uruguay”.

La primera constitución se adoptó en 1830 y tanto el nombre oficial del país como su bandera fueron diseñados para asemejarse a los de Argentina. La bandera, con un sol radiante en el campo y rayas azules y blancas, recordaba a la de los dos estados que habían estado tan fuertemente vinculados. Argentina y Brasil mantuvieron el derecho de intervenir en Uruguay en caso de producirse una guerra civil así como el derecho de aprobar su nueva constitución. Por un tiempo, dos facciones rivales, los Colorados y los Blancos, intentaron dirigir el país hacia una política pro-Brasil y pro-Argentina respectivamente, hasta que finalmente acordaron seguir un curso estrictamente neutral.

A lo largo de 1850, las tensiones entre Brasil y Argentina permanecían altas, y ambas naciones programaban recuperar Uruguay pero el apoyo prometido por las fuerzas navales británicas evitó que ninguno de los dos países intentara desafiar abiertamente la independencia uruguaya. Brasil obtuvo una serie de derechos especiales en asuntos uruguayos como la extradición de esclavos fugados y criminales; el derecho conjunto para navegar el río Uruguay y una especial exención de impuestos para el ganado brasileño y la exportación de carne salada.

El portuñol y la controversia de la lengua a lo largo de la Frontera
El portugués continuó siendo la lengua hablada en la zona rural del norte en la frontera con Brasil pero la introducción del español en los colegios públicos fue progresando poco a poco. La importancia del portugués en la zona era considerable debido al contrabando de ganado y a la importación de frutas tropicales y subtropicales desde el cercano Brasil que resultaba más eficaz para abastecer a la región que el tener que acceder hasta Montevideo. Muchos lusismos (palabras portuguesas y expresiones en español traducidas literalmente del portugués) se deslizaron en la forma popular de hablar de Montevideo como consecuencia de la migración de los habitantes del norte a la ciudad.

El recién completado “Atlas Lingüístico del Uruguay” confirma la existencia de una franja de 25 km de anchura al norte de Uruguay donde una buena parte de la población es bilingüe o habla un dialecto local con una mezcla de español y portugués, denominado “portuñol”. La proximidad de la zona a las estaciones brasileñas de televisión ha contribuido a que la población local tienda a mantener el dialecto y un cierto nivel de conocimiento del portugués brasileño. Otra razón para mantener el idioma en la zona es que tradicionalmente las oportunidades de educación han sido siempre mejores en la parte brasileña de la frontera. La presencia continua del portuñol puede verse también como un intento de los uruguayos de reforzar un sentido de identidad nacional, particularmente entre la gente joven, un sentido de rebelión contra la política del gobierno de hablar “el español correcto” y de sentirse independientes de sus poderosos vecinos argentinos.

Varios ministros de educación uruguayos han declarado el portuñol como un dialecto “vulgar” o de “clase baja” y que la política del Ministerio de Educación debe asegurar que ambas lenguas: “español y portugués se enseñen y se hablen correctamente”, mientras que la lingüista Graciela Barrios defiende el uso del dialecto y su utilización por las jóvenes generaciones de Montevideo. Graciela ha declarado que “detrás de la normativa del manejo de la lengua, hay actitudes discriminatorias. Cuando el gobierno acusa a la gente joven de ´deformar´ el idioma de alguna manera están diciendo –No nos gusta la gente joven. La lengua de la frontera es parte de nuestro patrimonio cultural y no debe desaparecer”.

El lingüista Steven Fisher ha predicho que Brasil terminará dejando de ser un país de habla portuguesa y en el que sólo se hablará portuñol (revista brasileña Veja, 5 de Abril de 2000) lo cual, como es natural, ofende a muchos literatos e intelectuales de Brasil. También ha habido una producción significativa de literatura en portuñol así como comics regionales sobre todo en Uruguay y en Brasil y una novela seria, Mar Paraguayo, escrita por el autor brasileño Wilson Bueno (1992).

A pesar de todo, tan tarde como durante la junta militar en 1970, la política uruguaya para la lengua y la educación había alcanzado una actitud tan negativa hacia el dialecto que se colocaron grandes carteles en la frontera dirigidos a los padres diciendo “Si quiere a sus hijos: Hable Español. Recuerde-ellos le imitan”.

La búsqueda de la identidad uruguaya
Uruguay tiene un fuerte resentimiento contra la asunción de Argentina de hablar en nombre de toda la región rioplatense como si Uruguay fuese todavía la olvidada provincia del “Borde Oriental”. A los uruguayos no les gusta ser subestimados pero a veces se compadecen de sí mismos o se muestran irónicos al mismo tiempo que se burlan de la ignorancia que existe en el exterior acerca de su país. Una canción popular de naturaleza patriótica habla de Uruguay como el país que “por el mapa no se ve”. Un chiste conocido entre los uruguayos judíos que emigraron a Israel es como sigue:

Varios inmigrantes judíos de Etiopía, Rusia y Latinoamérica están charlando en Israel y quejándose del trato que reciben por parte de los veteranos israelíes. Un etíope dice: en Etiopía nos llaman “malditos judíos” pero aquí en Israel nos llaman”negros miserables”. El ruso dice: Sí, en Rusia nos llaman “malditos judíos” pero aquí sólo somos “rusos miserables”. Uno de los sudamericanos asiente y dice: Es verdad, en Uruguay nos llaman “malditos judíos” y aquí todo lo que dicen es “argentinos miserables”.

Muchos uruguayos están convencidos de que Carlos Gardel, la mayor figura del tango a nivel mundial y elevado a icono nacional en Argentina, nació en realidad en Uruguay pero que la verdad se había escondido utilizando un certificado de nacimiento falso y documentos de inmigración mostrando que había nacido en Francia y que se había trasladado a Argentina cuando tenía dos años. Gardel era el más famoso pero no el único artista, poeta, escritor, músico o actor que se cruzó a la “banda Oeste” en busca de fama y fortuna en Buenos Aires, donde el mercado económico y cultural era mucho mayor.

Tanto Argentina como Uruguay atrajeron a numerosos inmigrantes de España, Italia, las Islas Canarias y países centroeuropeos y de Europa del Este. Uruguay, aunque más pequeño, tuvo más éxito estableciendo instituciones libres y alcanzó un alto nivel de educación para muchos de sus ciudadanos, conservando las libertades esenciales, y promovinendo el bienestar social convirtiéndose en un paraíso para los refugiados. Han ganado la copa mundial de fútbol en varias ocasiones y vencer a sus archirrivales en el campo de juego les ha ayudado a consolidar un fuerte sentido de identidad nacional. Aunque hablado por una minoría de la población, el portiñol es un elemento adicional que convierte a Uruguay en una nación inconfundible y orgullosa de su historia.


Norman Berdichevsky es autor, escritor, ensayista, editor, investigador, traductor, conferenciante y profesor universitario. Natural de Nueva York y residente en Orlando, Florida, realizó un doctorado en geografía humana en la Universidad de Wisconsin, Madison, en 1974. Acaba de publicar dos nuevos libros: The Left is seldom right y An introduction to Danish culture (La Izquierda raramente está cierta; Introducción a la cultura danesa, – ninguno de ellos traducido al español), los cuales pueden ser adquiridos través de la siguiente página de internet: http:www.newenglishreview.org

Título Original: ‘Portunhol and other Hurdles of Uruguaian identity’
© Dr. Norman Berdichevsky
Cortesia de: NB
Tradutora: Monica Racero (Ipswich, UK)

Como citar este artigo:
Berdichevsky, N. (2011). Portuñol y otros problemas en la identidad uruguaya. PortVitoria, UK, v. 3, Jul-Dec, 2011. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com