Octavio Paz (1914-1998), poeta e polímata mexicano
Joaquina Pires-O'Brien
Além de ter sido um dos maiores poetas do século XX, o mexicano Octavio Paz, nascido Octavio Irineo Paz Lozano, foi também um grande estudioso e um notável pensador. Felizmente o talento de Paz foi reconhecido pela academia sueca, que em 1990 lhe concedeu o Premio Nobel de Literatura. Para Paz,
O que põe o mundo em movimento é a interação das diferenças, suas atrações e repulsões; a vida é pluralidade, morte é uniformidade.
Sentir-se só possui um duplo significado: por um lado, consiste em ter consciência de si; por outro, um desejo de sair de si. A solidão, que é a própria condição de nossa vida, surge para nós como uma prova e uma purgação, no fim da qual a instabilidade e a angústia desaparecerão. A plenitude, a reunião, que é repouso e felicidade, e a concordância com o mundo, nos esperam no fim do labirinto da solidão.
O livro Labirinto da solidão (El laberinto de la soledad) de Paz é uma reflexão sobre a modernidade inserida no contexto identitário, e, por essa razão, considerada uma peça-chave da literatura moderna universal. De igual importância é O ogro filantrópico (El ogro filantrópico), no qual descreve o Ocidente como um período de grande abundância material, mas corroído pelas maladias do hedonismo, da religião, e do egoísmo.
No conjunto dos poetas mais reconhecidos da América Latina Paz foi o mais humano e o que enxergou mais longe. Em todo o Ocidente, Paz foi um dos primeiros intelectuais públicos a identificar a crise da modernidade nas superestimadas expectativas ao progresso. Segundo Paz, o progresso existe, mas não é retilíneo e tampouco é inexorável. Paz analisou a pós-modernidade com o mesmo ceticismo com que analisou a modernidade. Deu a entender que a pós-modernidade foi uma consequência das incongruências da modernidade. A prosa de Paz era quase poesia, conforme mostra o texto a seguir:
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos escolhidos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; retorno à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Prece ao vazio, diálogo com a ausência: o tédio, a angústia e o desespero a alimentam. Oração, ladainha, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história: em seu seio todos os conflitos objetivos se resolvem e o homem finalmente toma consciência de ser mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar de uma forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da ideia. Loucura, êxtase, logos. Retorno à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo.
Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo e metros e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todos os rostos mas há quem afirme que não possui nenhum: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana! O Arco e a Lira. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
Segue alguns exemplos da poesia de Paz traduzidas para o português, cada qual seguida do original em espanhol.
Silêncio
Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.
Silencio
Así como del fondo de la música
brota una nota
que mientras vibra crece y se adelgaza
hasta que en otra música enmudece,
brota del fondo del silencio
otro silencio, aguda torre, espada,
y sube y crece y nos suspende
y mientras sube caen
recuerdos, esperanzas,
las pequeñas mentiras y las grandes,
y queremos gritar y en la garganta
se desvanece el grito:
desembocamos al silencio
en donde los silencios enmudecen.
Certeza
Se é real a luz branca
desta lâmpada, real
a mão que escreve, são reais
os olhos que olham o escrito?
Duma palavra à outra
o que digo desvanece-se.
Sei que estou vivo
entre dois parênteses.
Certeza
Si es real la luz blanca
de esta lámpara, real
la mano que escribe, ¿son reales
los ojos que miran lo escrito?
De una palabra a la otra
lo que digo se desvanece.
Yo sé que estoy vivo
entre dos paréntesis.
Vento, Água, Pedra
A água perfura a pedra,
o vento dispersa a água,
a pedra detém ao vento.
Água, vento, pedra.
O vento esculpe a pedra,
a pedra é taça da água,
a água escapa e é vento.
Pedra, vento, água.
O vento em seus giros canta,
a água ao andar murmura,
a pedra imóvel se cala.
Vento, água, pedra.
Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.
Viento, agua, piedra
El agua horada la piedra,
el viento dispersa el agua,
la piedra detiene al viento.
Agua, viento, piedra.
El viento esculpe la piedra,
la piedra es copa del agua,
el agua escapa y es viento.
Piedra, viento, agua.
El viento en sus giros canta,
el agua al andar murmura,
la piedra inmóvil se calla.
Viento, agua, piedra.
Uno es otro y es ninguno:
entre sus nombres vacíos
pasan y se desvanecen
agua, piedra, viento.
Escritura
Quando sobre o papel a pena escreve,
a qualquer hora solitária,
quem a guia?
A quem escreve o que escreve por mim,
margem feita de lábios e de sonho,
colina quieta, golfo,
ombro para esquecer o mundo para sempre?
Alguém escreve em mim, move-me a mão,
escolhe uma palavra, se detém,
pende entre mar azul e monte verde.
Com um ardor gelado
contempla o que escrevo.
A tudo queima, fogo justiceiro.
Mas o juiz também é justiçado
e ao condenar-me se condena:
não escreve a ninguém, a ninguém chama,
escreve-se a si mesmo, em si se esquece,
e se resgata, e volta a ser eu mesmo.
Tradução de Haroldo de Campos
Escritura
Cuando sobre el papel la pluma escribe,
a cualquier hora solitaria,
¿quién la guía?
¿A quién escribe el que escribe por mí,
orilla hecha de labios y de sueño,
quieta colina, golfo,
hombro para olvidar el mundo para siempre?
Alguien escribe en mí, mueve mi mano,
escoge una palabra, se detiene,
duda entre el mar azul y el monte verde.
Con un ardor helado
contempla lo que escribo.
Todo lo quema, fuego justiciero.
Pero este juez también es víctima
y al condenarme, se condena:
no escribe a nadie, en sí se olvida,
y se rescata, y vuelve a ser yo mismo.
Conversar
Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.
O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.
A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.
Tradução de Antônio Moura
Conversar
En un poema leo:
conversar es divino.
Pero los dioses no hablan:
hacen, deshacen mundos
mientras los hombres hablan.
Los dioses, sin palabras,
juegan juegos terribles.
El espíritu baja
y desata las lenguas
pero no habla palabras:
habla lumbre. El lenguaje,
por el dios encendido,
es una profecía
de llamas y un desplome
de sílabas quemadas:
ceniza sin sentido.
La palabra del hombre
es hija de la muerte.
Hablamos porque somos
mortales: las palabras
nos son signos, son años.
Al decir lo que dicen
los nombres que decimos
dicen tiempo: nos dicen,
somos nombres del tiempo.
Conversar es humano.
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