Fernando R.Genovés

  1. Nunca diga ‘sempre’ ou ‘capitalismo’

Até agora, eu tenho usado locuções como ‘dinheiro’ ou ‘fortuna’, quando poderia muito bem ter dito ‘capital’. Mas não farei isso, por não serem sinônimos e porque ‘capital’ está sujeito a um doutrinário político e ideológico bastante particular. No presente ensaio, eu uso certas palavras que, salvo por lapso ou erro, eu não uso, ainda que eu as mencione e cite. Assim como o conceito ‘socialismo’ deriva de ‘social’, ‘capitalismo’ provém de ‘capital’, termo já usado desde o século XII, na atividade comercial.

Tom G. Palmer, na introdução do livro La moralidad del capitalismo; 2013, Chile, Fundación para el Progreso[1], coloca o termo em seu contexto.

A palavra ‘capitalismo’ começou a ser usada no século XIX, geralmente em um sentido depreciativo: por exemplo, quando o socialista francês Louis Blanc definiu o termo como “a apropriação do capital por alguns em detrimento de outros”. Karl Marx usou a frase “modo de produção capitalista”, e, foi o seu fervoroso seguidor, Werner Sombart, que popularizou o termo ‘capitalismo’, em seu influente livro de 1912 Der Moderne Kapitalismus.

Por sua vez, o conceito ‘socialismo’ foi estabelecido em oposição ao ‘capitalismo’, destacando o contraste social versus capital, um como alternativo do outro; um sistema projetado para substituir outro sistema. O lanço tem sido levado muito a sério por parte dos que promovem essa antítese, chegando a afetar dezenas de países, e milhões de pessoas, até os dias de hoje; na maioria dos casos, exceto aos versados ​​no ‘materialismo dialético, sem entender o pano de fundo da suposta contradição. ‘A luta final’ abrange todas as frentes, começando pela linguagem, uma vez que são os inimigos da liberdade que encontraram, empunharam e elevaram esses conceitos, entre outros tantos, que compõem o doutrinário do ‘anticapitalismo’.

Diga-me como você fala e eu direi quem você é. Expresse-se como o camarada X e você acabará parecendo o camarada X, sendo um companheiro de linguagem: o primeiro passo para ingressar no clube dos ‘companheiros de viagem’ (poputchik). Cuidado, portanto, no uso da linguagem que cria dependência e favorece a extensão das crenças associadas a elas. George Orwell apontou com penetrante agudeza que a primeira batalha que o totalitarismo precisa vencer para impor-se no mundo, é a batalha da linguagem.

‘Socialismo’ vem da palavra ‘social’. O que há de mágico e encantador no ‘social’ que deslumbra quase todos igualmente? Para mim, esse ‘social’ não significa, afinal, nada além de ‘caro’, ‘oneroso’ e ‘imposto’, um ‘valor agregado’ que todos os cidadãos acabam pagando.

A exaltação do ‘social’ é, em suma, muito cara. Ele tece (‘tecido social’) uma profunda animosidade e um ressentimento agressivo contra o indivíduo e a liberdade, que acaba por esmagá-los. Sem dúvida, tais sentimentos derivam de um estágio anterior ao político:

O ódio ao liberalismo não vem de outra fonte. Porque o liberalismo, antes de ser uma questão mais ou menos política, é uma ideia radical sobre a vida: é acreditar que cada ser humano deve ser livre para cumprir o seu destino individual e intransferível. José Ortega y Gasset, ‘Socialización del hombre’ .

Com o decorrer do tempo, os sentimentos associados a essas palavras, a conotação que elas carregam, o seu impacto nas pessoas, não mudaram substancialmente. Talvez apenas os povos que experimentaram o sistema ‘socialista’ estejam vacinados contra esse flagelo. Muito embora, não na sua totalidade. Na Rússia atual, para citar um caso, a simpatia pelo sistema comunista e pelo passado da União Soviética continua viva em uma parte significativa da população, tanto nos que o conheceram quanto os que receberam informação sobre o mesmo. Nem mesmo a queda do Muro de Berlim e a revelação dos horrores de um sistema tão criminoso e desumano conseguiram enterrar o ‘socialismo’. Se alguma coisa ocorreu, foi exatamente o oposto.

Logo após o anúncio do ‘fim da história’ (Francis Fukuyama) e o triunfo global do ‘capitalismo’, e, especialmente, após a crise econômica desencadeada no verão de 2007, o ‘socialismo’ ganhou a esfera pública de uma forma notória, renascendo de suas cinzas. Até então disfarçado de ‘social-democracia’ (o social sempre colocado à frente), uma versão abrandada do ‘socialismo’ que não questionava a ordem econômica e social ‘capitalista’, em nossos dias, os partidos e partidários do verdadeiro ‘socialismo’ lançaram-se em uma luta sem território e com o rosto exposto, sem se incomodar em aplicar maquilagem de propaganda e ação, mostrando assim o seu verdadeiro rosto desumano.

 

  1. São só palavras

Os proclamas abertamente revolucionários, a pretensão de derrubar o ‘capitalismo’ e dar o definitivo passo a frente, compõem o discurso dominante em qualquer lugar do planeta. A ideologia ‘socialista’ reina não apenas na mídia, nas escolas e nas universidades – ‘no mundo da cultura’ como um todo – mas em toda parte.

Conforme revelam as pesquisas de opinião, entre a população jovem, o espectro do ‘socialismo’ ganha apego e predileção contra a realidade do ‘capitalismo’. Grupos ‘anticapitalistas’ tornaram-se fortes nas ruas, onde se mobilizam e demonstram descaradamente (embora muitas vezes com os rostos mascarados) pela mínima oportunidade. Contra qual ‘capitalismo’ eles lutam

Cerca de 40% da atividade econômica dos Estados Unidos (EUA) passa pelas mãos e pelo controle do governo, o que tem crescido em poder e influência em uma nação que, desde sua fundação, tem sentido e defendido o valor do privado sobre o público, o valor da liberdade, a sujeição do poder político que emana dos respectivos Estados e, acima de tudo, de Washington, a capital do país,. Os gastos federais per capita aumentaram 191% entre 1960 e 2018, de US $ 4.300 para US $ 12.545. O que aconteceu com o estilo de vida americano?

Graças a uma peculiar combinação de economia ‘capitalista’, sob a liderança do Partido Comunista Chinês, a República Popular da China conseguiu se estabelecer como primeira economia mundial, posto que no século passado era ostentado pelos EUA. Como modelo econômico, social e político, os EUA progressivamente se voltaram para o sistema que domina na Europa. Mas qual deles?  ‘Social-democrata’? ‘Capitalismo de Estado’? ‘Capitalismo social’? Como o da Europa ou como o da China?

No momento presente, é somente a partir da fabricada propaganda inimiga da liberdade, ou do descarado cinismo, ou da pura ignorância, pode-se dizer que o ‘capitalismo’ é o modelo dominante da sociedade no mundo: ‘se por ‘capitalismo’ se entende um sistema competição baseado na livre disposição da propriedade privada” (Friedrich A. Hayek, The Road to Serfdom [O caminho da servidão; 1944]). Ou o que restou da sociedade de mercado livre e aberta, baseada na propriedade privada, na divisão de poderes e no Estado mínimo, onde prevalecem os valores do individualismo, da iniciativa e da responsabilidade pessoal. Em resumo, da sociedade de proprietários.

Aqui está o cerne do problema questão, uma questão que é crucial. Bem, o seu objetivo dificilmente pode ser entendido (independentemente da experiência explicativa e da capacidade de comunicação do autor) – a transição da sociedade de proprietários para a comunidade de gerentes –  usando termos que deturpam e confundem as coisas em vez de elucidá-las, ou que denotam uma realidade inexistente, refletindo uma situação em que palavras e ações não coincidem, e na qual a linguagem não é empregada tanto para se comunicar quanto é para persuadir.

‘Capitalismo’ é um conceito que, por mais virtudes que o seu significado estrito contenha (e que não são poucas) e por mais que se explique seu sentido genuíno, a sua conotação e o seu valor estão inevitavelmente associados a más vibrações e a sentimentos negativos. O ‘socialismo’, ao contrário, soa bem, uma coisa ‘social’. O ‘progressivismo’, por sua vez, evoca um horizonte e um ideal de progresso. Quem é o indivíduo corajoso disposto a condenar ‘o social’ e o ‘progresso’?

Os homens nasceram uns para os outros. Instrua ou apoie-os. Marco Aurélio, Meditações

Tudo bem, mas quem tem paciência para explicar aos outros todas e cada uma das palavras que usam, para não ser mal interpretado, ou para continuar aumentando e reforçando, mais do que a cadeia da linguagem, a linguagem encadeada?

Um dia perguntei a uma pessoa com quem tenho confiança para falar, e, que sabe amarrar cadarços, sobre o motivo de ter votado no Partido Socialista em todas as eleições, e ela me respondeu, seriamente, e sem nenhuma piada, que era porque ela é bastante ‘social’ e ‘sociável’, e  gosta de estar com pessoas e não de ficar sozinha …

E o comunismo? Penso que a única coisa correta no comunismo é o nome, a saber: a recreação perversa de um mundo em que tudo é comum, ou seja, ordinário, público, corriqueiro, vulgar, mísero e miserável, inferior, baixo e ruim. Sim, continuarei usando esse termo a partir de agora. Ele se ajusta à realidade.

Nem ‘capitalismo’ nem ‘socialismo’ ou ‘progressivismo’. Como ficamos, então?

 

  1. Socialistas capitalistas e capitalistas socialistas

Existem ‘socialistas capitalistas’. E também ‘castristas’, ‘chavistas’ e ‘anarcossindicalistas’, o ‘socialismo realmente existente’ e um outro pendente de existir: a revolução pendente, uma expressão cunhada pelos trotskistas, aqueles comunistas que não são ‘socialistas’ e tampouco  estalinistas, e, que não são da Primeira Internacional, mas sim da Quarta. Em outras palavras, é uma confusão total.

Existem ‘liberalismo’ apenas, ‘liberalismo clássico’, neoliberalismo’ e ‘anarcocapitalismo’, ‘capitalismo com rosto humano’ e ‘capitalismo de cara dura’  (‘capitalismo de amigos e cupinchas’), ‘capitalismo de Estado’, ‘capitalismo humanista’, ‘capitalismo social’, ‘capitalismo liberal’, entre muitas outras variedades à escolha em um mercado livre…

E existem, ai!, ‘capitalistas socialistas, com ou sem a carteirinha do partido, quer a nível individual quer corporativo. No momento presente, uma notável quantidade da publicidade[2] comercial e das comunicações corporativas (privadas) tirou o seu discurso da doutrina oficial dos inimigos da liberdade e da propriedade privada. Essa conduta oportunista e mesquinha já perdura há tempos e está aumentando. Estamos em um ponto (sem retorno?) no qual é difícil diferenciar entre reportagens publicitárias e propaganda de conteúdo ideológico. Mais do que ‘politicamente corretas’, elas são corretivas: indústrias de laticínios encorajam o animalismo; agências dependentes de entidades bancárias investem em proclamas sobre revolução, ‘compromisso social’ e pedagogia socializante e inclusiva; produtores de bebidas alcoólicas, dão aula de moral e cívica; empresas de energia seguem a corrente dominante com discursos ecologísticos e feministas; empresas de produtos para barbear insultam os homens, cuspindo em suas caras slogans do tipo ‘masculinidade tóxica’ (tais como deixar crescer bigode, cavanhaque e costeletas).

Tudo isso vem ou não à mente. A revolução e o mundo estão de cabeça para baixo. A publicidade transmite publicamente o que a empresa pretende vender: o ano passado, produtos e serviços;  o ano corrente, e também fórmulas e slogans acompanhados de sinais ideológicos, não neutros, mas ‘anticapitalistas’.

Em 23 de agosto de 2011, a agência de notícias Europa Press divulgou a seguinte matéria:

“Várias das maiores fortunas e principais empresários da França, incluindo a bilionária herdeira da L’ Oreal, Liliane Bettencourt, e diretores executivos de multinacionais como Veolia, Danone, Total ou Société Générale, assinaram uma proposta na qual eles solicitam ao governo que estabeleça uma ‘contribuição excepcional’ que arrecada os rendimentos mais altos e, assim, colabore no ‘esforço solidário’ necessário para respaldar o futuro econômico do país galo.

 “Nós, presidentes e diretores de empresas, homens e mulheres de negócios, agentes financeiros, profissionais ou acionistas, pedimos o estabelecimento de uma contribuição especial que afetará os contribuintes franceses mais favorecidos”, expõe uma carta aberta publicada pelo semanário francês Le Nouvel Observateur.

“Somos cônscios de que temos beneficiado plenamente de um modelo francês e de um ambiente europeu com o qual estamos comprometidos e que queremos ajudar a preservar”, assinala a carta aberta, assinada por dezesseis das maiores fortunas e dos principais empresários do país galo.

“Essa contribuição não é uma solução em si mesma, e portanto deve ser parte de um esforço de reforma mais amplo, tanto em termos de despesas quanto de receita”, reconhecem os promotores da proposta.

“Da mesma forma, os signatários da carta enfatizaram que ‘no momento em que o déficit nas contas públicas e as perspectivas de agravamento da dívida do Estado ameaçam o futuro da França e da Europa, no momento em que o governo pede a todos nós um esforço de solidariedade, nos parece necessário contribuir’.”

O complexo de culpa, a auto-imolação, o açoitamento, o oportunismo, o abandono de si próprio, a renúncia ao que lhe corresponde e é seu, atinge os povos do Ocidente em níveis próximos aos dos maiores delírios. O republicanismo engajado de ricos complexados se manifesta na passarela parisiense, conforme temos visto. Que maneira estranha de contribuir ‘socialmente’, apelando à coerção! Não bastaria criar empregos e riqueza através da atividade empresarial? Que maneira curiosa de fazer publicidade! Assim, é anunciada a moda pós-moderna da Benetton e suas antigas mensagens multicoloridas, demagógicas e multiculturalistas.

No entanto, a questão principal é a seguinte: se esses ‘capitalistas’ e ‘socialistas’ querem contribuir e doar dinheiro à sociedade, por que o entregam ao Estado? Por que não fazem doações voluntárias? Por que eles não promovem a filantropia privada? Por que eles não jejuam e ajudam financeiramente as organizações de caridade? Por que eles não recorrem à livre iniciativa, em vez de exigir que todos sejam forçados a comungar com sua fé republicana socializante e seu forçado desapego? Por que eles não consultam um consultor ou gerente tributário mais honesto ao tomar decisões? Eles vão acreditar que todos os ricos estão em sua condição…

Há muitos indivíduos (a maioria) que fizeram fortuna com boas artes, à base de esforços, assumindo riscos, investindo suas economias, hipotecando suas propriedades, sem lisonjear os poderosos ou os políticos, sem trapacear, sem fraudes ou mentiras, e sem adular os poderosos e os políticos. E sem apelações populistas. Por que os contribuintes, ricos ou pobres, devem pagar para os pregadores republicanos à la Mitterrand ou à la  Robespierre?

Em 25 de junho de 2019, ecoando as notícias que cobrem a Europa e todo o planeta, o jornal El Mundo, publicado na Espanha, publica uma crônica com o título ‘Os bilionários dos EUA pedem por ‘questões de ética’ um imposto sobre a riqueza’. Como entrada: ‘O plano isenta de impostos os primeiros 50 milhões de dólares em ativos, mas prevê um imposto de 2% sobre fortunas de mais de 50 milhões, e aumenta a taxa para 3% para aquelas de mais de 1.000 milhões’. Entre os generosos bilionários, o texto cita Abigail Disney, herdeira do império Disney, e George Soros. O senhor Soros é  um ‘capitalista’ ou um ‘socialista’? E o Michael Bloomberg? E o Bill Gates? E a maior parte do ‘mundo da cultura e do espetáculo’, em Hollywood, Nova Iorque ou Paris?

Assim pois, capitalismo? Sim ou não?

“Sim ao capitalismo, mas limitado ao seu papel. O sistema de valores deve ser deixado em aberto para que ninguém tenha sucesso às custas da derrota do resto”. Pascal Bruckner,  no ensaio Misère de la prosperité: La religión marchande et ses ennemis (A miséria da prosperidade: a religião do mercado e seus inimigos; 2002) quando diz ‘sim ao capitalismo’, um ‘sim’ imediatamente rebaixado por um ‘mas’, está realmente dizendo ‘não’. Ou, o que equivale ao mesmo: sim, porém não… Bruckner é um escritor e filósofo francês, geralmente comedido e perspicaz, mas um intelectual que, malgrè lui, na hora de escolher entre nação (política) e mercado (economia) ele opta pelo ‘sistema de valores’ que a nação política contém, em primazia ao mercado que não tem pátria, e que atende apenas a interesses e responde à chamada do dinheiro: oferece prosperidade em troca de gerar miséria. E assim não pode ser. Bruckner não defende de forma alguma uma solução ‘socialista’ para a situação, mas também não deseja entrar no jogo (mercado de ações, empresas, lucros, dinheiro…) do ‘capitalismo’. Deixe-o correr com a sorte…

Então, ‘socialismo’? Sim ou não?

É provavelmente preferível chamar de ‘coletivismo’ os métodos que podem ser usados ​​para uma ampla variedade de propósitos, e considerar o socialismo como uma espécie desse gênero. Friedrich A. Hayek, O caminho da servidão, 1944.

 

  1. Esse falso glamour

A aversão ao ‘capitalismo’ e a ‘popularidade’ do socialismo são produtos da convicção das pessoas ou o efeito do glamour?

Em um ato público realizado há alguns anos em Madri, em defesa da democratização de Cuba, e com a notável presença  de artistas e intelectuais da ‘esquerda política’ (os incluídos e os inclusivos), o escritor Mário Vargas Llosa, porta-voz da reunião, declarou : “Temos de remover esse falso glamour da ditadura cubana”. Bravo! Embora não se saiba se o escritor espanhol nascido no Peru é ‘capitalista’ ou ‘socialista’.

Acima de qualquer outra reflexão, se alguma coisa explica a subsistência do criminoso regime castrista, é o apoio material e ‘moral’ que este recebe do ‘socialismo de todos os partidos’ (F. A. Hayek) em escala planetária. Em outras palavras, a ajuda e suporte dos que ostentam o vermelho. O mesmo vale para outros bastiões da progressivista ‘consciência infeliz’ (Hegel). Juntamente com Gaza, Venezuela, Coreia do Norte e  mais um pingo de redutos, apesar de bastante emblemáticos da ‘resistência’, a ‘esquerda política’ mantém a sua reserva doutrinária particular em pequenos territórios sacrificados pela ‘Causa’; Os territórios maiores sob o comando comunista, como a China, já estão se defendendo sozinhos. A foto de Che Guevara, a echarpe palestina, ou a foice e martelo, ainda servem de senha e contra-senha para identificar os santos (os justos), e, não são exibidos com discrição nas democracias, mas com orgulho, ostentação e insolência.

Hoje, a suástica nazista é prudentemente ilegal, e a negação do Holocausto é geralmente condenada na esfera pública. O mesmo não acontece com os sinais e os slogans totalitários da ‘esquerda’, assim como com a negação do 11 de setembro.

Todavia, o vermelho está raivoso, mamãe, o que será que o vermelho tem… Tem glamour. Um glamour falso que fascina tanto os que o portam quanto os outros, porque tem uma licença para agir impunemente, e, porque cai bem na vista dos outros. Precisamos perguntar o porquê do proceder desinibido daqueles, e da sensibilidade e complacência destes.

A ‘esquerda política’ há muito abandonou a ‘luta dos trabalhadores’ e a ‘libertação do proletariado’ (de fato, os trabalhadores que não são funcionários públicos, geralmente votam em partidos políticos de centro-direita). Mas, eles não renunciaram à ‘luta de classes’: o que mudou são as classes e o significado da luta.

Consequentemente, a ‘Revolução’ foi reduzida, em primeira instância, à ‘revolução cultural’, um ataque que tem mais contracultura e anti-cultura do que da cultura propriamente dita. A sociedade contemporânea, a ‘sociedade do espetáculo’ (Guy Debord) e do escândalo, alimenta-se da indignação e da representação teatral, do culto à imagem e à pose (postura), do exibicionismo e dos selfies, de cosmética e da maquilagem, do sentimentalismo e da empatia (palavra da moda trapaceira, em oferta especial); da intoxicação (fake news, agitprog, manipulação) e do encantamento. A sociedade, agora globalizada e midiática, tornou-se um tanto idiotizada pela mídia e pela propaganda. Uma sociedade dessas características adquire a aparência de um complexo grupal, mas na realidade é bastante simples, bastante vulnerável e maleável, e fácil de ser dominada, dirigida, e encarrilhada. Tudo o que é preciso é remover as baixas paixões de seus membros, ativar mecanismos básicos de estímulos-respostas, oferecer o que deseja (depois de prescrever os desejos), como lisonjeá-la e entretê-la, para tê-la entregue.

A sociedade, ou a coletividade, não contem ideias próprias, isto é, claras e bem pensadas. Contém apenas tópicos, e existe com base nesses tópicos. Com isso, não quero dizer que sejam ideias falsas, podem ser ideias magníficas [note a ironia do filósofo]; o que digo é que, desde que sejam vigências ou opiniões ou tópicos estabelecidos, as suas possíveis qualidades egrégias não agem; o que age é simplesmente a pressão mecânica sobre todos os indivíduos, a sua desalmada coerção. Não deixa de ter interesse o fato de que, na linguagem mais vulgar, sejam chamadas ‘as opiniões dominantes’. José Ortega e Gasset, El hombre e la gente (1949-50)

Talvez a tarefa de desencantar os encantados não dependa tanto da chamada ‘batalha de ideias’ quanto de remover a cor e a doçura do discurso das ilusões causadoras de encantamento. Remover do discurso a maquilagem é uma maneira eficaz de desarmá-lo.

 

  1. Laboratórios e observatórios em universidades: que lugares!

A guerra mundial que está sendo travada em defesa da liberdade faz parte de uma longa batalha, que nunca acaba. Assim como a riqueza é gerada, a liberdade deve ser conquistada todos os dias. Não se tratando estritamente de guerra ideológica, cheguei à convicção de que não é correto concebê-la, também, em termos de ‘batalha de ideias’, como acreditávamos há algum tempo, a saber: a ativação de um mecanismo de ação e reação, no qual a ação de um lado provoca uma reação do outro lado, num processo que cresce em violência, numa encruzilhada de indignações e embustes, como um duelo de forças. E tudo porque quem não se move não aparece na foto. Eis aqui, precisamente, a mãe de todas as batalhas: a imagem. E geralmente ganha por aquele que bate mais forte, se desgasta menos e domina com mais astúcia os aparatos da inteligência (emocional), da comunicação e da aparência, bem como da publicidade e da propaganda.

Na perspectiva do sociólogo Max Weber, o desenvolvimento da humanidade passou por diferentes fases, nas quais se observa uma direção geral e universal, verificável especialmente na sociedade ocidental, e atendendo a esses dois elementos principais: o crescimento da racionalização, unido ao processo de desencantamento da população; e, a retirada gradual do sagrado e das crenças mágicas na hora de interpretar a realidade e se ajustar à mesma. A derivação disso tudo não é, como poder-se-ia inferir, o triunfo da racionalidade, mas a extensão do niilismo.

Diferentemente daquilo que o Iluminismo do século XVIII e seus herdeiros intelectuais imaginavam, a sociedade de massa contemporânea, não cresceu no pensamento racional e no espírito crítico, em decorrência da universalização do letramento e da educação, da leitura de livros, e de uma maior injeção orçamentária em cultura. Tal mito, tal encantamento, e tal fraude, ainda não foram totalmente desmascarados; mostra momento e validade, mas não a verdade. O oposto aconteceu. O sonho da ‘razão’ levou ao estabelecimento de uma sociedade mórbida e acomodada, amiga do simples, do rápido e do instantâneo, distanciada tanto da convicção quanto da responsabilidade. E isso que eu aponto é dado a aplicar-se indistintamente às massas, às ‘elites’ e aos gestores.

Milhões de diplomados, licenciados e PhDs tem saído das universidades, mas apenas um número seleto deles, relacionado à atividade científica e ao âmbito empresarial, tem produzido conhecimento competente e prático. Foi dentro de seus muros que o portuário básico da Revolução contra a liberdade foi forjado. As universidades continuam a ser incubadoras de gerações de acadêmicos e intelectuais que intentam imitar e substituir os tradicionais templos do mito e do oráculo. Os seus departamentos emitem e disseminam as respostas e as previsões que servem como uma orientação geral básica para a conduta da sociedade, não tanto diretamente mas por meios intermediários, e pelo trabalho midiático e pedagógico de intérpretes e disseminadores. Como um laboratório (estendido ao longo do tempo para todo o sistema educacional), ele experimenta e testa os produtos processados para serem posteriormente propagados em escala geral, através de muitos meios de comunicação e de intermediários. Anteriormente, os governos dos países ‘capitalistas’ eram dominados por advogados; hoje, são dominados pelos professores de universidades e dos high schools.

A ‘batalha de ideias’ ocorre em um ambiente cada vez mais sujeito a um pensamento unificado: progressivismo, feminismo, multiculturalismo, pós-pósmodernismo. E possui o seu espaço natural em uma área liderada por professores e pelos ‘comitês de especialistas’. Transferi-lo para a sociedade é especialmente benéfico para ampliar o efeito do ‘terrorismo dos laboratórios’ (Ortega y Gasset) e a engenharia social incentivada por esses funcionários da intelligentsia, os quais, pelo pouco que se aplicam, construirão seções aqui e acolá, e as mais variadas subseções; esse procedimento também recebe o nome  de ‘extensão universitária’.

A farsa começa a operar no momento em que o mesmo conceito de ‘ideias’ é aplicado para nomear as criações e as recriações que emergem dos tubos de ensaio do campus, quando essas não passam de slogans, dogmas, fantasias, slogans, proclamas e bobagens, que só servem para governar um ‘universo frankensteiniano’. Dos meios de comunicação às editoras, dos produtores de cinema e de teatros às produções operáticas, das livrarias aos espaços públicos, tudo o que diz respeito ao ‘mundo da cultura’ é considerado propriedade do ‘marxismo cultural’; ou quem sabe dos inimigos da propriedade privada (a menos que se trate de propriedade sua, ou da ‘propriedade intelectual’, para enganar e assombrar).

Os objetivos declarados nem sempre objetam na hora de ingressar na lista dos ‘companheiros de viagem’. E aqui está o começo do fim da cultura, em sua acepção clássica e restrita, para transformar-se no apogeu da publicidade, do privilégio, da repetição, da radiodifusão panfletária e de sexto sentido, da divulgação de mensagens transgressoras,  da moda: o reino do glamour.

Na sociedade contemporânea, o fator-chave do retrocesso da sociedade de proprietários e da liberdade não reside, segundo afirmou Ortega y Gasset há um século, no protagonismo, na preponderância e na influência do homem-massa, mas nas chamadas ‘elites’ (termo a ser adicionado à lista daqueles que foram esvaziados de significado e transvalorizados).

 

  1. Livrarias e Jornalismo

Eu poderia pormenorizar vários exemplos do acima apontado. Mas vou me concentrar em dois: livrarias e jornalismo.

Diariamente, milhares de empresas e trabalhadores autônomos são obrigados a encerrar as suas atividades, na maior parte dos casos, devido ao inferno fiscal imposto pelos Governos. Algumas vozes, em baixo volume, mostram contrariedade e desgosto por essa situação. No entanto, eu não tenho ciência de muitos eventos de massa exigindo dar um basta nesse tipo de situação. Por outro lado, o anúncio do fechamento de uma livraria desperta uma imediata e vociferante solidariedade em milhares de pessoas (sejam elas amantes verdadeiros da leitura ou não) e, desta vez, dezenas de lamentações lacrimosas podem ser citadas, apelos públicos incentivando a assinar cartas de protesto, a concentrar-se nas portas da empresa que já deixou de existir, ou a organizar angariações de fundos de auxílio ao livreiro, que por uma questão de ação política, se transforma em uma vítima singular e, ao mesmo tempo, no ‘herói’ daqueles que afirmam ser seus defensores, quando não os seus representantes.

Fiquem de olho, pois aqui existem de sobra, esclarecimentos, justificativas ou sentimentos de cada qual, a propósito dos estabelecimentos cujas paredes estão cobertas por estantes de livros (em papel, exclusivamente; fala-se o livro eletrônico em público apenas para difamá-lo, e não há falta de quem assegure que o eBook e a Amazon!, são, no fundo, o motivo pelo qual tantas livrarias penduram a placa ‘À venda’. Embora esse assunto seja relevante, não é hora de analisar se, entre os paladinos do livro de papel, a primazia é ter livros ou ler livros (quem quer ficar bem na foto, quando esta for aparecer na imprensa, escolhe ficar em frente à uma estante, e não em frente da cristaleira, a vitrine da sala de estar). Em resumo: por que uma livraria, mas não uma chapelaria? Suponho que seja uma consequência da chamada ‘exceção cultural’ ou do glamour. Se as persianas estão permanentemente abaixadas em uma lanchonete, eu não me interesso por descobrir as suas especialidades e variedades, ou se a omelete de batata que serviam tinha cebola ou não. Porque não é essa a questão.

Extra! Extra! Leia tudo sobre isso! O jornalismo. Me comove ouvir um jovem estudante ou trainee (se não for imobilizado pela inspeção do Ministério do Trabalho) que confessa ter vocação profissional para ser um engenheiro industrial, um eletricista ou um alfaiate. No entanto, eu mudo de estação no meu res cogitans quando um rapazola que está terminando o ensino médio proclama que o seu sonho é ser jornalista, para o qual, naturalmente, ele planeja fazer o curso de jornalismo (Faculdade de Comunicação). Existem muitos jornalistas iniciantes cuja maior ilusão é tornar-se em uma espécie de Carl Bernstein ou Bob Woodward[3], ser um repórter provocador e sem fronteiras, fazer parte da redação de um jornal ‘sério e de prestígio’ como o The New York Times, o The Washington Post, o The Guardian, ou O País.

O cinema, a televisão e a própria imprensa tem cimentado narrativas a propósito da profissão do jornalista, descrevendo-a como épica e o lírica, mito e lenda, fabulação e  sonho, o que, por sua vez, tem deslumbrado e encantado milhares de jovens (e alguns que não são tão jovens). Em resumo, porque eu não fui à hemeroteca em busca de mais dados: hoje já não existe a distinção entre a imprensa preto e branca e a imprensa amarela[4]. A imprensa, assim como toda a galáxia de Gutenberg, perdeu uma boa parte do seu sentido com o surgimento do ciberespaço, da produção digital, da internet e das redes sociais. Mas, não perdeu o seu significado e a sua função. As novas tecnologias permitem montar, com poucos meios materiais e capital humano, uma emissora de rádio e até de vídeo-televisão, uma revista, um jornal; permitem ainda que um comunicador freelance com uma conta no Patreon e noutras plataformas de patrocínio, crie um cenário alternativo virtual para a informação e a comunicação. Não nego que haja muitas pessoas bem-intencionadas e sinceras por detrás dessas iniciativas, mas também não ignoro que o objetivo da maioria delas é, em última análise, ser recrutado por um veículo de mídia ‘convencional’. Enquanto isso, eles reproduzem e imitam os caminhos estabelecidos nesse antigo ofício, por motivação própria e por instinto. Assim, é preciso perseguir as notícias, capturá-las, e fazer com que os leitores as acompanhem e acreditem nelas. E por fim, como levar a sério a veracidade e a autenticidade de um trabalho realizado em um ambiente virtual, e que, pela sua natureza própria, refrata a notícia ao invés de reporta-la?

‘Virtual’, de acordo com o RAE[5]:

“Do lat. mediev. virtualis, e este do lat. virtus ‘poder, faculdade’, ‘força’, ‘virtude’.

  1. adj. Que tem virtude para produzir um efeito, embora não o produz no presente, frequentemente em oposição ao real ou atual.
  2. adj. Implícito, tácito.
  3. adj. Phys. Que tem uma existência aparente ao invés de real.”

No momento presente, todos os jornais ficam amarelados mais cedo ou mais tarde: aquelas folhas de papel hiper-reciclado, que impregnam as mãos com tinta e celulose, que criam fungos, chegam a ser perigosas se usadas para embrulhar anchovas. Fico alarmado em ouvir que alguém morre de vontade de pegar um diário vegetal, de devorar um suplemento cultural, ou de inalar intensamente esses cheiros de mofo junto com a essência de lignina. Não importa a justificativa de que essas sejam expressões menos próximas da realidade do que de metáforas.

As faculdades de jornalismo (ou de ‘Comunicação’) licenciam a cada ano centenas de graduados famintos pelo papel que compõe as manchetes e as reportagens rompedoras. A maior parte desses graduados é uma moçada bastante ignorante em ortografia e em redação, mas que adora os adjetivos e a atmosfera de camaradagem da redação de um jornal. Como se isso não bastasse, os seus antigos professores os teriam familiarizado com os textos de Truman Capote e Noam Chomsky, bem como com os shows de televisão da CNN. Eu tampouco duvido que as gerações progressistas que saem do centro educacional com o diploma nas mão não tenham ouvido falar de Azorín[6], de Júlio Camba[7] e de Camilo José Cela[8]; e, se por acaso o nome de Francisco Umbral[9] lhes parece familiar, é porque ele costumava aparecer na televisão para falar do seu último livro.

Por que nos enganar se os jornais de nossos dias trazem mais mentiras e meias-verdades do que verdades contrastadas com atos, e, são marcadamente tendenciosas. O viés da profissão jornalística é estrondosamente ‘esquerdista’ e quase exclusivamente, progressivista inclusivo. Ah, o jornalismo! Não há sonho maior entre os aprendizes de ‘gazetas’  (e também escritores em busca de suplemento!) que escrever para / em algum dos diários fetiche, citados anteriormente. Não há nada comparável a ser visto sentado no café Gijón, em Madri, diante de um café expresso e o jornal aberto de par a ímpar, para sentir-se estupendo, passar por intelectual, e ser observado e admirado. E o que dirá se se trata da varanda (onde você pode fumar, até o momento) do café de Flore em Paris. É puro glamour fou.

 

  1. A ‘batalha de ideias’ e a guerra do glamour

Não nego a necessidade da batalha de ideias na hora de enfrentar, neutralizar e capturar a pressão intelectual e emocional das ‘opiniões dominantes’ na sociedade contemporânea. Eu faço observar que deveriam ficar circunscritas ao local de onde surgiram: universidades, centros culturais e nas outras mais tramas do saber. E isso no mais otimista dos pressupostos, porque, como é do domínio público, a participação de conferencistas e comparecentes relapsos à doutrina oficial não é comumente aceita em eventos ou debates nas faculdades, universidades, ou reuniões de ex-alunos. E assim sendo, com tal unanimidade ao estilo búlgaro[10], pouco debate pode haver. No maior número de casos, os atos que eles assistem são flagrados, boicotados ou simplesmente cancelados por aqueles que se consideram donos absolutos dos templos do saber. Nesta área reservada, a expressão ‘batalha de ideias’ tem um significado literal e restrito. Caso a ação dos manifestantes fosse ‘malvista’, ou repudiada socialmente, eles não a fariam. Pelo contrário, é comum (e eu até diria ser o principal objetivo do número) eles gravarem a indignação com a câmera de vídeo do celular para depois postá-la no YouTube e nas redes sociais.

Enquanto eu argumento que exportar a ‘batalha de ideias’ é inútil e até fútil, de imediato me vem à mente um aforismo cristalino:

Uma afeição não pode ser reprimida ou suprimida, exceto por meio de outra afeição oposta e mais forte do que aquela a ser reprimida. Baruch (Benedito) de Spinoza, Ética, Parte IV. Proposição VII

As paixões não recuam face às razões. Uma condição, como a tristeza, só pode ser combatida no momento em que a alegria cresce em um indivíduo, com o resultado de que esta desloca aquela. É uma crença vã (e com aparência de tautologia) que uma pessoa chegue à razão pela força de razões, quando está possuída, intoxicada ou sob o efeito de um encantamento, do qual, comumente, não está ciente, ou quando a esperança e o medo a dominam… Ou, quando é proveitoso viver na ilusão.

Sugiro, em vez disso, libertar o indivíduo dos porta-bandeiras, dos hábitos viciantes, das confianças adquiridas, das obediências cegas ou impostas; forneça-lhe um antídoto que limpe a sua mente de conteúdos tóxicos, a sua boca de palavras impuras, e o seu comportamento das más ações. Em resumo, que ele tome gosto pela liberdade e não pela submissão, que substitua o ‘princípio do prazer’ e o merengue do glamour pelo ‘princípio da realidade’ (Sigmund Freud), pelo senso de responsabilidade e pela decência. Se é que o indivíduo os aceita e se lhe convém…

Sob o manto do politicamente correto e da doutrina oficial, o indivíduo sente-se protegido contra contradições, mudanças de opinião e de governo, birras, e mudanças nas modas culturais. Fora dessas, certamente faz muito frio e vive-se na intempérie. Lá dentro cheira a uma manjedoura, mas se está agasalhado e aquecido. Pois é…

Um bocejo ventilado e uma lufada de ar fresco podem ser mais curativos para um asmático ou alguém sufocado por slogans do que uma estatística reveladora ou um argumento trabalhado com convicção e bom senso. Conseguir que um indivíduo intoxicado de manifestos, agindo de acordo com um roteiro preestabelecido, experimente perturbação ou vergonha quando pego em flagrante é mais eficaz do que zombar do bandido (que, por despeito, reforçará a sua conduta tola). Eu garanto que é mais importante parar de divulgar (ou retuitar) as tolices do outro e os desabafos pessoais do que ficar atrelado à zanga do colega ao rufião; a mesma coisa vale para os sermões dos influencers youtubers, os paladinos e generais de divisão na ‘batalha de ideias’.

Considerar que o comportamento servil, de seguir a corrente e ser o porta-voz do seu mestre, não faz dele um herói mas uma carne de rebanho, é mais provável que seja irritante e embaraçoso para o indivíduo tocado pelo encantamento, do que por meio de múltiplas  recomendações e reconvenções sobre o seu estado delirante. Ver crescer a autoestima e a força da dignidade, penso eu,  faz mais bem a alguém do que ver alguém suar enquanto justifica o mal.

Quem apenas segue o glamour tem cara de sobra, mas isso é porque o glamour tem abundantes perfis.

 

  1. Sobre a leveza do ser e o parecer ‘progressista’

Eu não trago para estas páginas uma poção mágica ou um bálsamo que cura tudo, porque eu não sou nem mágico nem alquimista, e tampouco um médico de cabeceira. Entretanto, a moléstia que eu aponto é profunda.

Acontece que uma notória maioria dos cidadãos se colocaram tacitamente na margem esquerda da política; isto quer dizer: antepõe-se a igualdade à liberdade; o público ao privado; o coletivismo ao individualismo; a solidariedade emocional ao egoísmo racional; a redistribuição de riqueza ao enriquecimento pessoal; a ação do governo à iniciativa privada; eles queixam dos impostos mas não acreditam que o objetivo de eliminá-los seja justo; consideram mais do que aceitáveis a previdência social supremacista e o ruinoso sistema piramidal de aposentadorias ​​(a maior parte dos espanhóis o coloca entre os melhores do mundo), sem sequer conhecer e muito menos se interessar pelos fundos de capitalização pessoal (contas em fundos de pensões; a chamada mochila austríaca), como uma alternativa mais viável e justa.

Na realidade, o interesse e a preocupação pela aparência física e para parecer legal faz com que as crenças e os postulados comprometidos evoluam na cidadania em um nível semelhante ao dos estabelecimentos dedicados à beleza e ao fitness, tais como nail bars,  academias que oferecem aulas de Pilates, ioga, e dança (zumba, salsa, reggaeton), clínicas de tatuagens, e as diversas intervenções das redes sociais. Poderíamos dizer que essas compartilham uma tendência semelhante. A opinião pública se move irremediavelmente para o ritmo dos modismos e das forças coletivas, mas causa consternação ver a facilidade e a velocidade com que os fundamentos básicos (tradicionais) da sociedade são abalados, o que mostra que eles não estavam seguros e tampouco eram verdadeiramente assumidos.

A respeito das Eleições Gerais realizadas na Espanha em 2019, a maioria dos espanhóis votou nas candidaturas da ‘esquerda política’, vários milhões ao agrupamento comunista Unidas-Podemos, com laços ideológicos e financeiros que o vinculam à Venezuela chavista e ao Irã islamista. Como resultado, surgiu um governo de coalizão ‘social-comunista’, que ameaça (e já está a trabalhar nisso) desmantelar a sociedade de proprietários. Entretanto, a partir desses dados, não se deve concluir que na Espanha, aqueles que votaram e trouxeram tal Executivo ao poder são todos comunistas.

Independentemente da ação do governo em diferentes gabinetes socialistas, o Partido Socialista dos Trabalhadores Espanhóis (PSOE) mantém, em todo o território nacional, um terreno eleitoral que não cai abaixo dos 25% dos eleitores. Não parece tampouco razoável deduzir desses números que a grande maioria dos espanhóis deseja para a Espanha um modelo de vida como o dos soviéticos ou o da Cuba castrista.

Movem-se numa tendência política como quem está apaixonado pela moda jovem, sem perceber que existem ‘roteiros de viagens’ e viagens de aventuras que não são necessariamente de ida e volta. O retorno à sanidade e a uma sociedade bem ordenada será lento, caro e bastante doloroso.

 

  1. Quando a publicidade é uma pechincha

Diz-se que a populosa e desnorteada massa social forma esse magma disforme chamado ‘maioria silenciosa’. Estritamente falando, mais do que ‘silenciosa’, caberia qualificá-la de ventríloqua, pois apesar de que fale (ou aparente falar), ela diz muito pouco; ela tagarela e balbucia, visceralmente, em falsete, ou através da boca dos outros. Apenas uma pequena proporção dessa população estrategicamente localizada, agita e faz barulho, o suficiente para marcar a pauta e o território, para apontar os ritos e as rotas que os demais se limitam a seguir. É um absurdo, insisto eu, inferir de tudo isso que milhões de espanhóis seguem os preceitos ‘comunistas’ e os protocolos ‘progressistas’ com conhecimento de causa, com convicção e por princípios, por lealdade ao legado marxista-leninista. O que eles fazem é seguir a corrente.

Muito mais do que ser ‘de esquerda’, as pessoas desejam evitar, acima de tudo e a qualquer custo, aparecer em público como sendo ‘de direita’, e serem rotuladas como ‘ultra’ ou ‘fascista’. Devido a essa evitação, elas são capazes de seguir alguém, fechar a boca e ser depenadas, em troca de não se sentirem excluídas do grupo e segregadas. A sensação de estar agasalhado e socializado, em companhia, entre ‘amigos’ e ‘seguidores’, de ser bem-visto, antepõe-se ao agir livremente, trabalhar e ganhar dinheiro. Porque as pessoas percebem, com medo e tremor, que é pior ficar sozinho do que mal acompanhado, e que o orgulho do pobre é melhor do que a solidão e o penar de um Sr. Scrooge.

É dito e repetido sem cessar que a ‘esquerda política’ goza de uma ‘superioridade moral’ que a torna blindada e intocável em todas as frentes. A fama lhe sai, de fato, grátis, já que geralmente são os seus oponentes na arena política que ficam repetindo essa mantra, a ponto de acabar acreditando nela; em boa medida, isso é uma desculpa ou uma evasiva culpabilização disfarçada de lamento; explica porque é tão difícil refutar e interromper a presumida ‘hegemonia’ cultural e receptividade social.

França, no rebuliço da década de 1960. O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre inspira e assina o ‘Manifesto dos 121 contra a Guerra na Argélia’, dirigido à opinião pública (e, em particular, ao exército), pedindo a insubordinação e a deserção das tropas. O governo do general De Gaulle avalia a possibilidade de prender o filósofo insurgente. A dúvida, no entanto, é resolvida logo após com esta frase: ‘Não se coloca Voltaire na cadeia’.

Da margem direita frequentemente ouvimos que a ‘esquerda política’ é uma mestra na arte da publicidade. Dito isto, um já se coloca, de imediato e por iniciativa própria, no papel de aluno, de ouvinte ou de estagiário. E com a intenção de reforçar tão ousada revelação, frequentemente acrescenta-se que na primeira metade do desventurado século XX, a publicidade serviu de base e de inspiração ao aparato propagandista de Goebbels e dos nazistas (quando, na realidade, esse foi uma réplica do que foi anteriormente empregado pelo KGB soviético). Aqui temos um novo ato fracassado: o sensível e meticuloso comentarista  acaba de reconhecer que, implicitamente, a referência comunista não ofende ou assusta da mesma forma que a referência nazista. Com atitudes como essas, as salvaguardas e as armaduras saem baratas para os meios de comunicação comunistas e o apparatchik da propaganda.

                                                                                                                                  

O presente artigo foi extraído do livro Dinero S.L De la sociedad de proprietaries  la comunidad de gestores (Dinheiro S.A. Da sociedade de proprietário à comunidade de gestores; 2020) de Fernando R. Genovés. Kindle Edition. Tradução para o português e notas de rodapé de JPO.

Fernando R. Genovés (Valência, 1955) é escritor, ensaísta, crítico literário e de cinema. Doutor em Filosofia pela Universidade de Valência, Espanha, em 1999 ele recebeu o Prêmio Juan Gil-Albert de ensaios. É autor de inúmeros artigos em jornais e revistas especializadas, como Libertad Digital, Las Provincias, ABC Cultural, Claves de Razón Prática, Debats, Revista de Occidente, e El Catoblepas. Além do livro acima referido, o seu último, ele publicou: Marco Aurelio. Una vida contenida (2012), La ilusión de la empatía (2013), Dos veces bueno. Breviario de aforismos y apuntamientos (2014), El alma de las ciudades. Relatos de viajes y estancias (2015), La riqueza de la libertad. Librepensamientos (2016), Aforo ilimitado. Asientos libres y otras liberalidades (2017), La hora moral. Para una ética del presente (2019).

 

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Notas do editor

[1] Palmer, Tom G., editor. The morality of capitalism: what your professors won’t tell you. © 2011, Students For Liberty y Atlas Economic Research Foundation. Jameson Books, Inc.

[2] O emprego das palavras ‘publicidade’ e ‘propaganda’ como sinônimos uma da outra é semanticamente incorreto. Embora a publicidade e a propaganda tenham um denominador comum na divulgação, a publicidade é um tipo de divulgação caracterizada por ser politicamente neutra, enquanto que a propaganda é um tipo de divulgação carregada de sinais ideológicos.

[3] Dois jovens repórteres que, em 1972, revelaram o escândalo de Watergate.

[4] O termo imprensa amarela foi empregado nos Estados Unidos para designar os  jornais que tinham uma linha editorial baseada no sensacionalismo e abusavam de manchetes em letras garrafais, grandes ilustrações e exploração de dramas pessoais. No português brasileiro, assim como no francês, o termo equivalente é ‘imprensa marrom’.

[5] Dicionário de espanhol da Real Academia Espanhola.

[6] Pseudônimo de José Martínez Ruiz, (1873-1967), foi um escritor espanhol pertencente à geração de 98, que cultivava todos os gêneros literários: o romance, o ensaio, crônica jornalística e crítica literária e, em menor grau, teatro.

[7] Pseudônimo de Villanueva de Arosa (1882 – 1962), foi um escritor e jornalista espanhol que durante a Guerra Civil expressou suas simpatia pelo grupo franquista.

[8] Nome completo, Camilo José Cela Trulock (1916 –  2002, foi um escritor espanhol que notabilizou-se pelas narrativas do período logo após a Guerra Civil.

[9] Pseudônimo de Francisco Alejandro Pérez Martínez, (1932 – 2007) foi um poeta, jornalista, romancista, biógrafo e ensaísta espanhol.

[10] O autor refere-se ao fechamento, em 2018, da Universidade Centro-Europeia (CEU) fundada em Budapeste em 1991 pelo financista George Soros, com o propósito de ajudar os países da Europa Central e Leste na transição do comunismo de sociedades fechadas para a democracia de sociedades abertas, e inspirada naquela do filósofo Karl Popper (1902-1994), a quem Soros conheceu quando era aluno da London School of Economics (LSE). A CEU é reconhecida nos Estados Unidos e as suas aulas são ministradas em inglês. Por essas e outras razões, atraía alunos dos mais diversos países da Europa e do resto do mundo, embora também irritasse os grupos nacionalistas de direita da Bulgária. Durante muito tempo a CEU sobreviveu às críticas do grupo de mídia de Delyan Peevski, que domina a cerca de 80 por cento da imprensa naquele país, o qual é conhecido pelos seus ataques a organizações cívicas e indivíduos que defendem os valores liberais. A decisão do governo da Bulgária de não mais reconhecer os diplomas da CEU foi a causa do encerramento de suas atividades em Budapeste. Em 2019, a CEU iniciou o processo de transferir-se para deu novo campus em Viena. Em Janeiro de 2020, George Soros anunciou no Fórum Econômico Mundial, em Davos, que irá criar uma rede mundial de universidades a partir do modelo da CEU, e com o mesmo objetivo desta, de incentivar o combate ao autoritarismo.

Fernando R. Genovés

The work of José Ortega y Gasset is a delight that perhaps the Spanish people do not fully appreciate. Here is a personality, a phenomenal presence, who overwhelms many. Spain has not treated well its best men. Perhaps it is crushed by excellence. For all of this, some find him lesser than the reality.

On October 18, 1955, at eleven o’clock in the morning, Ortega performs his last vital act in the world and before mankind. He does not die alone, but among pleasant, albeit reduced company – his family and a group of friends accompany him on the journey towards eternity, from where we come and to where we are going. The communications media of the time cover this unique event on tiptoes. The day after the death of Spain’s number one philosopher, the press plan with great care how to handle the news. It had not been many years since Ortega returned to his country after the civil war and his exile, to fulfil the destiny of the man and the thinker, to die in peace among his own, in his homeland.

Only by fulfilling this condition, of returning to the post-battle landscape, could a wandering star, like the Spanish philosopher, feel his mission accomplished. Perhaps Ortega had also returned to Madrid in the hope of finding a definitive, and already too overdue, public recognition, a resounding and exemplary final act, that could bring him comfort from past silences and misunderstandings, petty oblivion and murky resentments. At last, a final hurrah! The obituary notice appears, despite everything, on the front page of the newspapers, and not so much out of conviction, but because one cannot silence a solar eclipse.

The incontestable relevance of the work and the person is perceived in Ortega’s own country as an open case, as a controversial situation that continues to divide opinions. Ortega the philosopher, a faithful follower of the spirit of the ancients, always preferred to cultivate ideas and knowledge before beliefs, doctrines and ideologies. But his masterful lesson has not been fully heard or learned. Consequently, in Spain, his compatriots, continue to quarrel in the theatre of opinions and in murmurings

What to do with Ortega? A huge national problem for a nation that has not completed the task of believing in itself. It so happens that a nation is built, above all, with broadminded ideas and great characters. Ortega creates a work of universal scope, but rooted in the Spanish reality: here is a circumstance from which he never relinquished. Here is a tragic compromise, which the philosopher can neither ignore nor avoid: one cannot be rescued without the other, and vice versa. When the time comes to finally return home he does not hesitate, although he does not deceive himself, for this would be the greatest mistake a philosopher could make.

At all times Ortega keeps in mind what happens to him (life, by his own definition, is all that happens to us) in a space which is suspicious, if not hostile. Once again, Ortega the philosopher moves and muses in partibus infidelium.  A heavy load that Spain has to bear is the legend that it is no more than a country of artists and writers, mystics and enlightened, made for quixotic adventures, but not intellectual, philosophical and scientific tasks: let others think! (Miguel de Unamuno)

Spain is more a nation of passion than of reason. And many even celebrate this calamity. They not only congratulate one another for it, they are proud of it. However, Ortega, whose thought is jovial, Jupiterian and jubilant, does not find this fate (a predestination?) amusing.

  1. Ortega dies in a Spain that is still grey. And who cares? Great nations exalt the great men of their own country; together they make greatness possible. What has been united in life, death cannot separate. However, in Spain, faced with the body of Ortega, all whispers and condolences were in a low voice.

To the Left, the image of the philosopher represents what it mostly detests in its inner realm: liberalism; placing the values of tradition, and of history itself, ahead of an abstract “progress” and a bewitching utopianism; excellence, elitism and cultural aristocracy; a non-rationalist vital reason; individualism; an ungovernable and indomitable free spirit, resistant to pressure groups and averse to comradeship. To the Left, Ortega is not one of theirs, and that is enough reason for exclusion, and even more so, for mockery and discredit.

The Right, for its part, distrusts Ortega. They hold many reservations in addition to those that inhabit the left. However, conservatives do not consider Ortega one of their own either, as a person who can be trusted in the way God commands. The secularism that Ortega practised – and perhaps his desire to live outside Catholicism (“acatólicamente”, in the words of the philosopher himself), even though respecting other people’s religious beliefs – his transient republicanism, and the radicalism of his philosophical ideas, were never enough for some (the socialists), while for others (the conservatives) they were too much. What concerns the right most regarding Ortega’s funeral? To declare that Ortega had died in a Christian way. Just so he could be forgiven and rehabilitated. For those who never lose hope of converting Ortega (to Christianity), it is never too late.

Revolutionize Ortega. Rehabilitate Ortega. Convert Ortega. Save Ortega. The ones and the others. It is a disgrace not just of those times but of all times, when minions want to set the tone for greats, the minister (politics) aspires to command the magister (thought), the disciple tells the teacher what to say and do; or else, one ends up being rejected and denigrated. This phenomenon, the revolt of the masses, happens in a country where the notion of intellectual recognition and moral respect is absent. This happens because we fail to appreciate what we have, or that which has value. This happens when the idea of value degenerates.

Ortega y Gasset produces a rigorous and magnificent thought, and, if this were not enough, he expounds it in an elegant style. Reading Ortega is a unique intellectual experience, which cultivates the spirit and extends the thresholds of intelligence. For his greater merit, his pages flow with joy and great pleasure. And on top of that, in a Spanish that is precise and exuberant.

For better or for worse, Ortega was a unique thinker. Because of that, there were many times when he was left alone. Consequently, Spanish thought became an orphan with his death. Ortega used to say about himself, with false modesty (great men can never be false or modest), that he was no more than an “aristocrat in the small square” (“aristócrata en la plazuela”), thus summarizing his vocation as the kind of philosopher who, without concessions, and while preserving his character and dignity, rose to the platform of public life, eager to be heard and understood. But alas, for the obstinate egalitarianists, this talk of aristocracy is an insurmountable handicap; while to the sectarianists of the stage and the armchair, like those of the alleyway and the little square, this talk of “aristocracy” resonates like a demerit, incompatible with modesty and submission.

In 1932, on the occasion of the first centenary of the death of J. W. Goethe, Ortega was asked by a German friend to write a text celebrating the great poet. Ortega complied with the essay Pidiendo un Goethe desde dentro (Calling for a Goethe from within). In it, he affirms that he is not a suitable person to deliver such a homage, for the Germans themselves are the ones called to revive the intellectual legacy of the master and to put him in his place. Well, here is a similar mission for the Spanish, to recover the philosopher’s memory: calling for an Ortega from within, from the sincere heart, from the deep reason. And this means asking this of all Spaniards, for his memory and his saving cannot come from anyone else.


The present essay is a chapter from R R Genovés book La riqueza da libertad (The Wealth of Liberty), 2016. ISBN e-book 978-84-608-6112-6, available at Amazon.

Notes

© F R Genovés

Translator: Jo Pires-O’Brien (UK)

Revisers: H Kirby, CMOB (UK)

Reference

Genovés, Fernando Rodriguez. An Ortega from within. PortVitoria, UK, v.16, Jan-Jun, 2018. ISSN 20448236, https://portvitoria.com

Norman Berdichevsky

Within the space of a week, referenda to determine the question of national independence took place in Kurdistan (see NER September 2017) and Catalonia (or Catalunya). Both of these two issues are just being made felt in a world already full of ethnic and religious conflicts and disputed border regions, yet they have been given little recognition by most media reporting that prefers to focus on the responsible central government authorities in the national capitals of Baghdad (Iraq) and Madrid (Spain), both of which expressed total opposition.

There are a number of glaring differences between these two issues but in each case, it is clear that they threaten what is not just a fragile relationship between neighbors, but the upsetting of traditional alliances as well as the involvement of outside powers. Press coverage of the participation and the division between yes/no votes were accurately reported in Kurdistan where approximately 90% voted yes for independence with a very high turnout of more than 80% whereas in Catalonia the 90% yes majority turns out to have been a so called “majority” only of those who voted, constituting less than 45% of the eligible voters, i.e., a non-“majority” of about 35%, an equally poor result of the one obtained in the previous illegal referendum of 2015).

Moreover, the Kurdish population of Iraq is heavily concentrated in the Kurdish region but almost entirely absent in the remainder of the country, whereas in Catalonia, a large percentage of the resident population is not Catalan but consists of Spaniards from other regions who have sought work and eventually settled there in what is the most prosperous and dynamic region of the country. In addition, may Catalans live and work in other regions of Spain. By contrast, Kurdistan is landlocked and surrounded by three hostile powers, Iran, Iraq and Turkey that have done everything in their power to threaten the Kurds.

The case of Catalonia, like that of Scotland, is much more intricate and meshed with the neighboring more powerful rival state. Both regions were absorbed into a major European state that expanded to become a world power. Both have therefore perplexed many observers. In Ireland and Scotland, local nationalisms are not entwined with the cultivation of a separate language, Yet their nationalisms challenged English rule to free themselves from serving the British empire.

The “national language” is spoken by a tiny dispersed, rural population or is used purely as cosmetic dressing for show along with old folk festivals. First language speakers of Irish Gaelic (also known as Erse) and Gaelic are found only in the most remote and rural areas and barely account for 1% of the populations. In Wales, there is an active Welsh speaking population of close to 20% almost all of whom are also fluent in English. In the Kurdish areas of their heartland in present day Northern Iraq as well as Iran and Turkey, there is strong sympathy for the cause of an independent homeland but major difference in local dialects makes mutual understanding very problematic.

Only in Catalonia is there a very intimate correspondence between a true sense of national identity with fluency in the original and ancestral language confirming what German philosopher Johan Gottfried von Herder (1744-1803) wrote (On the Origin of Speech, 1772. Uber den Ursprung der Sprache). He wrote: “Has a nationality anything dearer than the speech of the fathers? In its speech resides its whole thought domain, its traditions, religion and basis of life, all its heart and soul . . . With language, the heart of a people is created.”

It is for this reason that the Catalans have maintained such a fierce sense of pride and opposition to the concept that they must regard themselves first and foremost as “Spaniards” because they are citizens of Spain. It is understandable that in their own homeland they should have priority status. Catalans take great pride in their illustrious artists and painters such as Gaudí and Dalí and resent foreigners referring to them simply as “Spaniards”.

The issue of Catalan separatism once again threatens the unity of the country, a close NATO ally. It further constitutes a divisive invitation to Muslim extremists who wish to add fuel to the fire of a jihadist crusade determined to reverse the Christian “Reconquista” and win back the territory of the entire Iberian peninsula for the ummah as ISIS pledged, true to its vision of an all embracing Caliphate. This was reiterated by El Qaida and other extremist groups after the van attack in Barcelona on Las Ramblas thoroughfare which left 13 people dead. In a propaganda video, an ISIS member described the Barcelona perpetrators as “our brothers,” while another threatened “Spanish Christians” and promises to return the country to the “Land of the Caliphate.”

The historical divide of language, geographic orientation, economy, social mores, and history

As early as the twelfth century, Catalan balladeer-poets, or troubadours, wandered through the region and northward into Provence at a time when the language spoken there was recognized as a Catalan dialect. This vibrant poetic tradition and the use of Catalan by philosophers and historians, the greater achievements of Catalan seafarers and merchants who travelled throughout the Mediterranean and brought their language to Corsica, Sardinia, and Sicily and traded with the Orient at a time when Spain still had no overseas experience, colonies or trans-Atlantic ties. This heritage has, for many generations, contributed to the feeling that a noble and civilized culture had been submerged by Castile, the central region located on the meseta (upland) that led the struggle against the Muslims from the 9th to the 15th centuries.

Catalans regarded Castile as a region that had remained under Arab Muslim rule for much longer and absorbed a tradition, and character traits that deviated considerably from their own much more commercial, literate, cosmopolitan, sophisticated, and “tolerant nature.” Recently, the city council of Barcelona and the regional parliament both passed regulations against bullfighting, long regarded as a primitive Castilian tradition.

Barcelona, rather than Madrid, became the engine of change, progress, industrialization, workers’ unions, the first railways and the first opera. In Castile, the old prejudices against merchants and working with one’s hands still prevailed among an elite out of touch with new developments. Arch-conservatives distrustful of Catalan commercial astuteness even labeled support for the Republic during the Civil War (1936-39) part of what they called a “Judeo-Catalan conspiracy”. This was hardly surprising.

In the eyes of the Catholic, conservative and rural-agrarian traditions of the central Spanish meseta of Castile and Andalucia, the resourcefulness of the Catalans as merchants, traders, and their industriousness, literacy, sobriety and international connections across the Mediterranean in both North Africa and the Levant evoked the Jewish traits most held in ill repute by the church and stood in contrast to the haughty pride, devout religiosity, monastic institutions and exaggerated sense of honor and disdain for manual work that characterized the model of the Castilian gentleman (hidalgo).” (see Spanish Vignettes; An Offbeat Look Into Spain’s Culture, Society and History)

The late 15th century Kingdom of Aragon, prior to the so called “unification” of Spain with Castile, had capitalized on these commercial and maritime successes and embraced a territory extending from the Northeast of the peninsula to the Balearic Islands, Sardinia, Corsica, Sicily, Southern Italy and part of Greece.

Spain was “unified” in 1469 by the marriage of Ferdinand of Aragon with Isabella of Castile-Leon. Nevertheless, the two halves of this kingdom maintained separate identities, languages, distinct, laws, weights and measures for another two hundred years. Until the early 1700s, the official title of the King was “Rey de las Españas” (in the plural to recognize the diversity of Castile, Aragon, Galicia, The Basque Country and Andalucia), just as the Czar titled himself as “Czar of all the Russias.”

As early as 1640-1652, Catalonia tried to follow Portugal’s successful revolt and reimpose its language, laws, customs, and traditions but without success. During the War of the Spanish succession (1699-1702) the Catalans supported the losing cause of the Hapsburg dynasty. By 1707, the authorities in Madrid imposed a through uniformity throughout the kingdom extending to laws, currency, weights and measures and language.

The Catalans made a transition to a modern economy and became the dynamo of Spain, outdistancing economic activity in the rest of the country. During that time, Barcelona grew much faster than any other city in Spain. Industry in the manufacture of paper, iron, wool, leather, textiles and processed fish, as well as in the export of wine and cotton led to a new sense of confidence and prosperity.

The 20th century and its conflicts

Since the end of the 18th century, disaffection grew, as the central power in Madrid wasted enormous resources in numerous unsuccessful, vain, and costly enterprises trying to retain control of its empire in Central and South America, Puerto Rico, Cuba, Morocco, and the Philippines, all held in little regard as remote and distracting by all Catalans. The wealth of Spain, in part, plundered from the expelled Jews and Moors and indigenous peoples of the “New World” was squandered.

Barcelona was the scene of a spontaneous uprising that began on Monday 26th July 1909 when the city was shut down by a massive general strike. The revolt started after the government had called up military reservists to fight in Morocco. Trams were overturned, communications cut and trains carrying troops were held up by women sitting on the rails. The city has retained this reputation as a hotbed of opposition to authority. No wonder the current government in Madrid feared the outcome of holding any referendum in Catalonia, the goal of which was independence, and would reignite old passions.

The Lasting Linguistic Divide

Catalan nationalists argue (correctly) that Catalan is much closer to Latin and has more words of Greek origin than Castilian which absorbed both Basque and Arabic elements. The most politically incorrect remark a foreigner can make about Catalan is that it is a “dialect” of “Spanish”. In fact, Portuguese, the language of an independent nation for more than eight hundred years is closer to Castilian-Spanish than Catalan.

By the eighth century, most of the peninsula was under the invaders. The languages of the western half of the peninsula in Galicia and Leon resembled Portuguese and had a certain Celtic as well as Germanic influence whereas those in Aragon, Catalonia, and the Balearic Islands were closer to Rome. Sounds common in Arabic, Basque and Castilian Spanish include the harsh guttural “j”, “ch” and ñ sounds are absent in Catalan. All over Spain, road signs have been overwritten with graffiti in the Catalan and Basque areas with the local language equivalents (see postscript below).

The international devised language, Esperanto, resembles Catalan more than any other national language and this similarity was used as a screen by Catalan nationalists during the early period of General Franco’s rule (circa 1940 until about 1970) when Catalan was suppressed, frowned upon and practically excluded from any public manifestation or cultural exhibition.

The language issue has long been the source of irritation for Catalans who have to remind the world that their language is spoken by more people, close to nine million, throughout Spain (as both a first and second language), than speak Danish (barely 6 million speakers) yet not accorded any recognition by the institutions of the European community or outside of Catalonia. Compare this with the official status of Erse with no more than 20,000 speakers.

Catalan is accorded the same status as Scottish Gaelic (50,000 speakers) as a “semi-official” language by the EEC. Over the last few decades, the local authority (Generalitat) of Catalonia has succeeded in making Catalan the language of instruction in all state primary and secondary schools much as the Quebecois have done with French in Quebec. Similarly, various regulations ostensibly guaranteeing bilingualism in Castilian Spanish and Catalan are often interpreted to favor the local language.

The Civil War and since then

Catalonia also proved to be the most loyal region in Spain to the ideals of the short-lived Republic (1931-1939) and was the stronghold of resistance to the Fascist uprising commanded by General Franco. Barcelona, the seat of much political power in the hands of Catalan nationalists, socialists, Trotskyites, and Communists was the last major base to fall and the Franco regime crushed every attempt to maintain Catalonia’s sense of individuality, including any remnant cultural and linguistic separateness.

This even extended to sport as matches between the two greatest football (soccer) clubs FC Barcelona and Real Madrid were subject to intense political pressure during the 1950s and 60s to ensure a victory by the Madrid club.

In the last years of his life, General Franco (died 1975) began to make tentative reforms relaxing the tight control over Catalonia and the Catalan language, hoping it would pave the way for the regime to follow him. His successors believed they had succeeded and have been taken by surprise by the new round of aggressive assertions of Catalan identity and the renewed call for independence.

Catalonia thus has a much stronger claim to individuality and separateness from the rest of the country than the Scots have. They are however, like the Scots, aware that to demand secession would plunge the economy and society of the two regions into chaotic conditions provoking bloodshed among fellow citizens and even among families. This explains the high proportion of voters in the referendum who simply refused to take part or cast blank ballots. Their NATO allies are aghast as this potential conflict, the roots of which go back more than seven hundred years, and poses what might be called a threat to security from Muslim North Africa.

On Sunday, October 8, a massive rally in Barcelona with a crowd of more than half a million matchers organized by Societat Civil Catalana, the region’s main pro-unity organization demonstrated the rejection of both resident Catalans and many others in the region to separate from Spain. The march featuring the slogan “Let’s recover our common sense”, called for dialogue with the rest of Spain.

The Catalan president, Carles Puigdemont, is under growing pressure to stop short of declaring independence amidst threats from major companies and banks to abandon the region. He has given contradictory answers to Spanish Prime Minister Rajoy about how he interprets the result of the referendum. The Spanish constitution already recognizes that the Catalans constitute a “nation within a nation.” What more can be done for them in the U.N. and in the European Union?

As in Quebec, where two unsuccessful referenda for independence were narrowly defeated, the great majority of the population outside the disputed region simply wishes to restore harmony but believes that no further compromises should be made. Spanish friends and allies must convince the Catalans that their heritage and history can be secured but only without confrontation and in solidarity with other Spaniards against a real threat to them all from militant Islam.

The issue remains cloudy at this juncture.

Postscript

Standard Spanish

CATALUÑA, ¿UNA NACIÓN?

Cataluña está unida al resto de España desde hace más de 500 años, desde que los Reyes Católicos (Isabel y Fernando) unen los reinos de Castilla y Aragón.

Sin embargo, en el tipo de monarquía que había en España, cada uno de los antiguos reinos y principados que la integraba gozaba de una cierta independencia: leyes e instituciones propias, pago de impuestos, derechos y privilegios propios de cada zona . . . A este conjunto de leyes propias, derechos y privilegios se los conoce como fueros.

Cataluña nunca fue un reino independiente, formaba parte del reino de Aragón, pero era un principado que tenía una cierta independencia y unos fueros propios.

Carlos II, el último rey de la dinastía de los Austrias, muere sin heredero. El resultado es una guerra, la guerra de Sucesión, en la que se enfrentan dos aspirantes a la Corona de España: Felipe V, de la dinastía de los Borbones (Francia), y el archiduque Carlos, de la dinastía de los Austrias.

Text in Catalan

CATALONIA, UNA NACIÓ?

Catalonia està unida a la resta d’Espanya des de fa més de 500 anys, des que els Reis Catòlics (Isabel i Ferran) uneixen els regnes de Castella i Aragó.

No obstant això, en el tipus de monarquia que hi havia a Espanya, cada un dels antics regnes i principats que la integrava gaudia de una certa independència: lleis i institucions pròpies, pagament d’impostos, drets i privilegis propis de cada zona . . . A aquest conjunt de lleis pròpies, drets i privilegis se’ls coneix com fueros.

Catalonia mai va ser un regne independent, formava part del regne d’Aragó, però era un principat que tenia una certa independència i uns furs propis.

Carles II, l’últim rei de la dinastia dels Àustries, m

or sense heredero. El resultat és una guerra, la guerra de Successió, en la qual es enfrentan 2 aspirantes a la Corona d’Espanya: Felip V, de la dinastia dels Borbó (França), i l’arxiduc Carles, de la dinastia dels Àustria.

English Version

CATALUÑA, ONE NATION?

Catalonia has been joined with the rest of Spain for more than 500 years since the Catholic Monarchs (Isabel and Fernando) united the kingdoms of Castile and Aragón.

Nevertheless, in the type of monarchy that existed in Spain, each one of the ancient kingdoms and principalities that comprised the country enjoyed a certain degree of independence: each with its own laws and institutions, taxes, rights and privileges. This complex of maintaining its own laws, rights and privileges is known as “fueros.”

Catalonia was never an independent kingdom; it was rather a principality which formed part of the Kingdom of Aragon, but rather, a principality that had a certain independence and some its own fueros.

Carlos II, the last king of the Dynasty of Asturias died without an heir. The result of this was a war, The War of Spanish Succession in which two claimants to the Spanish throne clashed: Felipe V, of the Bourbon Dynasty (France) and the Archduke Carlos, of the Asturias Dynasty.

                                                                                                                                               

Norman Berdichevsky is the author of The Left is Seldom Right and Modern Hebrew: The Past and Future of a Revitalized Language.

Note

The present article was originally published in New English Review, in November 2017. Source: http://www.newenglishreview.org/

                                                                                                                                               

 Comments from readers & replies

14Feb2018

Manuel Sánchez Cánovas (Spain) wrote:

This message is to make abundantly clear that Catalonia is NOT the most affluent of Spanish regions: Madrid produces the same GDP with one million and a half million less inhabitants than Catalonia, and stats about the underground economy, define a completely different picture of what Catalonian nazi onalists would like it to be. I think your articles about this subject, albeit correct, include serious mistakes in terms of the assesment of the relative economic power of this so very indebted region. Were you interested in my ideas about this subject, please note my article in Linkedin about it: www.linkedin.com/pulse/catalonia-spain-do-trust-pro-brexit-british-sources-sánchez-cánovas/

Norman Berdichevsky (US) wrote:

Manuel Sanchez Canovas writes to first tell readers that he thinks my article is “….albeit correct”, but “includes serious mistakes in terms of the assessment of the relative economic power” of Catalonia (which he refers to as “this very indebted region”). He goes on to refer readers to his own article “Catalonia is Spain, do not trust pro Brexit British sources”, with which I am in fundamental agreement, criticizing the radical leftwing turn Spanish voters made following Jihadist terrorist outrages in Madrid and Barcelona. In fact my article comes to the same conclusion when I wrote….”The issue of Catalan separatism once again threatens the unity of the country, a close NATO ally. It further constitutes a divisive invitation to Muslim extremists who wish to add fuel to the fire of a jihadist crusade determined to reverse the Christian “Reconquista” and win back the territory of the entire Iberian peninsula for the ummah as ISIS pledged, true to its vision of an all embracing Caliphate. This was reiterated by El Qaida and other extremist groups after the van attack in Barcelona on Las Ramblas thoroughfare which left 13 people dead. In a propaganda video, an ISIS member described the Barcelona perpetrators as “our brothers,” while another threatened “Spanish Christians” and promises to return the country to the “Land of the Caliphate.”

Thus I am mystified why Senor Sanchez would add that the economic statistics I referred to about Catalonia’s economic vibrancy somehow produces “stats about the underground economy”,  that “define a completely different picture of what Catalonian Nazi-onalists would like it to be.” I resent the implication that I am somehow giving cover to Catalonian “Nazi-onalists.”

Catalonians and their love of their language and culture have always added a cultural dimension of Spain’s Mediterranean-Roman heritage that cannot be diminished or enhanced by economic criteria. However, I believe the following statistics are, as far as I can determine as a foreigner, still largely true…

Ivana Kottasová wrote in CNN MONEY (Oct. 2, 2017). The referendum vote comes as Spain

“emerges from nearly a decade of economic trauma. Catalonia is its most economically productive region. Here’s what’s at stake:

Richer on their own?

Catalonia accounts for nearly a fifth of Spain’s economy, and leads all regions in producing 25% of the country’s exports. It contributes much more in taxes (21% of the country’s total) than it gets back from the government. Independence supporters have seized on the imbalance, arguing that stopping transfers to Madrid would turn Catalonia’s budget deficit into a surplus.

Catalonia has a proven record of attracting investment, with nearly a third of all foreign companies in Spain choosing the regional capital of Barcelona as their base.”

Norman Berdichevsky