Joaquina Pires-O’Brien
O ensino formal do Ocidente tem suas raízes na ‘paideia’ (tradução literal: ‘educação da criança’), o sistema de educação e formação ética que surgiu na antiguidade clássica da Grécia, e que se espalhou para o mundo helênico[i], e deste, para o mundo romano. O objetivo da paideia era formar um cidadão[ii] perfeito e completo, capaz de liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade. As meninas gregas eram excluídas da paideia, pois, embora também fossem consideradas cidadãs, a sua cidadania era incompleta, visto que não tinham o direito de votar, e consequentemente, participar diretamente na polis. Os professores, chamados ‘paidagōgos’, ensinavam a leitura e a escrita, atletismo, música, e boas maneiras.
Em Roma, a educação era feita através do ensino em casa por tutores contratados, o que era comum nas famílias mais abastadas, assim como através de escolas básicas, as Ludi (de ludus literarius), para meninos de 7 a 14 anos de idade. Os Ludi eram bastante simples, e, no geral, consistiam em salas de aula improvisadas atrás de lojas, comumente separadas por uma simples cortina. O período de estudo era de um dia inteiro, com uma pausa para o almoço. As crianças trabalhavam no ábaco para aprender matemática básica, e aprendiam o latim através de ditados. Os alunos escreviam em tábulas de madeiras revestidas de cera. Estiletes com uma extremidade afiada e outra arredondada eram usados para escrever e apagar. Havia aulas todos os dias exceto nos dias de mercado e nos feriados religiosos, que eram muitos. Os alunos não precisavam saber por que algo estava certo, mas apenas que estava certo. O professor, conhecido como litterator, ensinava aos alunos o que era considerado certo mas não necessariamente o porquê das coisas. Tinha o direito de aplicar correção física nos alunos pelas mínimas ofensas, batendo neles com uma vara ou com um chicote. Os romanos das classes mais abastadas, e que tinham o costume de contratar tutores para os seus filhos, também se preocupavam com a educação de suas filhas, conforme evidenciado pelas cartas enviadas por mulheres romanas a seus maridos que serviam nas diversas províncias.
Os romanos também reconheciam a importância de uma educação mais avançada para preparar os jovens que aspiravam entrar na política. Eles tomaram emprestado a organização disciplinar da Academia de Platão, em Atenas, introduzindo um sistema educacional baseado nas sete artes liberais. A gramática, a lógica e a retórica formavam o curriculum do trivium, enquanto que a aritmética, a geometria, a música, e a astronomia formavam o curriculum do quadrivium. Entretanto, o ensino do trivium e do quadrivium era particular, e os professores eram tutores contratados.
A educação pública envolvendo o ensino do trivium e do quadrivium é um dos legados de Carlos Magno (742-814 EC), o rei dos francos que em 800 foi coroado ‘Sacro Imperador do Oeste’ (i.e., do Império Romano do Ocidente), pelo Papa Leão III. A estreita relação entre Carlos Magno e a Igreja Católica Romana explica o seu interesse pela educação pública. Primeiro, Carlos Magno criou seminários voltados a formar clérigos bem preparados e dotados de um elevado padrão moral, e, em seguida, criou escolas paroquiais, onde os clérigos atuavam como professores. A chamada ‘renascença carolíngia’ tem a ver com os esforços de resgatar a educação do mundo clássico. A renascença própria, definida pela busca e valorização da arte clássica, incluindo a literatura e a filosofia, somente teve início a partir do século XIV.
A academia de Platão
Em 387 AEC Platão retornou a Atenas após um exílio autoimposto em decorrente da morte de Sócrates (c. 469-399 AEC) e logo começou a trabalhar na construção de uma escola de preparação de jovens promissores para o exercício de cargos públicos. O local da escola era em um sítio chamado Akádemeia (Academia), que significa, ‘bosque de Akademos’, herói mítico de Ática, o país do qual Atenas era a capital, localizado fora dos muros da cidade. O nome Akádemeia, por fim, passou a ser o nome da escola de Platão.
Há poucas referências documentais acerca da escola de Platão, cujo objetivo era permitir que os alunos, os quais eram selecionados pela aptidão, apreendessem a realidade e os seus aspectos mais relevantes ao bem, à justiça e à sabedoria. A aptidão requerida para a admissão à escola de Platão incluía a veneração às musas da literatura, da ciência e das artes da mitologia grega[iii], indicativa do desejo de aprender, bem como conhecimentos de geometria. Sobre as disciplinas ensinadas, a academia oferecia matemática, dialética, música, ciências naturais e esportes. Sobre o modelo de administração da escola de Platão, há uma referência de que esta era uma entidade corporativa com um diretor vitalício, eleito pela maioria dos seus membros. A partir dos próprios textos platônicos, os eruditos fizeram algumas inferências sobre como a escola de Platão funcionava.
A leitura mais comum dos textos de Platão é de que o filósofo favorecia a aristocracia à democracia, sendo que a aristocracia de Platão referia-se ao governo do rei filósofo, isto é, de ‘guardiães’ especiais, tanto por serem as pessoas mais capazes quanto por serem livres das tentações da riqueza – eles eram proibidos de acumular propriedade. Entretanto, há uma leitura alternativa dos textos de Platão a qual afirma que a apologia de Platão à aristocracia – o governo do rei filósofo, tem mais a ver com o regime da sua academia, na qual os alunos eram obrigados a deixar suas famílias para viver no espaço da escola, junto com os seus colegas e professores. Exatamente como ocorre nas universidades mais tradicionais do Ocidente.
Depois da morte de Platão em 348 AEC, o seu sobrinho Espeusipo (?- c. 338) foi eleito para sucedê-lo. É razoável presumir que a Academia de Platão tenha sido fechada e reaberta diversas vezes. Não obstante, os historiadores reconhecem três fases, uma mais antiga, uma média e outra mais nova. A fase mais antiga vai de Platão aos seus sucessores conservadores como Espeusipo, Xenócrates, Polemon e Crates, indo até o ano 265 AEC. A fase média inclui diversas academias que apareceram e fecharam, como a quarta academia fundada por Fílon de Larissa, na Tessália, que terminou com a morte deste em 83 EC. Três anos depois, em 86 EC, os romanos, sob o comando do general Sulla, saquearam Atenas e destruíram a academia e a sua biblioteca. A fase mais nova descreve o período, já na Idade Média, quando surgiu uma escola neoplatônica que funcionou de 410 EC a 529 EC, quando o imperador bizantino Justiniano I, motivado pelo desejo de criar uma ortodoxia católica, mandou fechá-la.
O liceu de Aristóteles em Atenas. A Escola Peripatética
Aristóteles (c. 384-322 AEC) nasceu em Estagira, no norte da Grécia, sendo filho de um médico da corte da Macedônia. Em 367 AEC, quando tinha 17 anos de idade, ele entrou para a Academia de Platão, e lá permaneceu até a morte de Platão em 348 AEC. Nesse mesmo ano, Aristóteles deixou Atenas e foi morar em Assos, Mísia, onde conheceu sua primeira esposa, Pítia, com quem teve uma filha também chamada Pítia. Em 333 AEC Aristóteles foi chamado para a corte da Macedônia, em Pela, onde o seu pai havia servido como médico da corte. Aristóteles trabalhou três anos como professor de Alexandre, filho de Felipe II e sua esposa Olímpia, e de outros nobres.
Em 335 AEC, Aristóteles retornou a Atenas e fundou o Liceu, na parte leste da cidade e fora dos seus muros, o qual dispunha de uma vasta biblioteca e de um museu. O estilo de ensino do Liceu de Aristóteles era mais formal do que aquele adotado pela Academia de Platão. Há estudiosos que consideram o Liceu de Aristóteles o verdadeiro precursor não só das universidades do Oeste mas também das instituições de pesquisa como os museus. Aristóteles fundou o seu Liceu (Lykeion ou Lyceum) em 335 AEC. O Liceu de Aristóteles é também conhecido como ‘Escola Peripatética’ devido ao fato de que muitas aulas eram dadas enquanto os alunos e os professores caminhavam através de um bosque ou alameda, que em grego era denominada ‘peripeto’. Por essa mesma razão, os alunos e seguidores de Aristóteles eram conhecidos como ‘peripatéticos’. A Escola de Aristóteles e dos peripatéticos ensina que a essência das coisas que nós experimentamos é eterna e imutável, e por essa razão, podemos descobrir a verdade, o propósito e a virtude de cada coisa através de uma cuidadosa combinação de observação e análise.
Durante o período que passou na Macedônia, Felipe II conquistou a Grécia. Portanto, em 335 AEC, o ano em que o Liceu de Aristóteles começou a funcionar, a Grécia já se encontrava há três anos sob o domínio da Macedônia. No ano anterior, Filipe II da Macedônia foi assassinado, sendo sucedido pelo seu filho Alexandre III, que partiu com o seu exército para invadir a Pérsia. Na qualidade de ex-professor de Alexandre, Aristóteles tinha uma posição de prestígio em Atenas. Entretanto, isso mudou depois da morte prematura de Alexandre em 323 AEC[iv], quando surgiu em Atenas uma onda de perseguição aos amigos dos macedônios. Aristóteles foi acusado de impiedade, o mesmo crime pelo qual Sócrates havia sido condenado. Percebendo que sua vida estava em perigo, Aristóteles entregou o Liceu e a sua obra ao seu ex-aluno Teofrasto (c. 372- c. 287), e fugiu para Cálcis, na Ilha de Eubeia, onde faleceu em 322 AEC, aos 62 anos de idade. O próprio Teofrasto foi acusado do mesmo crime por ter denunciado a prática de sacrifícios de animais, mas escapou de ser condenado.
As escolas filosóficas da cultura grega
A Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles não foram as primeiras escolas da Grécia, mas as primeiras a funcionar como corporação. É que o conceito de escola também se aplica a linha de pensamento ou de doutrinas criada por um mestre e seus seguidores. Nesse sentido, Sócrates teve uma escola de filosofia, assim como os pensadores conhecidos como pré-socráticos. Havia ainda a escola de retórica de um grupo de professores itinerantes conhecidos como sofistas. A retórica ensinada pelos sofistas empregava táticas baseadas na emoção, que tanto Platão quanto Aristóteles condenavam como sendo desonestas. A retórica que Platão e Aristóteles ensinaram era baseada no logos, e portanto, na educação liberal.
Depois do desaparecimento das escolas peripatéticas, surgiu na Grécia, ou melhor, no mundo helênico, uma série de escolas filosóficas, como as dos Céticos, dos Epicuristas, e a dos Estoicos.
O Neoplatonismo, um sistema filosófico e religioso desenvolvido por Plotino no século III EC em torno de Platão e seu interesse pelo místico, foi muito bem exemplificado pela conexão do amor à ‘beleza eterna’. Plotino derivou daí a frase “o ser é um traço do Uno”, que atraiu pensadores tanto cristãos, como Santo Agostinho de Hipona, quanto islâmicos, como Al-Farabi e Avicena. Uma das falhas do Neoplatonismo foi exagerar o misticismo de Platão, o qual também se interessou pelo estudo da natureza em si, através da observação. O discípulo principal de Plotino e continuador de sua filosofia foi Porfírio (c.233-305 EC), o qual dedicou-se também a Aristóteles e outros pensadores, e procurou um sistema filosófico capaz de resistir aos ataques dos teólogos cristãos. Por fim, diversos pensadores cristãos abraçaram o Neoplatonismo, sendo o mais notório desses, Santo Agostinho de Hipona (354-430 EC).
O ‘Mouseion’ ou Biblioteca Real de Alexandria
Dentre os importantes legados de educação e pesquisa do período helenístico, o mais notável de todos é o ‘Mouseion’ ou Templo das Musas, a Biblioteca Real de Alexandria, a maior do mundo antigo.
O Mouseion foi planejado por Alexandre o Grande (356-323 AEC), na ocasião em que havia conquistado o Egito. Alexandre imaginou uma cidade do conhecimento que fosse uma nova Atenas, na belíssima ilha de Faros, a oeste do delta do rio Nilo. A cidade teria uma biblioteca capaz de abrigar toda a literatura e todo o conhecimento existente no mundo, e espaço de trabalho para os estudiosos. E, como símbolo do conhecimento, a cidade teria também um enorme farol, construído no topo de um penedo. Alexandre não pôde levar adiante os seus planos pois morreu na Babilônia, no local da atual Bagdá, em maio de 323 AEC, com apenas 33 anos de idade[iv]. Um de seus generais, Ptolomeu I (366-285/283 AEC) assumiu o governo do Egito, e, decidiu levar adiante a construção da cidade de Alexandria, incluindo a gigantesca biblioteca real e um magnífico farol.
Ptolomeu I iniciou o seu governo trabalhando na restauração da ordem no Egito, adiando a construção da cidade de Alexandria para depois que tivesse a adesão dos egípcios. Ele conseguiu ganhar a afeição dos egípcios, que lhe atribuíram o título de ‘Soter’, ou ‘Salvador’. Logo que tomou as rédeas do Egito, Ptolomeu I decidiu trazer o corpo de Alexandre para ser sepultado na nova cidade que levaria o seu nome. Ele conseguiu interceptar a caravana, vinda da Babilônia, que levava o corpo de Alexandre para a Macedônia, e desviá-la para Mênfis. Ptolomeu I, o Salvador, conseguiu dar início às obras da nova cidade de Alexandria, e quando ele morreu em 282 AEC, a cidade ainda era um enorme canteiro de obras, repleto de trabalhadores de todas as nacionalidades. Ele foi substituído pelo seu filho Ptolomeu II (283-246 AEC), designado ‘Philadelphus’ – ‘Amor de Irmão’, o qual terminou a construção da grande biblioteca real, por volta do ano 270 AEC.
A descrição da biblioteca real de Alexandria que chegou até nós é aquela feita pelo geógrafo Estrabão (c.64 AEC – 14 EC). A descrição que Estrabão deu da biblioteca da Alexandria, no Egito, é de uma biblioteca-escola, pois dispunha de alojamentos, áreas para palestras, jardins e um zoológico. Era melhor conhecida como ‘Mouseion’, ou ‘morada das musas’, devido às suas estátuas das nove musas das artes e da ciência da mitologia grega. Essa biblioteca não deve ser confundida com uma segunda biblioteca construída posteriormente no Templo de Serapis, conhecida como Serapium.
Segundo Estrabão, o Mouseion ficava na zona dedicada à realeza greco-macedônica, chamada Bruchium, onde também ficava o Mausoléu de Alexandre e o teatro. Ptolomeu II também conseguiu terminar o grande farol, considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. As palavras ‘museu’ e ‘farol’ são derivadas de ‘Mouseion’ e ‘Faros’, respectivamente.
A dinastia dos Ptolomeus, que terminou com Cleópatra VII (c.70/69 – 30 AEC), zelou pela manutenção do Mouseion e de suas atividades culturais. Estima-se que a biblioteca tenha chegado a ter entre 500.000 e 700.000 rolos de pergaminhos e manuscritos de todas as partes do mundo, incluindo a Grécia, a Pérsia a Assíria e a Índia.
Durante o seu apogeu, a Alexandria foi uma das mais importantes cidades do mundo antigo, além de ser também um dos maiores centros culturais do mundo civilizado. Era uma cidade altamente cosmopolita, onde diversas culturas conviviam pacificamente, incluindo uma extensiva comunidade de judeus. O Mouseion tornou-se um respeitado centro de estudos que atraía estudiosos das mais diversas nacionalidades. Dentre os seus famosos pesquisadores estão Euclides, Erastóstenes e Aristarco de Samos. Lá ocorreu ainda a mistura do patrimônio cultural egípcio, helênico e judaico, que por sua vez influenciou os primeiros textos do cristianismo.
Há diversas narrativas históricas que afirmam que a biblioteca real (Mouseion) foi destruída acidentalmente no ano 48 AEC por um incêndio causado por Júlio César, e que a biblioteca Serapium tomou o lugar da primeira até ser ela própria destruída no ano 391 durante a guerra civil que ocorreu no reinado do imperador Aureliano. Tais narrativas já foram descartadas como sendo erradas, conforme apontou Theodore Vretos no seu interessante livro Alexandria, City of Western Mind (Alexandria, cidade da mente ocidental). Nesse livro, Vretos descreve a Alexandria como um farol que guiava as mentes mais criativas do dia. Cientistas, filósofos, teólogos e artistas vieram de todo o mundo ocidental para estudar em sua imensa biblioteca e universidade, onde fizeram extraordinárias descobertas. Thales, Euclides e Apolônio inventaram a prova matemática. Aristarco foi a primeira pessoa a colocar o sol no centro do nosso sistema solar. Eratóstenes calculou a circunferência da Terra, e Herófilo inventou a anatomia. Foi também ali que Clemente (c. 150 – c. 215 EC) fundou a primeira escola de filosofia helênica-cristã, em cujos trabalhos ele se referiu a Jesus como o ‘tutor’ ou ‘pedagogo’ da humanidade, e, que também serviu de base para a escola neoplatônica.
As escolas do Oriente Médio
O Mouseion ou Biblioteca da Alexandria foi o maior centro de conhecimentos do mundo antigo, mas não foi o único do mundo helênico. Havia ainda a Academia de Gundishapur (ou Jundishapur), na antiga Pérsia, criada em 271 AEC onde já havia uma escola de medicina. A Academia de Gundishapur era um centro de estudos e de traduções, cuja biblioteca tinha cerca de 400 mil livros. Consta que Gundishapur recebeu muitos dos professores da antiga Escola de Atenas, depois que esta foi fechada a mando do imperador Justiniano em 529 EC.
No século IV, a Síria ganhou duas escolas importantes, a Escola de Teologia da Antioquia, e a Escola de Direito Romano de Berytus (a atual Beirute).
A Escola de Pandidakterion, em Constantinopla, foi fundada em 425 EC por Teodósio II, Imperador do Império Romano do Oriente. Considerada uma das primeiras universidades do mundo, a Escola de Pandidakterion tinha autonomia e oferecia um amplo leque de disciplinas.
Na Mesopotâmia, a Universidade Beit al Hima (ou Casa da Sabedoria), de Bagdá, Iraque, foi fundada por al-Ma’mun (reinou de 813 a 833 EC), filho do califa Harun al-Rashid (reinou de 786 a 809 EC), a partir da biblioteca criada pelo seu pai. Essa Casa da Sabedoria de Bagdá atraiu tanto os estudiosos muçulmanos quanto os judeus e cristãos. Lá trabalharam estudiosos poliglotas que ensinaram astronomia, física, matemática, medicina, química e geografia. Foi destruída pela invasão mongol de 1258. Outra importante instituição do Iraque foi a Universidade (Nezamiyeh) al-Nizamiyya, fundada em 1065. Na Idade Média era considerada a maior universidade do mundo, chegando a ter 3 mil alunos. Também foi destruída pela invasão mongol de 1258.
No mundo árabe islamizado, surgiram as universidades de al-Karaouine, no Marrocos, fundada em 859 EC, e a Universidade al-Azhar (Jamiat al-Azhar em árabe), no Cairo, fundada em 970-972.
A Universidade de al-Karaouine (ou Al Qarawiyyin), localizada em Fez, no Marrocos, e associada à uma mesquita de mesmo nome, foi criada em 859 por uma mulher rica e bem educada, chamada Fatima Fihriyya. Essa universidade foi a principal instituição educacional do mundo muçulmano, e perdurou por mais de mil anos. Outro dado interessante sobre essa universidade é o fato de ter sido recentemente reconstruída.
No Cairo, no Egito, a Universidade al-Azhar (ou Jāmiʿat al-Azhar) foi um grande centro de cultura islâmica e árabe, fundada em 970 EC pelos seguidores da dinastia Fatimida, isto é, da filha do Profeta Maomé, chamada ‘al-Zahra’, isto é, ‘a luminosa’. No início de sua existência era uma instituição relativamente informal, sem currículos formais ou diplomas. A Universidade al-Azhar começou a decair na segunda metade do século XII, após a conquista de Saladin, o fundador da dinastia Suni Ayyūbid. Foi reconstruída depois de ter sido parcialmente destruída pelo terremoto do início do século XIV. Sobreviveu às mais diversas situações políticas, incluindo a invasão napoleônica do início do século XVIII, e ainda hoje é a principal universidade do Cairo.
Conforme visto acima, o Oriente Médio antecedeu à Europa em muitos séculos no tocante a academias de estudos. As primeiras academias do Oriente Médio tinham origens helênicas, bizantinas, árabes e islâmicas. Foi graças a essas academias que a Europa recuperou o conhecimento da cultura clássica.
A escola de Plínio, o Velho (23-79 EC)
Plínio, o Antigo, em latim Gaius Plinius Secundus, nascido na Gália em 23 da Era Comum, foi um sábio romano e autor da célebre História Natural, um trabalho enciclopédico de precisão desigual que foi tido como uma autoridade em assuntos científicos até a Idade Média. Oriundo de uma família próspera, Plínio, o Antigo, aproveitou todas oportunidades que teve para estudar matemática e história natural, mas também serviu ao exército romano, foi advogado, e administrador do império. O legado de Plínio, o Velho, foi preservado e disseminado pelo seu sobrinho e filho adotivo, Plínio, o Jovem (61-113 EC), o qual foi criado por ele. A História Natural é considerada como sendo uma primeira enciclopédia, pois consiste em uma gigantesca compilação que abarca cerca de 20 mil tópicos organizados em 36 livros. Podemos dizer que Plínio, o Velho, fez escola pelo fato de que a sua obra serviu de base para os estudiosos que viveram depois dele.
As primeiras escolas da Europa
As primeiras escolas da Europa foram as escolas monásticas ou escolas catedrais, as quais proliferaram no Império Carolíngio fundado por Carlos (Karl) Magno (742-814 EC), rei dos francos[v], que foi o primeiro monarca europeu a acumular uma função religiosa junto com a secular, quando, no ano 800 EC, foi coroado Sacro Imperador do Oeste, pelo papa Leão III. Carlos Magno ordenou o estabelecimento de seminários e conventos voltados à educação do clero, e que conventos, mosteiros e igrejas, construissem escolas para leigos. As escolas monásticas ou catedrais ofereciam uma ‘educação liberal’[vi], pelo fato de ensinarem as ‘artes liberais’[vii] da antiguidade grega[viii], embora também ensinassem a religião cristã.
O período Carolíngio valorizou a cultura clássica grega e latina e promoveu os centros de estudos que eram conhecidos como ‘scriptoria’, voltados a copiar os códices clássicos de história, literatura e filosofia, e retraduzir certas obras do grego para o latim. Um desses centros era o de Aix-la-Chapelle (Aachen) em Compiègne, local da residência preferida de Carlos Magno, onde este mandou construir uma grande catedral inspirada no estilo da Basílica de San Vitale em Ravena. Situada a 5 km da junção das fronteiras com a Alemanha, Países Baixos e Bélgica, a catedral de Aix-la-Chapelle só foi terminada depois a morte de Carlos Magno, sendo o local da coroação do seu filho Luís, o Pio (814-840)[ix].
O surgimento de novas ordens religiosas baseadas inteiramente na vida contemplativa foi também o início do fim das escolas monásticas ou catedrais. No lugar dessas últimas surgiram as escolas citadinas, que, apesar de laicas, eram também religiosas. Depois do ano 1000, as antigas escolas monásticas ou escolas catedrais ressurgiram como faculdades, acompanhando as radicais transformações na vida política, na arte, na economia e na tecnologia, e no espaço de um século, transformaram-se nas primeiras universidades da Europa.
A escola de tradução de Toledo. Gerard de Cremona (1114-1187 EC)
No início do século XII, a ciência europeia ficou para trás da ciência árabe. Isso é muito bem demonstrado através da obra do filósofo islâmico árabe Abu Nasr Al-Farabi (870-950 EC), que não apenas escreveu nos campos da filosofia política, metafísica, ética e lógica, mas foi também cientista, cosmólogo, matemático e estudioso de música. A sua obra mostra como a ciência árabe se beneficiou do estudo de textos gregos que eles encontraram quando conquistaram Damasco e outras cidades no Egito, Síria e Iraque. Entre esses textos estavam trabalhos científicos de Ptolomeu e obras filosóficas de Aristóteles, Platão, e obras de geometria de Euclides e de medicina de Galeno. A ciência árabe também se beneficiou de seu estreito contato e intercâmbio com o Império Bizantino e com cientistas e matemáticos da Índia e da Pérsia. O desaparecimento das obras em grego de Aristóteles e de outros filósofos gregos é outra mostra do atraso intelectual da Europa no primeiro milênio da era cristã. Uma das explicações mais plausíveis para esse desaparecimento é a rejeição dos primeiros teólogos cristãos, ao perceberem que Aristóteles desprezava as noções da criação, da alma imortal, e do Deus pessoal.
O conhecimento filosófico e científico do mundo árabe foi levado para a Península Ibérica pelos mouros que construíram a Andaluzia. Ali, o médico, astrônomo, filósofo, e poeta persa Avicena (Ibn Sina; 980-1037 EC) seguidor da filosofia do Neoplatonismo, escreveu o seu Cânon de Medicina (Al-Qanun fi’l-tibb), em 14 volumes, completado em 1025 EC, em persa e em árabe, um apanhado dos conhecimentos de medicina no mundo islâmico, o qual incluiu as tradições médicas de Galeno e, portanto, de Hipócrates, assim como vários ensinamentos de Aristóteles. Outro sábio mouro da Andaluzia foi Averróis (Ibn Rushd; 1126-1198 EC), nascido em Córdoba, o qual examinou criticamente a suposta tensão entre filosofia e religião no seu Tratado Decisivo, desafiou os sentimentos antifilosóficos dentro da tradição sunita, e desencadeou um reexame semelhante dentro da tradição cristã, influenciando uma linha de estudiosos que viriam a ser identificados como os ‘averroístas’.
Um dos primeiros ‘averroístas’ foi o estudioso lombardo Gerard de Cremona (1114-1187), o qual decidiu mudar-se para Toledo, agora no reino de Castela[x], com a intenção de estudar o árabe e trabalhar na tradução das obras de Aristóteles e outros filósofos para o latim. Lá ele tomou conhecimento do Almagest, a obra de matemática e astronomia de Ptolomeu (c. 100 – c. 170 EC), datada do segundo século da era comum. O Almagest foi o seu mais importante trabalho de tradução, concluído 1175. Dentre os outros autores gregos que ele traduziu a partir de versões em árabe estão Aristóteles, Euclides, e Galeno. O interesse de Cremona não se limitou ao pensamento grego, pois ele também estudou o acima mencionado filósofo árabe Al-Farabi. Embora ele também seja creditado com a tradução do Cânon de Medicina de Avicena, há indicações de que um outro tradutor de nome bem parecido, Gerard de Sabbioneta, um astrônomo do século XIII, tenha sido o verdadeiro tradutor dessa obra para o latim, já que era especializado na tradução de tratados de medicina. Além disso, é preciso ressalvar a possibilidade de uma mesma obra ser traduzida mais de uma vez por tradutores diferentes.
Gerard de Cremona deixou, como legado intelectual à cidade de Toledo, o interesse pela tradução. Em meados do século XII , a Escola de Tradução de Toledo foi criada, e seu impacto ajudou a alavancar o conhecimento na baixa Idade Média. Por ter sido criada no reinado do rei Afonso X, o Sábio (1221-1284), é também conhecida como Escola de Tradução Afonsina. Os textos ali traduzidos incluíram tanto obras de não ficção quanto de ficção, principalmente do árabe, do grego e do hebraico para o latim e o castelhano.
O treinamento nas ‘guildas’
Durante a Idade Média, o treinamento da mão de obra nos diversos ofícios era feito nas ‘guildas’ (do inglês guild), associações de trabalhadores autônomos. As guildas controlavam a entrada de novos profissionais no mercado. Os mestres de cada ofício treinavam os aspirantes, cujo treinamento incluía um período como aprendiz e outro como empregado. São exemplos de ofícios comuns da Idade Média: pedreiros (stone masons), tecelões (weavers), tingidores (dyers), ourives (goldsmith), boticários (chemists), armistas (coat of arms makers), fabricante de armas (armorers), pergaminheiros (parchment makers), encadernadores (bookbinders), pintores (painters), padeiros (bakers), curtidores de couro (leatherworkers), bordadeiros (embroiderers), sapateiros (cobblers), galocheiros (pattenmakers), fabricantes de sapatos (shoemakers), cirieiros (candlemakers), fabricantes de autômatos (automaton makers), etc.
Havia também guildas de profissões, como as ligas de mercadores, e as associações de advogados e de profissionais da medicina. As ligas de mercadores, designadas ‘hanses’ (do alemão hanse, que significa comboio), foram criadas para facilitar o comércio internacional[xi]. Um exemplo era a liga hanseática de Bergen (Noruega), especializada no comércio da pesca, principalmente do bacalhau, com representações em diversas cidades da Europa, quase sempre nas cidades-porto. As ligas de mercadores originaram as primeiras escolas de contabilidade comercial e bancária, e as primeiras faculdades de direito e de medicina também surgiram das respectivas guildas.
Embora as guildas fossem independentes da Igreja Católica, elas tinham um caráter religioso, marcado pelo santo patrono das profissões. Esse caráter religioso das guildas foi transferido para as primeiras faculdades e universidades. Apenas no século XVIII é que as universidades começaram a emancipar-se da influência da Igreja (veja abaixo Universidades e religião. Uma relação incestuosa).
Ensino superior. Escolas, studia e universitas
Podemos considerar que o ensino superior começou com escolas informais, como as escolas filosóficas do mundo grego, o Mouseion ou Templo das Musas, de Alexandria, e os centros de tradução como o de Toledo na Espanha, e outros espalhados pelo Império Bizantino. Em 1077, em Salerno, no sudoeste de Nápoles, Itália, no local de um mosteiro beneditino, surgiu uma schola de medicina, que ganhou fama devido a ter no seu quadro de professores o médico tunisiano, nascido em Cartago, Constantino Africano (1015-1087), que traduziu para o latim os textos clássicos da medicina disponíveis em árabe. A escola de Salerno atraiu alunos não só da Europa mas também da Ásia e da África. Em 1221, Frederico II (1194-1250), Sacro Imperador Romano[xii], mesmo sem dar a Salerno o direito de emitir diplomas, decretou que nenhum médico poderia praticar medicina sem ser examinado e aprovado pelo seu corpo docente.
Os Studia (sing. studium) eram um novo tipo de escola que também surgiu na Itália. Inicialmente havia apenas studia de conhecimento específico. Muitos studia cresceram e viraram facultatem, termo traduzido do termo grego ‘dynamis’, que significa ‘ramo de conhecimento’. Na língua inglesa o termo equivalente é ‘college’. Em seguida surgiram os studia generalia, ou escolas de conhecimentos gerais, cujos ensinamentos não eram restritos a uma única área do conhecimento.
Os studia generalia deram origem às primeiras universidades – universitas, termo que evoluiu para acompanhar o desenvolvimento do ensino superior na Europa. O termo universitas designava, inicialmente, as corporações escolásticas de alunos e docentes, que existiam dentro do studium, mas posteriormente passou a significar as universitas magistrorum, universitas scholarium, ou universitas magistrorum et scholariu. As universidades, como nós as conhecemos, instituições de ensino superior independentes, que atuam em múltiplas áreas de conhecimento, com a autoridade para conferir títulos e diplomas, e, sancionadas pelas autoridades civis ou eclesiásticas, surgiram apenas no final do século XIV.
Conforme mostrado na Tabela 1, as primeiras universidades da Europa somente surgiram na Idade Média, definidas pela estrutura organizacional constituída por comunidades de professores e de alunos. Essas primeiras universidades eram, na verdade, faculdades, visando o ensino de disciplinas bastante específicas como direito (civil e canônico), medicina e teologia. Com a descoberta do Novo Mundo no final do século XV, as Américas foram colonizadas e a cultura europeia transportada para as mesmas pelos colonizadores, o que incluiu o estabelecimento de universidades (Tabela 2).
A primeira universidade da Europa é a de Bolonha, fundada em torno de 1088 EC, e que abarcava tanto uma faculdade de medicina quanto uma faculdade de direito especializada na lei civil e na lei canônica. Bolonha, assim como a maior parte das primeiras universidades, não oferecia alojamentos para os alunos. Em Bolonha, os alunos se organizavam os seus próprios alojamentos, conforme as suas nacionalidades. A primeira escola a oferecer alojamentos para professores e alunos foi a de Paris, considerada a segunda universidade da Europa, especializada em teologia. A terceira universidade mais antiga é a de Oxford, criada nos moldes da Universidade de Paris. A quarta foi a Universidade de Cambridge, que começa em 1209 a partir da chegada de alunos e professores de Oxford. Poucos anos depois, Cambridge recebeu outra leva de alunos e professores que saíram da Universidade de Paris. Essas primeiras universidades não tinham prédios permanentes e a sua propriedade corporativa era bastante limitada, razão pela qual estavam sempre sujeitas à debandada de alunos e professores insatisfeitos.
Uma outra boa parte das primeiras universidades europeias por fim passou para o controle de governos ou das autoridades religiosas, ou, das duas. É que, na Idade Média, o poder temporal dos monarcas ainda encontrava-se ligado ao poder espiritual representado pelo papa. A ligação entre o poder temporal e o religioso era representada pelo Sacro Império Romano, instituído no ano de 800 EC pelo papa. O Imperador do Sacro Império Romano era uma autoridade concessora de Cartas de Reconhecimento para essas universidades. A primeira a receber tal carta de reconhecimento foi a Universidade de Toulouse, do Papa Gregório IX (1229). Em 1224, a Universidade de Nápoles ganhou a sua Carta de Reconhecimento de Frederico II (1194-1250), Imperador do Sacro Império Romano. Também, Charles IV (1316-78), Sacro Imperador Romano e rei da Boêmia, reconheceu as universidades de Praga (Boêmia), Pecs (Hungria) e Pávia (Itália). Outra mostra da estreita ligação entre as universidades e a Igreja é o fato de as universidades terem tanto um reitor quanto um chanceler ou delegado da autoridade eclesiástica, isto é, do bispo local. A primeira universidade que se rebelou contra essa ligação foi a de Paris, que, em 1229 fez uma série de greves, e no final conseguiu transferir o poder do chanceler para os docentes.
O ‘saber europeu’ concentrado nas faculdades e universidades disseminou-se com a migração dos eruditos e dos estudantes, levando a radicais transformações sociais na Europa, como a expansão das cidades e do comércio, e o aperfeiçoamento das leis e das normas burocráticas.
Tabela 1. As primeiras instituições de ensino superior do Ocidente
Nome |
Ano de fundação da escola inicial e/ou universidade |
Status político e outros dados |
Bolonha |
1088 |
Principado de Bolonha, na Emília Romana; então sob o domínio feudal do papa. Começou como uma faculdade de direito, seguida por outra medicina. |
Paris, ou Sorbonne
|
Primeiras escolas: 1150 e 1170.
Universidade: 1200 |
França, sob a dinastia Capetiana, aliada ao papado romano. Começou com uma escola de teologia ligada à catedral de Notre Dame, ganhando em seguida outras escolas. Entre 1240 e 1260, as escolas viraram faculdades, destacando-se o Collège de Sorbon, em torno do qual surgiu a Universidade de Paris. A partir de 1970, a U. de Paris foi reorganizada em 12 universidades autômatas (Universidade de Paris I-XIII).i |
Oxford |
c. 1167 e 1201 |
Inglaterra, sob Henrique II, da dinastia Plantageneta, que controlava ainda: Normandia, Anjou, Maine, Touraine e Aquitaine. A data da criação da U. de Oxford, 1167, é a data em que Henrique II proibiu ingleses de frequentar a U. de Paris. Em 1201, a universidade era dirigida por um magister scolarum Oxonie, ao qual foi dado o título de Chanceler (Reitor) em 1214. |
Salerno |
1077 |
Principado de Salerno, Lombardia, então sob o domínio feudal de Roger I da Sicília. Inicialmente era um studium de medicina, mais tarde passou a oferecer cursos de filosofia, teologia e direito, sendo eventualmente transformada em universidade. |
Cambridge |
1209 |
Reino da Inglaterra, sob João I, considerado um monarca controverso, conhecido por ter assinado a Magna Carta em 1215 e pelas disputas com o papa, cujas políticas também eram controversas. A criação da U. de Cambridge deve-se à um grupo de descontentes da U. de Oxford, que resolveram criar outra universidade. |
Salamanca |
1218 e 1254
|
Reino de Leão, sob Afonso IX. Suas primeiras faculdades eram: direito (civil e canônico), teologia, medicina e Artes & Filosofia. |
Montpellier |
Primeiras escolas: 1220
Universidade: 1289 |
Montpellier, região de Languedoc-Roussilon, sob o lorde feudal Guilherme VIII (1157-1202). Começou com uma escola de medicina criada no molde da Salerno, a qual atraiu estudiosos árabes-islâmicos e judeus. |
Pádua |
1222 |
Pádua, região de Veneto. A U. de Pádua foi criada a partir de dissidentes da U. de Bolonha. Iniciou como uma escola de medicina, mas, por fim, tornou-se um importante centro de cultura humanista. É creditada por ter o primeiro jardim botânico. |
Arezzo |
1222 |
Arezzo, região da Toscana. Importante escola de letras, que se tornou um centro de cultura humanista. |
Nápoles |
1224 |
Nápoles, então parte do Reino da Sicília. Criada por Frederico II (1194-1250), da dinastia Hohenstaufen, rei da Sicília e Sacro Imperador Romano. Os primeiros professores eram empregados do imperador. |
Toulouse |
1229 |
Toulouse, capital da província francesa de Occitana. Começou com escolas de direito (civil e canônico), teologia, e artes e humanidades. Foi fechada em 1793, devido à Revolução Francesa. |
Siena |
1240 |
República de Siena, Toscana. A U. de Siena foi criada a partir de dissidentes da U. de Bolonha. Inicialmente era uma escola de estudos gerais e de medicina. |
Lisboa, depois Coimbra |
1290 |
Lisboa e Coimbra, Portugal. Criada pelo rei D. Dinis como uma escola de estudos gerais, funcionando inicialmente no palácio real em Lisboa, tendo depois se expandido para Coimbra, que tornou-se a sede definitiva em 1537. |
Macerata |
1290 e 1540 |
Província de Macerata, das propriedades papais na Itália. |
Alcalá de Henares ou Complutense |
1293 e 1504 |
Madrid, Reino de Castela. Iniciou como escola de estudos gerais. Mais tarde virou universidade, por intermédio do Cardeal Francisco Cisneros (1436-1517), confessor da rainha Isabel, a Católica (1451-1504). |
Lleida |
1300 |
Lleida, Catalunha, Reino de Aragão, Reinado de Jaime II de Aragão e Sicília (1264-1327). Iniciou como escola de estudos gerais. |
La Sapienza de Roma |
1303 |
Roma. Iniciou como escola de estudos gerais, criada pelo papa Bonifácio VIII (1235-1303). |
Perugia |
1308 |
Perugia. Iniciou como um studium, uma universidade especial, cujos diplomas só eram reconhecidos localmente. O ano 1308 marca o seu reconhecimento pelo imperador e pelo papa. |
Florença |
1321 e 1364 |
República de Florença, Itália. Iniciou como escola de estudos gerais, que ora funcionava em Florença ora em Pisa, em função da morada da família Médici. Passou a universidade em 1364. |
Camerino |
1336 e 1727 |
Camerino, Itália. Começou com faculdades de direito (civil e canônico) e medicina. Foi transformada em universidade em 1727. |
Pisa |
1343 |
República de Pisa, Itália. Começou onde já havia outras escolas. Foi reconhecida como universidade pelo Papa Clemente VI (1291-1352). Em 1473, ganhou um importante prédio de Lourenço de Medici (1449-1492). |
Praga |
1348 |
Reino da Boêmia, atual República Checa. Era chamada Universidade Charles, em homenagem a Charles IV (1316-78), Sacro Imperador Romano e rei da Boêmia. |
Pavia |
1361 |
Pávia, Itália. Começou como faculdade de direito e escola de estudos gerais. Foi reconhecida em 1361 pelo Sacro Imperador Romano Charles IV (1316-78). |
Cracóvia (atualmente chamada U. Jagiellonia) |
1364 |
Cracóvia, Reino da Polônia. Iniciou como uma escola de estudos gerais, fundada pelo rei Casimiro o Grande (1310-70), oferecendo cursos de artes liberais, medicina e direito. Foi extinta e depois recriada pelo rei Vladislau Jagiello em 1400. |
Viena |
1365 |
Viena, Áustria. Foi fundada pelo duque Rodolfo IV (1339-1365) junto com seus dois irmãos, no modelo da U. de Paris. |
Pecs |
1367 |
Pecs, Hungria. Foi fundada por Charles IV (1316-78). |
Heidelberg |
1386 |
Heidelberg, Alemanha. Anteriormente conhecida como Ruperto Corola, é a universidade mais antiga da Alemanha. No século XVI tornou-se num centro de humanismo. Após a Reforma Protestante tornou-se num centro calvinista. |
Ferrara |
1391 |
Ferrara, Emília Romana, Itália. Começou como uma escola de estudos gerais, fundada em 1391 pelo Marquês Alberto V D’Este (1347-1393, com a permissão do papa Bonifácio IX (1356-1404). |
Würzburg |
1402 |
Würzburg, Alemanha. |
Leipzig |
1409 |
Leipzig, Alemanha. |
Aix-en-Provence |
1409 |
Aix-en-Provence, |
Saint Andrews |
1411 |
Saint Andrews, Escócia. |
Rostock |
1419 |
Rostock, Alemanha. |
Louvain/Leuven |
1425 |
Leuven, Bélgica |
Catania |
1434 |
Catania, Reino da Sicília, Itália. |
Poitiers |
1431 |
Poitiers, França. |
Barcelona |
1450 |
Barcelona, Reino de Aragão, Espanha. |
Glasgow |
1451 |
Glasgow, Escócia. |
Valencia |
1454 |
Valência, Espanha. |
Greifswald |
1456 |
Greifswald, Alemanha. |
Friburgo |
1457 |
Friburgo, Alemanha. Transferida temporariamente para Constance em duas ocasiões. |
Basileia |
1460 |
Basileia, Suíça. |
Nantes |
1460 |
Nantes, França. |
Bourges |
1463 |
Bourges, Bélgica. |
Munique |
1472 |
Munique, Alemanha. Fundada em Ingolstadt em 1459, transferida para Landshut em 1800, e para Munique em 1826. |
Bordeaux |
1472 |
Bordeaux, França. |
Trier ou Treves |
1473 |
Trier, Alemanha. |
Uppsala |
1477 |
Uppsala, Reino da Suécia. |
Tübingen |
1477 |
Tübingen, Alemanha. |
Copenhagen |
1479 |
Copenhagen, Dinamarca. |
Gênova |
1481 |
República de Gênova, Itália. |
Aberdeen |
1494 |
Aberdeen, Escócia. Resultou da fusão entre a King’s College, fundada por uma bula papal em 1495. e Marischal College em 1593. |
Santiago de Compostela |
1495 |
Santiago de Compostela, Galícia, Reino de Castela, Espanha. |
Valencia |
1499 |
Valencia, Reino de Aragão, Espanha. |
Halle-Wittenberg |
1502 |
Halle-Wittenberg, Alemanha. |
Tabela 2. As primeiras faculdades e universidades das Américas.
Nome |
Ano de Fundação |
Outros Dados |
U. do México |
1551 |
Cidade do México. Foi inspirada na Universidade de Salamanca. |
U. São Tomás de Aquino |
1580 |
Bogotá, Colômbia. |
U. de Córdoba |
1613 |
Córdoba, Argentina. |
Real Pontifícia São Francisco Xavier |
1624 |
Chuquisaca, Bolívia. |
Harvard |
1636 |
Boston, Massachussets. |
Laval |
1663 |
Québec, Canada. |
Yale |
1701 |
Yale, Connecticut |
Princeton |
1746 |
Princeton, Nova Jersey |
Pensilvânia |
1749 |
Filadélfia, Pensilvânia. |
Columbia (King’s College) |
1754 |
Nova Iorque, Nova Iorque. |
New Brunswick |
1785 |
New Brunswick, Canadá. |
King’s College |
1789 |
Ontário, Canadá. |
Cornell University |
1800 |
Ithaca, Nova Iorque. |
University of Michigan (Detroit; Ann Arbor) |
1817 |
Detroit, Michigan. Em 1837 foi transferida para Ann Arbor. |
Washington University |
1853 |
St. Louis, Missouri. |
Stanford University |
1891 |
Stanford, California. |
As universidades se desenvolveram durante um longo período, mas, em decorrência de conflitos de interesse e abusos de poder, estão permanentemente sujeitas a retrocessos. A partir do final do século XX, diversos críticos têm apontado a profunda decadência do ensino superior do Ocidente.
As academias ou sociedades científicas
No final do século XVI surgiram as primeiras academias, sociedades científicas voltadas a atender as necessidades da nova época, como a liberdade de expressão e de pensamento pela qual muitos eruditos ansiavam. O filósofo, político e polímata inglês Francis Bacon (1561-1626) é considerado o grande precursor desse anseio, e, foi também um crítico contundente dos erros de raciocínio dos escolásticos de sua época. O que fez de Bacon uma espécie de divisor de águas é o fato de que ele escrevia para o público, sem dar a menor importância à recomendação da lei canônica de que os livros deveriam ser submetidos à autoridade eclesiástica antes de serem publicados, cuja autorização era designada pela palavra latina Imprimatur (Imprima-se). O seu livro Novum Organum, escrito em latim e publicado em 1620, é uma referência ao livro Organon de Aristóteles, que era seu tratado sobre lógica e silogismo. Nele, Bacon faz críticas severas a Aristóteles, e introduz um novo sistema de raciocínio, a indução, que ele apresentou como sendo superior ao silogismo, para o desenvolvimento da ciência. Nesse livro, Bacon classificou as falácias intelectuais de seu tempo em quatro títulos que ele chamou de ídolos. Ele os distinguiu como ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do mercado e ídolos do teatro. Os ídolos da tribo, representados pelos os erros e incoerências causados pelas falhas da compreensão humana, resultam da tendência natural de buscar evidência para aquilo que já acreditamos ser a verdade. Os ídolos da caverna (uma alusão à caverna de Platão) são representados pelos preconceitos e os pré-condicionamentos naturais das pessoas. Os ídolos do mercado são representados pelos preconceitos e os pré-condicionamentos derivados dos meios de comunicação formais e informais. Os ídolos do teatro, representados pelos dogmatismos e preconceitos que são repassados através dos sofismas embutidos nos sistemas de conhecimentos tradicionais, embora os mesmos nunca tenham passado por testes científicos de verificação. É pertinente registrar que as críticas de Bacon a Aristóteles foram mais tarde revisitadas, quando ficou demonstrado que os problemas que Bacon apontava eram da escolástica (ou escolasticismo), a doutrina que tentou reconciliar a filosofia de Aristóteles à doutrina cristã, ou seja, a epistemologia à axiologia. Outra revisitação desse tópico foi o debate entre o racionalismo e o empirismo, que resultou no reconhecimento de que ambos eram necessários à ciência.
Não se sabe se a Royal Society de Londres foi a primeira academia ou sociedade científica, mas certamente foi a primeira dentre as principais que surgiram na Europa. Ela começou a funcionar em 1660, quando um grupo de cientistas e amigos da ciência (Isaac Newton, Robert Hooke, Hans Sloane, Robert Boyle, etc) começaram a promover encontros de discussão. Em 1662, recebeu o selo real do rei Charles II, ganhando o nome formal de The Royal Society of London for Improving Natural Knowledge. Outra importante academia de ciências é a de Paris – a Académie des Sciences, fundada por Lu[is XIV em 1666 por sugestão de Jean-Baptiste Colbert. A terceira academia de que se tem conhecimento é Academia Real de Ciências da Prússia, fundada em 1700 por Frederick III, o Príncipe-eleitor de Brandenburg. Afora essas, surgiram muitas outras, conforme mostra a Tabela 3.
As Academias sempre foram instituições de prestígio, com um número limitado de membros, escolhidos por quando da morte de um associado. O polímata francês Voltaire (1694-1778), dramaturgo, homem de ciência, horologista, ensaísta, novelista, e poeta, foi candidato diversas vezes à Academie des Sciences, mas sem sucesso. Segundo o astrônomo Jérome Lalande, o motivo da ‘bola preta’ é o fato de que ao ser perguntado sobre o que o atraía acerca de Versalhes, ele teria respondido: “não é o mestre da casa”, uma referência ao rei Luís XV. Entretanto, em 1741 Voltaire foi eleito fellow da Royal Society, e finalmente foi votado membro da a Académie em 1746. Voltaire defendia a independência das academias, quer do poder secular quer do poder da autoridade religiosa.
Tabela 3. Importantes academias da Europa.
Nome |
Ano de Fundação |
Outros Dados |
Royal Society |
1662 |
London. Seus membros eram seguidores de Francis Bacon, introdutor do método indutivo e crítico da Escolástica. |
Royal Academie des Sciences
|
1666 |
Paris. Descartes, Pascal, Gassendi, Fermat,etc. |
Academia Real de Ciências da Prússia
Königlich-Preußische Akademie der Wissenschaften
|
1700 |
Berlim. Leibniz. |
Academia dei Lincei |
1603-30 |
Lincei, Roma. Fundada por Federico Cesi, lidava tanto com ciência quanto com filosofia. Um de seus membros foi Galileu Galilei. |
Academia Físico-Matemática |
1677-98 |
Roma. |
Academia del Cimento |
1657-1667 |
Florença. Seue membros eram considerados seguidores de Galileu, como Viviani e Torricelli.
|
Academia egli Investiganti |
1663-1670 |
Nápolis. |
Accademia dela Traccia |
1666- c. 1678 |
Bolonha. |
Accademia degli Inquieti |
1690-1714 |
Bolonha. |
Accademia degli Argonauti |
1684-1718 |
Veneza. |
Academia de São Petersburgo |
1724 |
São Petersburgo. |
As Academias de ciência deixavam transparecer a liberdade de pensar e agir que é essencial para a atividade científica. Por acaso essa liberdade não existia nas universidades? Procurarei examinar essa pergunta no título a seguir.
Universidades e religião. Uma relação incestuosa
O surgimento das universidades mostra uma abertura ao conhecimento que até então não existia na Europa. Entretanto, tal abertura ao conhecimento era condicionada à ordem eclesiástica existente. Assim sendo, havia uma relação incestuosa entre as primeiras universidades europeias e o catolicismo romano, a qual impedia o pensamento independente e a inclusão das mulheres. A ordem eclesiástica era a grande defensora do patriarquismo (o machismo associado ao enorme poder do pater familias), conforme muito bem evidenciado na seguinte citação de São Paulo: “Calem-se as mulheres nas assembleias, pois não lhes é permitido falar.” (I Cor 14, 34). As mulheres eram excluídas das escolas monásticas e das escolas citadinas, e continuaram a ser excluídas das faculdades e universidades.
A Reforma Protestante iniciada em 1517 por Martinho Lutero (1483-1546) levou à criação de diversas denominações cristãs, que, assim como a Igreja Católica Romana, também se preocuparam com a educação, muito embora sem encorajar o pensamento independente, e sem reconhecer a igualdade das mulheres. Algumas dessas denominações cristãs beiravam o fanatismo. Os séculos XVI e XVII foram palcos de diversas seitas de protestantes fanáticos, como o puritanismo da Grã Bretanha e da Nova Inglaterra, que enfatizava o Velho Testamento da Bíblia sobre o Novo Testamento, e pregava a sua literalidade. Outro problema das universidades medievais era a priorização da teologia em relação a todas as outras disciplinas do conhecimento.
As primeiras universidades do Ocidente foram verdadeiros presentes com strings attached, isto é, com condições. Tais condições eram geralmente contrárias ao livre pensar e ao desenvolvimento do conhecimento. Uma das principais justificativas para a criação das primeiras universidades foi a ideia de que a busca da verdade acerca do mundo era uma forma de descobrir o Deus criador. Entretanto, assim como aconteceu nos primeiros anos do cristianismo, as autoridades da Igreja suspeitavam que os textos dos eruditos gregos e árabes-islâmicos eram uma ameaça à ortodoxia cristã. Do outro lado dessa guerra cultural estavam os teólogos filósofos que buscaram conciliar a erudição pagã ao cristianismo, ou reja, a razão metodológica à fé cristã, dando origem ao método escolástico. O fundador da Escolástica latina que procurou reformar a enciclopédia árabe aristotélica do conhecimento foi Santo Alberto Magno (1200-1280), mas foi um aluno dele, São Tomás de Aquino (c.1225-1274), quem elevou e firmous a escolástica. No seu livro Summa Theologica, escrito de 1265 a 1274, ele procura mostrar as ligações entre a ciência, razão, filosofia, fé e teologia. Outro erudito que seguiu a linha escolástica foi o inglês Roger Bacon (c. 1220-1292). Ele procurou mostrar às autoridades eclesiásticas que não precisavam se preocupar com os estudos que não viessem da revelação divina, como a filosofia de Aristóteles, argumentando que a verdade era uma só e vinha de Deus. Entretanto, conforme veremos abaixo, Bacon chegou a abandonar a universidade a fim de poder se dedicar ao estudo de Aristóteles e Avicena e escrever, mas os colegas da ordem franciscana lhe puxaram o tapete.
Santo Alberto Magno (canonizado em 1931) era um frei dominicano nascido na Suábia, atual Alemanha. Foi professor de Tomás de Aquino, e, um notável proponente da escolástica ou escolasticismo, doutrina caracterizada pela busca da harmonização entre os ensinamentos de Aristóteles e outros filósofos da antiguidade e os da Igreja Católica. Depois de ter estudado artes liberais em Pádua, Bolonha e na Alemanha, passou a ensinar teologia em diversos conventos da Alemanha. Por fim, ele foi transferido para o convento de Saint Jaques, que fazia parte da Universidade de Paris, onde teve contato com os textos de, ou sobre, Aristóteles e outros eruditos gregos e islâmicos. Deixou uma obra de metafísica cristianizada, baseada na sua interpretação das quatro causas de Aristóteles.
São Tomás de Aquino nasceu na vila de Roccasecca, próxima de Aquino, na Sicília. Entrou para o mosteiro de Monte Cassino como noviço e posteriormente foi estudar na recém-fundada Universidade de Nápoles, criada pelo Imperador Frederico II. Em Nápoles, ele tomou conhecimento das obras de ciência e filosofia grega que estavam sendo traduzidas do grego e do árabe. Em seguida, ele se afiliou à ordem dominicana com o propósito de ter mais liberdade para meditar. Quando se encontrava no convento de Saint Jaques, em Paris, que era o centro de estudos universitários dos dominicanos, ele estudou com o pensador alemão Alberto Magno. A teoria filosófica de Tomás de Aquino é inspirada na teoria do corpo e da alma de Aristóteles, que afirma a existência de uma ‘alma’ responsável por dar vida ao corpo, quer do homem quer dos outros animais. A fim de criar a sua própria tese filosófica, ele tomou a ideia de Aristóteles que afirmava que a alma humana era diferente da dos outros animais, não só porque é capaz de entender as coisas e de agir por si própria, como também porque não deixa de existir depois da morte do indivíduo, acrescentando que, por fim, voltará a se reunir com o corpo como consequência do juízo final. Reconhecendo que tal não podia ser provado pela razão, Aquino afirmou que se trata de um ‘mistério da fé’. A ‘filosofia teológica’ de Aquino foi aceita pelas autoridades católicas, que lhe conferiram o título de ‘doutor angélico da Igreja’, e em 1323, canonizou-o.
Roger Bacon, pensador inglês nascido em Ilchester, Somerset, estudou matemática, astronomia, ótica, alquimia, e línguas. Tornou-se docente das Universidades de Paris e de Oxford onde ficou conhecido como ‘Professor Prodígio’. Assim como Tomas de Aquino, Bacon encantou-se em descobrir o pensamento de Aristóteles e de Avicena (980-1037 EC) ao ponto de largar a academia e se juntar à ordem dos franciscanos a fim de poder dedicar-se mais ao estudo. Grande estudioso da filosofia, Bacon afirmou a importância do método empírico e da prova matemática, e fez diversas especulações científicas futuristas como máquinas voadoras mais leves que o ar, o transporte mecânico por terra e por mar, a circum-navegação do globo e a construção de microscópios e telescópios. Bacon também escreveu sobre a ética e apontou como principais causas da ignorância humana, a autoridade indigna, o mau hábito, os preconceitos da cultura popular e a presunção infundada. Entre 1266 e 1267, Francis Bacon trabalhou na sua Opus majus (Obra maior), onde reuniu todos os seus estudos, críticas filosóficas e especulações. Em seguida ele começou a trabalhar numa enciclopédia de ciência e filosofia, embora apenas fragmentos desta tenham sido publicados. Escreveu ainda Opus minus (Obra menor) e Opus tertium (Terceira obra). Bacon escrevia num estilo altamente deferente ao papa e ao cristianismo mas mesmo assim os seus colegas de ordem indignaram-se com seus escritos e o denunciaram ao Papa Clemente IV. Os próprios franciscanos prenderam Bacon entre 1277 e 1279 por ‘novidades suspeitosas’ nos seus ensinamentos.
Os quatro exemplos acima foram os primeiros a mostrar a estreita ligação que havia entre as universidades e a Igreja e como essa ligação cerceava o pensamento dos acadêmicos. A peste negra que assolou a Europa de 1348 a 1350 fez com que as autoridades católicas desconfiassem de tal catástrofe teria sido uma punição divina pelas ideias contrárias aos textos da Bíblia. Pensadores, tanto das universidades quanto fora dela, passaram a viver sob a ameaça de serem presos e até mortos na fogueira por suas teses heréticas. Essa é uma razão pela qual os pensadores só discutiam com os seus pares e não tinham o hábito de escrever para a população leiga. Nicolau Copérnico (1473-1543), o autor do livro Das revoluções dos corpos celestes (em inglês: On the revolutions of heavenly bodies) acerca da sua tese heliocêntrica, era extremamente cuidadoso em escolher com quem discutir suas ideias, e adiou a publicação desse livro até bem perto de sua morte. Em 1616, o mesmo foi listado no Índice de Livros Proibidos. Em 1669 um professor de filosofia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Daniel Scargill (1647-c.1690), foi demitido simplesmente por ter apoiado o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679), um ateísta declarado. O próprio Hobbes foi escorraçado da sociedade, impedido de publicar novos livros, e até acusado de ter atraído, pelo seu ateísmo, a ira da Divina Providência, causadora do grande incêndio de Londres de 1666. Em 1616, o físico e matemático Galileu Galilei (1564-1642) chegou a ser condenado por de heresia pelo tribunal da Inquisição[xiii], após ser denunciado pelos próprios colegas da Universidade de Pisa.
Uma das regras douradas da civilização é graduar a responsabilidade das pessoas ao seu nível educacional. Portanto, é natural presumir que entre os professores das universidades a virtude sempre supera o vício. É dessa pressuposição que surgiu a metáfora da torre de marfim aplicada ao mundo acadêmico. Entretanto, os acadêmicos não apenas possuem vícios e virtudes na mesma medida que o resto da população, como também possuem vícios próprios, como a arrogância decorrente da pressuposição de certeza.
Do secularismo iluminado às universidades modernas
O Iluminismo ou o Século das Luzes é o divisor d’águas da libertação da mente do indivíduo dos grilhões da religião e do Estado, marcando a emergência do secularismo. Dois pensadores que se destacaram na campanha pelo secularismo foram o já anteriormente mencionado Voltaire (1694-1778), e o escritor, jornalista e inventor inglês naturalizado americano Thomas Paine (1737-1809). Paine escreveu um livro intitulado ‘The Age of Reason (A idade da razão), argumentando que a Bíblia era mitológica, embora tivesse um valor literário, e discutindo o lugar da religião na sociedade. O Iluminismo do século XVIII estendeu o conhecimento erudito e científico a toda a população leiga, através de livros, jornais e revistas, assim como da Enciclopaedia editada por Dennis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’Alembert (1717-1783).
Apesar da luta dos pensadores iluministas pela liberdade de estudar e publicar os frutos de seus estudos, pelo menos uma parte da produção acadêmica continuava cerceada pelas autoridades religiosas. A Universidade de Saint Andrews, na Escócia, originalmente católica, mas depois tornada protestante, rejeitou o filósofo David Hume (1711-76) para um posto acadêmico devido aos rumores de que ele era ateu. Em 1798, o filósofo Immanuel Kant (1724-1804), professor da Universidade de Könisberg, na antiga Prússia, recebeu uma reprimenda oficial por ter contrariado a ortodoxia teológica, após uma denúncia de colegas da própria universidade.
A Península Ibérica, onde as ideias iluministas do naturalismo, do secularismo, e da educação universal, só se assentaram no século XIX, assistiu à ascensão do anticlericalismo, que visava tirar da Igreja o monopólio do ensino primário e livrar as universidades do cerceamento religioso. Entretanto, em diversas partes da Europa pipocavam movimentos contrários às ideias iluministas. Felizmente, a opinião pública bem informada não desapareceu de todo, e onde havia esta, havia também universidades inteiramente seculares.
Foi, no século XVIII, na Alemanha, que as universidades foram reformadas dentro das ideias iluministas[xix] do século XVIII, como a independência de pensamento. Tal reforma provou ser um sucesso em termos de produção acadêmica original. As universidades alemãs reformadas eram autônomas, tinham currículos modernos, que abrangiam desde as inovações da ciência às profundas incursões da filosofia, da sociologia e da história. A Alemanha foi o primeiro país a desenvolver a educação científica (wissenschaftliche Bildung). A influência das universidades alemãs logo se espalhou para os demais países de língua germânica, principalmente para a Universidade de Viena, na Áustria, que no início do século XX passou a ser um importante núcleo da inteligência ocidental. O modelo alemão de ensino superior foi transplantado para diversas universidades dos Estados Unidos, em especial para aquelas que fazem parte da Ivy League.
Dois pensadores analisam o papel da universidade: Max Weber e Karl Jaspers
Max Weber (1864-1920) e Karl Kaspers (1883-1969) foram dois grandes pensadores do início do século XX que se preocuparam em avaliar o papel da universidade. Os dois eram amigos e isso fez com que trocassem ideias. Weber e Jaspers foram os mais capazes peritos acerca do ensino superior e da universidade.
Weber era um sociólogo, filósofo, jurista e economista político alemão. Ele iniciou seus estudos na Universidade de Heidelberg em 1882, mas teve que trancar matrícula depois de dois anos para se alistar no serviço militar. Finda a guerra, ele se matriculou na universidade de Berlim para concluir seus estudos e depois na universidade de Göttingen. Seu trabalho mais conhecido é A ética protestante e o espírito do capitalismo (1930), (Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus 1904–05), mostrando a correlação estatística entre o sucesso em empreendimentos capitalistas e a mentalidade protestante, pelo menos em sua terra natal, a Alemanha. Weber é também é conhecido por sua profunda compreensão da história e de outras ciências e por sua profunda compreensão da natureza humana. A vida e a carreira de Weber foram interrompidas pela Primeira Guerra Mundial. Em 1918, ele aceitou a cadeira de sociologia da Universidade de Viena, onde morreu dois anos depois, aos 56 anos. Durante seu breve período como acadêmico, ele se dedicou ao tema de educação, especialmente do ensino superior, e apontou que os sistemas educacionais, por estarem embebidos noutras instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas e legais, careciam de avaliação crítica.
Jaspers foi um pensador polímata que se destacou na psiquiatria, na filosofia e na educação superior. Na psiquiatria, ele foi pioneiro no sistema de classificação de tipos básicos de personalidade. Na filosofia, ele publicou Philosophie (1932), uma importante obra em três volumes. Na educação superior, ele foi um dos principais líderes do projeto de reconstrução das universidades alemãs depois da Primeira Guerra mundial. Jaspers entendia a universidade como sendo “uma comunidade livre, de acadêmicos e estudantes, envolvidos na tarefa de buscar a verdade” e colocou essa ideia no ensaio de 1923 intitulado ‘A ideia da universidade’. Neste ensaio, Jaspers levanta diversas perguntas relevantes acerca do sistema da universidade. Quais são as ferramentas chaves da universidade? Qual é a relação entre a universidade e o Estado? Quais são as justificativas para a manutenção da universidade? Infelizmente, a carreira acadêmica de Jaspers foi paralisada pelo nazismo alemão em desforra por suas frequentes críticas ao partido de Hitler. Não contentes com o essa punição, em 1938, os nazistas proibiram Jaspers de publicar e começaram a ameaçá-lo por causa de sua esposa judia. Apesar de tudo, Jaspers e sua esposa decidiram permanecer na Alemanha. O casal já havia sido agendado para deportação para um campo de concentração quando o exército dos EUA entrou em Heidelberg em abril de 1945. Em 1946, Jaspers publicou uma nova e aumentada edição do ensaio de 1923 sobre a universidade, no qual ele aponta o papel da universidade na reabilitação da Europa após a Segunda Guerra mundial, bem como no resgate das mais nobres ideias do Iluminismo. Escreveu ele:
A universidade cumpre as suas tarefas – pesquisa, instrução, treinamento, comunicação – dentro de uma estrutura institucional. Requer edifícios, materiais, livros e institutos de sua administração ordenada. Privilégios e deveres devem ser distribuídos entre seus membros. A universidade representa um todo corporativo independente com sua própria constituição.
A universidade existe apenas na medida em que é institucionalizada. A ideia se concretiza na instituição. A extensão em que faz isso determina a qualidade da diversidade. Despojada de seu ideal, a universidade perde todo o valor. No entanto, “instituição” implica necessariamente compromisso. A ideia nunca é perfeitamente realizada. Por esse motivo, existe na universidade um permanente estado de tensão entre a ideia e as deficiências da realidade institucional e corporativa.
Até as melhores instituições da universidade tendem a se deteriorar e a se distorcer. Assim, a própria tradução do pensamento para a forma ensinável tende a empobrecer sua vitalidade intelectual. Uma vez que as conquistas intelectuais são admitidas no corpo do aprendizado aceito, essas realizações tendem a assumir um ar de finalidade. Portanto, é apenas uma questão de convenção em que ponto um assunto termina e o outro começa. Além disso, é possível que um excelente estudioso não consiga encontrar um lugar para si nas divisões departamentais estabelecidas. Um estudioso medíocre pode ser preferido a ele simplesmente porque seu trabalho se encaixa no esquema tradicional. Qualquer instituição tende a se considerar um fim em si mesma. (Cap. 6.)
Em 1948, já com 65 anos de idade, Jaspers aceitou o convite para lecionar na universidade de Basileia, na Suíça, e decidiu por recomeçar a vida acadêmica naquele país.
A morada dos sábios
Existe algumas pressuposições sobre a universidade que advém do histórico do sucesso da universidade no projeto civilizatório das sociedades, como a noção de que é a morada das melhores mentes ou a mais importante alavanca do avanço tecnológico e científico. Essas pressuposições não apenas são erradas mas também contribuem para a falta de avaliação crítica da universidade.
O simples exame da relação de autores canônicos refuta a ideia de que as universidades são a morada das melhores mentes. Considerando-se apenas a era moderna, a maior parte dos pensadores do Iluminismo, incluindo o editor e os principais colaboradores da primeira Enciclopédia, não tinha vínculos com universidades. Os grandes pensadores e cientistas dos séculos XIX e XX eram independentes ou tiveram apenas curtas passagens por universidades, como: Arthur Schopenhauer (1788-1860), John Stuart Mill (1806-73), Charles Darwin (1809-82), Gregor Mendel (1822-84) e Friedrich Nietzsche (1844-1900). Os exemplos do século XX incluem: George Santayana (1863-1952), Bertand Russell (1872-1970), José de Ortega y Gasset (1883-1955), Ludwig Wittgenstein (1889-1951), Jean Paul Sartre (1905-80) e Simone du Beauvoir (1908-86). Outro exemplo notório é Albert Einstein (1879-1955), que escreveu as suas duas teorias de relatividade quando trabalhava num escritório de patentes, e só posteriormente virou professor universitário.
A ideia de que as universidades são os conduítes por excelência do conhecimento é também falsa. Os brilhantes criadores das startups da tecnologia da informação, que deram origem à a Apple e a Microsoft, não trabalharam em universidades mas em suas casas e garagens. O cientista Greig Venter, (1946-), que, em 2001, publicou a sequência completa dos genes humanos, também não tinha ligações com nenhuma universidade. Ele fez esse trabalho na empresa Celera Genomics, que ele próprio fundou, em 1988, com o objetivo de sequenciar e analisar genomas.
Embora o conhecimento seja um único conjunto de entendimentos, a hiperespecialização resultante do aprofundamento do conhecimento gerou uma multiplicidade de departamentos nas universidades, sendo que muitos dos quais passaram a funcionar como feudos. Um fato bastante observado nesses feudos é a blindagem da disciplina do chefe de departamento contra a contratação de professores de capacitação maior. Na melhor das hipóteses, os novos mestres ou doutores tem oportunidades de lecionar numa universidade em áreas secundárias ou terciárias às de suas especializações. Assim, um jovem gênio da área de cálculo diferencial acaba por lecionar não no departamento de matemática, mas no departamento de economia.
Ultimamente tem surgido muitas críticas às universidades do Ocidente, em especial àquelas que dependem da contribuição financeira do Estado. Como exemplos de críticos da universidade eu gostaria de citar Roger Scruton (1944-2020), David Horowitz (1939-), Camile Paglia ( 1947-), Stephen Hicks (1960-) e Jordan Peterson (1962-). Todos esses concordam que a universidade ocidental está decadente, e apontam a narrativa coletivista[xv] que nelas se aninhou a partir da década de 1960, como sendo a maior causa dessa decadência. O mais contundente desses críticos é Scruton, falecido em janeiro deste ano, que escreveu: “Não podermos mais confiar a nossa alta cultura às universidades.” E ainda: “Quando as instituições são incuravelmente corrompidas, assim como as universidades foram corrompidas pelo comunismo, nós devemos começar de novo, mesmo que o custo seja tão alto quanto foi na Europa ocupada pelos soviéticos”.
Conclusão
É difícil encontrar uma pessoa sensata que negue a importância do ensino ou que não considere a universidade como o seu pináculo. Entretanto, o ensino e a universidade também têm faltas e fraquezas. Os sinais dessas estão na cegueira deliberada acerca de abusos de poder, ineficiências e nepotismos. Sobre os nepotismos, esses apenas aparecem em boatos, e a questão é quase sempre varrida para debaixo do tapete.[xvi]. Conforme escreveu David Hume, “a corrupção das melhores coisas resulta na geração das piores”. Encarar de frente os problemas das universidades é uma condição necessária para assegurar que sobrevivam e continuem cumprindo seus objetivos de ensino e pesquisa.
Referências
Cronck, Nicholas. Voltaire: A Very Short Introduction. Oxford University Press. 2017.
Davies, Norman. Vanished Kingdoms: The History of Half Forgotten Europe. 2011.
Greenblatt, Stephen. The Swerve: How the World Became Modern. Norton, 2011.
Jaspers. K. The Idea of the University. Edited by Karl W. Deutsch. Preface by Robert Ulich. Boston, Bacon Press, 1959.
Scruton, R. The end of the university. First Things, April 2015. (Disponível em português em PortVitoria, 20, 2020).
Vretos, Theodore. Alexandria, City of Western Mind (Alexandria, cidade da mente ocidental). 2001.
Wiesehöfer, Joseph. Ancient Persia from 550 BC to 650 AD. Translated by Azizeh Azodi. L. B. Tauris Publishers, London. 1996. Kindle edition.
Williams, Hywel. Emperor of the West. Charlemagne and the Carolingian Empire. Quercus, 2010.
Outras (Consultar JPO)
Joaquina Pires-O’Brien, uma brasileira residente no Reino Unido, é fundadora e editora de PortVitoria.
Retornar à HomePage
Notas
[i] O termo ‘mundo helênico’ refere-se à cultura grega do mundo mediterrâneo durante os três séculos após Alexandre, o Grande, que morreu em 323 EC.
[ii] A cidadania grega era entendida como a afiliação formal à polis, que dava direitos como votar em questões do governo, ser votado para cargos no governo, e, possuir terras. Devido a esse objetivo, é mister entender o sistema grego de cidadania. Havia uma regra de que apenas aqueles residentes livres e que podiam rastrear sua ascendência a um famoso pioneiro da cidade eram considerados cidadãos. Essa regra abria exceções para a pessoas de fora dotadas de grande riqueza ou de habilidades valiosas. A noção de cidadania da Roma antiga era parecida com a dos gregos em termos de responsabilidades e privilégios, Embora os romanos fossem bem mais abertos do que os gregos na concessão da cidadania, Roma instituiu duas categorias de cidadania, com e sem o direito ao voto.
[iii] Na mitologia grega, musas inspiradoras da literatura, da ciência e das artes eram as nove filhas de Zeus e Mnemósine (a personificação da memória). São elas: Calíope (da poesia épica), Clio (da história), Érato (da poesia de amor), Euterpe (da poesia lírica), Melpômene (da tragédia), Polihimnia (da poesia sagrada e da eloquência), Terpsícore (da dança), Tália (da comédia) e Urânia (da astronomia). Dentre as diversas narrativas acerca das musas destaca-se o poema ‘Erga kaí Hemérai’ (lat.: ‘Opera et Dies’; ing.: Works and Days’), de Hesíodo, escrito em torno de 700 AEC.
[iv] Após a morte prematura de Alexandre em 322 AEC, nenhum herdeiro foi inicialmente apontado para o trono e os generais macedônios que acompanharam Alexandre nas suas conquistas, 74 ao todo, tramaram a forma de dividir o império entre si. Dentre esses, Arridaeus era meio-irmão reconhecido de Alexandre, e Ptolomeu um possível meio-irmão. Ptolomeu havia sido o principal guarda-costas de Alexandre, e portanto, tinha uma ascendência sobre os demais. Ele encarregou Arridaeus de trazer o corpo de Alexandre para que fosse sepultado no Egito. Em 321 AEC, os antigos generais de Alexandre fizeram o acordo conhecido Partição de Triparadisus. Através deste, Felipe Arrhidaeus, mais o filho de Alexandre com Roxana, que nasceu após a morte do pai, foram ambos reconhecidos como herdeiros. Em consequência disso, o império macedônico ganhou dois reis, Felipe III, um portador de doença mental, e Alexandre IV, que ficou sob a guarda de Perdica. Tanto Felipe II quanto Alexandre IV foram assassinados, assim como Perdica. Daí pra frente os generais competiram entre si pelos diversos reinos acéfalos. Ptolomeu I Soter (323-283 AEC) virou rei do Egito e fundou a dinastia dos Ptolomeus, que inclui a infame Cleópatra VII. Entre 312 e 302 AEC, Seleuco organizou um exército de mercenários e ficou com a Síria, então um vastíssimo império.
[v] Tribo germânica que ocupava os atuais territórios da Bélgica, França, Luxemburgo, Holanda e oeste da Alemanha.
[vi] A expressão ‘educação liberal’ é assim chamada por ser o tipo de educação que considerada digna do homem livre, em contraposição com a educação de escravos, que era sempre dirigida a algum ofício. As artes liberais da antiguidade grega foram preservadas no ensino da escola helenística, que, por sua vez, influenciou o sistema educacional latino, baseado no trivium (o trívio do ensino básico: gramática, retórica e lógica) e no quadrivium (o quadrívio do ensino mais adiantado: matemática, geometria, astronomia e música).
[vii] A emergência do cristianismo provocou o desmantelamento do sistema de educação liberal oferecida tanto no mundo grego quanto no latino. O primeiro pensador cristão a defender a educação liberal foi Agostinho (354-430), que apontou o valor do saber antigo, inspirando alguns pensadores cristãos a reconsiderar o ensino das artes liberais. No primeiro século após a queda do Império Romano do Ocidente as artes liberais receberam a bipartição em trivium (gramática, retórica e lógica) e quadrivium (matemática, geometria, astronomia e música), após terem sido reabilitadas pelos educadores Boecio (c. 480-c.525 EC) e Cassiodoro (c. 490-c.583 EC).
[viii] O programa educacional introduzido por Carlos Magno foi orientado pelo sábio inglês Alcuíno (Ealhwine, Alhwin ou Alchoin) de Iorque (723-804 EC), clérigo católico, estudioso e professor, nascido na Inglaterra, onde teve como mentor o Venerável Beda (673-735 EC). Durante uma estadia na Itália, Alcuíno conheceu Carlos Magno e tornou-se seu amigo e conselheiro. Sob a orientação de Alcuíno, Carlos Magno ordenou o estabelecimento de escolas episcopais, em conventos, mosteiros e igrejas, voltadas tanto para a formação de padres quanto para a educação da população leiga.
[ix] Luís, o Pio, foi o último monarca do império carolíngio, o qual foi dividido após a sua morte. O Império Carolíngio transformou-se, então, em duas unidades políticas – França Oeste que se tornou o reino da França, e França Leste, a precursora da Áustria e da Alemanha. Embora Carlos Magno tivesse recebido do papa o título de ‘Imperador Romano’, o primeiro a receber o título de ‘Sacro Imperador Romano’ foi o rei alemão Otão I, coroado na catedral de Aix-la-Chapelle em 936.
[x] Toledo foi capturada em 1085 e passou a ser a cidade mais importante da Espanha cristianizada.
[xi] Um grande avanço nessa área ocorreu no século XIII, quando os países da Europa e do Oriente Médio começaram a emitir moedas de ouro. Com isso, o comércio por trocas desapareceu e deu lugar ao sistema monetário, bem como ao sistema de contabilidade baseado em livros-caixa de dupla entrada, introduzidos entre 1050 e 1350. O livro-caixa foi uma inovação altamente relevante pois permitia visualizar a situação do negócio a qualquer momento. A partir daí surgiu o sistema de treinamento de aprendizes de contabilidade e de bancos.
[xii] Frederico II (1194-1250), também chamado Constantino Frederico Roger, era também rei da Sicília, duque da Suábia e rei alemão, e apesar do título de Sacro Imperador Romano, ele defendeu o poder imperial contra o papado.
[xiii] Galileu havia escrito um ensaio resgatando a tese heliocêntrica de Copérnico, depois de ter observado as órbitas dos planetas ao redor do sol com o uso do seu telescópio. Graças às amizade dele com a família Médici, ele foi deixado sem punição até 1632, mas, em 1633, a pena de ser queimado na fogueira foi comutada pela prisão domiciliar, depois que ele admitiu publicamente que a Terra era o centro estacionário do universo. Galileu perdeu o cargo na universidade e passou o resto da vida em Florença, onde morreu aos 77 anos de idade.
[xiv] Muitos autores reconhecem um Iluminismo maior, que inclui tanto Idade da Razão do século XVII quanto o Século das Luzes do século XVIII.
[xv] O filósofo alemão Juhann Gottlieb Fishte (1762-1814) foi um dos primeiros a pregar a ideia da superioridade do coletivismo sobre o individualismo, com sua concepção teológica do ‘eu’. Para Fichte, o indivíduo nada vale sem a sociedade, e deve deixar de existir, a não ser para o grupo – Gattung. O homem isolado contradiz a sua própria natureza. A sociedade é a grande fogueira em torno do qual as pessoas se juntam. Outro filósofo alemão, Georg W. F. Hegel (1770-1831), tomou a ideia de Fichte sobre a primazia do grupo sobre o indivíduo para a sua ideia de um espírito do mundo que dirige o curso da história.
[xvi] Entretanto, um estudo sobre o nepotismo nas universidades da Itália foi publicado como notícia no jornal The Independent, do Reino Unido, de 25 de setembro de 2010: “A revista de investigação L’Espresso e o jornal La Repubblica revelaram o surpreendente grau em que os empregos de professor universitário são mantidos na família, no esclerótico sistema de ensino superior da Itália. Na Universidade La Sapienza, em Roma, por exemplo, um terço do corpo docente tem membros próximos da família como colegas. No geral, as instituições superiores do país têm 10 vezes mais chances de empregar dois ou mais membros da mesma família que outros locais de trabalho.” E ainda: “Nenhuma instituição italiana aparece no ranking mundial de universidades do Times Higher Education 2010.” Fonte: https://www.independent.co.uk/news/world/europe/family-fiefdoms-blamed-for-tainting-italian-universities-2089120.html