Joaquina Pires-O’Brien

O Marquês de Pombal era um personagem proscrito na história que aprendi no curso médio no Brasil. Eu atribuo isso à inclinação política de esquerda que predominava na época; tal inclinação era um ponto cego que impedia uma visão completa do personagem, com suas virtudes e seus vícios. Os professores de história argumentam que o ‘iluminismo’[1] de Pombal, apesar de seu longo alcance, foi primariamente um mecanismo para aumentar a autocracia às custas da liberdade individual e, especialmente, uma aparelhagem para esmagar a oposição, suprimir críticas, e ampliar a explotação econômica colonial, bem como intensificar a censura da imprensa e  consolidar controle e ganhos pessoais. Apenas em 1995 o público interessado teve acesso a uma visão bem mais abrangente do marquês, através do livro de Kenneth Maxwell, Pombal: Paradoxo do Iluminismo.

Uma importante característica de Portugal do século XVIII era a sua rígida estrutura de classes sociais. E conforme escreveu Manuel Fernando Vizela Marques Cardoso, “A ordem social, mantida por costumes antigos, estava claramente definida e quase ninguém punha em causa este sistema que a própria religião e o ensino toleravam.” Assim, não é difícil entender que Pombal incomodou muita gente ao romper com essa tradição. A nobreza de Portugal o menosprezava pelo fato dele não pertencer à mesma. E as pessoas ordinárias se referiam a ele como ‘estrangeirado`, devido às suas ideias avançadas aprendidas durante suas residências em Londres e em Viena. Foi um golpe de sorte para Portugal ter um monarca capaz de reconhecer a competência de Pombal, e um golpe de sorte duplo para o próprio Pombal,  ter sobrevivido e ter tido a oportunidade de demonstrar seu valor. Para uma época definida pelas governanças absolutistas isso não é coisa de se jogar fora, principalmente se levarmos em conta a quantidade de mentes brilhantes que são desprezadas pelas viciadas máquinas governamentais dos países democráticos de hoje em dia.

Em 1o de novembro de 1755, quando Lisboa foi atingida por um violento terremoto com magnitude estimada de 9, na escala Richter, tendo sido sentido até em Hamburgo e nas ilhas dos Açores. O terremoto foi seguido de um tsunami que também destruiu os portos do golfo de Cádiz, na Espanha, com ondas de 5 a 15 metros de altura. O abalo sísmico e o tsunami foram seguidos por diversos incêndios, resultando na destruição da maior parte da cidade de Lisboa.

Na época em que Lisboa foi acometida pelo terremoto, a população de Portugal desconhecia as leis físicas acerca da gravidade e do movimento dos corpos celestes, e o seu entendimento acerca do universo era entrelaçado às crenças na revelação divina bem como à especulações sem fundamento. Entretanto, na França, Inglaterra, e Alemanha, onde as ideias do Iluminismo já estavam espalhadas na população leiga, esta tinha ao menos uma ideia vaga de que o terremoto de Lisboa tinha sido um fenômeno normal da natureza. Foi a primeira vez na história da Europa em que um cataclismo de grande porte foi assim entendido. Quão diferente foi, por exemplo, do incêndio de Londres de 1625 e da Grande Peste de 1665 a 1666, ambos caracterizados por buscas irracionais de causas e de responsáveis.

Logo após o terremoto de Lisboa, o filósofo francês Voltaire (François-Marie Arouet; 1694 – 1778), se concentrou em explicar as suas causas naturais e dissipar a teodiceia reinante de que havia sido uma punição de Deus. Por tudo isso, o terremoto de Lisboa de 1755 tornou-se o marco do limite inicial do Iluminismo, apesar de que este ainda não havia chegado a Portugal. Em meio às centenas de corpos e aos escombros da cidade, os padres chamavam a população para rezar e pregavam que o terremoto havia sido um castigo divino. Pombal foi o quem trouxe a luz à população paralisada de medo, com sua atitude resoluta e sua competente liderança.  Uma frase dele que se tornou famosa é: “O que fazer agora? Enterramos os mortos e curamos os vivos!”.O presente ensaio visa mostrar que o personagem histórico Pombal tem outros ângulos além do de déspota esclarecido. E, é bom lembrar que poderia ter sido muito pior, se ao invés de esclarecido ele fosse estúpido e inculto.

Súmula biográfica

Dom Sebastião José de Carvalho e Melo, 1o Marquês de Pombal, 1o Conde de Oeiras (13 maio de 1699 – 8 Maio de 1782) foi um diplomata e estadista português. Durante o reinado de Dom José I de Portugal, de 1750 a 1777, ele ocupou o posto de Secretário de Estado do Reino de Portugal e do Algarve, cargo equivalente a um Primeiro Ministro contemporâneo, quando foi o chefe de fato do governo português. Melo recebeu seu primeiro título de nobreza aos 60 anos de idade, quando, em 1759, D. José I nomeou-o Conde de Oeiras. O rei lhe concedeu o título de Marquês de Pombal onze anos depois, em 1770, quando tinha 71 anos de idade.

Pombal já tinha 78 anos de idade quando deixou o cargo de Secretário de Estado, após o falecimento do rei D. José I, uma idade avançada até para os padrões contemporâneos. Em circunstâncias normais, um servidor público comum já teria se aposentado há pelo menos duas décadas. Mas Pombal era um homem de elevada diligência, o que sugere que teria optado por continuar contribuindo para a reconstrução de Lisboa e a modernização de Portugal. Não foi por acaso que surgiu o termo ‘pombalino’ para descrever o estilo de arquitetura que marcou a Lisboa de após o grande terremoto, bem como a gestão de Pombal. E o que aconteceu a Pombal depois da morte de  D. José I?

Por ter perseguido os jesuítas, Pombal tornou-se um desafeto D. Maria I[i], uma católica devota e sob o domínio dos primeiros. Diz-se que até mesmo a menção do nome de Pombal induzia ataques de raiva na rainha. Não contente em retirar todos os cargos de Pombal, ela também o acusou de corrupção, e num julgamento fantoche, sem o devido direito de defesa,  Pombal foi condenado. Em seguida, a rainha também emitiu uma das primeiras ordens de restrição da história, ordenando que o marquês não estivesse a menos de 32 quilômetros de sua presença. O cumprimento do decreto real exigia que Pombal se retirasse de sua morada, na eventualidade da rainha ter que viajar para alguma localidade próxima. Finalmente, e seguindo a cartilha de Maquiavel, a rainha buscou dar mostra de sua magnanimidade, publicando um edito dizendo que perdoava ao marquês pelos seus crimes e, como ele era senil e doente, não iria exigir que ele saísse do país.  É claro que essa concessão da rainha não serviu de conforto Pombal, cujo anseio maior era limpar o seu nome. Como o belo palácio que Pombal havia construído em Oeiras ficava a menos de 32 quilômetros de Lisboa, ele não pode permanecer lá depois de ter se retirado da corte. Pombal foi morar na vila de Pombal, em Leiria, numa casa de campo de propriedade de seu tio-avô, onde morreu placidamente em 1782, aos 82 anos.

Apesar de Pombal ter sido descartado pela rainha, os seus feitos passados selaram a sua reputação. Depois que os estudiosos de outros países reconheceram o valor de Pombal no avanço da secularização, colocando-o no centro do Iluminismo europeu. Aos poucos, a contribuição de Pombal voltou a ser reconhecida em Portugal. Em 1934 Pombal foi homenageado com uma estátua em bronze dele ao lado de um leão, em cima de um pedestal de pedra trabalhada de cerca de 40 metros de altura, numa importante praça de Lisboa que também leva o seu nome.

Os primeiros anos

Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu Casconho, próximo a Soure, na região de Coimbra, na primavera de 1699. Era filho de  Manuel de Carvalho e Ataíde, um proprietário de terras na região de Leiria, e de Teresa Luísa de Mendonça e Melo. Quando jovem, ele estudou na Universidade de Coimbra, e, serviu ao exército por um curto período de tempo. Em seguida, ele se mudou para Lisboa e evadiu-se com Teresa de Mendonça e Almada (1689–1737), viúva sem filhos de seu primo António de Mendonça Furtado, falecido em 1718, a qual era onze anos mais velha do que ele. Apesar da família da noiva ter organizado o casamento do jovem casal, eles optaram por ir morar numa propriedade dos Melo, próxima de Pombal. O casal não teve filhos e Teresa faleceu em Lisboa, em 6 de fevereiro, aos 51 anos.

Em 1733 Pombal foi nomeado sócio da Academia Real de História Portuguesa, fundada em 1720 por D. João V, o Magnífico, e cuja moto era Restituet Omnia, que significa ‘restaurar todas as coisas’. Em 1740, um ano depois de ter ido para Londres como embaixador, ele foi eleito membro da Royal Society,[3] onde possivelmente teve oportunidades de ouvir os iluminados época, inclusive o francês Voltaire, eleito membro em 1741.

Carreira política

Sebastião José de Carvalho e Melo ainda não tinha nenhum título de nobreza quando, em 1938,  aos  39 anos de idade, recebeu o seu primeiro cargo público importante, durante o reinado de D. João V. Isso ocorreu quando o então primeiro ministro (secretário de Estado), o cardeal D. João da Mota, nomeou-o embaixador (plenipotenciário da corte) junto à corte da Grã Bretanha. Em 1745, Melo serviu também como embaixador de Portugal na Áustria[4].

A participação de Melo na corte de Lisboa lhe deu a oportunidade de conhecer a culta e poliglota rainha consorte, a arquiduquesa Maria Anne Josepha, da Áustria (1683–1754)[5], a  qual simpatizou de imediato com Melo. Quando este ficou viúvo de Teresa, sua primeira esposa, a rainha arranjou o casamento dele com Eleonora Ernestina von Daun, filha do Marechal de campo austríaco Leopold Josef, conde von Daun. Entretanto, o rei D. João V, não aprovou o casamento, e o chamou de volta em 1749. O casal teve sete filhos, sendo que o segundo, D. Henrique José Maria Adão Crisóstomo de Carvalho e Melo (1748-1812), passou a ser o 2º Marquês de Pombal, e, eventualmente imigrou para o Brasil. Com a morte deste, sem ter deixado descendentes legítimos, o título passou ao seu irmão D. José Francisco de Carvalho Melo e Daun.

A carreira pública de Melo é restaurada em 1950, quando D. João V morre e é sucedido pelo seu filho D. José, que era afeiçoado a ele. Melo passa a trabalhar diretamente com D. José I, e logo passa a ser o braço  direito do monarca. A experiência pregressa de Melo em Londres e em Viena foi crucial para o seu novo cargo de Secretário de Estado de Negócios Interiores, cargo equivalente a primeiro ministro. Melo era um anglófilo que procurou entender as causas do sucesso econômico inglês, e  buscou implementar políticas econômicas semelhantes em Portugal. Pombal aboliu o exército e a marinha, aboliu os Auto de fé e os estatutos civis de ‘Limpeza de Sangue’ e suas discriminações contra os novos cristãos (judeus que haviam se convertido ao cristianismo a fim de escapar da Inquisição portuguesa, e seus descendentes).

As reformas pombalinas

As reformas pombalinas consistiram de uma série de reformas voltadas a fazer com que Portugal se tornasse uma nação autossuficiente e economicamente robusta, através da expansão do território brasileiro, do enxugamento da administração do Brasil colonial, e de reformas fiscais e econômicas tanto em Portugal quanto nas colônias.

Durante a Idade do Iluminismo, Portugal era considerado um país pequeno e atrasado. Em 1750, quando a população de Portugal era de três milhões de habitantes, cerca de 200 mil pessoas viviam nos 538 mosteiros do país. Embora a economia de Portugal antes das reformas fosse relativamente estável, esta dependia do Brasil para suporte econômico, e da Inglaterra para suporte na manufatura, através do Tratado de Mutuem de 1703. Até mesmo os produtos portugueses exportados eram intermediados por mercadores expatriados, como os exportadores ingleses de vinho do Porto e os negociantes franceses como Jácome Ratton, cujas crônicas são altamente críticas à eficácia de suas contrapares portuguesas.

A necessidade de expandir o setor manufatureiro em Portugal tornou-se ainda mais imperativo devido aos gastos excessivos da coroa portuguesa, o terremoto de Lisboa de 1755, as despesas com as guerras com a Espanha por territórios da América do Sul, e a exaustão das minas de ouro e diamantes no Brasil.

As maiores reformas de Pombal foram, no entanto, econômicas e financeiras, com a criação de várias empresas e ‘guildas’ para regular todas as atividades comerciais. Ele criou a empresa ‘Douro Wine’, que demarcou a região vinícola do Douro, para garantir a qualidade do vinho do Porto; essa foi a primeira tentativa na Europa de controlar a qualidade e a produção de vinho. Diz-se que Melo governou com mão pesada, impondo leis estritas a todas as classes da sociedade portuguesa, da alta nobreza à classe trabalhadora mais pobre, e através de sua ampla revisão do sistema tributário do país. Essas reformas lhe renderam inimigos nas classes altas, especialmente entre a alta nobreza, que o desprezava como um iniciante social.

Outras reformas importantes realizadas por Pombal foram na educação. Em 1759 ele criou a base para escolas primárias e secundárias públicas seculares, introduziu treinamento profissional, criou centenas de novos postos de ensino, adicionou departamentos de matemática e ciências naturais à Universidade de Coimbra e introduziu novos impostos para custear por essas reformas.

O terremoto de Lisboa

Um desastre caiu sobre Portugal na manhã de 1º de novembro de 1755, quando Lisboa foi atingida por um violento terremoto com magnitude estimada de 9 na escala Richter. A cidade foi arrasada não apenas pelo terremoto mas também pelo tsunami e incêndios que se seguiram. Melo sobreviveu por um golpe de sorte e imediatamente embarcou na reconstrução da cidade, com sua famosa citação: “O que fazer agora? Enterramos os mortos e curamos os vivos!”.

Apesar da calamidade, Lisboa não sofreu epidemias e, em menos de um ano, já estava sendo reconstruída. A nova área central de Lisboa foi projetada para resistir a terremotos subsequentes. Modelos arquitetônicos foram construídos para testes, e os efeitos de um terremoto foram simulados por marchas de tropas ao redor dos modelos. Os edifícios e as principais praças do centro pombalino de Lisboa são uma das principais atrações turísticas de Lisboa: são os primeiros edifícios à prova de terremotos do mundo. Melo também deu uma contribuição importante ao estudo da sismologia, projetando um questionário que foi enviado a todas as paróquias do país.

O questionário perguntou se cães ou outros animais se comportavam estranhamente antes do terremoto, se havia uma diferença notável na elevação ou queda do nível da água nos poços e quantos edifícios haviam sido destruídos e que tipo de destruição ocorreu. As respostas recebidas permitiram aos cientistas portugueses modernos reconstruir o evento com precisão.

Campanha contra e os autos da fé e contra os jesuítas

Melo fez uma forte campanha para por fim aos autos de fé, aquelas cerimônias públicas organizadas pelo Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Inquisição, e que incluía uma procissão que terminava numa estrutura em cadafalso, em cima do qual os réus eram apresentados ao público. Melo sabia que não podia exterminar a Inquisição, e assim, ele se limitou a tentar influencia-la. Para tal, ele nomeou o seu irmão, D. Paulo Antônio de Carvalho e Mendonça, inquisidor-mor. Ele também usou a inquisição para combater a ordem dos jesuítas, isto é, dos padres católicos pertencentes à Sociedade de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loyola em 1540, em Paris.

Inicialmente o ingresso na Sociedade de Jesus requeria um elevado padrão educacional de seus aspirantes. Os jesuítas eram mandados para as colônias europeias na América, Ásia e África, com a missão de converter os nativos e trazê-los ao seio da cristandade. Lá eles compilaram dicionários, e ensinaram música e teatro, além de outras coisas, como fizeram o Padre Manoel da Nóbrega e o Padre José de Anchieta no Brasil. Entretanto, passados quase dois séculos, a Sociedade de Jesus entrou em decadência. Muitos padres jesuítas eram incultos e ignorantes, como aqueles que pregavam que o terremoto de Lisboa havia sido um castigo divino.

Tendo morado em Viena e Londres, esta última sendo importante centro do Iluminismo, Melo acreditava cada vez mais que a Sociedade de Jesus, cujos membros são conhecidos como ‘jesuítas’, com seu domínio da ciência e da educação, era um resistência inerente a um iluminismo independente em estilo português.

Melo conhecia bem a tradição anti-jesuita do Reino Unido, e, em Viena, fez amizade com Gerhard van Swieten, confidente da imperatriz Maria Teresa e forte adversário da influência dos jesuítas austríacos. Melo empregou a sua autoridade e seus relacionamentos para expulsar os jesuítas de Portugal, engajando-se numa campanha pública a contra os jesuítas, que foi observada de perto pelo resto da Europa. Durante o caso Távora, quando um membro dessa família tentou assassinar o rei D. José I, ele acusou a Companhia de Jesus de envolvimento. Os jesuítas foram expulsos de Portugal e seus bens confiscados pela coroa. E em 1773 os jesuítas foram expulsos de toda a Europa e suas colônias, quando os reis absolutistas europeus forçaram o Papa Clemente XIV a emitir uma bula papal  que os autorizava a suprimir a ordem em seus domínios.

O affair Távora

A diligência de Melo – que ainda não era marquês –, logo em seguida ao terremoto de 1º de novembro de 1755 fez com que D. José I lhe atribuísse ainda mais autoridade. Segundo consta, foi aí que e Melo tornou-se numa espécie de ditador. À medida que seu poder cresceu, os seus inimigos aumentaram em número, e disputas amargas com a alta nobreza se tornaram frequentes. A maior dessas disputas amargas foi o affair Távora, iniciado em 1758, quando D. José I foi gravemente ferido em uma tentativa de assassinato, ao retornar de uma visita à sua amante, a jovem marquesa de Távora.

Melo jogou todo o seu poder contra a família Távora e também contra o duque de Aveiro, que estavam envolvidos. Melo não mostrou piedade, processando todas as pessoas envolvidas, até mulheres e crianças. Foi uma grande vitória do primeiro-ministro contra os seus inimigos da aristocracia. Após o caso Távora, o novo conde de Oeiras não conheceu oposição. Como recompensa por sua rápida determinação, D. José I tornou o seu leal ministro conde de Oeiras em 1759. Mais tarde, em 1770 foi nomeado Marquês de Pombal.

O affair Távora ainda não é um capítulo encerrado da história. Há uma tese de que os mandantes do crime não foram os Távora mas sim a rainha, D. Mariana Vitória, e que o verdadeiro alvo seria a marquesa, a amante de D. João V, que o acompanhava.

A invasão da Espanha

Em 1761, a Espanha concluiu uma aliança com a França, pela qual a Espanha entraria na Guerra dos Sete Anos, em um esforço para impedir a hegemonia britânica. Os dois países viam Portugal como o aliado mais próximo do Grã-Bretanha, devido ao Tratado de Windsor. Como parte de um plano mais amplo para isolar e derrotar a Grã-Bretanha, enviados espanhóis e franceses foram mandados a Lisboa para exigir que o rei e Pombal concordassem em cessar todo o comércio ou cooperação com a Grã-Bretanha ou enfrentar uma guerra. Embora Pombal desejasse tornar Portugal menos dependente da Grã-Bretanha, esse era um objetivo a longo prazo, e ele e o rei rejeitaram o ultimato de Bourbon.

Em 1762, a Espanha declarou guerra a Portugal e enviou tropas através da fronteira. Apesar de terem conseguido capturar Almeida, eles logo pararam. Pombal havia enviado mensagens urgentes a Londres solicitando assistência militar, mas nenhuma tropa britânica foi enviada. Em vez disso, a Grã-Bretanha enviou William, o conde de Schaumburg-Lippe e alguns de seus militares para organizar o exército português.

Após a Batalha de Valência de Alcântara, os espanhóis foram empurrados de volta à fronteira. O Tratado de Paris pedia a restauração de todo o território português em troca dos britânicos devolverem Cuba, e Almeida foi evacuado.

Nos anos após a invasão, e apesar da crucial assistência britânica, Pombal começou a se preocupar cada vez mais com o aumento do poder britânico. Apesar de ser um anglófilo, ele suspeitava que os britânicos cobiçavam o Brasil e ficou alarmado com a aparente facilidade com que haviam tirado Havana e Manila da Espanha em 1762.

Relações com o Brasil

Pombal deu atenção ao Brasil, assim como às demais colônias portuguesas.

Em 1751, criou o Tribunal de Relações do Rio de Janeiro. Juntas de justiça foram instituídas nas capitanias.

Em 1763, mudou a capital do Brasil, de Salvador para o Rio de Janeiro.

Organizou a fundação de numerosas comarcas e vilas foram fundadas. A capitania de Mato Grosso, criada por D. João V, só então foi instalada. Criou a capitania do Piauí, e resolveu a questão entre as fronteiras das capitanias de São José do Rio Grande e de Rio Grande de São Pedro.

Renomeou o Estado do Maranhão, criado em 13 de junho de 1621, como Estado do Grão-Pará  e Maranhão, que permanece como uma colônia autônoma portuguesa até 1823.

Incentivou a diversificação da agricultura, fazendo com que o Brasil passasse a plantar mais arroz, tabaco, algodão e cacau.

Tornou o português a língua oficial em todo o território do Brasil.

Declínio e morte

Efetivamente, Melo governou Portugal até a morte de D. José I em 1777, quando ele foi sucedido por sua filha, Dona Maria I, cujo marido, tornou-se Dom Pedro III, um rei consorte. D. Maria I era uma católica devota e sob a influência de padres jesuítas, em decorrência de que o Marquês de Pombal era um desafeto. Assim que subiu ao trono, ela fez o que havia prometido: retirou todos os cargos políticos de Melo.

D. Maria I também emitiu uma das primeiras ordens de restrição da história, ordenando que o marquês não estivesse a menos de 32 quilômetros de sua presença. Se ela viajasse perto de suas propriedades, ele era obrigado a se retirar de sua casa para cumprir o decreto real. Diz-se que a menor referência em sua audição a Pombal induzia ataques de raiva na rainha. Dona Maria I era conhecida inicialmente como ‘a piedosa’, mas mais tarde ficou evidente que a sua piedade era uma exagerada manifestação de sua insanidade, e após ser interditada em 1792, entrou para a história como ‘a louca’. Logo no início do seu governo, de 1777 a 1792, ela afastou o Marquês de Pombal da corte, depois que este foi acusado de corrupção e condenado num julgamento fantoche. Entretanto, para mostrar-se como benemérita, a rainha fez publicar uma decisão dizendo que perdoava ao marquês por seus crimes e, como era senil e doente, não iria exigir que ele saísse do país.

Em Oeiras, entre Lisboa e Cascais, Pombal havia construído um belo palácio, completo com jardins franceses formais, com paredes decoradas com tradicionais azulejos portugueses e vinhedos entremeados por chafarizes e córregos artificiais. Entretanto, devido a proximidade do Palácio de Oeiras com Lisboa, após o seu banimento da corte, Pombal foi morar num solar de campo de propriedade de seu tio-avô, na vila de Pombal (Leiria), onde morreu placidamente em 1782, aos 82 anos.

Pombal foi enterrado no cemitério da igreja do convento de Santo Antônio, na vila de Pombal. Em 1856/7, o Marechal Saldanha, seu neto por via materna, trasladou para Lisboa os restos mortais do marquês, que foram depositados na ermida das Mercês, onde o Marquês de Pombal fora batizado e que pertencia à irmandade. Em 1923, os restos mortais passaram em definitivo para a Igreja da Memória, em Lisboa, onde se encontram até ao presente.

O julgamento da História

D. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, recebeu o julgamento da história em prestações. Foi déspota, líder cruel e implacável, e déspota esclarecido. Talvez a maior mancha na sua reputação foi ter permitido o julgamento rápido dos acusados do crime de tentativa de regicídio contra D. José I. Essa é uma acusação procedente pois a justiça para ser justa precisa ser isenta de influência política. Por outro lado, os crimes de lese-majesté eram considerados hediondos e acompanhados de pena de morte.

O terremoto de Lisboa de 1755 foi a primeiro grande calamidade da Europa a ser explicada ao povo pelas suas causas naturais e não pela vontade Divina e outras a causas improváveis. A atuação de Pombal foi crucial para essa mudança, e o colocou no centro do Iluminismo. Quando não era mais possível retirar de Pombal o rótulo de ‘iluminado’, ele passou a ser chamado ‘déspota esclarecido’.

Um dos mais cruéis julgamentos de Pombal, anteriormente mencionado, afirma que o ‘iluminismo’  do marquês foi primariamente um mecanismo para aumentar a autocracia às custas da liberdade individual e, especialmente, uma aparelhagem para esmagar a oposição, suprimir críticas, e ampliar a explotação econômica colonial, bem como intensificar a censura da imprensa e  consolidar controle e ganhos pessoais. Entretanto, esse julgamento é típico da miopia dos ideólogos de esquerda e sua noção de que a sociedade é formada por opressores e oprimidos.

O governo português reconheceu os feitos do Marquês de Pombal em 1934, com a construção um importante monumento histórico colocado na praça em Lisboa que também leva o seu nome, no topo da Avenida da Liberdade. Em 1978, na cidade de Pombal, foi criado o Museu Marquês de Pombal, que guarda a coleção de objetos relacionados ao marquês, colecionados pelo antiquário Manuel Gameiro. E, no município Oeiras, onde Pombal construiu seu magnífico palácio, marca com um feriado a data em que Sebastião José Carvalho e Melo foi elevado à dignidade de Conde de Oeiras, em 7 de Junho de 1759.

Diversas biografias recentes do Marquês de Pombal, aparentam oferecer julgamentos bem mais equilibradas do que os até então vigentes, como as abaixo citadas.

Maxwell, Kenneth. Pombal: Paradox of the Enlightenment. (Pombal: Paradoxo do Iluminismo; 1996).  do Marquês de Pombal. O Homem e o Estadista. 2016. 160 p. (Veja abaixo trecho da resenha)

Barata, José. A vida e a obraAzevedo, João Lúcio. O Marquês de Pombal e a sua época. Wentworth Press, 2019.

Em conclusão, o bom senso é muito mais chegado à objetividade do que a ideologia, que é sempre acompanhada de vieses. Na vida real, a maior parte das pessoas tem suas boas qualidades e seus defeitos, bem como os seus acertos e seus erros, e tudo deve ser levado em conta no julgamento honesto da história. O Marquês de Pombal não foi um santo mas tampouco foi o demônio como muitos o pintaram.

                                                                                                              ________________

Retrato do Marquês dfe Pombal
Figura 1. Marquês de Pombal.

 


Figura 2. Praça rotunda do Marquês de Pombal, em Lisboa, a 19 de março, dia seguinte ao decreto de ‘estado de emergência’ do Covid19. (Guia da Cidade.pt)

 

 Marquês de Pombal: O déspota esclarecido

Derek Beales

Resenha do livro Pombal: Paradox of the Enlightenment by Kenneth Maxwell. Cambridge University Press, 1995, 200 pp.

Por duas vezes na sua história, Portugal teve um papel de liderança na Europa. No século XV, foi pioneiro em explorações e descobertas em outros continentes, o que resultou em sua transformação num vasto império, que incluía postos avançados na Ásia, partes substanciais da África e metade da América do Sul, principalmente no atual território do Brasil. Outras potências logo seguiram o exemplo de Portugal – embora não a Áustria. O império português ainda estava em grande parte intacto, e no Brasil ainda estava em expansão, quando em 1759 Portugal tomou outra grande iniciativa, a expulsão e expropriação dos jesuítas da pátria e de suas colônias. Um por um, os outros poderes católicos, novamente com a grande exceção da Áustria, seguiram o exemplo de Portugal. Em 1773, a pressão deles sobre o papa Clemente XIV se tornou forte demais para ele resistir, e ele decretou a supressão total da ordem jesuíta. A Áustria obedeceu.

A primeira iniciativa de Portugal foi certamente uma das mais significativas da história registrada. Se o segundo não pode ser colocado na mesma classe, ainda foi um evento que surpreendeu o mundo e o mudou muito. Ninguém duvida que um homem tenha sido o principal responsável pela expulsão de Portugal dos jesuítas: o marquês de Pombal, o primeiro ministro do rei José I durante todo o seu reinado de 1750 a 1777. É a ação pela qual Pombal é mais conhecido, mas ele foi um governante excepcionalmente enérgico e implacável, que tentou transformar a maior parte dos aspectos da economia e da sociedade de seu país. O historiador Leo Gershoy o chamou de “o reformador mais espetacular e dinâmico do século” – uma reivindicação grande feita ao escrever sobre a era de Pedro, o Grande e Catarina, a Grande da Rússia, Frederick William I e Frederick, o Grande da Prússia, Maria Teresa e José II da Áustria e seu ministro, o príncipe Kaunitz.

A nova biografia de Pombal, de Kenneth Maxwell, é uma conquista notável. Em apenas 166 páginas de texto, nas quais também foram encontradas 47 ilustrações, ele explica os desenvolvimentos no Brasil e em Portugal, coloca os dois países em seus cenários mundiais, expõe a carreira do ministro, seus objetivos e ações, e depois os discute como um caso de despotismo esclarecido – tudo com evidente domínio e deleite. O livro é baseado em uma extensa pesquisa, que rendeu algumas citações esplendidamente apontadas. Se muito disso já figurou em Conflitos e conspirações: Brasil e Portugal, 1750–1808, de Maxwell, a concentração no próprio Pombal nesta biografia levou-o a considerar muitos assuntos não relevantes para o livro anterior, como a reforma educacional e a reconstrução de Lisboa, com a qual Pombal esteve profundamente envolvido. Pombal representa um imenso avanço sobre qualquer coisa publicada anteriormente em inglês sobre o assunto e, até onde eu sei, não há nada comparável a isso em qualquer idioma.

O primeiro problema sobre Pombal é o seu nome. Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu em 1699 em uma família nobre. Em 1759 foi designado conde de Oeiras, e apenas em 1769 marquês de Pombal. A sua carreira começou…

                                                                                                             

Resenha publicada em inglês no The New York Review of Books. April 18, 1996. Tradução de JPO.

 

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The New York Review of Books. April 18, 1996.

Notas

[1] O Iluminismo, ou ‘século das Luzes’, foi um movimento intelectual da segunda metade do século XVII nos países mais avançados da Europa, caracterizado por uma visão de mundo inteiramente naturalista, em contrapartida à visão supernaturalista que até então dominava. Embora o naturalismo já estivesse bem assentado nas mentes mais avançadas do século XVII,  foi apenas no século XVIII que as pessoas ordinárias começaram a se interessar tanto pelas ciências naturais quanto pelas ciências sociais e políticas.

[2] Dona Maria I conhecida como ‘a rainha louca’ foi eventualmente interditada, sendo que o governo de Portugal passou para o Príncipe Regente D. João, que após a morte de Dona Maria I passou a ser D. João VI.

[3] A Royal Society é uma das primeiras academias de ciência do mundo, fundada em Londres em 1660.

[4] É pertinente lembrar a situação política da época tanto Grã Bretanha quanto na Áustria.  Na Grã Bretanha, o monarca reinante era George II (r. 1727-1760), da casa de Hannover, escolhida pelo parlamento para ascender ao trono Britânico em 1714, tomando o lugar da casa dos Stuart. Precisamente no reinado de George II, Charles Edward, filho de James Francis Stuart e bisneto de James II, o último rei Stuart da Grã Bretanha, chega à Escócia para tentar reaver o trono britânico, provocando uma série de batalhas, sendo a última a de Culloden, em abril de 1746. Na Áustria, o poder monárquico centrava na Imperatriz Maria Teresa (r. 1740-1780), e não no seu marido, Francisco (François Étienne ou Francico Estevão), que era natural de Lorena (atualmente na França), o qual foi eleito Sacro Imperador Romano, com a designação de Francisco I.  Maria Teresa e Francisco I tiveram dezesseis filhos, dentre os quais a ultima rainha da era pre-revolucionaria da Franca, Maria Antoinette. (1755–1793).

[5] Maria Ana Josefa de Áustria (Linz, 7 de setembro de 1683 – Lisboa, 14 de agosto de 1754) era filha do imperador Leopoldo I, e da sua terceira mulher, a condessa Leonor Madalena. Era irmã dos imperadores José I e Carlos VI, também pretendente ao trono espanhol, e meia-irmã de Maria Antônia de Áustria, eleitora da Baviera, entre outros. Foi rainha consorte de Portugal de 1708 a 1750, enquanto mulher do Rei D. João V de Portugal. Três dos seus filhos sentaram-se no trono: D. José, Rei de Portugal, D. Pedro, rei-consorte de Portugal pelo seu casamento com a sua sobrinha, e D. Maria Bárbara, Rainha de Espanha pelo casamento.

Joaquina Pires-O’Brien

O ensino formal do Ocidente tem suas raízes na ‘paideia’ (tradução literal: ‘educação da criança’), o sistema de educação e formação ética que surgiu na antiguidade clássica da Grécia, e que se espalhou para o mundo helênico[i], e deste, para o mundo romano. O objetivo da paideia era formar um cidadão[ii] perfeito e completo, capaz de liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade. As meninas gregas eram excluídas da paideia, pois, embora também fossem consideradas  cidadãs, a sua cidadania era incompleta, visto que não tinham o direito de votar, e consequentemente, participar diretamente na polis. Os professores, chamados ‘paidagōgos’, ensinavam a leitura e a escrita, atletismo, música, e boas maneiras.

Em Roma, a educação era feita através do ensino em casa por tutores contratados, o que era comum nas famílias mais abastadas, assim como através de escolas básicas, as Ludi (de ludus literarius), para meninos de 7 a 14 anos de idade. Os Ludi eram bastante simples, e, no geral, consistiam em salas de aula improvisadas atrás de lojas, comumente separadas por uma simples cortina. O período de estudo era de um dia inteiro, com uma pausa para o almoço. As crianças trabalhavam no ábaco para aprender matemática básica, e aprendiam o latim através de ditados. Os alunos escreviam em tábulas de madeiras revestidas de cera. Estiletes com uma extremidade afiada e outra arredondada eram usados para escrever e apagar. Havia aulas todos os dias exceto nos dias de mercado e nos feriados religiosos, que eram muitos. Os alunos não precisavam saber por que algo estava certo, mas apenas que estava certo. O professor, conhecido como litterator, ensinava aos alunos o que era considerado certo mas não necessariamente o porquê das coisas. Tinha o direito de aplicar correção física nos alunos pelas mínimas ofensas, batendo neles com uma vara ou com um chicote. Os romanos das classes mais abastadas, e que tinham o costume de contratar tutores para os seus filhos,  também se preocupavam com a educação de suas filhas, conforme evidenciado pelas cartas enviadas por mulheres romanas a seus maridos que serviam nas diversas províncias.

Os romanos também reconheciam a importância de uma educação mais avançada para preparar os jovens que aspiravam entrar na política. Eles tomaram emprestado a organização disciplinar da Academia de Platão, em Atenas, introduzindo um sistema educacional baseado nas sete artes liberais. A gramática, a lógica e a retórica formavam o curriculum do trivium, enquanto que a aritmética, a geometria, a música, e a astronomia formavam o curriculum do quadrivium. Entretanto, o ensino do trivium e do quadrivium era particular, e os professores eram tutores contratados.

A educação pública envolvendo o ensino do trivium e do quadrivium é um dos legados de Carlos Magno (742-814 EC), o rei dos francos que em 800 foi coroado ‘Sacro Imperador do Oeste’ (i.e., do Império Romano do Ocidente), pelo Papa Leão III. A estreita relação entre Carlos Magno e a Igreja Católica Romana explica o seu interesse pela educação pública. Primeiro, Carlos Magno criou seminários voltados a formar clérigos bem preparados e dotados de um elevado padrão moral, e, em seguida, criou escolas paroquiais, onde os clérigos atuavam como professores. A chamada ‘renascença carolíngia’ tem a ver com os esforços de resgatar a educação do mundo clássico. A renascença própria, definida pela busca e valorização da arte clássica, incluindo a literatura e a filosofia, somente teve início a partir do século XIV.

 A academia de Platão

Em 387 AEC Platão retornou a Atenas após um exílio autoimposto em decorrente da morte de Sócrates (c. 469-399 AEC) e logo começou a trabalhar na construção de uma escola de preparação de jovens promissores para o exercício de cargos públicos. O local da escola era em um sítio chamado Akádemeia (Academia), que significa, ‘bosque de Akademos’, herói mítico de Ática, o país do qual Atenas era a capital, localizado fora dos muros da cidade. O nome Akádemeia, por fim,  passou a ser o nome da escola de Platão.

Há poucas referências documentais acerca da escola de Platão, cujo objetivo era permitir que os alunos, os quais eram selecionados pela aptidão, apreendessem a realidade e os seus aspectos mais relevantes ao bem, à justiça e à sabedoria.  A aptidão requerida para a admissão à escola de Platão incluía a veneração às musas da literatura, da ciência e das artes da mitologia grega[iii], indicativa do desejo de aprender, bem como conhecimentos de geometria. Sobre as disciplinas ensinadas, a academia oferecia matemática, dialética, música, ciências naturais e esportes. Sobre o modelo de administração da escola de Platão, há uma referência de que esta era uma entidade corporativa com um diretor vitalício, eleito pela maioria dos seus membros. A partir dos próprios textos platônicos, os eruditos fizeram algumas inferências sobre como a escola de Platão funcionava.

A leitura mais comum dos textos de Platão é de que o filósofo favorecia a aristocracia à democracia, sendo que a aristocracia de Platão referia-se ao governo do rei filósofo, isto é, de ‘guardiães’ especiais, tanto por serem as pessoas mais capazes quanto por serem livres das tentações da riqueza – eles eram proibidos de acumular propriedade. Entretanto, há uma leitura alternativa dos textos de Platão a qual afirma que a apologia de Platão à aristocracia – o governo do rei filósofo, tem mais a ver com o regime da sua academia, na qual os alunos  eram obrigados a deixar suas famílias para viver no espaço da escola, junto com os seus colegas e professores. Exatamente como ocorre nas universidades mais tradicionais do Ocidente.

Depois da morte de Platão em 348 AEC, o seu sobrinho Espeusipo (?- c. 338) foi eleito para sucedê-lo. É razoável presumir que a Academia de Platão tenha sido fechada e reaberta diversas vezes. Não obstante, os historiadores reconhecem três fases, uma mais antiga, uma média e outra mais nova. A fase mais antiga vai de Platão aos seus sucessores conservadores como Espeusipo, Xenócrates, Polemon e Crates, indo até o ano 265 AEC. A fase média inclui diversas academias que apareceram e fecharam, como a quarta academia fundada por Fílon de Larissa, na Tessália, que terminou com a morte deste em 83 EC. Três anos depois, em 86 EC, os romanos, sob o comando do general Sulla, saquearam Atenas e destruíram a academia e a sua biblioteca. A fase mais nova descreve o período, já na Idade Média, quando surgiu uma escola neoplatônica que funcionou de 410 EC a 529 EC, quando o imperador bizantino Justiniano I, motivado pelo desejo de criar uma ortodoxia católica, mandou fechá-la.

 O liceu de Aristóteles em Atenas. A Escola Peripatética

Aristóteles (c. 384-322 AEC) nasceu em Estagira, no norte da Grécia, sendo filho de um médico da corte da Macedônia. Em 367 AEC, quando tinha 17 anos de idade, ele entrou para a Academia de Platão, e lá permaneceu até a morte de Platão em 348 AEC. Nesse mesmo ano, Aristóteles deixou Atenas e foi morar em Assos, Mísia, onde conheceu sua primeira esposa, Pítia, com quem teve uma filha também chamada Pítia. Em 333 AEC Aristóteles foi chamado para a corte da Macedônia, em Pela, onde o seu pai havia servido como médico da corte. Aristóteles trabalhou três anos como professor de Alexandre, filho de Felipe II e sua esposa Olímpia, e de outros nobres.

Em 335 AEC, Aristóteles retornou a Atenas e fundou o Liceu, na parte leste da cidade e fora dos seus muros, o qual dispunha de uma vasta biblioteca e de um museu. O estilo de ensino do Liceu de Aristóteles era mais formal do que aquele adotado pela Academia de Platão. Há estudiosos que consideram o Liceu de Aristóteles o verdadeiro precursor não só das universidades do Oeste mas também das instituições de pesquisa como os museus. Aristóteles fundou o seu Liceu (Lykeion ou Lyceum) em 335 AEC. O Liceu de Aristóteles é também conhecido como ‘Escola Peripatética’ devido ao fato de que muitas aulas eram dadas enquanto os alunos e os professores caminhavam através de um bosque ou alameda, que em grego era denominada ‘peripeto’. Por essa mesma razão, os alunos e seguidores de Aristóteles eram conhecidos como ‘peripatéticos’. A Escola de Aristóteles e dos peripatéticos ensina que a essência das coisas que nós experimentamos é eterna e imutável, e por essa razão, podemos descobrir a verdade, o propósito e a virtude de cada coisa através de uma cuidadosa combinação de observação e análise.

Durante o período que passou na Macedônia, Felipe II conquistou a Grécia. Portanto, em 335 AEC, o ano em que o Liceu de Aristóteles começou a funcionar, a Grécia já se encontrava há três anos sob o domínio da Macedônia. No ano anterior, Filipe II da Macedônia foi assassinado, sendo sucedido pelo seu filho Alexandre III, que partiu com o seu exército para invadir a Pérsia. Na qualidade de ex-professor de Alexandre, Aristóteles tinha uma posição de prestígio em Atenas. Entretanto, isso mudou depois da morte prematura de Alexandre em 323 AEC[iv], quando surgiu em Atenas uma onda de perseguição aos amigos dos macedônios. Aristóteles foi acusado de impiedade, o mesmo crime pelo qual Sócrates havia sido condenado. Percebendo que sua vida estava em perigo, Aristóteles entregou o Liceu e a sua obra ao seu ex-aluno Teofrasto (c. 372- c. 287), e fugiu para Cálcis, na Ilha de Eubeia, onde faleceu em 322 AEC, aos 62 anos de idade. O próprio Teofrasto foi acusado do mesmo crime por ter denunciado a prática de sacrifícios de animais, mas escapou de ser condenado.

As escolas filosóficas da cultura grega

A Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles não foram as primeiras escolas da Grécia, mas as primeiras a funcionar como corporação. É que o conceito de escola também se aplica a linha de pensamento ou de doutrinas criada por um mestre e seus seguidores. Nesse sentido, Sócrates teve uma escola de filosofia, assim como os pensadores conhecidos como pré-socráticos. Havia ainda a escola de retórica de um grupo de professores itinerantes conhecidos como sofistas. A retórica ensinada pelos sofistas empregava táticas baseadas na emoção, que tanto Platão quanto Aristóteles condenavam como sendo desonestas. A retórica que Platão e Aristóteles ensinaram era baseada no logos, e portanto, na educação liberal.

Depois do desaparecimento das escolas peripatéticas, surgiu na Grécia, ou melhor, no mundo helênico, uma série de escolas filosóficas, como as dos Céticos, dos Epicuristas, e a dos Estoicos.

O Neoplatonismo, um sistema filosófico e religioso desenvolvido por Plotino no século III EC em torno de Platão e seu interesse pelo místico, foi muito bem exemplificado pela  conexão do amor à ‘beleza eterna’. Plotino derivou daí a frase “o ser é um traço do Uno”, que atraiu pensadores tanto cristãos, como Santo Agostinho de Hipona, quanto islâmicos, como Al-Farabi e Avicena. Uma das falhas do Neoplatonismo foi exagerar o misticismo de Platão, o qual também se interessou pelo estudo da natureza em si, através da observação. O discípulo principal de Plotino e continuador de sua filosofia foi Porfírio (c.233-305 EC), o qual dedicou-se também a Aristóteles e outros pensadores, e procurou um sistema filosófico capaz de resistir aos ataques dos teólogos cristãos. Por fim, diversos pensadores cristãos abraçaram o Neoplatonismo, sendo o mais notório desses, Santo Agostinho de Hipona (354-430 EC).

 O ‘Mouseion’ ou Biblioteca Real de Alexandria

Dentre os importantes legados de educação e pesquisa do período helenístico, o mais notável de todos é o ‘Mouseion’ ou Templo das Musas, a Biblioteca Real de Alexandria, a maior do mundo antigo.

O Mouseion foi planejado por Alexandre o Grande (356-323 AEC), na ocasião em que havia conquistado o Egito. Alexandre imaginou uma cidade do conhecimento que fosse uma nova Atenas, na belíssima ilha de Faros, a oeste do delta do rio Nilo. A cidade teria uma biblioteca capaz de abrigar toda a literatura e todo o conhecimento existente no mundo, e espaço de trabalho para os estudiosos. E, como símbolo do conhecimento, a cidade teria também um enorme farol, construído no topo de um penedo.  Alexandre não pôde levar adiante os seus planos pois morreu na Babilônia, no local da atual Bagdá, em maio de 323 AEC, com apenas 33 anos de idade[iv]. Um de seus generais, Ptolomeu I (366-285/283 AEC) assumiu o governo do Egito, e, decidiu levar adiante a construção da cidade de Alexandria, incluindo a gigantesca biblioteca real e um magnífico farol.

Ptolomeu I iniciou o seu governo trabalhando na restauração da ordem no Egito, adiando a construção da cidade de Alexandria para depois que tivesse a adesão dos egípcios. Ele conseguiu ganhar a afeição dos egípcios, que lhe atribuíram o título de ‘Soter’, ou ‘Salvador’. Logo que tomou as rédeas do Egito, Ptolomeu I decidiu trazer o corpo de Alexandre para ser sepultado na nova cidade que levaria o seu nome. Ele conseguiu interceptar a caravana, vinda da Babilônia, que levava o corpo de Alexandre para a Macedônia, e desviá-la para Mênfis. Ptolomeu I, o Salvador, conseguiu dar início às obras da nova cidade de Alexandria, e quando ele morreu em 282 AEC, a cidade ainda era um enorme canteiro de obras, repleto de trabalhadores de todas as nacionalidades. Ele foi substituído pelo seu filho Ptolomeu II (283-246 AEC), designado ‘Philadelphus’ – ‘Amor de Irmão’, o qual terminou a construção da grande biblioteca real, por volta do ano 270 AEC.

A descrição da biblioteca real de Alexandria que chegou até nós é aquela feita pelo geógrafo Estrabão (c.64 AEC – 14 EC). A descrição que Estrabão deu da biblioteca da Alexandria, no Egito, é de uma biblioteca-escola, pois dispunha de alojamentos, áreas para palestras, jardins e um zoológico. Era melhor conhecida como ‘Mouseion’, ou ‘morada das musas’, devido às suas estátuas das nove musas das artes e da ciência da mitologia grega. Essa biblioteca não deve ser confundida com uma segunda biblioteca construída posteriormente no Templo de Serapis, conhecida como Serapium.

Segundo Estrabão, o Mouseion ficava na zona dedicada à realeza greco-macedônica, chamada Bruchium, onde também ficava o Mausoléu de Alexandre e o teatro. Ptolomeu II também conseguiu terminar o grande farol, considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. As palavras ‘museu’ e ‘farol’ são derivadas de ‘Mouseion’ e ‘Faros’, respectivamente.

A dinastia dos Ptolomeus, que terminou com Cleópatra VII (c.70/69 –  30 AEC), zelou pela manutenção do Mouseion e de suas atividades culturais. Estima-se que a biblioteca tenha chegado a ter entre 500.000 e 700.000 rolos de pergaminhos e manuscritos de todas as partes do mundo, incluindo a Grécia, a Pérsia a Assíria e a Índia.

Durante o seu apogeu, a Alexandria foi uma das mais importantes cidades do mundo antigo, além de ser também um dos maiores centros culturais do mundo civilizado. Era uma cidade altamente cosmopolita, onde diversas culturas conviviam pacificamente, incluindo uma extensiva comunidade de judeus. O Mouseion tornou-se um respeitado centro de estudos que atraía estudiosos das mais diversas nacionalidades. Dentre os seus famosos pesquisadores estão Euclides, Erastóstenes e Aristarco de Samos. Lá ocorreu ainda a mistura do patrimônio cultural egípcio, helênico e judaico, que por sua vez influenciou os primeiros textos do cristianismo.

Há diversas narrativas históricas que afirmam que a biblioteca real (Mouseion) foi destruída acidentalmente no ano 48 AEC por um incêndio causado por Júlio César, e que a biblioteca Serapium tomou o lugar da primeira até ser ela própria destruída no ano 391 durante a guerra civil que ocorreu no reinado do imperador Aureliano. Tais narrativas já foram descartadas como sendo erradas, conforme apontou Theodore Vretos no seu interessante livro Alexandria, City of Western Mind (Alexandria, cidade da mente ocidental). Nesse livro, Vretos descreve a Alexandria como um farol que guiava as mentes mais criativas do dia. Cientistas, filósofos, teólogos e artistas vieram de todo o mundo ocidental para estudar em sua imensa biblioteca e universidade, onde fizeram extraordinárias descobertas. Thales, Euclides e Apolônio inventaram a prova matemática. Aristarco foi a primeira pessoa a colocar o sol no centro do nosso sistema solar. Eratóstenes calculou a circunferência da Terra, e Herófilo inventou a anatomia. Foi também ali que Clemente (c. 150 – c. 215 EC) fundou a primeira escola de filosofia helênica-cristã, em cujos trabalhos ele se referiu a Jesus como o ‘tutor’ ou ‘pedagogo’ da humanidade, e, que também serviu de base para a escola neoplatônica.

 As escolas do Oriente Médio

O Mouseion ou Biblioteca da Alexandria foi o maior centro de conhecimentos do mundo antigo, mas não foi o único do mundo helênico. Havia ainda a Academia de Gundishapur (ou Jundishapur), na antiga Pérsia, criada em 271 AEC onde já havia uma escola de medicina. A Academia de Gundishapur era um centro de estudos e de traduções, cuja biblioteca tinha cerca de 400 mil livros. Consta que Gundishapur recebeu muitos dos professores da antiga Escola de Atenas, depois que esta foi fechada a mando do imperador Justiniano em 529 EC.

No século IV, a Síria ganhou duas escolas importantes, a Escola de Teologia da Antioquia, e a Escola de Direito Romano de Berytus (a atual Beirute).

A Escola de Pandidakterion, em Constantinopla, foi fundada em 425 EC por Teodósio II, Imperador do Império Romano do Oriente. Considerada uma das primeiras universidades do mundo, a Escola de Pandidakterion tinha autonomia e oferecia um amplo leque de disciplinas.

Na Mesopotâmia, a Universidade Beit al Hima (ou Casa da Sabedoria), de Bagdá, Iraque, foi fundada por al-Ma’mun (reinou de 813 a 833 EC), filho do califa Harun al-Rashid (reinou de 786 a 809 EC), a partir da biblioteca criada pelo seu pai. Essa Casa da Sabedoria de Bagdá atraiu tanto os estudiosos muçulmanos quanto os judeus e cristãos. Lá trabalharam estudiosos poliglotas que ensinaram astronomia, física, matemática, medicina, química e geografia. Foi destruída pela invasão mongol de 1258. Outra importante instituição do Iraque foi a Universidade (Nezamiyeh) al-Nizamiyya, fundada em 1065. Na Idade Média era considerada a maior universidade do mundo, chegando a ter 3 mil alunos. Também foi destruída pela invasão mongol de 1258.

No mundo árabe islamizado, surgiram as universidades de al-Karaouine, no Marrocos, fundada em 859 EC, e a Universidade al-Azhar (Jamiat al-Azhar em árabe), no Cairo, fundada em 970-972.

A Universidade de al-Karaouine (ou Al Qarawiyyin), localizada em Fez, no Marrocos, e associada à uma mesquita de mesmo nome, foi criada em 859 por uma mulher rica e bem educada, chamada Fatima Fihriyya. Essa universidade foi a principal instituição educacional do mundo muçulmano, e perdurou por mais de mil anos. Outro dado interessante sobre essa universidade é o fato de ter sido recentemente reconstruída.

No Cairo, no Egito, a Universidade al-Azhar (ou Jāmiʿat al-Azhar) foi um grande centro de cultura islâmica e árabe, fundada em 970 EC pelos seguidores da dinastia Fatimida, isto é, da filha do Profeta Maomé, chamada ‘al-Zahra’, isto é, ‘a luminosa’. No início de sua existência era uma instituição relativamente informal, sem currículos formais ou diplomas. A Universidade al-Azhar começou a decair na segunda metade do século XII, após a conquista de Saladin, o fundador da dinastia Suni Ayyūbid. Foi reconstruída depois de ter sido parcialmente destruída pelo terremoto do início do século XIV. Sobreviveu às mais diversas situações políticas, incluindo a invasão napoleônica do início do século XVIII, e ainda hoje é a principal universidade do Cairo.

Conforme visto acima, o Oriente Médio antecedeu à Europa em muitos séculos no tocante a academias de estudos. As primeiras academias do Oriente Médio tinham origens helênicas, bizantinas, árabes e islâmicas. Foi graças a essas academias que a Europa recuperou o conhecimento da cultura clássica.

 A escola de Plínio, o Velho (23-79 EC)

Plínio, o Antigo, em latim Gaius Plinius Secundus, nascido na Gália em 23 da Era Comum, foi um sábio romano e autor da célebre História Natural, um trabalho enciclopédico de precisão desigual que foi tido como uma autoridade em assuntos científicos até a Idade Média. Oriundo de uma família próspera, Plínio, o Antigo, aproveitou todas oportunidades que teve para estudar matemática e história natural, mas também serviu ao exército romano, foi advogado, e administrador do império. O legado de Plínio, o Velho, foi preservado e disseminado pelo seu sobrinho e filho adotivo, Plínio, o Jovem (61-113 EC), o qual foi criado por ele. A História Natural é considerada como sendo uma primeira enciclopédia, pois consiste em uma gigantesca compilação que abarca cerca de 20 mil tópicos organizados em 36 livros. Podemos dizer que Plínio, o Velho, fez escola pelo fato de que a sua obra serviu de base para os estudiosos que viveram depois dele.

As primeiras escolas da Europa

As primeiras escolas da Europa foram as escolas monásticas ou escolas catedrais, as quais proliferaram no Império Carolíngio fundado por Carlos (Karl) Magno (742-814 EC), rei dos francos[v], que foi o primeiro monarca europeu a acumular uma função religiosa junto com a secular, quando, no ano 800 EC, foi coroado Sacro Imperador do Oeste, pelo papa Leão III. Carlos Magno ordenou o estabelecimento de seminários e conventos voltados à educação do clero, e que conventos, mosteiros e igrejas, construissem escolas para leigos. As escolas monásticas ou catedrais ofereciam uma ‘educação liberal’[vi], pelo fato de ensinarem as ‘artes liberais’[vii] da antiguidade grega[viii], embora também ensinassem a religião cristã.

O período Carolíngio valorizou a cultura clássica grega e latina e promoveu os centros de estudos que eram conhecidos como ‘scriptoria’, voltados a copiar os códices clássicos de história, literatura e filosofia, e retraduzir certas obras do grego para o latim. Um desses centros era o de Aix-la-Chapelle (Aachen) em Compiègne, local da residência preferida de Carlos Magno, onde este mandou construir uma grande catedral inspirada no estilo da Basílica de San Vitale em Ravena. Situada a 5 km da junção das fronteiras com a Alemanha, Países Baixos e Bélgica, a catedral de Aix-la-Chapelle só foi terminada depois a morte de Carlos Magno, sendo o local da coroação do seu filho Luís, o Pio (814-840)[ix].

O surgimento de novas ordens religiosas baseadas inteiramente na vida contemplativa foi também o início do fim das escolas monásticas ou catedrais. No lugar dessas últimas surgiram as escolas citadinas, que, apesar de laicas, eram também religiosas. Depois do ano 1000, as antigas escolas monásticas ou escolas catedrais ressurgiram como faculdades, acompanhando as radicais transformações na vida política, na arte, na economia e na tecnologia, e no espaço de um século, transformaram-se nas primeiras universidades da Europa.

A escola de tradução de Toledo. Gerard de Cremona (1114-1187 EC)

No início do século XII, a ciência europeia ficou para trás da ciência árabe.  Isso é muito bem demonstrado através da obra do filósofo islâmico árabe Abu Nasr Al-Farabi (870-950 EC), que não apenas escreveu nos campos da filosofia política, metafísica, ética e lógica, mas foi também cientista, cosmólogo, matemático e estudioso de música. A sua obra mostra como a ciência árabe se beneficiou do estudo de textos gregos que eles encontraram quando conquistaram Damasco e outras cidades no Egito, Síria e Iraque. Entre esses textos estavam trabalhos científicos de Ptolomeu e obras filosóficas de Aristóteles, Platão, e obras de geometria de Euclides e de medicina de Galeno. A ciência árabe também se beneficiou de seu estreito contato e intercâmbio com o Império Bizantino e com cientistas e matemáticos da Índia e da Pérsia. O desaparecimento das obras em grego de Aristóteles e de outros filósofos gregos é outra mostra do atraso intelectual da Europa no primeiro milênio da era cristã. Uma das explicações mais plausíveis para esse desaparecimento é a rejeição dos primeiros teólogos cristãos, ao perceberem que Aristóteles desprezava as noções da criação, da alma imortal, e do Deus pessoal.

O conhecimento filosófico e científico do mundo árabe foi levado para a Península Ibérica pelos mouros que construíram a Andaluzia. Ali, o médico, astrônomo, filósofo, e poeta persa Avicena (Ibn Sina; 980-1037 EC)  seguidor da filosofia do Neoplatonismo, escreveu o seu Cânon de Medicina (Al-Qanun fi’l-tibb), em 14 volumes, completado em 1025 EC, em persa e em árabe, um apanhado dos conhecimentos de medicina no mundo islâmico, o qual incluiu as tradições médicas de Galeno e, portanto, de Hipócrates, assim como vários ensinamentos de Aristóteles. Outro sábio mouro da Andaluzia foi Averróis (Ibn Rushd; 1126-1198 EC), nascido em Córdoba, o qual examinou criticamente a suposta tensão entre filosofia e religião no seu Tratado Decisivo, desafiou os sentimentos antifilosóficos dentro da tradição sunita, e desencadeou um reexame semelhante dentro da tradição cristã, influenciando uma linha de estudiosos que viriam a ser identificados como os ‘averroístas’.

Um dos primeiros ‘averroístas’ foi o estudioso lombardo Gerard de Cremona (1114-1187), o qual decidiu mudar-se para Toledo, agora no reino de Castela[x], com a intenção de estudar o árabe e trabalhar na tradução das obras de Aristóteles e outros filósofos para o latim. Lá ele tomou conhecimento do Almagest, a obra de matemática e astronomia de Ptolomeu (c. 100 – c. 170 EC), datada do segundo século da era comum. O Almagest foi o seu mais importante trabalho de tradução, concluído 1175. Dentre os outros autores gregos que ele traduziu a partir de versões em árabe estão Aristóteles, Euclides, e Galeno. O interesse de Cremona não se limitou ao  pensamento grego, pois ele também estudou o acima mencionado filósofo árabe Al-Farabi. Embora ele também seja creditado com a tradução do Cânon de Medicina de Avicena, há indicações de que um outro tradutor de nome bem parecido, Gerard de Sabbioneta, um astrônomo do século XIII, tenha sido o verdadeiro tradutor dessa obra para o latim, já que era especializado na tradução de tratados de medicina. Além disso, é preciso ressalvar a possibilidade de uma mesma obra ser traduzida mais de uma vez por tradutores diferentes.

Gerard de Cremona deixou, como legado intelectual à cidade de Toledo, o interesse pela tradução. Em meados do século XII , a Escola de Tradução de Toledo foi criada, e seu impacto ajudou a alavancar o conhecimento na baixa Idade Média. Por ter sido criada no reinado do rei Afonso X, o Sábio (1221-1284), é também conhecida como Escola de Tradução Afonsina. Os textos ali traduzidos incluíram tanto obras de não ficção quanto de ficção, principalmente do árabe, do grego e do hebraico para o latim e o castelhano.

 O treinamento nas ‘guildas’

Durante a Idade Média, o treinamento da mão de obra nos diversos ofícios era feito nas ‘guildas’ (do inglês guild), associações de trabalhadores autônomos. As guildas controlavam a entrada de novos profissionais no mercado. Os mestres de cada ofício treinavam os aspirantes, cujo  treinamento incluía um período como aprendiz e outro como empregado. São exemplos de ofícios comuns da Idade Média:  pedreiros (stone masons), tecelões (weavers), tingidores (dyers), ourives (goldsmith), boticários (chemists), armistas (coat of arms makers), fabricante de armas (armorers), pergaminheiros (parchment makers), encadernadores (bookbinders), pintores (painters), padeiros (bakers), curtidores de couro (leatherworkers), bordadeiros (embroiderers), sapateiros (cobblers), galocheiros (pattenmakers), fabricantes de sapatos (shoemakers), cirieiros (candlemakers), fabricantes de autômatos (automaton makers), etc.

Havia também guildas de profissões, como as ligas de mercadores, e as associações de advogados e de profissionais da medicina. As ligas de mercadores, designadas ‘hanses’ (do alemão hanse, que significa comboio), foram criadas para facilitar o comércio internacional[xi]. Um exemplo era a liga hanseática de Bergen (Noruega), especializada no comércio da pesca, principalmente do bacalhau, com representações em diversas cidades da Europa, quase sempre nas cidades-porto. As ligas de mercadores originaram as primeiras escolas de contabilidade comercial e bancária, e as primeiras faculdades de direito e de medicina também surgiram das respectivas guildas.

Embora as guildas fossem independentes da Igreja Católica, elas tinham um caráter religioso, marcado pelo santo patrono das profissões. Esse caráter religioso das guildas foi transferido para as primeiras faculdades e universidades. Apenas no século XVIII é que as universidades começaram a emancipar-se da influência da Igreja (veja abaixo Universidades e religião. Uma relação incestuosa).

 Ensino superior. Escolas, studia e universitas

Podemos considerar que o ensino superior começou com escolas informais, como as escolas filosóficas do mundo grego, o Mouseion ou Templo das Musas, de Alexandria, e os centros de tradução como o de Toledo na Espanha, e outros espalhados pelo Império Bizantino. Em 1077, em Salerno, no sudoeste de Nápoles, Itália, no local de um mosteiro beneditino, surgiu uma schola de medicina, que ganhou fama devido a ter no seu quadro de professores o médico tunisiano, nascido em Cartago, Constantino Africano (1015-1087), que traduziu para o latim os textos clássicos da medicina disponíveis em árabe.  A escola de Salerno atraiu alunos não só da Europa mas também da Ásia e da África. Em 1221, Frederico II (1194-1250), Sacro Imperador Romano[xii], mesmo sem dar a Salerno o direito de emitir diplomas, decretou que nenhum médico poderia praticar medicina sem ser examinado e aprovado pelo seu corpo docente.

Os Studia (sing. studium) eram um novo tipo de escola que também surgiu na Itália.  Inicialmente havia apenas studia de conhecimento específico. Muitos studia cresceram e viraram facultatem, termo traduzido do termo grego ‘dynamis’, que significa ‘ramo de conhecimento’. Na língua inglesa o termo equivalente é ‘college’. Em seguida surgiram os studia generalia, ou escolas de conhecimentos gerais, cujos ensinamentos não eram restritos a uma única área do conhecimento.

Os studia generalia deram origem às primeiras universidades –  universitas, termo que evoluiu para acompanhar o desenvolvimento do ensino superior na Europa. O termo universitas designava, inicialmente, as corporações escolásticas de alunos e docentes, que existiam dentro do studium, mas posteriormente passou a significar as universitas magistrorum, universitas scholarium, ou universitas magistrorum et scholariu. As universidades, como nós as conhecemos, instituições de ensino superior independentes, que atuam em múltiplas áreas de conhecimento, com a autoridade para conferir títulos e diplomas, e, sancionadas pelas autoridades civis ou eclesiásticas, surgiram apenas no final do século XIV.

Conforme mostrado na Tabela 1, as primeiras universidades da Europa somente surgiram na Idade Média, definidas pela estrutura organizacional constituída por comunidades de professores e de alunos. Essas primeiras universidades eram, na verdade, faculdades, visando o ensino de disciplinas bastante específicas como direito (civil e canônico), medicina e teologia. Com a descoberta do Novo Mundo no final do século XV, as Américas foram colonizadas e a cultura europeia transportada para as mesmas pelos colonizadores, o que incluiu o estabelecimento de universidades (Tabela 2).

A primeira universidade da Europa é a de Bolonha, fundada em torno de 1088 EC, e que abarcava tanto uma faculdade de medicina quanto uma faculdade de direito especializada na lei civil e na lei canônica. Bolonha, assim como a maior parte das primeiras universidades, não oferecia alojamentos para os alunos.  Em Bolonha, os alunos se organizavam os seus próprios alojamentos, conforme as suas nacionalidades. A primeira escola a oferecer alojamentos para professores e alunos foi a de Paris, considerada a segunda universidade da Europa, especializada em teologia. A terceira universidade mais antiga é a de Oxford, criada nos moldes da Universidade de Paris. A quarta foi a Universidade de Cambridge, que começa em 1209 a partir da chegada de alunos e professores de Oxford. Poucos anos depois, Cambridge recebeu outra leva de alunos e professores que saíram da Universidade de Paris.  Essas primeiras universidades não tinham prédios permanentes e a sua propriedade corporativa era bastante limitada, razão pela qual estavam sempre sujeitas à debandada de alunos e professores insatisfeitos.

Uma outra boa parte das primeiras universidades europeias por fim passou para o controle de governos ou das autoridades religiosas, ou, das duas. É que, na Idade Média, o poder temporal dos monarcas ainda encontrava-se ligado ao poder espiritual representado pelo papa. A ligação entre o poder temporal e o religioso era representada pelo Sacro Império Romano, instituído no ano de 800 EC pelo papa. O Imperador do Sacro Império Romano era uma autoridade concessora de Cartas de Reconhecimento para essas universidades. A primeira a receber tal carta de reconhecimento foi a Universidade de Toulouse, do Papa Gregório IX (1229). Em 1224, a Universidade de Nápoles ganhou a sua Carta de Reconhecimento de Frederico II (1194-1250), Imperador do Sacro Império Romano. Também, Charles IV (1316-78), Sacro Imperador Romano e rei da Boêmia, reconheceu as universidades de Praga (Boêmia), Pecs (Hungria) e Pávia (Itália). Outra mostra da estreita ligação entre as universidades e a Igreja é o fato de as universidades terem tanto um reitor quanto um chanceler ou delegado da autoridade eclesiástica, isto é, do bispo local. A primeira universidade que se rebelou contra essa ligação foi a de Paris, que, em 1229 fez uma série de greves, e no final conseguiu transferir o poder do chanceler para os docentes.

O ‘saber europeu’ concentrado nas faculdades e universidades disseminou-se com a migração dos eruditos e dos estudantes, levando a radicais transformações sociais na Europa, como a expansão das cidades e do comércio, e o aperfeiçoamento das leis e das normas burocráticas.

Tabela 1. As primeiras instituições de ensino superior do Ocidente

Nome Ano de fundação da escola inicial e/ou universidade Status político e outros dados
Bolonha 1088 Principado de Bolonha, na Emília Romana; então sob o domínio feudal do papa. Começou como uma faculdade de direito, seguida por outra medicina.
Paris, ou Sorbonne

 

Primeiras escolas: 1150 e 1170.

Universidade: 1200

França, sob a dinastia Capetiana, aliada ao papado romano. Começou com uma escola de teologia ligada à catedral de Notre Dame, ganhando em seguida outras escolas. Entre 1240 e 1260, as escolas viraram faculdades, destacando-se o Collège de Sorbon, em torno do qual surgiu a Universidade de Paris. A partir de 1970, a U. de Paris foi reorganizada em 12 universidades autômatas (Universidade de Paris I-XIII).i
Oxford c. 1167 e 1201 Inglaterra, sob Henrique II, da dinastia Plantageneta, que controlava ainda: Normandia, Anjou, Maine, Touraine e Aquitaine. A data da criação da U. de Oxford, 1167, é a data em que Henrique II proibiu ingleses de frequentar a U. de Paris. Em 1201, a universidade era dirigida por um magister scolarum Oxonie, ao qual foi dado o título de Chanceler (Reitor) em 1214.
Salerno 1077 Principado de Salerno, Lombardia, então sob o domínio feudal de Roger I da Sicília. Inicialmente era um studium de medicina, mais tarde passou a oferecer cursos de filosofia, teologia e direito, sendo eventualmente transformada em universidade.
Cambridge 1209 Reino da Inglaterra, sob João I, considerado um monarca controverso, conhecido por ter assinado a Magna Carta em 1215 e pelas disputas com o papa, cujas políticas também eram controversas. A criação da U. de Cambridge deve-se à um grupo de descontentes da U. de Oxford, que resolveram criar outra universidade.
Salamanca 1218 e 1254

 

Reino de Leão, sob Afonso IX. Suas primeiras faculdades eram: direito (civil e canônico), teologia, medicina e Artes & Filosofia.
Montpellier Primeiras escolas: 1220

Universidade: 1289

Montpellier, região de Languedoc-Roussilon, sob o lorde feudal Guilherme VIII (1157-1202). Começou com uma escola de medicina criada no molde da Salerno, a qual atraiu estudiosos árabes-islâmicos e judeus.
Pádua 1222 Pádua, região de Veneto. A U. de Pádua foi criada a partir de dissidentes da U. de Bolonha. Iniciou como uma escola de medicina, mas, por fim, tornou-se um importante centro de cultura humanista. É creditada por ter o primeiro jardim botânico.
Arezzo 1222 Arezzo, região da Toscana. Importante escola de letras, que se tornou um centro de cultura humanista.
Nápoles 1224 Nápoles, então parte do Reino da Sicília. Criada por Frederico II (1194-1250), da dinastia Hohenstaufen, rei da Sicília e Sacro Imperador Romano. Os primeiros professores eram empregados do imperador.
Toulouse 1229 Toulouse, capital da província francesa de Occitana. Começou com escolas de direito (civil e canônico), teologia, e artes e humanidades. Foi fechada em 1793, devido à Revolução Francesa.
Siena 1240 República de Siena, Toscana. A U. de Siena foi criada a partir de dissidentes da U. de Bolonha. Inicialmente era uma escola de estudos gerais e de medicina.
Lisboa, depois Coimbra 1290 Lisboa e Coimbra, Portugal. Criada pelo rei D. Dinis como uma escola de estudos gerais, funcionando inicialmente no palácio real em Lisboa, tendo depois se expandido para Coimbra, que tornou-se a sede definitiva em 1537.
Macerata 1290 e 1540 Província de Macerata, das propriedades papais na Itália.
Alcalá de Henares ou Complutense 1293 e 1504 Madrid, Reino de Castela. Iniciou como escola de estudos gerais. Mais tarde virou universidade, por intermédio do Cardeal Francisco Cisneros (1436-1517), confessor da rainha Isabel, a Católica (1451-1504).
Lleida 1300 Lleida, Catalunha, Reino de Aragão, Reinado de Jaime II de Aragão e Sicília (1264-1327). Iniciou como escola de estudos gerais.
La Sapienza de Roma 1303 Roma. Iniciou como escola de estudos gerais, criada pelo papa Bonifácio VIII (1235-1303).
Perugia 1308 Perugia. Iniciou como um studium, uma universidade especial, cujos diplomas só eram reconhecidos localmente. O ano 1308 marca o seu reconhecimento pelo imperador e pelo papa.
Florença 1321 e 1364 República de Florença, Itália. Iniciou como escola de estudos gerais, que ora funcionava em Florença ora em Pisa, em função da morada da família Médici. Passou a  universidade em 1364.
Camerino 1336 e 1727 Camerino, Itália. Começou com faculdades de direito (civil e canônico) e medicina. Foi transformada em universidade em 1727.
Pisa 1343 República de Pisa, Itália. Começou onde já havia outras escolas. Foi reconhecida como universidade pelo Papa Clemente VI (1291-1352). Em 1473, ganhou um importante prédio de Lourenço de Medici (1449-1492).
Praga 1348 Reino da Boêmia, atual República Checa. Era chamada Universidade Charles, em homenagem a Charles IV (1316-78), Sacro Imperador Romano e rei da Boêmia.
Pavia 1361 Pávia, Itália. Começou como faculdade de direito e escola de estudos gerais. Foi reconhecida em 1361 pelo Sacro Imperador Romano Charles IV (1316-78).
Cracóvia (atualmente chamada U. Jagiellonia) 1364 Cracóvia, Reino da Polônia. Iniciou como uma escola de estudos gerais, fundada pelo rei Casimiro o Grande (1310-70), oferecendo cursos de artes liberais, medicina e direito. Foi extinta e depois recriada pelo rei Vladislau Jagiello em 1400.
Viena 1365 Viena, Áustria. Foi fundada pelo duque Rodolfo IV (1339-1365) junto com seus dois irmãos, no modelo da U. de Paris.
Pecs 1367 Pecs, Hungria. Foi fundada por Charles IV (1316-78).
Heidelberg 1386 Heidelberg, Alemanha. Anteriormente conhecida como Ruperto Corola, é a universidade mais antiga da Alemanha. No século XVI tornou-se num centro de humanismo. Após a Reforma Protestante tornou-se num centro calvinista.
Ferrara 1391 Ferrara, Emília Romana, Itália. Começou como uma escola de estudos gerais, fundada em 1391 pelo Marquês Alberto V D’Este (1347-1393, com a permissão do papa Bonifácio IX (1356-1404).
Würzburg 1402 Würzburg, Alemanha.
Leipzig 1409 Leipzig, Alemanha.
Aix-en-Provence 1409 Aix-en-Provence,
Saint Andrews 1411 Saint Andrews, Escócia.
Rostock 1419 Rostock, Alemanha.
Louvain/Leuven 1425 Leuven, Bélgica
Catania 1434 Catania, Reino da Sicília, Itália.
Poitiers 1431 Poitiers, França.
Barcelona 1450 Barcelona, Reino de Aragão, Espanha.
Glasgow 1451 Glasgow, Escócia.
Valencia 1454 Valência, Espanha.
Greifswald 1456 Greifswald, Alemanha.
Friburgo 1457 Friburgo, Alemanha. Transferida temporariamente para Constance em duas ocasiões.
Basileia 1460 Basileia, Suíça.
Nantes 1460 Nantes, França.
Bourges 1463 Bourges, Bélgica.
Munique 1472 Munique, Alemanha. Fundada em Ingolstadt em 1459, transferida para Landshut em 1800, e para Munique em 1826.
Bordeaux 1472 Bordeaux, França.
Trier ou Treves 1473 Trier, Alemanha.
Uppsala 1477 Uppsala, Reino da Suécia.
Tübingen 1477 Tübingen, Alemanha.
Copenhagen 1479 Copenhagen, Dinamarca.
Gênova 1481 República de Gênova, Itália.
Aberdeen 1494 Aberdeen, Escócia. Resultou da fusão entre a King’s College, fundada por uma bula papal em 1495. e Marischal College em 1593.
Santiago de Compostela 1495 Santiago de Compostela, Galícia, Reino de Castela, Espanha.
Valencia 1499 Valencia, Reino de Aragão, Espanha.
Halle-Wittenberg 1502 Halle-Wittenberg, Alemanha.

 

Tabela 2. As primeiras faculdades e universidades das Américas.

Nome Ano de Fundação Outros Dados
U. do México 1551 Cidade do México. Foi inspirada na Universidade de Salamanca.
U. São Tomás de Aquino 1580 Bogotá, Colômbia.
U. de Córdoba 1613 Córdoba, Argentina.
Real Pontifícia São Francisco Xavier 1624 Chuquisaca, Bolívia.
Harvard 1636 Boston, Massachussets.
Laval 1663 Québec, Canada.
Yale 1701 Yale, Connecticut
Princeton 1746 Princeton, Nova Jersey
Pensilvânia 1749 Filadélfia, Pensilvânia.
Columbia (King’s College) 1754 Nova Iorque, Nova Iorque.
New Brunswick 1785 New Brunswick, Canadá.
King’s College 1789 Ontário, Canadá.
Cornell University 1800 Ithaca, Nova Iorque.
University of Michigan (Detroit; Ann Arbor) 1817 Detroit, Michigan. Em 1837 foi transferida para Ann Arbor.
Washington University 1853 St. Louis, Missouri.
Stanford University 1891 Stanford, California.

As universidades se desenvolveram durante um longo período, mas, em decorrência de conflitos de interesse e abusos de poder, estão permanentemente sujeitas a retrocessos. A partir do final do século XX,  diversos críticos têm apontado a profunda decadência do ensino superior do Ocidente.

 As academias ou sociedades científicas

No final do século XVI surgiram as primeiras academias, sociedades científicas voltadas a atender as necessidades da nova época, como a liberdade de expressão e de pensamento pela qual muitos eruditos ansiavam. O filósofo, político e polímata inglês Francis Bacon (1561-1626) é considerado o grande precursor desse anseio, e, foi também um crítico contundente dos erros de raciocínio  dos escolásticos de sua época. O que fez de Bacon uma espécie de divisor de águas é o fato de que ele escrevia para o público, sem dar a menor importância à recomendação da lei canônica de que os livros deveriam ser submetidos à autoridade eclesiástica antes de serem publicados, cuja autorização era designada pela palavra latina Imprimatur (Imprima-se). O seu livro Novum Organum, escrito em latim e publicado em 1620, é uma referência ao livro Organon  de Aristóteles, que era seu tratado sobre lógica e silogismo. Nele, Bacon faz críticas severas a Aristóteles, e introduz um novo sistema de raciocínio, a indução, que ele apresentou como sendo superior ao silogismo, para o desenvolvimento da ciência. Nesse livro, Bacon classificou as falácias intelectuais de seu tempo em quatro títulos que ele chamou de ídolos. Ele os distinguiu como ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do mercado e ídolos do teatro. Os ídolos da tribo, representados pelos os erros e incoerências causados pelas falhas da compreensão humana, resultam da tendência natural de buscar evidência para aquilo que já acreditamos ser a verdade. Os ídolos da caverna (uma alusão à caverna de Platão) são representados pelos preconceitos e os pré-condicionamentos naturais das pessoas. Os ídolos do mercado são representados pelos preconceitos e os pré-condicionamentos derivados dos meios de comunicação formais e informais. Os ídolos do teatro, representados pelos dogmatismos e preconceitos que são repassados através dos sofismas embutidos nos sistemas de conhecimentos tradicionais, embora os mesmos nunca tenham passado por testes científicos de verificação. É pertinente registrar que as críticas de Bacon a Aristóteles foram mais tarde revisitadas, quando ficou demonstrado que os problemas que Bacon apontava eram da escolástica (ou escolasticismo), a doutrina que tentou reconciliar a filosofia de Aristóteles à doutrina cristã, ou seja, a epistemologia à axiologia. Outra revisitação desse tópico foi o debate entre o racionalismo e o empirismo, que resultou no reconhecimento de que ambos eram necessários à ciência.

Não se sabe se a Royal Society de Londres foi a primeira academia ou sociedade científica, mas certamente foi a primeira dentre as principais que surgiram na Europa. Ela começou a funcionar em 1660, quando um grupo de cientistas e amigos da ciência (Isaac Newton, Robert Hooke, Hans Sloane, Robert Boyle, etc) começaram a promover encontros de discussão. Em 1662, recebeu o selo real do rei Charles II, ganhando o nome formal de The Royal Society of London for Improving Natural Knowledge. Outra importante academia de ciências é a de Paris – a Académie des Sciences, fundada por Lu[is XIV em 1666 por sugestão de Jean-Baptiste Colbert. A terceira academia de que se tem conhecimento é Academia Real de Ciências da Prússia, fundada em 1700 por Frederick III, o Príncipe-eleitor de Brandenburg. Afora essas, surgiram muitas outras, conforme mostra a Tabela 3.

As Academias sempre foram instituições de prestígio, com um número limitado de membros, escolhidos por quando da morte de um associado. O polímata francês Voltaire (1694-1778), dramaturgo, homem de ciência, horologista, ensaísta, novelista, e poeta, foi candidato diversas vezes à Academie des Sciences, mas sem sucesso. Segundo o astrônomo Jérome Lalande, o motivo da ‘bola preta’ é o fato de que ao ser perguntado sobre o que o atraía acerca de Versalhes, ele teria respondido: “não é o mestre da casa”, uma referência ao rei Luís XV. Entretanto, em 1741 Voltaire foi eleito fellow da Royal Society, e finalmente foi votado membro da a Académie em 1746. Voltaire defendia a independência das academias, quer do poder secular quer do poder da autoridade religiosa.

Tabela 3. Importantes academias da Europa.

Nome Ano de Fundação Outros Dados
Royal Society 1662 London. Seus membros eram seguidores de Francis Bacon, introdutor do método indutivo e crítico da Escolástica.
Royal Academie des Sciences

 

1666 Paris. Descartes, Pascal, Gassendi, Fermat,etc.
Academia Real de Ciências da Prússia

Königlich-Preußische Akademie der Wissenschaften

 

1700 Berlim. Leibniz.
Academia dei Lincei 1603-30 Lincei, Roma. Fundada por Federico Cesi, lidava tanto com ciência quanto com filosofia. Um de seus membros foi Galileu Galilei.
Academia Físico-Matemática 1677-98 Roma.
Academia del Cimento 1657-1667 Florença. Seue membros eram considerados seguidores de Galileu, como Viviani e Torricelli.

 

Academia egli Investiganti 1663-1670 Nápolis.
Accademia dela Traccia 1666- c. 1678 Bolonha.
Accademia degli Inquieti 1690-1714 Bolonha.
Accademia degli Argonauti 1684-1718 Veneza.
Academia de São Petersburgo 1724 São Petersburgo.

As Academias de ciência deixavam transparecer a liberdade de pensar e agir que é essencial para a atividade científica. Por acaso essa liberdade não existia nas universidades? Procurarei examinar essa pergunta no título a seguir.

Universidades e religião. Uma relação incestuosa

O surgimento das universidades mostra uma abertura ao conhecimento que até então não existia na Europa. Entretanto, tal abertura ao conhecimento era condicionada à ordem eclesiástica existente. Assim sendo, havia uma relação incestuosa entre as primeiras universidades europeias e o catolicismo romano, a qual impedia o pensamento independente e a inclusão das mulheres. A ordem eclesiástica era a grande defensora do patriarquismo (o machismo associado ao enorme poder do pater familias), conforme muito bem evidenciado na seguinte citação de São Paulo: “Calem-se as mulheres nas assembleias, pois não lhes é permitido falar.” (I Cor 14, 34). As mulheres eram excluídas das escolas monásticas e das escolas citadinas, e continuaram a ser excluídas das faculdades e universidades.

A Reforma Protestante iniciada em 1517 por Martinho Lutero (1483-1546) levou à criação de diversas denominações cristãs, que, assim como a Igreja Católica  Romana, também se preocuparam com a educação, muito embora sem encorajar o pensamento independente, e sem reconhecer a igualdade das mulheres. Algumas dessas denominações cristãs beiravam o fanatismo. Os séculos XVI e XVII foram palcos de diversas seitas de protestantes fanáticos, como o puritanismo da Grã Bretanha e da Nova Inglaterra, que enfatizava o Velho Testamento da Bíblia sobre o Novo Testamento, e pregava a sua literalidade. Outro problema das universidades medievais era a priorização da teologia em relação a todas as outras disciplinas do conhecimento.

As primeiras universidades do Ocidente foram verdadeiros presentes com strings attached, isto é, com condições. Tais condições eram geralmente contrárias ao livre pensar e ao desenvolvimento do conhecimento. Uma das principais justificativas para a criação das primeiras universidades foi a ideia de que a busca da verdade acerca do mundo era uma forma de descobrir o Deus criador. Entretanto, assim como aconteceu nos primeiros anos do cristianismo, as autoridades da Igreja suspeitavam que os textos dos eruditos gregos e árabes-islâmicos eram uma ameaça à ortodoxia cristã. Do outro lado dessa guerra cultural estavam os teólogos filósofos que buscaram conciliar a erudição pagã ao cristianismo, ou reja, a razão metodológica à fé cristã, dando origem ao método escolástico. O fundador da Escolástica latina que procurou reformar a enciclopédia árabe aristotélica do conhecimento foi Santo Alberto Magno (1200-1280), mas foi um aluno dele, São Tomás de Aquino (c.1225-1274), quem elevou e firmous a escolástica. No seu livro Summa Theologica, escrito de 1265 a 1274, ele procura mostrar as ligações entre a ciência, razão, filosofia, fé e teologia. Outro erudito que seguiu a linha escolástica foi o inglês Roger Bacon (c. 1220-1292). Ele procurou mostrar às autoridades eclesiásticas que não precisavam se preocupar com os estudos que não viessem da revelação divina, como a filosofia de Aristóteles, argumentando que a verdade era uma só e vinha de Deus. Entretanto, conforme veremos abaixo, Bacon chegou a abandonar a universidade a fim de poder se dedicar ao estudo de Aristóteles e Avicena e escrever, mas os colegas da ordem franciscana lhe puxaram o tapete.

Santo Alberto Magno (canonizado em 1931) era um frei dominicano nascido na Suábia, atual Alemanha. Foi professor de Tomás de Aquino, e, um notável proponente da escolástica ou escolasticismo, doutrina caracterizada pela busca da harmonização entre os ensinamentos de Aristóteles e outros filósofos da antiguidade e os da Igreja Católica. Depois de ter estudado artes liberais em Pádua, Bolonha e na Alemanha, passou a ensinar teologia em diversos conventos da Alemanha. Por fim, ele foi transferido para o convento de Saint Jaques, que fazia parte da Universidade de Paris, onde teve contato com os textos de, ou sobre, Aristóteles e outros eruditos gregos e islâmicos. Deixou uma obra de metafísica cristianizada, baseada na sua interpretação das quatro causas de Aristóteles.

São Tomás de Aquino nasceu na vila de Roccasecca, próxima de Aquino, na Sicília. Entrou para o mosteiro de Monte Cassino como noviço e posteriormente foi estudar na recém-fundada Universidade de Nápoles, criada pelo Imperador Frederico II. Em Nápoles, ele tomou conhecimento das obras de ciência e filosofia grega que estavam sendo traduzidas do grego e do árabe. Em seguida, ele se afiliou à ordem dominicana com o propósito de ter mais liberdade para meditar. Quando se encontrava no convento de Saint Jaques, em Paris, que era o centro de estudos universitários dos dominicanos, ele estudou com o pensador alemão Alberto Magno. A teoria filosófica de Tomás de Aquino é inspirada na teoria do corpo e da alma de Aristóteles, que afirma a existência de uma ‘alma’ responsável por dar vida ao corpo, quer do homem quer dos outros animais. A fim de criar a sua própria tese filosófica, ele tomou a ideia de Aristóteles que afirmava que a alma humana era diferente da dos outros animais, não só porque é capaz de entender as coisas e de agir por si própria, como também porque não deixa de existir depois da morte do indivíduo, acrescentando que, por fim, voltará a se reunir com o corpo como consequência do juízo final. Reconhecendo que tal não podia ser provado pela razão, Aquino afirmou que se trata de um ‘mistério da fé’. A ‘filosofia teológica’ de Aquino foi aceita pelas autoridades católicas, que lhe conferiram o título de ‘doutor angélico da Igreja’, e em 1323, canonizou-o.

Roger Bacon, pensador inglês nascido em Ilchester, Somerset, estudou matemática, astronomia, ótica, alquimia, e línguas. Tornou-se docente das Universidades de Paris e de Oxford onde ficou conhecido como ‘Professor Prodígio’. Assim como Tomas de Aquino, Bacon encantou-se em descobrir o pensamento de Aristóteles e de Avicena (980-1037 EC) ao ponto de largar a academia e se juntar à ordem dos franciscanos a fim de poder dedicar-se mais ao estudo. Grande estudioso da filosofia, Bacon afirmou a importância do método empírico e da prova matemática, e fez diversas especulações científicas futuristas como máquinas voadoras mais leves que o ar, o transporte mecânico por terra e por mar, a circum-navegação do globo e a construção de microscópios e telescópios. Bacon também escreveu sobre a ética e apontou como principais causas da ignorância humana, a autoridade indigna, o mau hábito, os preconceitos da cultura popular e a presunção infundada. Entre 1266 e 1267, Francis Bacon trabalhou na sua Opus majus (Obra maior), onde reuniu todos os seus estudos, críticas filosóficas e especulações. Em seguida ele começou a trabalhar numa enciclopédia de ciência e filosofia, embora apenas fragmentos desta tenham sido publicados. Escreveu ainda Opus minus (Obra menor) e Opus tertium (Terceira obra). Bacon escrevia num estilo altamente deferente ao papa e ao cristianismo mas mesmo assim os seus colegas de ordem indignaram-se com seus escritos e o denunciaram ao Papa Clemente IV. Os próprios franciscanos prenderam Bacon entre 1277 e 1279 por ‘novidades suspeitosas’ nos seus ensinamentos.

Os quatro exemplos acima foram os primeiros a mostrar a estreita ligação que havia entre as universidades e a Igreja e como essa ligação cerceava o pensamento dos acadêmicos. A peste negra que assolou a Europa de 1348 a 1350 fez com que as autoridades católicas desconfiassem de tal catástrofe teria sido uma punição divina pelas ideias contrárias aos textos da Bíblia. Pensadores, tanto das universidades quanto fora dela, passaram a viver sob a ameaça de serem presos e até mortos na fogueira por suas teses heréticas. Essa é uma razão pela qual os pensadores só discutiam com os seus pares e não tinham o hábito de escrever para a população leiga. Nicolau Copérnico (1473-1543), o autor do livro Das revoluções dos corpos celestes (em inglês: On the revolutions of heavenly bodies) acerca da sua tese heliocêntrica, era extremamente cuidadoso em escolher com quem discutir suas ideias, e adiou a publicação desse livro até bem perto de sua morte. Em 1616, o mesmo foi listado no Índice de Livros Proibidos. Em 1669 um professor de filosofia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Daniel Scargill (1647-c.1690), foi demitido simplesmente por ter apoiado o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679), um ateísta declarado. O próprio Hobbes foi escorraçado da sociedade, impedido de publicar novos livros, e até acusado de ter atraído, pelo seu ateísmo, a ira da Divina Providência, causadora do grande incêndio de Londres de 1666. Em 1616, o físico e matemático Galileu Galilei (1564-1642) chegou a ser condenado por de heresia pelo tribunal da Inquisição[xiii], após ser denunciado pelos próprios colegas da Universidade de Pisa.

Uma das regras douradas da civilização é graduar a responsabilidade das pessoas ao seu nível educacional. Portanto, é natural presumir que entre os professores das universidades a virtude sempre supera o vício. É dessa pressuposição que surgiu a metáfora da torre de marfim aplicada ao mundo acadêmico. Entretanto, os acadêmicos não apenas possuem vícios e virtudes na mesma medida que o resto da população, como também possuem vícios próprios, como a arrogância decorrente da pressuposição de certeza.

 Do secularismo iluminado às universidades modernas

O Iluminismo ou o Século das Luzes é o divisor d’águas da libertação da mente do indivíduo dos grilhões da religião e do Estado, marcando a emergência do secularismo. Dois pensadores que se destacaram na campanha pelo secularismo foram o já anteriormente mencionado Voltaire (1694-1778), e o escritor, jornalista e inventor inglês naturalizado americano Thomas Paine (1737-1809). Paine escreveu um livro intitulado ‘The Age of Reason (A idade da razão), argumentando que a Bíblia era mitológica, embora tivesse um valor literário, e discutindo o lugar da religião na sociedade. O Iluminismo do século XVIII estendeu o conhecimento erudito e científico a toda a população leiga, através de livros, jornais e revistas, assim como da Enciclopaedia editada por Dennis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’Alembert (1717-1783).

Apesar da luta dos pensadores iluministas pela liberdade de estudar e publicar os frutos de seus estudos, pelo menos uma parte da produção acadêmica continuava cerceada pelas autoridades religiosas. A Universidade de Saint Andrews, na Escócia, originalmente católica, mas depois tornada protestante, rejeitou o filósofo David Hume (1711-76) para um posto acadêmico devido aos rumores de que ele era ateu. Em 1798, o filósofo Immanuel Kant (1724-1804), professor da Universidade de Könisberg, na antiga Prússia, recebeu uma reprimenda oficial por ter contrariado a ortodoxia teológica, após uma denúncia de colegas da própria universidade.

A Península Ibérica, onde as ideias iluministas do naturalismo, do secularismo, e da educação universal, só se assentaram no século XIX, assistiu à ascensão do anticlericalismo, que visava tirar da Igreja o monopólio do ensino primário e livrar as universidades do cerceamento religioso. Entretanto, em diversas partes da Europa pipocavam movimentos contrários às ideias iluministas. Felizmente, a opinião pública bem informada não desapareceu de todo, e onde havia esta, havia também universidades inteiramente seculares.

Foi, no século XVIII, na Alemanha, que as universidades foram reformadas dentro das ideias iluministas[xix] do século XVIII, como a independência de pensamento. Tal reforma provou ser um sucesso em termos de produção acadêmica original. As universidades alemãs reformadas eram autônomas, tinham currículos modernos, que abrangiam desde as inovações da ciência às profundas incursões da filosofia, da sociologia e da história.  A Alemanha foi o primeiro país a desenvolver a educação científica (wissenschaftliche Bildung). A influência das universidades alemãs logo se espalhou para os demais países de língua germânica, principalmente para a Universidade de Viena, na Áustria, que no início do século XX passou a ser um importante núcleo da inteligência ocidental.  O modelo alemão de ensino superior foi transplantado para diversas universidades dos Estados Unidos, em especial para aquelas que fazem parte da Ivy League.

Dois pensadores analisam o papel da universidade: Max Weber e Karl Jaspers

Max Weber (1864-1920) e Karl Kaspers (1883-1969) foram dois grandes pensadores do início do século XX que se preocuparam em avaliar o papel da universidade. Os dois eram amigos e isso fez com que trocassem ideias. Weber e Jaspers foram os mais capazes peritos acerca do ensino superior e da universidade.

Weber era um sociólogo, filósofo, jurista e economista político alemão. Ele iniciou seus estudos na Universidade de Heidelberg em 1882, mas teve que trancar matrícula depois de dois anos para se alistar no serviço militar. Finda a guerra, ele se matriculou na universidade de Berlim para concluir seus estudos e depois na universidade de Göttingen. Seu trabalho mais conhecido é A ética protestante e o espírito do capitalismo (1930), (Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus 1904–05), mostrando a correlação estatística entre o sucesso em empreendimentos capitalistas e a mentalidade protestante, pelo menos em sua terra natal, a Alemanha. Weber é também é conhecido por sua profunda compreensão da história e de outras ciências e por sua profunda compreensão da natureza humana. A vida e a carreira de Weber foram interrompidas pela Primeira Guerra Mundial. Em 1918, ele aceitou a cadeira de sociologia da Universidade de Viena, onde morreu dois anos depois, aos 56 anos. Durante seu breve período como acadêmico, ele se dedicou ao tema de educação, especialmente do ensino superior, e apontou que os sistemas educacionais, por estarem embebidos noutras instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas e legais, careciam de avaliação crítica.

Jaspers foi um pensador polímata que se destacou na psiquiatria, na filosofia e na educação superior. Na psiquiatria, ele foi pioneiro no sistema de classificação de tipos básicos de personalidade. Na filosofia, ele publicou Philosophie (1932), uma importante  obra em três volumes. Na educação superior, ele foi um dos principais líderes do projeto de reconstrução das universidades alemãs depois da Primeira Guerra mundial. Jaspers entendia a universidade como sendo “uma comunidade livre, de acadêmicos e estudantes, envolvidos na tarefa de buscar a verdade”  e colocou essa ideia no ensaio de 1923 intitulado  ‘A ideia da universidade’. Neste ensaio, Jaspers levanta diversas perguntas relevantes acerca do sistema da universidade. Quais são as ferramentas chaves da universidade?  Qual é a relação entre a universidade e o Estado? Quais são as justificativas para a manutenção da universidade? Infelizmente, a carreira acadêmica de Jaspers foi paralisada pelo nazismo alemão em desforra por suas frequentes críticas ao partido de Hitler. Não contentes com o essa punição, em 1938, os nazistas proibiram Jaspers de publicar e começaram a ameaçá-lo por causa de sua esposa judia. Apesar de tudo, Jaspers e sua esposa decidiram permanecer na Alemanha. O casal já havia sido agendado para deportação para um campo de concentração quando o exército dos EUA entrou em Heidelberg em abril de 1945. Em 1946, Jaspers publicou uma nova e aumentada edição do ensaio de 1923 sobre a universidade, no qual ele aponta o papel da universidade na reabilitação da Europa após a Segunda Guerra mundial, bem como no resgate das mais nobres ideias do Iluminismo. Escreveu ele:

A universidade cumpre as suas tarefas – pesquisa, instrução, treinamento, comunicação – dentro de uma estrutura institucional. Requer edifícios, materiais, livros e institutos de sua administração ordenada. Privilégios e deveres devem ser distribuídos entre seus membros. A universidade representa um todo corporativo independente com sua própria constituição.

A universidade existe apenas na medida em que é institucionalizada. A ideia se concretiza na instituição. A extensão em que faz isso determina a qualidade da diversidade. Despojada de seu ideal, a universidade perde todo o valor. No entanto, “instituição” implica necessariamente compromisso. A ideia nunca é perfeitamente realizada. Por esse motivo, existe na universidade um permanente estado de tensão entre a ideia e as deficiências da realidade institucional e corporativa.

Até as melhores instituições da universidade tendem a se deteriorar e a se distorcer. Assim, a própria tradução do pensamento para a forma ensinável tende a empobrecer sua vitalidade intelectual. Uma vez que as conquistas intelectuais são admitidas no corpo do aprendizado aceito, essas realizações tendem a assumir um ar de finalidade. Portanto, é apenas uma questão de convenção em que ponto um assunto termina e o outro começa. Além disso, é possível que um excelente estudioso não consiga encontrar um lugar para si nas divisões departamentais estabelecidas. Um estudioso medíocre pode ser preferido a ele simplesmente porque seu trabalho se encaixa no esquema tradicional. Qualquer instituição tende a se considerar um fim em si mesma. (Cap. 6.)

Em 1948, já com 65 anos de idade, Jaspers aceitou o convite para lecionar na universidade de Basileia, na Suíça, e decidiu por recomeçar a vida acadêmica naquele país.

A morada dos sábios

Existe algumas pressuposições sobre a universidade que advém do histórico do sucesso da universidade no projeto civilizatório das sociedades, como a noção de que é a morada das melhores mentes ou a mais importante alavanca do avanço tecnológico e científico. Essas pressuposições não apenas são erradas mas também contribuem para a falta de avaliação crítica da universidade.

O simples exame da relação de autores canônicos refuta a ideia de que as universidades são a morada das melhores mentes. Considerando-se apenas a era moderna, a maior parte dos pensadores do Iluminismo, incluindo o editor e os principais colaboradores da primeira Enciclopédia, não tinha vínculos com universidades. Os grandes pensadores e cientistas dos séculos XIX e XX eram independentes ou tiveram apenas curtas passagens por universidades, como: Arthur Schopenhauer (1788-1860), John Stuart Mill (1806-73), Charles Darwin (1809-82), Gregor Mendel (1822-84) e Friedrich Nietzsche (1844-1900). Os exemplos do século XX incluem: George Santayana (1863-1952), Bertand Russell (1872-1970), José de Ortega y Gasset (1883-1955), Ludwig Wittgenstein (1889-1951), Jean Paul Sartre (1905-80) e Simone du Beauvoir (1908-86). Outro exemplo notório é Albert Einstein (1879-1955), que escreveu as suas duas teorias de relatividade quando trabalhava num escritório de patentes, e só posteriormente virou professor universitário.

A ideia de que as universidades são os conduítes por excelência do conhecimento é também falsa. Os brilhantes criadores das startups da tecnologia da informação, que deram origem à a Apple e a Microsoft, não trabalharam em universidades mas em suas casas e garagens. O cientista Greig Venter, (1946-), que, em 2001, publicou a sequência completa dos genes humanos, também não tinha ligações com nenhuma universidade. Ele fez esse trabalho na empresa Celera Genomics, que ele próprio fundou, em 1988, com o objetivo de sequenciar e analisar genomas.

Embora o conhecimento seja um único conjunto de entendimentos, a hiperespecialização resultante do aprofundamento do conhecimento gerou uma multiplicidade de departamentos nas universidades, sendo que muitos dos quais passaram a funcionar como feudos. Um fato bastante observado nesses feudos é a blindagem da disciplina do chefe de departamento contra a contratação de professores de capacitação maior. Na melhor das hipóteses, os novos mestres ou doutores tem oportunidades de lecionar numa universidade em áreas secundárias ou terciárias às de suas especializações. Assim, um jovem gênio da área de cálculo diferencial acaba por lecionar não no departamento de matemática, mas no departamento de economia.

Ultimamente tem surgido muitas críticas às universidades do Ocidente, em especial àquelas que dependem da contribuição financeira do Estado. Como exemplos de críticos da universidade eu gostaria de citar Roger Scruton (1944-2020), David Horowitz (1939-), Camile Paglia ( 1947-), Stephen Hicks (1960-) e Jordan Peterson (1962-). Todos esses concordam que a universidade ocidental está decadente, e apontam a narrativa coletivista[xv] que nelas se aninhou a partir da década de 1960, como sendo a maior causa dessa decadência. O mais contundente desses críticos é Scruton, falecido em janeiro deste ano, que escreveu: “Não podermos mais confiar a nossa alta cultura às universidades.” E ainda: “Quando as instituições são incuravelmente corrompidas, assim como as universidades foram corrompidas pelo comunismo, nós devemos começar de novo, mesmo que o custo seja tão alto quanto foi na Europa ocupada pelos soviéticos”.

 Conclusão

É difícil encontrar uma pessoa sensata que negue a importância do ensino ou que não considere a universidade como o seu pináculo. Entretanto, o ensino e a universidade também têm faltas e fraquezas. Os sinais dessas estão na cegueira deliberada acerca de abusos de poder, ineficiências e nepotismos. Sobre os nepotismos, esses apenas aparecem em boatos, e a questão é quase sempre varrida para debaixo do tapete.[xvi]. Conforme escreveu David Hume, “a corrupção das melhores coisas resulta na geração das piores”. Encarar de frente os problemas das universidades é uma condição necessária para assegurar que sobrevivam e continuem cumprindo seus objetivos de ensino e pesquisa.

Referências

Cronck, Nicholas. Voltaire: A Very Short Introduction. Oxford University Press. 2017.

Davies, Norman. Vanished Kingdoms: The History of Half Forgotten Europe. 2011.

Greenblatt, Stephen. The Swerve: How the World Became Modern. Norton, 2011.

Jaspers. K. The Idea of the University. Edited by Karl W. Deutsch. Preface by Robert Ulich. Boston, Bacon Press, 1959.

Scruton, R. The end of the university. First Things, April 2015. (Disponível em português em PortVitoria, 20, 2020).

Vretos, Theodore. Alexandria, City of Western Mind (Alexandria, cidade da mente ocidental). 2001.

Wiesehöfer, Joseph. Ancient Persia from 550 BC to 650 AD. Translated by Azizeh Azodi. L. B. Tauris Publishers, London. 1996. Kindle edition.

Williams, Hywel. Emperor of the West. Charlemagne and the Carolingian Empire. Quercus, 2010.

Outras (Consultar JPO)

                       

Joaquina Pires-O’Brien, uma brasileira residente no Reino Unido,  é fundadora e editora de PortVitoria.

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Notas

[i] O termo ‘mundo helênico’ refere-se à cultura grega do mundo mediterrâneo durante os três séculos após Alexandre, o Grande, que morreu em 323 EC.

[ii] A cidadania grega era entendida como a afiliação formal à polis, que dava direitos como votar em questões do governo, ser votado para cargos no governo, e, possuir terras. Devido a esse objetivo, é mister entender o sistema grego de cidadania. Havia uma regra de que apenas aqueles residentes livres e que podiam rastrear sua ascendência a um famoso pioneiro da cidade eram considerados cidadãos. Essa regra abria exceções para a pessoas de fora dotadas de grande riqueza ou de habilidades valiosas. A noção de cidadania da Roma antiga era parecida com a dos gregos em termos de responsabilidades e privilégios, Embora os romanos fossem bem mais abertos do que os gregos na concessão da cidadania, Roma instituiu duas categorias de cidadania, com e sem o direito ao voto.

[iii] Na mitologia grega, musas inspiradoras da literatura, da ciência e das artes eram as nove filhas de Zeus e Mnemósine (a personificação da memória). São elas: Calíope (da poesia épica), Clio (da história), Érato (da poesia de amor), Euterpe (da poesia lírica), Melpômene (da tragédia), Polihimnia (da poesia sagrada e da eloquência), Terpsícore (da dança), Tália (da comédia) e Urânia (da astronomia). Dentre as diversas narrativas acerca das musas destaca-se o poema ‘Erga kaí Hemérai’ (lat.: ‘Opera et Dies’; ing.: Works and Days’), de Hesíodo, escrito em torno de 700 AEC.

[iv] Após a morte prematura de Alexandre em 322 AEC, nenhum herdeiro foi inicialmente apontado para o trono e os generais macedônios que acompanharam Alexandre nas suas conquistas, 74 ao todo, tramaram a forma de dividir o império entre si. Dentre esses, Arridaeus era meio-irmão reconhecido de Alexandre, e Ptolomeu um possível meio-irmão. Ptolomeu havia sido o principal guarda-costas de Alexandre, e portanto, tinha uma ascendência sobre os demais. Ele encarregou Arridaeus de trazer o corpo de Alexandre para que fosse sepultado no Egito. Em 321 AEC, os antigos generais de Alexandre fizeram o acordo conhecido Partição de Triparadisus. Através deste, Felipe Arrhidaeus, mais o filho de Alexandre com Roxana, que nasceu após a morte do pai, foram ambos reconhecidos como herdeiros. Em consequência disso, o império macedônico ganhou dois reis, Felipe III, um portador de doença mental, e Alexandre IV, que ficou sob a guarda de Perdica. Tanto Felipe II quanto Alexandre IV foram assassinados, assim como Perdica. Daí pra frente os generais competiram entre si pelos diversos reinos acéfalos. Ptolomeu I Soter (323-283 AEC) virou rei do Egito e fundou a dinastia dos Ptolomeus, que inclui a infame Cleópatra VII. Entre 312 e 302 AEC, Seleuco organizou um exército de mercenários e ficou com a Síria, então um vastíssimo império.

[v] Tribo germânica que ocupava os atuais territórios da Bélgica, França, Luxemburgo, Holanda e oeste da Alemanha.

[vi] A expressão ‘educação liberal’ é assim chamada por ser o tipo de educação que considerada digna do homem livre, em contraposição com a educação de escravos, que era sempre dirigida a algum ofício. As artes liberais da antiguidade grega foram preservadas no ensino da escola helenística, que, por sua vez, influenciou o sistema educacional latino, baseado no trivium (o trívio do ensino básico: gramática, retórica e lógica) e no quadrivium (o quadrívio do ensino mais adiantado: matemática, geometria, astronomia e música).

[vii] A emergência do cristianismo provocou o desmantelamento do sistema de educação liberal oferecida tanto no mundo grego quanto no latino. O primeiro pensador cristão a defender a educação liberal foi Agostinho (354-430), que apontou o valor do saber antigo, inspirando alguns pensadores cristãos a reconsiderar o ensino das artes liberais. No primeiro século após a queda do Império Romano do Ocidente as artes liberais receberam a bipartição em trivium (gramática, retórica e lógica) e quadrivium (matemática, geometria, astronomia e música), após terem sido reabilitadas pelos educadores Boecio (c. 480-c.525 EC) e Cassiodoro (c. 490-c.583 EC).

[viii] O programa educacional introduzido por Carlos Magno foi orientado pelo sábio inglês Alcuíno (Ealhwine, Alhwin ou Alchoin) de Iorque (723-804 EC), clérigo católico, estudioso e professor, nascido na Inglaterra, onde teve como mentor o Venerável Beda (673-735 EC). Durante uma estadia na Itália, Alcuíno conheceu Carlos Magno e tornou-se seu amigo e conselheiro. Sob a orientação de Alcuíno, Carlos Magno ordenou o estabelecimento de escolas episcopais, em conventos, mosteiros e igrejas, voltadas tanto para a formação de padres quanto para a educação da população leiga.

[ix] Luís, o Pio, foi o último monarca do império carolíngio, o qual foi dividido após a sua morte. O Império Carolíngio transformou-se, então, em duas unidades políticas – França Oeste que se tornou o reino da França, e França Leste, a precursora da Áustria e da Alemanha. Embora Carlos Magno tivesse recebido do papa o título de ‘Imperador Romano’, o primeiro a receber o título de ‘Sacro Imperador Romano’ foi o rei alemão Otão I, coroado na catedral de Aix-la-Chapelle em 936.

[x] Toledo foi capturada em 1085 e passou a ser a cidade mais importante da Espanha cristianizada.

[xi] Um grande avanço nessa área ocorreu no século XIII, quando os países da Europa e do Oriente Médio começaram a emitir moedas de ouro. Com isso, o comércio por trocas desapareceu e deu lugar ao sistema monetário, bem como ao sistema de contabilidade baseado em livros-caixa de dupla entrada, introduzidos entre 1050 e 1350. O livro-caixa foi uma inovação altamente relevante pois permitia visualizar a situação do negócio a qualquer momento. A partir daí surgiu o sistema de treinamento de aprendizes de contabilidade e de bancos.

[xii] Frederico II (1194-1250), também chamado Constantino Frederico Roger, era também rei da Sicília, duque da Suábia e rei alemão, e apesar do título de Sacro Imperador Romano, ele defendeu o poder imperial contra o papado.

[xiii] Galileu havia escrito um ensaio resgatando a tese heliocêntrica de Copérnico, depois de ter observado as órbitas dos planetas ao redor do sol com o uso do seu telescópio. Graças às amizade dele com a família Médici, ele foi deixado sem punição até 1632, mas, em 1633, a pena de ser queimado na fogueira foi comutada pela prisão domiciliar, depois que ele admitiu publicamente que a Terra era o centro estacionário do universo. Galileu perdeu o cargo na universidade e passou o resto da vida em Florença, onde morreu aos 77 anos de idade.

[xiv] Muitos autores reconhecem um Iluminismo maior, que inclui tanto Idade da Razão do século XVII quanto o Século das Luzes do século XVIII.

[xv] O filósofo alemão Juhann Gottlieb Fishte (1762-1814) foi um dos primeiros a pregar a ideia da superioridade do coletivismo sobre o individualismo, com sua concepção teológica do ‘eu’. Para Fichte, o indivíduo nada vale sem a sociedade, e deve deixar de existir, a não ser para o grupo – Gattung. O homem isolado contradiz a sua própria natureza. A sociedade é a grande fogueira em torno do qual as pessoas se juntam. Outro filósofo alemão, Georg W. F. Hegel (1770-1831), tomou a ideia de Fichte sobre a primazia do grupo sobre o indivíduo para a sua ideia de um espírito do mundo que dirige o curso da história.

[xvi] Entretanto, um estudo sobre o nepotismo nas universidades da Itália foi publicado como notícia no jornal The Independent, do Reino Unido, de 25 de setembro de 2010: “A revista de investigação L’Espresso e o jornal La Repubblica revelaram o surpreendente grau em que os empregos de professor universitário  são mantidos na família, no esclerótico sistema de ensino superior da Itália. Na Universidade La Sapienza, em Roma, por exemplo, um terço do corpo docente tem membros próximos da família como colegas. No geral, as instituições superiores do país têm 10 vezes mais chances de empregar dois ou mais membros da mesma família que outros locais de trabalho.” E ainda: “Nenhuma instituição italiana aparece no ranking mundial de universidades do Times Higher Education 2010.” Fonte: https://www.independent.co.uk/news/world/europe/family-fiefdoms-blamed-for-tainting-italian-universities-2089120.html

Jo Pires-O’Brien

Review of the book Provocations by Camille Paglia. Pantheon Books, © 2018, 712pp

I still recollect the first time I ran across the name of Camille Paglia, the Italian-American woman of letters.  It happened in Brazil in 1992, when a one-page article by her, probably one of her syndicated columns, was published in a Brazilian weekly magazine, inside a larger article covering the troubles on the celebrations in Brazil of the 500 anniversary of Columbus epic voyage of discovery due to opposing activism. Paglia was the only public intellectual who dared to criticize the twin activism in the United States, which explains why her article was used in Brazil. After that, I began to pay attention to her name wherever it would appear in the media, and soon discovered that Paglia was a household name in the Anglophone world, and more recently, that she has many admirers in Brazil.

Paglia has been at the centre of the culture wars at the American colleges and universities, on the side that stands for tolerance to ideas and authentic scholarly principles. Her new book Provocations (2018) starts by listing the contraindications and indications, determined by people’s ways of thinking, before getting to the point of what the book is about. The collection of essays and short interviews in Provocations covers two and a half decades since her last essay collection was published in her 1994 book Vamps & Tramps. However, Provocations also includes essays on her previous books and interviews. According to Paglia, since her student days she wanted to develop an ‘interpretative’ style of writing that could integrate high and popular culture, which is how she describes her style in Provocations. Although she doesn’t say there that the biology of human nature is a crucial component of the interpretative’ style, this is implicit in many of her essays.

The essays and interviews in Provocations are organized into eight categories: popular culture; film; sex, gender, women; literature; art; education; politics; and religion. The eight categories required to organise these essays are revealing of Paglia’s encyclopaedic knowledge. However, her way of thinking is best revealed by the threads of ideas she interweaves in each category. They are things like art, historical timeline, Shakespeare, post-structuralism and postmodernism, nature, biology and freedom of expression.

The essays on ‘popular culture’ include such topics as Hollywood, song lyrics, Rihanna, Prince, David Bowie and his alter ego Ziggy Stardust, punk rock, favourites popular songs, Gianni Versace and the Italians’ way of seeing death.  The essays on the category ‘film’ talk about Alfred Hitchcock and his female characters, ‘the waning of European Art film’, ‘the decline of film criticism’, ‘movie music,’ and ‘Homer on film.’ The essays on the category ‘sex, gender, and women’ starts with the essay ‘Sex Quest in Tom of Finland’, the story of a Finnish homoerotic artist (actual name Touko Laaksonen) which was turned into a movie. The essays on the category ‘literature’ start with one telling off publishers for sending out unsolicited manuscripts accompanied by a request of a ‘blurb,’ a short description of a book written for promotional purposes; the remaining are properly framed on literature. These include essays on play writers such as Shakespeare, Tennessee Wiliams, Norman Mailler, and about why it took her five years to select the world’s best poems of all times for her book Break, Blow, Burn. The essays on the category ‘art’ covers Andy Warhol, the Mona Lisa, and the power of images. The essays on category ‘education’ covers a variety of themes associated with the aforementioned culture wars at the American colleges and universities, inclusive the intrusive federal regulations aimed at enforcing politically correctness on campus activities. The category of ‘politics’ starts with an interview for Salon magazine about the U.S. invasion of Iraq, and then go on to analyse political figures such as Bill Clinton, Sarah Palin and Donald Trump. The last category is ‘religion’, and it includes essays on the Bible, ‘that old-time religion’, the cults and cosmic consciousness in the sixties in America, ‘religion and the arts in America’, and one essay on why religion should be part of the curriculum of higher education.

One essay I found especially intriguing was that on the Russian-American philosopher Ayn Rand’ (1905-1982), whose objective was to clarify similarities and differences between Rand and herself, after some of her readers pointed out that they had noticed parallels between Hand’s writing and her own. When Paglia finally decided to read Rand she was astonished in finding similar passages to those in her own books. However, she also stresses the main differences between herself and Rand. Paglia describes Rand as an intellectual of daunting high seriousness she describes her style as playful, emphasizing her belief that comedy is a sign of a balanced perspective on life. There is a paradox in this assertion in the fact that Paglia excludes herself from the category of ‘serious thinkers’ and yet displays a kind of self-knowledge that is typical of serious thinkers.

The essay ‘Women and Law’ caught my attention due to her description of the statue of Justice placed in front of Brazil’s Supreme Federal Court. Like most Brazilians, I know what the statue of Justice looks-like. It is a seated woman holding a sword with her eyes blindfolded, signifying the impartiality of the law. However, I did not know that it was the work of the Italian-Brazilian sculptor Alfredo Ceschiati (1918-1989), using a ‘rugged block of creamy granite from Petropolis,’ and neither the historical lineage of the ‘allegorical personification of justice’ that this statue represented. She explains: “Ceschiati has strangely flattened the head of Justice, as if he is alluding to the bust of Nefertiti, with her conceptually swollen wig-crown, or to the Meso-American Chack Mool, who oversaw with alert eyes the ritual of blood sacrifice, guaranteeing the rise of the sun”. Really? I always thought that the flat head of the statue of Justice in Brasília was due to the sculptor’s decision to make his sculpture as tall as his block of granite would allow. However, Paglia was simply allowing her imagination to wander, for she soon returns to the known facts, when she clarifies that the iconic blindfolded goddess of Justice, “was not an ancient motif, but appeared first in the Northern European Renaissance”. Following that, she takes a side step to raise the question whether gender, or any other basic descriptor of a group of people, should be visible or invisible to the law. Women made gains in the law only in piecemeal way, in a long saga that started in Sumeria, under the Code of Hammurabi, passing through Egypt, Judaea, Athens, Rome, Christianized Europe, China and Japan. The contemporary call for special concessions to women would require making them visible, and that this would trample the idea of the impartiality of the law.

The essay ‘Erich Newmann: Theorist of the Great Mother’ reveals where Paglia gained her perspectives art, women, religion, and higher education. Newmann (1905-1961) was a member of the Weimar culture and a product of what Paglia considers “the final phase of the great period of German classical philology, which was animated by an ideal of profound erudition”. Newmann obtained his PhD in philosophy at the University of Erlangen in Nuremberg, and after that he began to study medicine at the University of Berlin, although the discrimination to Jews introduced by the Nazis prevented him from doing the internship necessary to obtain the medical degree. Nevertheless, he carried on his research, which took a new turn after he met Carl Jung (1875-1961), known for his work of archetypes.  Under Jung, Newmann created the archetype of the Great Mother, “a dangerously dual figure, both benevolent and terrifying, like the Hindu goddess Kali”.  It is also from Newmann that Paglia learned to appreciate things like alchemy and the I Ching. On page 439 of this essay she writes that “Authentic cultural criticism requires saturation in scholarship as well as a power of sympathetic imagination”. Paglia’s fondness of Neumann is due to two things: the quality of his scholarship and the fact that it represented last authentic period of learnedness in higher education, before everything was spoilt by post-structuralism.

It was in the category ‘education’ where I found the essays I liked best. Paglia’s essays on education cover the various problems of colleges and universities which triggered the culture wars of the 1980s, from their traditional mission to protect the free flow of ideas to the circumstances that drove them to be swamped by intrusive federal regulations campus aimed to enforce politically correct policies. In the essay ‘Free speech and the modern campus’, Paglia remembers her old-guard professors at Yale Graduate School, in the late 1960s, as the last true scholars. Here is how she describes how it was then and how it is now:

They believed they had a moral obligation to seek the truth and to express it as accurately as they could. I remember it being said at that time that a scholar’s career could be ruined by fudging a footnote. A tragic result of the era of identity politics in the humanities has been the collapse of rigorous scholarly standards, as well as an end to the high value once accorded to erudition, which no longer exists as a desirable or even possible attribute in job searches for new faculty.

In this same essay Paglia states that it was during the five years she researched her book Glittering Images: A journey through art from Egypt to Star Wars (2012) when she noticed the sharp decline in quality of scholarship in the humanities. She conducted a small experiment to detect when this decline started. That experiment involved selecting 29 images from a period extending offer 3,000 years, starting in ancient Egypt and ending in the present, and compiling the scholarly literature on each image. She found that the big drop off in quality happened precisely in the 1980s, which is when post-structuralism and post-modernism encroached into the colleges and universities.

What caused the scholarship of the humanities to slacken according to Paglia was political correctness, for it stunted the sense of the past and reduced history to a litany of inflammatory grievances. She also points out that this problem became worse when colleges and universities decided to embrace the wrong type of multiculturalism, which started to blame all g social inequalities on Western colonialism. Most conservative thinkers now dislike multiculturalism altogether, but Paglia believes in a right type of multiculturalism that incorporates Western civilization alongside the others. She favours a reform in higher education to prompt the return of authentic scholarly principles. To her, the introduction of popular culture in universities should not occur at the expense of the past. Colleges and universities must have an atmosphere of tolerance, and for that to happen, the spectrum of permissible ideological opinion must be broadened, rather than narrowed. The best way that colleges and universities can fully become a place for learning is by allowing free speech and the free flow of ideas; their departments should not become fiefdoms; no group should have a monopoly on truth; and students should be encouraged to be resilient and to accept personal responsibility.

The last category of essays is religion. Paglia admits being both an atheist and having a ‘1960’s mystical bent’ that fuels her interest in astrology, palmistry, ESP, and the I Ching.  Her essay ‘Cults and cosmic consciousness’ is the longest of this book, with 48 pages. In it, she talks about ancient and modern cults and traces the rise to the New Age movement during the 1980s and 1990s to the spiritual yearnings of her generation. In the essay ‘Resolved: Religion belongs in the curriculum’, the penultimate in this book, she argues the importance of the understanding of religions to the understanding of civilization. She believes that “every student should graduate with a basic familiarity with the history, sacred texts, codes, rituals, and shrines of the major world religions – Hinduism, Buddhism, Judaeo-Christianity, and Islam”. She recalls the religious overtone of her 1991 book Sexual Personae. Here is Paglia’s justification for this:

Judeo-Christianity never did defeat paganism, which went underground during the Middle Ages and erupted in three key moments: the Renaissance, Romanticism, and modern popular culture, as signalled by the pantheon of charismatic stars invented by studio-era Hollywood and classic rock music.

If universities had to choose between the teaching of religion and the teaching of the cult of Foucault – Postmodernism, they would be much better off with religion. Here is how she completes her argument:

Veneration of Jehovah brings vast historical sweep and a great literary work – The Bible – with it. Veneration of Foucault (who never admitted how much he borrowed from others – from Emile Durkheim to Erwin Goffman) traps the mind in simplistic, cynical formulas about social reality, applicable only to the past two and a half centuries of the post-Enlightenment. The highest level of intellect, conceptual analysis, and rigorous argumentation in the collected body of ancient Talmudic disputation and medieval Christian theology far exceeds anything in the slick, game-playing Foucault.

Postmodernism, including the poststructuralism which was rooted in the field of literary criticism, is one of the various threads of thought that weaves in and out of the eight categories of this book. Paglia threats the two terms as synonymous. In her essay ‘Scholars talk writing’ she describes the Yale she knew during the period as a graduate student there, from 1968 to 1972. It was a time when “French post-structuralism was flooding into Yale”. This is how she ends this same essay: “I’ve spent 25 years denouncing the bloated, pretentious prose spawned by post-structuralism. Enough said! Let the pigs roll in their own swirl”. In the essay ‘Free speech and the modern campus’ she describes the simultaneous rise of deconstruction and poststructuralism:

The deconstructionist trend started when J. Hillis Miller moved from Johns Hopkins University to Yale and then began bringing Jacques Derrida over from France for regular visits. The Derrida and Lacan fad was followed by the cult of Michael Foucault, who remains a deity in the humanities but whom I regard as a derivative game-player whose theories make no sense whatever about any period preceding the Enlightenment. The first time I witnessed a continental theorist discoursing with professors at a Yale event, I said in exasperation to a fellow student: ‘They’re like high priests murmuring to each other.’ It is absurd that elitist theoretical style, with its opaque and contorted jargon, was ever considered leftist, as it still is. Authentic leftism is populist, with a brutal directness of speech.

Poststructuralism or postmodernism was the major cause of the weakening of scholarship in the colleges and universities. In her aforementioned essay on Erich Newmann Paglia shows how important nature was in Newmann’s time and how things have changed.

The deletion of nature from academic gender studies has been disastrous. Sex and gender cannot be understood without some reference, however qualified, to biology, hormones, and animal instinct. And to erase nature from the humanities curriculum not only inhibits student’s appreciation of a tremendous amount of great, nature-inspired poetry and painting but also disables them even from being able to process the daily news in our uncertain world of devastating tsunamis and hurricanes.

As I started to read Camille Paglia’s Provocations I soon understood that the word ‘provocations’ is used in the sense of inciting thought. Although inciting thought is not the same as inciting rage, the first can lead to the second. Paglia has made some foes on her campus, who would like to see her pushed aside. History repeats itself when its past lessons are forgotten. During the trial of Socrates in 399 BCE, the philosopher told the Athenian people that although they saw him as a pesky ‘gadfly’, he was ‘a gadfly given to them by God,’ and one which will be difficult to replace.’ Paglia is the modern-day ‘gadfly’. She too will be difficult to replace.

                                                                                                                                               

Jo Pires-O’Brien is a Brazilian-Brit and the editor of PortVitoria.

Rob Hopkins

Review of the book Reclaiming Conversation: the power of talk in a digital age by Sherry Turkle, Penguin Press, 2015, 436 pp.

This is one of the best books I have read in a very long time.  Essential reading for any parent, for anyone who interacts with digital technologies, social media, smartphones, indeed for anyone living in the complex world of 2017.  It’s a book that had a deep impact on me, and I think it will on you too.  Sherry Turkle is a psychologist who has spent 30 years studying the psychology of how people relate to technology.  Initially she researched what, in games, the avatars people created for themselves revealed about them.  But as time went on, she became increasingly concerned with the impact that technologies, in particular the smartphone, are having on society, and in particular on our ability to seek out and sustain conversations with each other.

We find ourselves, she argues, at the beginning of a new “silent spring”, one in which “technology is implicated in an assault on empathy”, and where we are being “cured of talking”.  While we live in a time when most of what we hear is the positives of these new technologies, their ability to enable us in our pursuit of the new, to keep in touch, to feel connected.  “We like to hear [these stories]”, she reflects, “because if these are the only stories that matter, then we don’t have to attend to other feelings that persist – that we are somehow more lonely than before, that our children are less empathic than they should be for their age, and that it seems nearly impossible to have an uninterrupted conversation at a family dinner”.

Something is going horribly wrong, she suggests.  Research shows that college students who have grown up with these technologies as commonplace are 40% less empathic than their equivalents 10 years before.  It shows that frequent multitasking is associated with depression, social anxiety and trouble reading human emotions.  It shows that even the presence of a phone, or open screens, degrade the ability of everyone who can see them to do the task they were doing before.  Even putting your phone on the table during a meeting or a conversation has been shown to change the quality and depth of that conversation.  Teachers report that children are not developing empathy in the way they should and not only struggle to sustain a conversation, but actively avoid putting themselves in situations where conversation will be required.

So why is conversation so important?  As Turkle writes:

It is the most human – and humanizing – thing we do.  Fully present to one another, we listen and learn.  It’s where we develop the capacity for empathy.  It’s where we experience the joy of being heard, of being understood.  And conversation advances self-reflection, the conversations with ourselves that are the cornerstone of early development and continue throughout life.

Yet the amount of conversation actually taking place is in decline.  We increasingly prefer to communicate via email, via Facebook, where we can edit ourselves, and minimize the risk that we will end up in conversations that are uncomfortable, that leave us exposed in some way.  Some families now argue not in the kitchen, but over email, as they find it is somehow neater, more controlled, and less likely to spill over into family life.  Some couples do the same, finding that having a record of their arguments means they have something to refer back to.

Yet there is a contradiction at the heart of our sense of “being connected”.  As we detach from the conversations that since forever formed the bedrock of our culture, we imagine that the ability to be always connected will make us less lonely.  And yet loneliness is a national epidemic.  Three-quarters of older people identify as being lonely, and chronic loneliness has health impacts equivalent to smoking 15 cigarettes a day.  Yet ironically, at the root of our troubles with technology is that they deny us the opportunity, the possibility, of being alone, quiet, still.

As Turkle writes, “If we are unable to be alone, we will be more lonely.  And if we don’t teach our children to be alone, they will only know how to be lonely”.  Believing that we are in conversation through texting on our mobiles, rather than sitting with each other, means we miss out on the very kind of conversations we need, those that Turkle identifies as “artless, risky and face-to-face”.

We are experiencing what neuroscientist Richard Davidson calls a “national attention deficit”.  The myth that we can “multitask” is a pervasive one, the idea that we can text while we read while we update our Facebook profile while we draft emails while we check the news while we plan our travel next week while we shop for shoes online.  Yet all that multitasking does, research shows, is lead to us doing lots of things badly, as she puts it, “multitasking degrades performance”.

She calls for ‘unitasking’, consciously creating the space and self-control to relearn to do one thing at a time, and thereby to do it better.  Many businesses are now learning that, as she puts it, “the more you talk to your colleagues, the greater your productivity”.  Offices are being redesigned to maximize interaction and opportunities for conversation.  Meetings are being designed with a ‘parking lot for smartphones’, and regular opportunities, say 10 minutes per hour, for people to check their phones.

This is a book that is so rich with fascinating research, and with implications, that I am still digesting it.  That phone in your pocket is just a phone, right?  No.  As Turkle writes, “It’s not an accessory.  It’s a psychologically potent device that changes not just what you do but who you are”.  And yet this is not a depressing book.  It is a powerful call to review and rethink your relationship to that phone, to the technology in your life.  To redouble your efforts to not itch the scratch that arises in any quiet moment that offers the possibility of boredom to reach for our phone.  The hopeful message of this book is “conversation can cure”.  Research shows that after just 5 days at a summer camp that bans all electronic devices, children show greater empathy and attention.

For me, this book a powerful affirmation of the Transition approach, that where possible we seek to bring people together, to enable and foster conversation, to create spaces where people meet and imagine together.  Might it be that the best antidote to loneliness, to the drifting apart of our communities, to the pervasive sense of hopelessness, is to enable, to invite, public conversations? As Turkle writes: “A public conversation can model freedom of thought.  It can model courage and compromise.  It can help people think things through”.

I always start my talks by inviting people to introduce themselves to their neighbour.  So far at least 3 couples have come up to me and said “you remember that talk in [wherever] where you said to turn to the person next to you?  That’s how we met!”  And there has been, so far as I know of, one baby that resulted from it.

If you only read one book this year, make it this one.  It is delightfully readable, incredibly well-researched, rich with insight, and will make you rethink your relationship to that device in your pocket.  And invite conversation back into your life, indeed to insist upon it.  The kind of conversation that is slipping out of our culture, and out of our lives, the kind she describes as “a certain kind of face-to-face talk.  Unplanned. Open-ended. The kind that takes time”.

                                                                                                                             

Note

This review was originally published on the blog ‘Imagination taking power’, in April 2017. Source: https://www.robhopkins.net/2017/04/17/book-review-reclaiming-conversation-the-power-of-talk-in-a-digital-age-by-sherry-turkle/

The systemic corruption involving the State and the private sector since 2003 is a tragedy whose consequences will haunt Brazilians for years to come. This tragedy is linked to others, like the colonized complex, that blames everything on the Portuguese colonization. The very existence of  Operation Car Wash (Operação Lava Jato) shows a change in mentality from a fixed mind-set of blaming others to an ethics of responsibility. Because of these two polarized views, Brazilian society is fighting a war of ideas, and the resulting lack of dialogue is a tragedy that could turn Brazil into a failing state.

During the presidential election campaigns of 2018 the Brazilian society became polarized between the right and the left. This polarization is a symptom of a problem even more serious, the country’s social fragmentation caused by the proliferation of identity politics groups. My two essays published in this edition cover these topics. The first essay deals with the Brazilian identity and the description of the Brazilian mind-set. The second essay covers the polarization of Brazilian society, the prolonged hegemony of the left and the emergence of the right. Both papers point out the problem of the lack of dialogue, without which Brazil will not be able to repair its fractures, find its way, and move on to better times.

As if the above tragedies were not enough, Brazil suffered another gigantic tragedy in the fire of the National Museum, in Rio de Janeiro, which occurred on the night of the 3rd of September,  2018. Founded in 1818 by D. João VI, Brazil’s National Museum housed more than 20 million items, including historical documents, botanical, zoological and mineralogical collections, ancient Greek and Roman artefacts, the largest Egyptian collection in Latin America and the oldest human fossil discovered in the present Brazilian territory, named ‘Luzia’. In the aftermath of the fire, Alexandre Garcia, a 78 years old journalist and political broadcaster, recorded a scathing lamentation of this tragedy, whose transcription is made available in this edition of PortVitoria.  Also provided is an in-depth account of the tragedy of the loss of the National Museum in the article by João José Fermi.

Reflecting on the tragedies of  Brazil reminded me of some English idiomatic phrases linked to good administration, such as ‘Not on my watch’  and ‘The buck stops here’, and the result is an English lesson written in the form of an article, which I hope some readers of PortVitoria will find useful.

The only review in this issue is of Jordan Peterson’s book 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos (2018). Peterson is a Canadian psychologist and professor at the University of Toronto who gained notoriety in Canada in 2017 for his opposition to an amendment to the Canadian Human Rights Act (Bill C-16) adding ‘gender identity or expression’ to the list of prohibited grounds of discrimination, arguing that it would interfere with the right of free speech. Peterson’s 12 Rules for Life appeared in January 2018 and in just a few weeks became a bestseller in all Anglophone countries. The Portuguese edition appeared later in May, and the book appears to be selling well in Brazil. Peterson attributes the success of his book to the fact that it filled a much needed void in the market, but it is obvious that his internet presence, in e-videos and podcasts, also played a substantial role. I confess that I became a fan of Peterson after watching a couple of his YouTube videos, having bought his book afterwards. Peterson’s ideas describe many of the problems that affect Western civilization and I am certain that they can help Brazilians sort out their cognitive dissonance.

Joaquina Pires-O’Brien

January 2019

 Post Scriptum. Following the publication of this editorial, I read in La Nacion of a video recording of Brazil’s National Museum created under Google’s Arts & Culture programme. I encourage you to visit the Google site: ‘Inside Brazil’s Museu Nacional. Rediscover the collection before the fire in 2018’. Thank you Google!

How to reference

Pires-O’Brien, J. Editorial. The tragedies of Brazil. PortVitoria, UK, v.18, Jan-Jun, 2019. ISSN 2044-8236.

Norman Berdichevsky

Book Review of Brasil! Língua e cultura by Thomas A. Lathrop and Eduardo Mayone Dias. Lingua Text, Newark, Delaware USA, 1992 (reprints to 2006). ISBN 0-924-453-8695; $21.85

Language textbooks often try to present cultural aspects of the homeland as well as formal training in the various learning skills of speaking, listening comprehension, reading and writing. Obviously, where English, French, Spanish, or Portuguese are spoken in many different lands with quite distinct literatures, dialects, social relations and a wide range of national idiomatic expressions, the textbooks often provide clarifying footnotes to varying usage. When the language is spoken only in a single nation, such as the case with Danish or Hungarian, there may be more space to help the student understand the history of the linguistic homelands, their national traditions, music, and culinary specialties. Most language textbooks previously served for many decades without any national content of the cultural, social, economic and physical landscape linked to the particular homeland of the spoken vernacular. This, however, is a book that stands on two solid foundations of language instruction blended with an informative cultural guide, a task that is rarely performed so well, imaginatively and entertainingly. I admit that I initially skimmed the book, already having a good reading knowledge of Portuguese, but nevertheless managed to learn an enormous amount of useful and interesting practical hands-on information about Brazil.

Brasil! Lingua e cultura by Thomas A. Lathrop and Eduardo Mayone Dias is a first year college level textbook on the national language of Brasil, its history, culture and folklore. The book has a unique format presenting 75 interviews with Brazilian university students who present different aspects of Brazilian culture and society from their own particular viewpoint. These are termed Vozes Brasilieiras, all of which are accompanied by cute and clever line drawings, some of them inserted into actual photographs. Each of the twenty chapters (Lições) includes a dialogue (Diálogo) and a reading (Leitura) segment. There are also additional notas culturais in English and Portuguese that expand on the background cultural information essential for the first time visitor.

The result is a fascinating and entertaining introduction to knowing our great southern neighbor on its own terms. Each dialogue features the adventures of a fictional American character, Scott Davis from San Francisco, who has enrolled in a program for foreign students at the Universidade de São Paulo (USP). We follow Scott around the university, making new friends, taking in the sights, learning practical information about daily routines, visiting other regions and pursuing Nelly, a lovely Brazilian girl.

The country’s geography is made vivid by comparisons such as that all of Brazilian territory lies east of New York and that the southernmost town in Brazil, Chuí, in the state of Rio Grande do Sul, is only as far south as Atlanta is north. Foreigners quickly get acquainted with the social geography of the country and readily pick up the many local nicknames for residents of many of the major states of Brazil’s federal union like our own Hoosiers or Buckeyes or Sooners. Through their journeys and adventures, the reader gets a good sense of the regional characteristics of the country that are distinguished not only by racial and ethnic origins but the localisms that are more numerous and stronger than our own Southerners, New Englanders, New Yorkers and Mid-Westerners.

Many may already know that residents of the city of Rio de Janeiro are called cariocas, whereas those who reside in the State of Rio de Janeiro but live outside the city’s limits are proud to call themselves fluminenses. However, not many people know that the name Carioca signifies white man’s house, as it came from cari, meaning white man, and oca, meaning house, in the indigenous Tupi language, while the name Fluminense, which is also the name of one of Rio’s premier soccer clubs, is derived from the Latin flumen, meaning river. The many shanty-towns on the slopes of Rio are called favelas, and their dwellers are called favelados.

A paulistano is not a national of one of countries north of Pakistan but a native of São Paulo, whereas a mineiro comes from the state of Minas Gerais (General Mines – the state that had an early boom in the mining of gold and diamonds). A gaúcho in Brazil is not a cowboy of the Argentine pampa but a native of the state of Rio Grande do Sul; a catarinense is from Santa Catarina (one of the three southernmost states) and a baiano (without the “h”) is, of course, from Bahia. A pernambucano comes from Pernambuco and a mato-grossense from Mato Grosso; an alagoano from Alagoas; a goiano from Goiás and an amazonense (of whatever gender) comes from Amazonas; a paraense from Paraná and a sergipano from Sergipe but can you guess the origin of a capixaba? He or she is from Espírito Santo, a state south of Rio de Janeiro. What about the new federal capital city of Brasília – can they be brasilianos? No, that would be too confusing, so they are candangos!

In explaining the meaning of the verb conhecer (to know in the sense to be familiar with), the examples given are… “Raquel conhece Os Lusiadas de Camões (Raquel knows Os Lusiadas by Camões)… she has read some of them but doesn’t know any by heart”; “Roberto conhece os romances de Clarice Lispector (Roberto knows the romances of Clarice Lispector)… but can’t recite any passages from memory” and “Eu conheço as Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (I know Villa-Lobos’ Brazilian Bacchianas)… especially the one with the eight cellos and soprano voice”. Likewise, social relations are intimately tied to the grammatical examples as demonstrated in the book’s advice explaining that males are much more ready and quicker to address their potential sweethearts to ask “What is your name?” when first meeting with the familiar possessive form of your (teu) than the ladies who persist in the more correct polite seu. Among good friends, the pronoun você is quickly shortened to cê.

We follow Scott around São Paulo at the University and the chic cafés, fast food joints and parks of São Paulo and the beach resorts of Gualala and Ubatuba, along the coast of that state, as well as the more famous ones in Rio as he attempts to strike up a friendship and possible courtship with the pretty Nelly who has visited New York and is keen on American customs and fads. If you don’t know the differences between Ipanema, Flamengo, Botafogo, Leblon and Copacabana, read all about them in Lesson Nine, the Brazilian beach culture, so you know where the best places are to play beach volleyball. Scott is apprehensive and afraid that Nelly is putting him off with the standard excuse that she might not be free to go out on a first date because she is expecting a visit of her aunt from Minas Gerais. Fortunately for Scott, the aunt (real or invented?) never shows up.

In getting to know his new surroundings, São Paulo even outdoes Rio for ethnic restaurants (see Chapter Ten) with French, Italian, German, Chinese and Japanese specialties. Scott gets help from Nelly and his friends to become familiar with the enormous variety of Brazilian and foreign cuisine available at ethnic restaurants, fast food joints and in home prepared meals. For African specialties, there is no place like Bahia and the Brazilian Northeast but the national dish is still the feijoada, black or white beans with jerked beef, cured pork and sausage. Often, among the slaves, it meant pork products that no one else wanted, the tongue, ears, lips and feet. Usually the preferred beverage to accompany this meal is caipirinha and the combination will usually put you to sleep. Caipirinhas are Brazil’s national cocktail, made with cachaça (a type of sugar cane rum), sugar (preferably raw) and lime. A slightly more elegant meal is the popular churrasco (barbecued steak) served with a buffet table filled with side dishes. A lot quicker is a simple but tasty sandwich – bauru but it remains to be seen now if this traditional fast meal will fall victim to the competition of McDonald’s Big Mac (the latter has been given the more authentic Brazilian-Portuguese name cariocão so it doesn’t sound so foreign).

Like Scott, you will discover that Brazilians are the third or fourth largest per capita consumers of beer – or the variety known as chopp or chope (draft beer), always served very cold, with a lot more foam and a higher alcohol content than most American beers. So when in the mood for a real summertime quencher, you have got to say Me dá um chope (Give me a draft beer).

Brazil’s romance with carnival, soccer and popular music from the samba to the bossa nova, and achievements in cinema, dance and literature, are recounted in several chapters that involve Scott and Nelly in their free time and enjoyment of hobbies and entertainment with their friends. This includes a survey of Brazilian television’s soap operas. We are always given real advice about real places to go; even real menus of real restaurants. Good advice on how to use public transport, the post office and telephone provide additional situations to expand Scott’s and our knowledge of living, studying and working in Brazil. Carnival (carnaval in Portuguese) is the theme of Chapter 13, and subsequent chapters present a panorama of Brazil’s history and rampant inflation explaining how to cope with it. Chapters 19-20 present a more detailed look at the new federal capital of Brasília as a model of urban planning, the old colonial cities of the Northeast and the development of the Amazon Valley, the fate of its indigenous population and the history of VARIG, which at the time the book was written was still Brazil’s national airline.

Among the historical segments, one that will undoubtedly surprise many Americans, is that Brazil was the only South American country to send troops to fight in the Second World War. The Brazilian Expeditionary Force (Força Expedicionária Brasileira, or FEB) was a force of some 25,700 men and women from all three services that fought in Italy from September 1944 to May 1945. In addition to the efforts of FEB, the Brazilian Navy and Air Force also acted in the Atlantic Ocean, from the middle of 1942 until the end of war. During the eight months of the Italian campaign, Brazil’s FEB managed to take 20,573 Axis prisoners, consisting of two generals, 892 officers and 19,679 other ranks. During the War, Brazil lost 948 soldiers, sailors and airmen.

This is a brilliant book that integrates language instruction with a cultural guide book to the country for anyone who desires to spend more than a few days in Brazil and cares to fully appreciate the individuality of the country that has often been lumped together as part of Latin America, a nation that can truly be called our friend and ally.


Dr Norman Berdichevsky is an American specialist in human geography with a strong interest in Hispanic and Portuguese cultures. He is a frequent contributor to PortVitoria and is part of its Board of Editors.

Citation:
LARHROP, A. and MAYONE DIAS, E. Brasil! Língua e cultura. Newark, Delaware USA, Lingua Text, 1992 (reprints to 2006). ISBN 0-924-453-8695. Review by: BERDICHEVSKY, N. (2012). Brazilian Portuguese and Culture for American Colleges. PortVitoria, UK, v. 5, Jul-Dec, 2012. ISSN 2044-8236

Norman Berdichevsky

Al igual que Bélgica, Uruguay se estableció como un amortiguador entre dos importantes naciones, Brasil y Argentina, cerca de la estratégica desembocadura del río de la Plata y en el punto de confluencia de los ríos Paraná y Uruguay. Al principio de la independencia uruguaya en 1928, el país contaba con una escasa población de 75.000 habitantes. Sólo había una ciudad importante, Montevideo, la capital. El resto de la población se encontraba dispersa entre la región noroeste donde se hablaba portugués y la región sur donde se hablaba español.

Actualmente Uruguay está reconocido como un país donde sólo se habla español pero un examen más de cerca revela vestigios del bilingüismo colonial que también contribuyó a la formación de una identidad nacional, casi por un accidente de la historia, como una “provincia perdida” de sus dos poderosos vecinos y posteriormente como un estado amortiguador neutral.
Los historiadores uruguayos llegaron a designar a los indios Charrúas, que mataron a los primeros colonizadores españoles, en la banda “izquierda” (este) del río Paraná, como los “fundadores de la nación”. Los Charrúas postergaron por más de ciento cincuenta años el asentamiento en la banda este permitiendo que Buenos Aires, en la banda opuesta, se transformarse en el puerto más importante y en el centro de asentamiento de toda la región Rioplatense, dejando a Montevideo en la sombra.

En Uruguay la lengua oficial fue determinada por la política del gobierno central que favoreció una lengua – el español – sobre su rival, el portugués. La rivalidad centenaria entre España y Portugal fue transferida al Nuevo Mundo. La poco definida y luchada frontera entre los imperios de España y Portugal había sido objeto de disputa desde el acuerdo de la “División del Mundo” entre los dos poderes ibéricos con el apoyo del Papa, con la firma del Tratado de Tordesillas de 1494.

Montevideo era la que tenía inicialmente más ventajas, con un puerto natural mejor y más adecuado para recibir grandes embarcaciones transoceánicas. Esta ventaja geográfica sobre Buenos Aires debería haber convertido su lado del gran estuario del Río de La Plata en el puerto más importante y en el centro para la latitud media de España, la colonia sudamericana de la costa atlántica. El asentamiento en la banda oriental de la bahía se vio postergado por la feroz resistencia de los indios Charrúa, hasta que en 1680 los portugueses asentados en las tierras del sur de Brasil, deseosos de expandir sus dominios, fundaron la Colonia del Sacramento, cerca de la desembocadura del río Uruguay. Cuarenta años después, el gobierno colonial español, con base en Buenos Aires, envió una expedición a través del río, circunvalando el poblado portugués, para construir un fuerte militar, el Fuerte de San José, donde hoy se encuentra Montevideo, con el objeto de explotar la bahía natural y de contener la fuerte expansión portuguesa.

Montevideo se encontraba mucho más atrasado que Buenos Aires, que había sido elegida como la capital del virreinato del Río de la Plata y se utilizó primariamente como puerto para el comercio español de esclavos africanos destinados a suplir mano de obra para las plantaciones de azúcar de Cuba. El resultado fue la presencia de una pequeña población negra que se asentó de forma permanente en la ciudad contribuyendo a un son peculiar de la música folclórica uruguaya (ausente en Argentina) conocido como el candombe.

Las vacas introducidas por los europeos pronto corrieron a sus anchas por la Pampa y sus alrededores a lo largo de los ríos donde los grandes rebaños proporcionaron una fuente de riqueza por la comercialización de cuero, pieles, carne enlatada y más tarde, con la llegada del ferrocarril y los barcos refrigerados, por la distribución de carne fresca y congelada. Este enorme recurso era explotado por los gauchos, vaqueros sin filiación política al gobierno central y sin idealismos por una nueva nacionalidad. Se resistían al control de los gobiernos centrales y a menudo peleaban entre ellos. Gradualmente todos los gauchos consideraron necesario restringir el movimiento de sus grandes manadas para facilitar y abaratar el sacrificio de las reses y el embalaje de la carne.

Como consecuencia de las Guerras Napoleónicas, Gran Bretaña se vio involucrada en el rompecabezas político de Sudamérica, cuando en 1808 capturó temporalmente a Buenos Aires y a Montevideo, después de que Napoleón invadiera España y encarcelara al rey Fernando VII. Los patriotas locales argentinos rechazaron la autoridad del virrey de paja y establecieron un gobierno interino para gobernar la colonia en nombre del legítimo Rey Fernando, aunque secretamente aspiraban a su independencia de España. En Buenos Aires la autoridad interina no consiguió mantener un control eficaz de la banda este ni de los territorios periféricos.

Cuando el virrey de paja decidió mudar su corte desde Buenos Aires a Montevideo, después de la ocupación Británica, su mera presencia provocó sentimientos de independencia en los habitantes de la banda este. Se unieron en un movimiento de sublevación pensando que podrían disfrutar de una sustancial autonomía en una Argentina independiente. Cuando su descontento con el gobierno de la nueva capital de la República Argentina independiente alcanzó un punto crítico, Argentina insistió en mantener su lealtad a Buenos Aires y en impedir que la banda este se separase.

El asunto del estado de Uruguay permanecía indefinido cuando, en 1818, el Brasil Imperial, todavía bajo dominio portugués, invadió Uruguay. Gran Bretaña había formado fuertes vínculos con los portugueses junto a quienes ayudaron a expulsar a las tropas francesas de España. En 1821, Brasil ya independiente, se anexionó a Uruguay anexionándolo como su “Provincia Cisplatina.” Esto enfureció a Argentina y provocó un inmediato intento de “rescate” para recuperar Uruguay. A pesar de haber etiquetado previamente a los líderes uruguayos de “separatistas”, “gauchos rebeldes” y “anarquistas”, las fuerzas armadas argentinas intervinieron para proteger el territorio de la “subyugación brasileña.” En 1828, ambas partes estaban exhaustas y aceptaron la propuesta de Lord John Ponsoby del Ministerio Británico de Asuntos Exteriores, y convertir la “Banda Oriental” en un estado independiente. El nombre aún figura en la designación oficial de Uruguay como la “República Oriental de Uruguay”.

La primera constitución se adoptó en 1830 y tanto el nombre oficial del país como su bandera fueron diseñados para asemejarse a los de Argentina. La bandera, con un sol radiante en el campo y rayas azules y blancas, recordaba a la de los dos estados que habían estado tan fuertemente vinculados. Argentina y Brasil mantuvieron el derecho de intervenir en Uruguay en caso de producirse una guerra civil así como el derecho de aprobar su nueva constitución. Por un tiempo, dos facciones rivales, los Colorados y los Blancos, intentaron dirigir el país hacia una política pro-Brasil y pro-Argentina respectivamente, hasta que finalmente acordaron seguir un curso estrictamente neutral.

A lo largo de 1850, las tensiones entre Brasil y Argentina permanecían altas, y ambas naciones programaban recuperar Uruguay pero el apoyo prometido por las fuerzas navales británicas evitó que ninguno de los dos países intentara desafiar abiertamente la independencia uruguaya. Brasil obtuvo una serie de derechos especiales en asuntos uruguayos como la extradición de esclavos fugados y criminales; el derecho conjunto para navegar el río Uruguay y una especial exención de impuestos para el ganado brasileño y la exportación de carne salada.

El portuñol y la controversia de la lengua a lo largo de la Frontera
El portugués continuó siendo la lengua hablada en la zona rural del norte en la frontera con Brasil pero la introducción del español en los colegios públicos fue progresando poco a poco. La importancia del portugués en la zona era considerable debido al contrabando de ganado y a la importación de frutas tropicales y subtropicales desde el cercano Brasil que resultaba más eficaz para abastecer a la región que el tener que acceder hasta Montevideo. Muchos lusismos (palabras portuguesas y expresiones en español traducidas literalmente del portugués) se deslizaron en la forma popular de hablar de Montevideo como consecuencia de la migración de los habitantes del norte a la ciudad.

El recién completado “Atlas Lingüístico del Uruguay” confirma la existencia de una franja de 25 km de anchura al norte de Uruguay donde una buena parte de la población es bilingüe o habla un dialecto local con una mezcla de español y portugués, denominado “portuñol”. La proximidad de la zona a las estaciones brasileñas de televisión ha contribuido a que la población local tienda a mantener el dialecto y un cierto nivel de conocimiento del portugués brasileño. Otra razón para mantener el idioma en la zona es que tradicionalmente las oportunidades de educación han sido siempre mejores en la parte brasileña de la frontera. La presencia continua del portuñol puede verse también como un intento de los uruguayos de reforzar un sentido de identidad nacional, particularmente entre la gente joven, un sentido de rebelión contra la política del gobierno de hablar “el español correcto” y de sentirse independientes de sus poderosos vecinos argentinos.

Varios ministros de educación uruguayos han declarado el portuñol como un dialecto “vulgar” o de “clase baja” y que la política del Ministerio de Educación debe asegurar que ambas lenguas: “español y portugués se enseñen y se hablen correctamente”, mientras que la lingüista Graciela Barrios defiende el uso del dialecto y su utilización por las jóvenes generaciones de Montevideo. Graciela ha declarado que “detrás de la normativa del manejo de la lengua, hay actitudes discriminatorias. Cuando el gobierno acusa a la gente joven de ´deformar´ el idioma de alguna manera están diciendo –No nos gusta la gente joven. La lengua de la frontera es parte de nuestro patrimonio cultural y no debe desaparecer”.

El lingüista Steven Fisher ha predicho que Brasil terminará dejando de ser un país de habla portuguesa y en el que sólo se hablará portuñol (revista brasileña Veja, 5 de Abril de 2000) lo cual, como es natural, ofende a muchos literatos e intelectuales de Brasil. También ha habido una producción significativa de literatura en portuñol así como comics regionales sobre todo en Uruguay y en Brasil y una novela seria, Mar Paraguayo, escrita por el autor brasileño Wilson Bueno (1992).

A pesar de todo, tan tarde como durante la junta militar en 1970, la política uruguaya para la lengua y la educación había alcanzado una actitud tan negativa hacia el dialecto que se colocaron grandes carteles en la frontera dirigidos a los padres diciendo “Si quiere a sus hijos: Hable Español. Recuerde-ellos le imitan”.

La búsqueda de la identidad uruguaya
Uruguay tiene un fuerte resentimiento contra la asunción de Argentina de hablar en nombre de toda la región rioplatense como si Uruguay fuese todavía la olvidada provincia del “Borde Oriental”. A los uruguayos no les gusta ser subestimados pero a veces se compadecen de sí mismos o se muestran irónicos al mismo tiempo que se burlan de la ignorancia que existe en el exterior acerca de su país. Una canción popular de naturaleza patriótica habla de Uruguay como el país que “por el mapa no se ve”. Un chiste conocido entre los uruguayos judíos que emigraron a Israel es como sigue:

Varios inmigrantes judíos de Etiopía, Rusia y Latinoamérica están charlando en Israel y quejándose del trato que reciben por parte de los veteranos israelíes. Un etíope dice: en Etiopía nos llaman “malditos judíos” pero aquí en Israel nos llaman”negros miserables”. El ruso dice: Sí, en Rusia nos llaman “malditos judíos” pero aquí sólo somos “rusos miserables”. Uno de los sudamericanos asiente y dice: Es verdad, en Uruguay nos llaman “malditos judíos” y aquí todo lo que dicen es “argentinos miserables”.

Muchos uruguayos están convencidos de que Carlos Gardel, la mayor figura del tango a nivel mundial y elevado a icono nacional en Argentina, nació en realidad en Uruguay pero que la verdad se había escondido utilizando un certificado de nacimiento falso y documentos de inmigración mostrando que había nacido en Francia y que se había trasladado a Argentina cuando tenía dos años. Gardel era el más famoso pero no el único artista, poeta, escritor, músico o actor que se cruzó a la “banda Oeste” en busca de fama y fortuna en Buenos Aires, donde el mercado económico y cultural era mucho mayor.

Tanto Argentina como Uruguay atrajeron a numerosos inmigrantes de España, Italia, las Islas Canarias y países centroeuropeos y de Europa del Este. Uruguay, aunque más pequeño, tuvo más éxito estableciendo instituciones libres y alcanzó un alto nivel de educación para muchos de sus ciudadanos, conservando las libertades esenciales, y promovinendo el bienestar social convirtiéndose en un paraíso para los refugiados. Han ganado la copa mundial de fútbol en varias ocasiones y vencer a sus archirrivales en el campo de juego les ha ayudado a consolidar un fuerte sentido de identidad nacional. Aunque hablado por una minoría de la población, el portiñol es un elemento adicional que convierte a Uruguay en una nación inconfundible y orgullosa de su historia.


Norman Berdichevsky es autor, escritor, ensayista, editor, investigador, traductor, conferenciante y profesor universitario. Natural de Nueva York y residente en Orlando, Florida, realizó un doctorado en geografía humana en la Universidad de Wisconsin, Madison, en 1974. Acaba de publicar dos nuevos libros: The Left is seldom right y An introduction to Danish culture (La Izquierda raramente está cierta; Introducción a la cultura danesa, – ninguno de ellos traducido al español), los cuales pueden ser adquiridos través de la siguiente página de internet: http:www.newenglishreview.org

Título Original: ‘Portunhol and other Hurdles of Uruguaian identity’
© Dr. Norman Berdichevsky
Cortesia de: NB
Tradutora: Monica Racero (Ipswich, UK)

Como citar este artigo:
Berdichevsky, N. (2011). Portuñol y otros problemas en la identidad uruguaya. PortVitoria, UK, v. 3, Jul-Dec, 2011. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com

Joaquina Pires-O’Brien

Book Review of Historia de la Lengua Española by Rafael Lapesa. Biblioteca Románica Hispánica/Editorial Gredos, Madrid. 1981, 9th ed. ISBN 84-249-0072-3.

Rafael Lapesa’s book Historia de la Lengua Española has been a major reference on the history of the Spanish language for nearly three decades, as can be deduced from its numerous editions and reprints since it was first published in 1981. It encompasses not just the major evolutionary phases of the Spanish language but also the cultural background behind it. Although the specialised readership can profit the most from this book, it has also a great deal of interesting things to amuse the non-specialised readership. One example is the clear and authoritative narrative of the historical backdrop that allowed the formation and the evolution of the Spanish language.

Spanish is one of the many Romance languages, together with Catalan, Portuguese, French, Italian, Romanian and many dialects. They all derived from the Vulgar Latin spoken by the Romans who occupied most of Europe and the Mediterranean from about one hundred years BCE (Before the Common Era) to the year 476, when the Visigoths’ last assault on Rome brought down the Western Roman Empire. However, Vulgar Latin was not the only origin of Spanish and Portuguese. The Ecclesiastical Latin introduced in the Iberian Peninsula by the first Christians during the second half of the occupation also left its mark, while the creation of Modern Latin in the 15th century facilitated the creation of the first Romance grammars.

Lapesa’s book starts before the Roman Empire and its occupation of the Iberian Peninsula. The latter was already occupied by other peoples including the Basques, whose descendants still live in the Pyrenees, on third and second centuries BCE. At that time Latin was just one among many other languages spoken in the regions of Italy and the Levant prior to the start of the Roman Empire. In the ancient Greek writing compiled by Herodotus (ca 480-430 BCE), there are many references to Iberia, such as the region in Huelva, Spain, which was occupied by Iberian settlers that came from Northern Africa. Another indication of the presence of pre-Roman occupiers in the Iberian Peninsula is the matching of place names from Huelva to the Pyrenees in Etruria and other Italian regions.

According with the ancient Greek writings, the region of modern Andalucía and Southern Portugal was inhabited by the Turdetans, which belonged to the Tartesia civilization. The Turdetans would have received their influences from the seafarers from the Far East and are thought to be linked to the Tysens of Lydia in Asia Minor, who originated the Tyrens and Ethruscs of Italy. The Spanish linguist Don Manuel Gómez-Moreno, decoded the Turdetan inscriptions found in Iberia and those from the original location, as well as most of the ancient inscriptions found in Iberia.

The Etruscans would also have settled in the Spanish coast from Levant to Mediodía (in the Pyrenees). The Phoenicians established themselves in the coast of Spain and founded the town of Gádir in 1100 BCE, in Gadir, now Cádiz. Another Phoenician colony is Malaga, in Andalusia, and Abdera (presently Adra), in Almeria. The city Cartagena was the New Carthage that the ancient Carthaginians founded in the region of Murcia.

There were also Greeks in the Iberian Peninsula before the Romans. Their settlements went from the South to the Levant region, where they spoke Lucent. Towards the middle and the West of Iberia there is archaeological evidence from cultivated fields and burial grounds suggesting the presence of Indo-European settlements from Central Europe, at about 1000 BCE.

Herodotus also refers to the presence of Celts in Portugal and in the Low Andalucía in the year 445 BCE, and further Celtic settlements are also thought to be likely. The Ligurian presence in Spain, which was also mentioned by other Greek historians, is supported by coincidences of place names in Spain and in the Liguria region of Italy. As recorded by the Greek geographer Estrabón, at the time of Augustus there was a great diversity of languages in the Hispanic Peninsula. After the arrival of the Romans, the whole of Iberia apart from the Basque region took up the language spoken by the Romans, by converting their vocabulary into Vulgar Latin. There is a long list of words from the Spanish vocabulary that cannot be traced to Latin or to other languages, as well as many suffixes that are clearly Pre-Roman.

The early Iberians gave up their language after the Roman occupation, partly due to the pressures from the Romans and partly as a trade off for the security that came with the Roman rule of law introduced in the provinces by the emperor Vespasian. In 212 the emperor Caracalla made the Hispanics citizens of the Roman Empire. The Roman conquest changed the Iberian society. The customs the Romans introduced included those of the Hellenic civilization incorporated in their own culture. After the arrival of Christianity, the introduction of ecclesiastical Latin, including the text of the New Testament, helped to complete the latinization of the Iberian language.

After the end of the Roman Empire, however, the provinces became separated from one another and the result of that was that their language fragmented into different languages and dialects. From the third century the Germanic Vandals began to invade the Iberian Peninsula, causing a lot of destruction along their path. In 409, they invaded it again in massive numbers, shortly before the Visigoth king Alaric carried out the first ransack of Rome.

The mark of the Germanic peoples in the Romance languages is widely discussed by Lapesa. The Romance languages were to receive further changes from the Arabs, which moved to Southern Iberia to spread the new religion of Islam, arriving in Iberia just as the German invaders had began to settle. The first primer to teach how to write Romance was published in 1532 by Bernabé Busto, a court tutor, and it was during the rule of Phillip II that school children began to learn the grammar of the vulgar language.

The Christian reconquest began slowly from the 9th century. The culture of the early Christian Iberians combined their old customs with violent Visigoth habits of bloody revenges and family feuds, while disputes were resolved by force rather than by a rule of law. From the 9th to the 11th century there were some Christian kingdoms in Iberia, with defined legal provinces and parishes.

Castilian, as the Spanish language was called, began to emerge at the end of the medieval period when Hispanic writers decided to emulate their Italian counterparts and to write in the vulgar language instead of Latin. The first texts, from the 12th century, were with epic poems evoking past heroes and glories ( Mío Cid, Roncesvalles and Los Infantes de Lara) while poems containing narratives (Alexandre and Apolonio) appeared later. In 1490 Alfonso de Palencia published the first vocabulary and in 1492 Antonio de Nebrija published the first grammar. After that, the first dictionary of Latin appears and the Bible is translated into vernacular. The Spanish prose finally came of age with the novels Cárcel de Amor (ca 1480), and La Celestina (1499) and Amadis (1508) which were translated into other languages.

The reverse of the Roman conquest occurred during a period after the discoveries when Portugal and Spain became powerful empires. Under Alfonso V, the Spanish empire gained control over Naples and from then on it was to exert a powerful influence over the entire Europe. This plus the rivalry between the Spanish and the English led the Spanish to publish Spanish dictionaries and Spanish grammars. Now it was the turn of Spain and its language to influence the rest of Europe. Examples of Hispanic influence include sforzato, sforzo, sussiego, grandioso, disinvoltura in Italian; brave, bravoure, désinvolte, grandiose, fanfarrron, in French. The Americanisms that entered in Europe did so via Spanish, with words such as potato, caiman, canoe, cochineal, hammock, hurricane, maize, pirogue and tobacco.

According to Lepesa, the raise of Castilian as a literary language coincided with the decline of Catalan and it was due to the use of Castilian at the court and to the need for unity in internal and external communication. The Castilian language was also spoken in Portugal. Lepesa mentions the bilingualism of the early classic Portuguese writers such as the authors of the Cancioneiro de Resende, Gil Vicente, Camões and Rodrigo Lobo e Melo.

The modern Romance languages came of age during the Renaissance. To Lapesa, this was not just due to the new fashion of reshaping them according to the Greeks and Roman classics, but also because of the new fashion in that period of exulting nature and spontaneity. One of the works of the period worthy of mention is Juan de Valdés 1535 book Diálogo de la Lengua. Just after the Renaissance period came the Golden Age of the Spanish literature, whose greatest work is undoubtly Don Quixote by Miguel de Cervantes, characterized by familiar dialogues and a realistic prose.

After examining the work of other writers of the Golden Age of the Spanish literature, Lapesa moves on to Modern Spanish and the creation of the Spanish Royal Academy in 1713. The latter fomented the Spanish language through the publication of reference books, the republication of various other books including a sumptuous edition of Don Quixote and the stirring of orthographic reforms. The Academy continues to guide the evolution of Modern Spanish especially after the introduction of innumerous Gallicisms and Anglicisms in the 20th century.

The last chapters deal with the variations of Spanish in Spain and in the Americas and the rest of the world. After discussing the archaisms preserved in the Spanish spoken by the Jewish-Spanish communities of Morocco and other parts of Northern Africa and Turkey, who settled in these regions after their expulsion from Spain, Lapesa moves on to the Spanish that was taken to America. He discusses the indigenous influences in the American Spanish and produces a map of Central and South America showing the various linguistic regions based on their preferences regarding and the ‘y-ism’ in the pronunciation of certain consonants.

The American Spanish that resembles most the Spanish of Andalucía is that spoken in the Caribbean and the Antilles, which Lapesa attributes to the migrations that took place in the 16th century and their continued relations with the Canaries. In relation to the continent, the speech of the mountains is closer to that of Castilian than that of the Llanos and the coastal zones. American Spanish shows a divide between the cultivated and the uncultivated form of speech, but so does the Iberian Spanish. In spite of all the differences that the linguists have catalogued there is still a unity in the Spanish language of Iberia and the New World. The increased cultural exchange and communication that appeared in the latter part of the 20th century has staved off the fear of language split.

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Citation:

LAPESA, R. Historia de la Lengua Española. Madrid, Biblioteca Románica Hispánica – Editorial Gredos, 9th ed., 11th rpt 2001. ISBN 84-249-0072-3. Review by: PIRES-O’BRIEN, J. (2010). The history of Spanish. PortVitoria, UK, v. 1, Jul-Dec, 2011. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com

 

Joaquina Pires-O’Brien

Book Review of The Horse the Wheel and Language: How Bronze-age Riders from the Eurasian Steppes Shaped the Modern World by David W. Anthony. Princeton University Press, Princeton and Oxford. 2007. ISBN 13:978-0-691-05887-0

David W. Anthony is a professor of anthropology at Harwick College, a small private college in Oneonta, NY, who has conducted extensive fieldwork in Ukraine, Russia and Kazakhstan. His book The Horse the Wheel and Language: How Bronze-age Riders from the Eurasian Steppes Shaped the Modern World, published in 2007, is a well organised synthesis of the theory that places the location of Proto-Indo-European in the steppes of southern Ukraine, Russia and Kazakhstan. He accompanied closely all the archaeological work being carried out in the Eurasian steppes as well as the research on the reconstruction of Proto-Indo-European by comparative linguists. His account swings backs and forth from linguistics to archaeology with his personal interpretation of the archaeological-anthropological cultures at the centre of the theory.

Although Europe and Asia form one super-continent, there is an extensive mountain chain separating them — The Urals, which spans in the north-south direction for more than 2,000 km; they are crossed by a seven thousand long belt of steppes that stretches from Eastern Europe on the west, between Odessa and Bucharest, to the Great Wall of China on the east. The Urals make east-west migration difficult but not impossible, except in the five year period just after the end of the last Ice Age, when the Black and the Caspian Seas on its West side, formed a huge body of water that isolated the inhabitants from either side of what is known as the Ural-Caspian frontier.

The region West of the Urals and north of the Black and the Caspian Seas, referred to as the Pontic-Caspian frontier due to the region above the Black Sea being known by the ancient Greeks as Pontus Euxeinos, is the supposed original place of Proto-Indo-European, the language that originated the 12 branches of the Indo-European language family which in turn originated the languages that originated Sanskrit, Greek and Latin. The precise area is that of the steppes that extend east ways from southern Ukraine and Russia to Kazakhstan. This theory is known as the Kurgan theory, in reference of the Kurgan culture that formed the original speakers of Proto-Indo-European. It surpassed the alternative Anatolian theory proposed by Sir Colin Renfrew, which links the expansion of language to the expansion of agriculture. There are two problems of the latter theory, which places the first separation between the parent Indo-Hittite language and Proto-Indo-European between 6,700 and 6,500, when the Anatolia farmers would have migrated to Greece. The first problem is that the presence of carts in Europe only appears in the archaeological record around 3,500 BCE (Before the Common Era). The second problem is that around that time when the first carts appeared, the Indo-European language should have been more diversified and rich for it would be over three thousand years old.

Anthony’s book contains a massive amount of evidence obtained from archaeology, comparative linguistics, anthropology and geography, including 24 pages of notes on the sources used in each chapter and 38 pages of references. He also took the painstaking job of cross-referencing a variety of sources to compile the tables and to prepare the illustrations he used to build his case. The illustrations include all sorts of maps, diagrams of excavation sites and settlements, ceramics, tools etc. One illustration I found interesting and gruesome compares the maces (large hammers used to crack heads of cattle) of Old Europe, Suvorovo Danube and Transylvania and the Pontic-Caspian steppes.

The big picture that Anthony so well manages to deliver includes the notion that archaeology is not just bones and fragments of objects. There are the thousands of old inscriptions in ceramic fragments which archaeological linguists must decipher, catalogue and compare. Dead languages are reconstructed by contrasting preserved scripts with living ‘fossils’ of live languages – recognised through their irregular forms. As Anthony explains, the process of discovery of the homeland of Proto-Indo-European started by seeking the earliest phase of Indo-European, that is, the oldest of the Indo-European languages. It is a complex process that involves examining the ancient vocabularies preserved in the archaeological record or reconstructed by some indirect means.

The oldest branch of Indo-European was Anatolian, from which stems three branches: Hittite, Luwian and Palaic, all of which extinct. Of these the best known is Hittite, which was spoken by the Hittite Empire. Central Anatolia, a region that comprises Kayseri, in modern Turkey, was occupied by the Hittites as early as 1900 BCE, although the Hittite empire there was created later, between 1650 and 1600 BCE. The dating of Proto-Anatolian was estimated at 3,400 BCA, based on the date when Luwian and Hittite would have separated. The next question was when did the root of the Anatolian branch separated from the rest of Proto-Indo-European.

In the ‘Old Europe’ that existed before the arrival of the Indo-Europeans, there were farming communities in the Danube valley which were “technologically advanced and aesthetically sophisticated”. In the Eurasian steppes just north of the Black Sea, lived a culture of Neolithic pioneer herders that arrived there at around 5,800 BCE and whose cattle could have originated from the Danube valley, through the Caucasus Mountains. The harsh environment of the Eurasian steppes “laid the foundation for the kinds of power politics and rituals that defined early Proto-Indo-European culture”. Their social organisation gradually became more complex and their culture prospered. They could convert grass, make textiles, tents and clothing and how to produce yogurt and cheese. They even composed poetry and valued it as a currency. In contrast to them, on the East side of the Urals, which had been cut off from the West side by the large sea that appeared after the last Ice Age, lived a much more primitive human society whose inhabitants rejected the domestication of cattle and remained foragers for the next few thousands of years. Both societies West and East of the Urals remained separated from the civilised world for thousands of years, until the society on the West acquired the habit of horseback ridding and created a corridor connecting themselves to the other civilizations.

Anthony’s account describes the construction of maps of the various regions of the ancient world showing where there were horses and carts, from bones (especially teeth) and wheel parts preserved in the archaeological record. After the peoples who lived west of the Urals developed the habit of horseback ridding, sometime before 4,200 BCE, a corridor of transcontinental communication was created putting an end to their isolation from the civilised world.

The oldest reconstructed Indo-European languages such as Imperial Hittite, Mycenaean Greek and the most ancient forms of Sanskrit (or Old Indic) allowed scholars to describe their cultures as “militaristic societies that seemed to erupt into the ancient world driving chariots pulled by swift horses”. The chariots empowered the Proto-Indo-European culture to penetrate into Old Europe at about 4,200 BCE and to spread themselves to the rest of the continent. The archaeological record shows that the old warfare was firstly based on chariots and that the cavalry of mounted archers only appeared around 800 BCE. It also shows that between 1700 and 700 BCE the chariots were the favoured weapons of pharaohs and kings throughout the ancient world, which in turn suggests that the Indo-European speakers could have been the first to have chariots.

Anthony’s account of the Kurgan theory that places the oldest speakers of Proto-Indo-European in the Eurasian steppes is fully documented by the archaeological record and is consistent with all other historical evidence. The association between man and his horse made all the difference not just in surviving but also for the development of the intellect. He shows how the same warriors in horse driven carriages who created havoc as they penetrated into Europe could also sing, give prayers to their gods and praise their past heroes in epic oral poems. Anthony’s narrative showing how the horse and the cart gave the inhabitants of the Pontic steppes the edge to survive and thrive is a well documented work of synthesis and one of the most fascinating reads that I have discovered in recent years.

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Citation:

ANTHONY, D. W. The horse the wheel and language: how Bronze-age riders from the Eurasian steppes shaped the Modern World. Princeton and Oxford, Princeton University Press, 2007. ISBN 13:978-0-691-05887-0. Review by: PIRES-O’BRIEN, J. (2010).The strategic partnership of man and his horse. PortVitoria, UK, v. 1, Jul-Dec, 2011. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com/

Ricardo Schütz

The history of every language is unique, because each language is inherently bound to the thinking, nature, and spirit of a people, all of which are continuously altered by the twists and turns of events. (Crane, Yeager and Whitman. An Introduction to Linguistics)

INTRODUÇÃO
A língua inglesa é fruto de uma história complexa e enraizada num passado muito distante.

Há indícios de presença humana nas ilhas britânicas já antes da última era do gelo, quando as mesmas ainda não haviam se separado do continente europeu e antes dos oceanos formarem o Canal da Mancha. Esse recente fenômeno geológico que separou as ilhas britânicas do continente, ocorrido há cerca de 7.000 anos, também isolou os povos que lá viviam dos conturbados movimentos e do obscurantismo que caracterizaram os primórdios da Idade Média na Europa.

Sítios arqueológicos evidenciam que as terras úmidas que os romanos vieram a denominar de Britannia já abrigavam uma próspera cultura há 8.000 anos, embora pouco se saiba a respeito.

OS CELTAS
A história da Inglaterra inicia com os celtas.

Por volta de 1000 a.C., depois de muitas migrações, vários dialetos das línguas indo-européias tornam-se grupos de línguas distintos, sendo um desses grupos o celta. Os celtas se originaram presumivelmente de populações que já habitavam a Europa na Idade do Bronze. Durante cerca de 8 séculos, de 700 a.C. a 100 A.D., o povo celta habitou as regiões hoje conhecidas como Espanha, França, Alemanha e Inglaterra. O celta chegou a ser o principal grupo de línguas na Europa, antes de acabarem os povos celtas quase que totalmente assimilados pelo Império Romano.

A PRESENÇA ROMANA
Em 55 e 54 a.C. ocorrem as primeiras invasões romanas de reconhecimento, sob o comando pessoal de Júlio César. Em 44 A.D., à época do Imperador Claudius, ocorre a terceira invasão, quando então a principal ilha britânica é anexada ao Império Romano até os limites com a Caledônia (atual Escócia) e o latim começa a exercer influência na cultura celta-bretã. Três séculos e meio de presença das legiões romanas e seus mercadores, trouxeram profunda influência na estrutura econômica, política e social das tribos celtas que habitavam a Grã Bretanha. Palavras latinas naturalmente passaram a ser usadas para muitos dos novos conceitos.

OS ANGLO-SAXÕES
Devido às dificuldades em Roma enfrentadas pelo Império, as legiões romanas, em 410 A.D., se retiram da Britannia, deixando seus habitantes celtas à mercê de inimigos (Scots e Picts). Uma vez que Roma já não dispunha de forças militares para defendê-los, os celtas, em 449 A.D., recorrem às tribos germânicas (Jutes, Angles, Saxons e Frisians) para obter ajuda. Estes, entretanto, de forma oportunista, acabam tornando-se invasores, estabelecendo-se nas áreas mais férteis do sudeste da Grã-Bretanha, destruindo vilas e massacrando a população local. Os celtas-bretões sobreviventes refugiam-se no oeste. Prova da violência e do descaso dos invasores pela cultura local é o fato de que quase não ficaram traços da língua celta no inglês.

São os dialetos germânicos falados pelos anglos e pelos saxões que vão dar origem ao inglês. A palavra England, por exemplo, originou-se de Angle-land (terra dos anglos). A partir daí, a história da língua inglesa é dividida em três períodos: Old English, Middle English e Modern English. A segunda metade do século V, quando ocorreram as invasões germânicas, marca o início do período denominado Old English.

INTRODUÇÃO DO CRISTIANISMO
Em 432 A.D. St. Patrick inicia sua missão de levar o cristianismo à população celta da Irlanda. Em 597 A.D. a Igreja manda missionários liderados por Santo Agostinho para converter os anglo-saxões ao cristianismo. O processo de cristianização ocorre gradual e pacificamente, marcando o início da influência do latim sobre a língua germânica dos anglos-saxões, origem do inglês moderno. Esta influência ocorre de duas formas: introdução de vocabulário novo referente a religião e adaptação do vocabulário anglo-saxão para cobrir novas áreas de significado. A necessidade de reprodução de textos bíblicos representa também o início da literatura inglesa.

A introdução do cristianismo representou também a rejeição de elementos da cultura celta e associação dos mesmos a bruxaria. A observação ainda hoje de Halloween na noite de 31 de outubro é exemplo remanescente de cultura celta na visão do cristianismo.

Àquele período, a Inglaterra encontra-se dividida em sete reinos anglo-saxões e o Old English, então falado, na verdade não era uma única língua, mas sim uma variedade de diferentes dialetos.

Os dialetos do inglês antigo de antes do cristianismo eram línguas funcionais para descrever fatos concretos e atender necessidades de comunicação diária. O vocabulário de origem greco-latina introduzido pela cristianização expandiu a linguagem anglo-saxônica na direção de conceitos abstratos.

Ao final do século 8, iniciam os ataques dos Vikings contra a Inglaterra. Originários da Escandinávia, esses povos usavam de violência e seus ataques causaram destruição em muitas regiões da Europa. Os vikings que se estabeleceram na Inglaterra eram predominantemente provenientes da região hoje pertencente à Dinamarca e falavam Old Norse, ancestral do dinamarquês. Esses mais de 200 anos de presença de escandinavos na Inglaterra naturalmente exerceram influência sobre o Old English. Entretanto, devido à semelhança entre as duas línguas, torna-se difícil determinar esta influência com precisão.

OLD ENGLISH (500 – 1100 A.D.)
Old English, às vezes também também denominado Anglo-Saxon, comparado ao inglês moderno, é uma língua quase irreconhecível, tanto na pronúncia, quanto no vocabulário e na gramática. Para um falante nativo de inglês hoje, das 54 palavras do Pai Nosso em Old English, menos de 15% são reconhecíveis na escrita, e provavelmente nada seria reconhecido ao ser pronunciado. A correlação entre pronúncia e ortografia, entretanto, era muito mais próxima do que no inglês moderno. No plano gramatical, as diferenças também são substanciais. Em Old English, os substantivos declinam e têm gênero (masculino, feminino e neutro), e os verbos são conjugados.

A CONQUISTA DA INGLATERRA PELOS NORMANDOS NA BATALHA DE HASTINGS
A Batalha de Hastings em 1066, foi um evento histórico de grande importância na história da Inglaterra. Representou não só uma drástica reorganização política, mas também alterou os rumos da língua inglesa, marcando o início de uma nova era.

A batalha foi travada entre o exército normando, comandado por William, Duque da Normandia (norte da França), e o exército anglo-saxão liderado por King Harold, em 14 de outubro de 1066.

O predecessor de Harold havia tido fortes vínculos com a corte da Normandia e supostamente prometido o trono da Inglaterra para o Duque da Normandia. Após sua morte, entretanto, o conselho do reino apontou Harold como sucessor, levando William a apelar para a guerra como forma de impor seus pretensos direitos.

Veja como um artista do século 11 representou, em tapeçaria, a travessia do Canal da Mancha pelas tropas de William:

[…]

A sangrenta batalha só terminou ao fim do dia, com o Rei Harold e seus irmãos mortos e um saldo de 1500 a 2000 guerreiros mortos do lado normando e outros tantos ou mais, do lado inglês.

William havia conquistado em poucos dias uma vitória que romanos, saxões e dinamarqueses haviam lutado longa e duramente para alcançar. Ele havia conquistado um país de um milhão e meio de habitantes e provavelmente o mais rico da Europa, na época. Por esse feito ficou conhecido na história como William the Conqueror.

O regime que se instaurou a partir da conquista foi caracterizado pela centralização, pela força e, naturalmente, pela língua dos conquistadores: o dialeto francês denominado Norman French. O próprio William l não falava inglês e, por ocasião de sua morte em 1087, não havia uma única região da Inglaterra que não fosse controlada por um normando. Seus sucessores, William II (1087-1100) e Henry I (1100-1135), passaram cerca de metade de seus reinados na França e provavelmente possuíam pouco conhecimento de inglês.

Durante os 300 anos que se seguiram, principalmente nos 150 anos iniciais, a língua usada pela aristocracia na Inglaterra foi o francês. Falar francês tornou-se então condição para aqueles de origem anglo-saxônica em busca de ascensão social através da simpatia e dos favores da classe dominante.

MIDDLE ENGLISH (1100 – 1500)
O elemento mais importante do período que corresponde ao Middle English foi, sem dúvida, a forte presença e influência da língua francesa no inglês. Essa verdadeira transfusão de cultura franco-normanda na nação anglo-saxônica, que durou três séculos, resultou principalmente num aporte considerável de vocabulário. Isto demonstra que, por mais forte que possa ser a influência de uma língua sobre outra, esta influência normalmente não vai além de um enriquecimento de vocabulário, dificilmente afetando a pronúncia ou a estrutura gramatical.

O passar dos séculos e as disputas que acabaram ocorrendo entre os normandos das ilhas britânicas e os do continente, provocam o surgimento de um sentimento nacionalista e, pelo final do século 15, já se torna evidente que o inglês havia prevalecido. Até mesmo como linguagem escrita, o inglês já havia substituído o francês e o latim como língua oficial para documentos. Também começava a surgir uma literatura nacional.

Muito vocabulário novo foi incorporado com a introdução de novos conceitos administrativos, políticos e sociais, para os quais não havia equivalentes em inglês. Em alguns casos, entretanto, já existiam palavras de origem germânica, as quais, ou acabaram desaparecendo, ou passaram a coexistir com os equivalentes de origem francesa, em princípio como sinônimos, mas, com o tempo, adquirindo conotações diferentes. Exemplos:

 

·         Anglo-Saxão Francês Anglo-Saxão Francês Anglo-Saxão Francês
answer begin bill chicken clothe come end fair feed respond commence beak poultry dress arrive finish beautiful nourish folk freedom ghost happiness help hide house hunt kin people liberty phantom felicity aid conceal mansion chase relations kingly look pig sheep shut sight wish work yearly royal search pork mutton close vision desire labor annual

Pequenas diferenças dialetais resultantes desta simbiose entre diferentes grupos sociais e suas respectivas línguas podem ser observadas ainda atualmente. Nos meios intelectuais das classes mais privilegiadas dos países de língua inglesa existe até hoje uma tendência a um uso maior de palavras de origem latina. De acordo com o norte-americano Pat Brown, freqüentador do fórum de discussões deste site,

The split between the French-speaking Normans and peasant English-speaking Saxons still exists today in a curious fashion. The Normans, as the conquerors and rulers, became the upper-class of England and their speech metamorphosed into today’s well-educated English – composed primarily of Latin-based vocabulary. The common everyday speech of most modern English speakers however is still directly based on the Anglo-Saxon.

Além da influência do francês sobre seu vocabulário, o Middle English se caracterizou também pela gradual perda de declinações, pela neutralização e perda de vogais atônicas em final de palavra e pelo início do Great Vowel Shift.

 

THE GREAT VOWEL SHIFT
Uma acentuada mudança na pronúncia das vogais do inglês ocorreu principalmente durante os séculos 15 e 16. Praticamente todos os sons vogais, inclusive ditongos, sofreram alterações e algumas consoantes deixaram de ser pronunciadas. De uma forma geral, as mudanças das vogais corresponderam a um movimento na direção dos extremos do espectro de vogais, como representado no gráfico abaixo.

 

PRONÚNCIA ANTES DO SÉCULO 15 PRONÚNCIA MODERNA
fine /fi:ne/

hus /hu:s/

ded /de:d/, semelhante a dedo em português

fame /fa:me/, semelhante à atual pronúncia de father

so /só:/, semelhante à atual pronúncia de saw

to /to:/, semelhante à atual pronúncia de toe

  /fayn/

house /haws/ 

deed /diyd/

  /feym/

  /sow/

  /tuw/

O sistema de sons vogais da língua inglesa antes do século 15 era bastante semelhante ao das demais línguas da Europa ocidental, inclusive do português de hoje. Portanto, a atual falta de correlação entre ortografia e pronúncia do inglês moderno, que se observa principalmente nas vogais, é, em grande parte, conseqüência desta mudança ocorrida no século 15.

MODERN ENGLISH (a apartir de 1500)
Enquanto que o Middle English se caracterizou por uma acentuada diversidade de dialetos, o Modern English representou um período de padronização e unificação da língua. O advento da imprensa em 1475 e a criação de um sistema postal em 1516 possibilitaram a disseminação do dialeto de Londres – já então o centro político, social e econômico da Inglaterra. A disponibilidade de materiais impressos também deu impulso à educação, trazendo o alfabetismo ao alcance da classe média.

A reprodução e disseminação de uma ortografia finalmente padronizada, entretanto, coincidiu com o período em que ocorria ainda a Great Vowel Shift. As mudanças ocorridas na pronúncia a partir de então, não foram acompanhadas de reformas ortográficas, o que revela um caráter conservador da cultura inglesa. Temos aí a origem da atual falta de correlação entre pronúncia e ortografia no inglês moderno. D’Eugenio assim explica o que ocorreu:

O processo de padronização da língua inglesa iniciou em princípios do século 16 com o advento da litografia, e acabou fixando-se nas presentes formas ao longo do século 18, com a publicação dos dicionários de Samuel Johnson (figura ao lado) em 1755, Thomas Sheridan em 1780 e John Walker em 1791. Desde então, a ortografia do inglês mudou em apenas pequenos detalhes, enquanto que a sua pronúncia sofreu grandes transformações. O resultado disto é que hoje em dia temos um sistema ortográfico baseado na língua como ela era falada no século 18, sendo usado para representar a pronúncia da língua no século 20. (319, minha tradução)

Da mesma forma que os primeiros dicionários serviram para padronizar a ortografia, os primeiros trabalhos descrevendo a estrutura gramatical do inglês influenciaram o uso da língua, incorporando conceitos gramaticais das línguas latinas e trazendo uma uniformidade gramatical. Durante os séculos 16 e 17 ocorreu o surgimento e a incorporação definitiva do verbo auxiliar do para frases interrogativas e negativas. A partir do século 18 passou a ser considerado incorreto o uso de dupla negação numa mesma frase como, por exemplo: She didn’t go neither.

SHAKESPEARE
William Shakespeare (1564-1616), representou uma forte influência no desenvolvimento de uma linguagem literária. Sua imensa obra é caracterizada pelo uso criativo do vocabulário então existente, bem como pela criação de palavras novas. Substantivos transformados em verbos e verbos em adjetivos, bem como a livre adição de prefixos e sufixos e o uso de linguagem figurada são freqüentes nos trabalhos de Shakespeare.

Ao mesmo tempo em que a literatura se desenvolvia, o colonialismo britânico do século 19, levava a língua inglesa a áreas remotas do mundo, proporcionando contato com culturas diferentes e trazendo novo enriquecimento ao vocabulário do inglês.

Desde o início da era cristã até o século 19, seis idiomas chegaram a ser falados na Inglaterra: Celta, Latim, Old English, Norman French, Middle English e Modern English. Essa diversidade de influências explica o fato de ser o inglês uma língua menos sistemática e menos regular, quando comparado às línguas latinas e mesmo ao alemão. Poderia nos levar a concluir também que o inglês de hoje pode ser comparado a uma colcha feita de retalhos de tecidos de origem das mais diversas.

AMERICAN ENGLISH
A esperança de alcançar prosperidade e os anseios por liberdade de religião foram os fatores que determinaram a colonização da América do Norte. A chegada dos primeiros imigrantes ingleses em 1620, marca o início da presença da língua inglesa no Novo Mundo.

À época da independência dos Estados Unidos, em 1776, quando a população do país chegava perto de 4 milhões, o dialeto norte-americano já mostrava características distintas em relação aos dialetos das ilhas britânicas. O contato com a realidade de um novo ambiente, com as culturas indígenas nativas e com o espanhol das regiões adjacentes ao sul, colonizadas pela Espanha, provocou um desenvolvimento de vocabulário diverso do inglês britânico.

Hoje, entretanto, as diferenças entre os dialetos britânicos e norte-americanos estão basicamente na pronúncia, além de pequenas diferenças no vocabulário. Ao contrário do que aconteceu entre Brasil e Portugal, Estados Unidos da América e Inglaterra mantiveram fortes laços culturais, comerciais e políticos. Enquanto que o português ao longo de 4 séculos se desenvolveu em dois dialetos substancialmente diferentes em Portugal e no Brasil, as diferenças entre os dialetos britânico e norte-americano são menos significativas.

 O INGLÊS COMO LÍNGUA DO MUNDO
Fatos históricos recentes explicam o atual papel do inglês como língua do mundo.

Em primeiro lugar, temos o grande poderio econômico da Inglaterra nos séculos 18, 19 e 20, alavancado pela Revolução Industrial, e a conseqüente expansão do colonialismo britânico. Esse verdadeiro império de influência política e econômica atingiu seu ápice na primeira metade do século 20, com uma expansão territorial que alcançava 20% das terras do planeta. O British Empire chegou a ficar conhecido como “the empire where the sun never sets” devido à sua vasta abrangência geográfica, provocando uma igualmente vasta disseminação da língua inglesa.

Em segundo lugar, o poderio político-militar do EUA a partir da segunda guerra mundial e a marcante influência econômica e cultural resultante, acabaram por deslocar o francês como língua predominante nos meios diplomáticos e solidificar o inglês na posição de padrão das comunicacões internacionais. Simultaneamente, ocorre um rápido desenvolvimento do transporte aéreo e das tecnologias de telecomunicação. Surgem os conceitos de information superhighway e global village para caracterizar um mundo no qual uma linguagem comum de comunicação é imprescindível.

RESUMO CRONOLÓGICO

  • 10.000 – 6.000 a.C. – Sítios arqueológicos evidenciam a presença do homem nas terras que encontravam-se ainda unidas ao continente europeu e que os romanos posteriormente viriam a denominar de Britannia.
  • 1.200 – 600 a.C. – Celtas se estabelecem na Europa e ilhas britânicas, marcando a partir daí sua presença na Europa por cerca de 8 séculos, antes de sua quase completa assimilação pelo Império Romano.
  • 55 e 54 a.C. – Primeiras incursões romanas de reconhecimento, sob o comando de Júlio César.
  • 44 A.D. – Legiões romanas, à época do Imperador Claudius, invadem e anexam a principal ilha britânica.
  • 50 A.D. – Os romanos fundam Londinium às margens do Tâmisa.
  • 410 A.D. – Legiões romanas se retiram das ilhas britânicas para defender Roma de ataques dos bárbaros.
  • 432 A.D. – St. Patrick inicia sua missão de cristianizar a Irlanda.
  • 450 – 550 A.D. – Tribos germânicas (anglos e saxões) se estabelecem na Britannia após a saída das legiões romanas. Início do período Old English.
  • 500 – 1100 – Período que corresponde ao Old English.
  • 465 A.D. – Suposta data de nascimento do lendário Rei Artur.
  • 597 A.D. – Chegada de Santo Agostinho e seus missionários para converter os anglo-saxões ao cristianismo. Inicia o primeiro período de influência do latim na língua anglo-saxônica.
  • 600 A.D. – A Inglaterra encontra-se dividida em 7 reinos anglo-saxões.
  • 787 – 1000 A.D. – Ataques escandinavos (Vikings).
  • 871 A.D. – Coroação do King Alfred, rei dos saxões do oeste, reconhecido como rei da Inglaterra após ter expulsado os Vikings.
  • 1066 – Batalha de Hastings, em que os franceses normandos, liderados por William, derrotam Harold, conquistando a Inglaterra e dando início a um período de 350 anos de forte influência do francês sobre o inglês.
  • 1066-1087 – Reinado de William I (William the Conqueror), primeiro rei normando.
  • 1087-1100 – Reinado de William II, filho de William I e segundo rei normando.
  • 1100-1135 – Reinado de Henry I, também filho de William I, o terceiro rei normando e o primeiro a ter uma esposa britânica (Mathilda of Scotland). É provável que Henry I tivesse algum domínio sobre o inglês, e foi em seu reinado que as diferenças entre as sociedades anglo-saxônica e normanda começaram a lentamente diminuir.
  • 1100 – 1500 – Período que corresponde ao Middle English.
  • 1204 – King John, Rei da Inglaterra, entra em conflito com o Rei Philip da França, marcando o início de um novo período de valorização do sentimento nacionalista inglês.
  • 1300 – Robert of Gloucester faz referência à língua inglesa como sendo ainda uma língua falada na Inglaterra apenas por “low people“.
  • 1362 – Inglês é usado, pela primeira vez, na abertura do Parlamento Inglês.
  • 1400 – 1600 – Período em que ocorrem com mais intensidade as mudança de vogais (Great Vowel Shift).
  • 1475 – Advento da imprensa, dando início a uma padronização da ortografia e levando à disseminação da forma ortográfica do dialeto de Londres.
  • 1500 até hoje – Período correspondente ao Modern English.
  • 1516 – Henrique VIII cria o primeiro sistema postal da Inglaterra.
  • 1558 – Início do reinado de Elizabeth I (filha de Henrique VIII) e da era elisabetana, período caracterizado por um substancial aumento do vocabulário do inglês e pelas monumentais obras literárias de Spenser, Shakespeare e Jonson.
  • 1564 – Nascimento de William Shakespeare.
  • 1603 – Morte de Elizabeth I e fim do período elisabetano.
  • 1611 – A Igreja da Inglaterra publica a King James Bible, que exerceu grande influência na linguagem de então.
  • 1616 – Falecimento de William Shakespeare.
  • 1620 – Os Pilgrims chegam à America do Norte e estabelecem a Colônia de Plymouth.
  • 1755 – Samuel Johnson publica A Dictionary of the English Language, trazendo estabilidade à língua inglesa.
  • 1762 – Bishop Robert Lowth publica Short Introduction to English Grammar, a primeira gramática influente da língua inglesa.
  • 1776 – Declaração da independência dos Estados Unidos.
  • 1700 – 1900 – Revolução Industrial, a qual alavancou o poderio econômico da Inglaterra, permitindo a expansão do colonialismo britânico e conseqüentemente da língua inglesa no século 19.
  • 1806 – Ano de publicação do primeiro dicionário de Noah Webster: A Compendious Dictionary of the English Language.
  • 1890 – 1920 – Apogeu do Império Britânico.
  • 1928 – Ano de publicação da primeira edição do Oxford English Dictionary (OED), em 12 volumes e contendo cerca de 415 mil entradas.
  • 1945 – Fim da segunda guerra mundial, marca o início de um período de influência político-militar dos EUA e uma conseqüente influência econômica e cultural decisiva para o papel do inglês como língua internacional nos dias de hoje.
  • 1989 – Ano de publicação da segunda edição do Oxford English Dictionary (OED), em 20 volumes e em CD-ROM, contendo mais de 500 mil entradas.
  • 1985 – 1995 – Surgimento da Internet.
  • BIBLIOGRAFIA
  • Cambridge, Corpus Christi College 140 [WSCp], Lord’s Prayer – a translation of the Gospels written in Bath in the first half of the 11th century; edited by Liuzza (1994). Read by Cathy Ball (Department of Linguistics, Georgetown University) for Edward Vanetten’s Sunday School class. <http://www.georgetown.edu/faculty/ballc/oe/paternoster-oe.html>. Online Oct 21, 2003.Crack, Glen Ray. Battle of Hastings 1066 <http://battle1066.com/>. Online. June 27, 2001.Crane, L. Ben, Edward Yeager and Randal L. Whitman. An Introduction to Linguistics. Boston: Little, Brown & Co., 1981.Crystal, David. The Cambridge Encyclopedia of the English Language. Cambridge University Press, 1999.D’Eugenio, Antonio. Major Problems of English Phonology. Foggia, Italy: Atlantica, 1982.Encarta 97 Encyclopedia. Microsoft, 1997.

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    Norton-Taylor, Duncan. The Celts. Time Inc, 1974.

    Wallbank, T. Walter, Alastair M. Taylor and Nels M. Bailkey. Civilization Past and Present. Scott, Foresman & Co., 1962.

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  • (Atualizado em 28 de março de 2008)
  • Ricardo Schütz is a Director of the Schütz & Kanomata Idiomas, a language school and based at Santa Cruz do Sul, RS, Brazil, specialised in Portuguese for foreigners as well as immersion courses of English and Japanese. In addition to teaching he is also a translator, language consultant and writerNota: Para a versão original ilustrada, visitar: www.sk.com.br/sk.html#menu