Joaquina Pires-O’Brien

O ensino formal do Ocidente tem suas raízes na ‘paideia’ (tradução literal: ‘educação da criança’), o sistema de educação e formação ética que surgiu na antiguidade clássica da Grécia, e que se espalhou para o mundo helênico[i], e deste, para o mundo romano. O objetivo da paideia era formar um cidadão[ii] perfeito e completo, capaz de liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade. As meninas gregas eram excluídas da paideia, pois, embora também fossem consideradas  cidadãs, a sua cidadania era incompleta, visto que não tinham o direito de votar, e consequentemente, participar diretamente na polis. Os professores, chamados ‘paidagōgos’, ensinavam a leitura e a escrita, atletismo, música, e boas maneiras.

Em Roma, a educação era feita através do ensino em casa por tutores contratados, o que era comum nas famílias mais abastadas, assim como através de escolas básicas, as Ludi (de ludus literarius), para meninos de 7 a 14 anos de idade. Os Ludi eram bastante simples, e, no geral, consistiam em salas de aula improvisadas atrás de lojas, comumente separadas por uma simples cortina. O período de estudo era de um dia inteiro, com uma pausa para o almoço. As crianças trabalhavam no ábaco para aprender matemática básica, e aprendiam o latim através de ditados. Os alunos escreviam em tábulas de madeiras revestidas de cera. Estiletes com uma extremidade afiada e outra arredondada eram usados para escrever e apagar. Havia aulas todos os dias exceto nos dias de mercado e nos feriados religiosos, que eram muitos. Os alunos não precisavam saber por que algo estava certo, mas apenas que estava certo. O professor, conhecido como litterator, ensinava aos alunos o que era considerado certo mas não necessariamente o porquê das coisas. Tinha o direito de aplicar correção física nos alunos pelas mínimas ofensas, batendo neles com uma vara ou com um chicote. Os romanos das classes mais abastadas, e que tinham o costume de contratar tutores para os seus filhos,  também se preocupavam com a educação de suas filhas, conforme evidenciado pelas cartas enviadas por mulheres romanas a seus maridos que serviam nas diversas províncias.

Os romanos também reconheciam a importância de uma educação mais avançada para preparar os jovens que aspiravam entrar na política. Eles tomaram emprestado a organização disciplinar da Academia de Platão, em Atenas, introduzindo um sistema educacional baseado nas sete artes liberais. A gramática, a lógica e a retórica formavam o curriculum do trivium, enquanto que a aritmética, a geometria, a música, e a astronomia formavam o curriculum do quadrivium. Entretanto, o ensino do trivium e do quadrivium era particular, e os professores eram tutores contratados.

A educação pública envolvendo o ensino do trivium e do quadrivium é um dos legados de Carlos Magno (742-814 EC), o rei dos francos que em 800 foi coroado ‘Sacro Imperador do Oeste’ (i.e., do Império Romano do Ocidente), pelo Papa Leão III. A estreita relação entre Carlos Magno e a Igreja Católica Romana explica o seu interesse pela educação pública. Primeiro, Carlos Magno criou seminários voltados a formar clérigos bem preparados e dotados de um elevado padrão moral, e, em seguida, criou escolas paroquiais, onde os clérigos atuavam como professores. A chamada ‘renascença carolíngia’ tem a ver com os esforços de resgatar a educação do mundo clássico. A renascença própria, definida pela busca e valorização da arte clássica, incluindo a literatura e a filosofia, somente teve início a partir do século XIV.

 A academia de Platão

Em 387 AEC Platão retornou a Atenas após um exílio autoimposto em decorrente da morte de Sócrates (c. 469-399 AEC) e logo começou a trabalhar na construção de uma escola de preparação de jovens promissores para o exercício de cargos públicos. O local da escola era em um sítio chamado Akádemeia (Academia), que significa, ‘bosque de Akademos’, herói mítico de Ática, o país do qual Atenas era a capital, localizado fora dos muros da cidade. O nome Akádemeia, por fim,  passou a ser o nome da escola de Platão.

Há poucas referências documentais acerca da escola de Platão, cujo objetivo era permitir que os alunos, os quais eram selecionados pela aptidão, apreendessem a realidade e os seus aspectos mais relevantes ao bem, à justiça e à sabedoria.  A aptidão requerida para a admissão à escola de Platão incluía a veneração às musas da literatura, da ciência e das artes da mitologia grega[iii], indicativa do desejo de aprender, bem como conhecimentos de geometria. Sobre as disciplinas ensinadas, a academia oferecia matemática, dialética, música, ciências naturais e esportes. Sobre o modelo de administração da escola de Platão, há uma referência de que esta era uma entidade corporativa com um diretor vitalício, eleito pela maioria dos seus membros. A partir dos próprios textos platônicos, os eruditos fizeram algumas inferências sobre como a escola de Platão funcionava.

A leitura mais comum dos textos de Platão é de que o filósofo favorecia a aristocracia à democracia, sendo que a aristocracia de Platão referia-se ao governo do rei filósofo, isto é, de ‘guardiães’ especiais, tanto por serem as pessoas mais capazes quanto por serem livres das tentações da riqueza – eles eram proibidos de acumular propriedade. Entretanto, há uma leitura alternativa dos textos de Platão a qual afirma que a apologia de Platão à aristocracia – o governo do rei filósofo, tem mais a ver com o regime da sua academia, na qual os alunos  eram obrigados a deixar suas famílias para viver no espaço da escola, junto com os seus colegas e professores. Exatamente como ocorre nas universidades mais tradicionais do Ocidente.

Depois da morte de Platão em 348 AEC, o seu sobrinho Espeusipo (?- c. 338) foi eleito para sucedê-lo. É razoável presumir que a Academia de Platão tenha sido fechada e reaberta diversas vezes. Não obstante, os historiadores reconhecem três fases, uma mais antiga, uma média e outra mais nova. A fase mais antiga vai de Platão aos seus sucessores conservadores como Espeusipo, Xenócrates, Polemon e Crates, indo até o ano 265 AEC. A fase média inclui diversas academias que apareceram e fecharam, como a quarta academia fundada por Fílon de Larissa, na Tessália, que terminou com a morte deste em 83 EC. Três anos depois, em 86 EC, os romanos, sob o comando do general Sulla, saquearam Atenas e destruíram a academia e a sua biblioteca. A fase mais nova descreve o período, já na Idade Média, quando surgiu uma escola neoplatônica que funcionou de 410 EC a 529 EC, quando o imperador bizantino Justiniano I, motivado pelo desejo de criar uma ortodoxia católica, mandou fechá-la.

 O liceu de Aristóteles em Atenas. A Escola Peripatética

Aristóteles (c. 384-322 AEC) nasceu em Estagira, no norte da Grécia, sendo filho de um médico da corte da Macedônia. Em 367 AEC, quando tinha 17 anos de idade, ele entrou para a Academia de Platão, e lá permaneceu até a morte de Platão em 348 AEC. Nesse mesmo ano, Aristóteles deixou Atenas e foi morar em Assos, Mísia, onde conheceu sua primeira esposa, Pítia, com quem teve uma filha também chamada Pítia. Em 333 AEC Aristóteles foi chamado para a corte da Macedônia, em Pela, onde o seu pai havia servido como médico da corte. Aristóteles trabalhou três anos como professor de Alexandre, filho de Felipe II e sua esposa Olímpia, e de outros nobres.

Em 335 AEC, Aristóteles retornou a Atenas e fundou o Liceu, na parte leste da cidade e fora dos seus muros, o qual dispunha de uma vasta biblioteca e de um museu. O estilo de ensino do Liceu de Aristóteles era mais formal do que aquele adotado pela Academia de Platão. Há estudiosos que consideram o Liceu de Aristóteles o verdadeiro precursor não só das universidades do Oeste mas também das instituições de pesquisa como os museus. Aristóteles fundou o seu Liceu (Lykeion ou Lyceum) em 335 AEC. O Liceu de Aristóteles é também conhecido como ‘Escola Peripatética’ devido ao fato de que muitas aulas eram dadas enquanto os alunos e os professores caminhavam através de um bosque ou alameda, que em grego era denominada ‘peripeto’. Por essa mesma razão, os alunos e seguidores de Aristóteles eram conhecidos como ‘peripatéticos’. A Escola de Aristóteles e dos peripatéticos ensina que a essência das coisas que nós experimentamos é eterna e imutável, e por essa razão, podemos descobrir a verdade, o propósito e a virtude de cada coisa através de uma cuidadosa combinação de observação e análise.

Durante o período que passou na Macedônia, Felipe II conquistou a Grécia. Portanto, em 335 AEC, o ano em que o Liceu de Aristóteles começou a funcionar, a Grécia já se encontrava há três anos sob o domínio da Macedônia. No ano anterior, Filipe II da Macedônia foi assassinado, sendo sucedido pelo seu filho Alexandre III, que partiu com o seu exército para invadir a Pérsia. Na qualidade de ex-professor de Alexandre, Aristóteles tinha uma posição de prestígio em Atenas. Entretanto, isso mudou depois da morte prematura de Alexandre em 323 AEC[iv], quando surgiu em Atenas uma onda de perseguição aos amigos dos macedônios. Aristóteles foi acusado de impiedade, o mesmo crime pelo qual Sócrates havia sido condenado. Percebendo que sua vida estava em perigo, Aristóteles entregou o Liceu e a sua obra ao seu ex-aluno Teofrasto (c. 372- c. 287), e fugiu para Cálcis, na Ilha de Eubeia, onde faleceu em 322 AEC, aos 62 anos de idade. O próprio Teofrasto foi acusado do mesmo crime por ter denunciado a prática de sacrifícios de animais, mas escapou de ser condenado.

As escolas filosóficas da cultura grega

A Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles não foram as primeiras escolas da Grécia, mas as primeiras a funcionar como corporação. É que o conceito de escola também se aplica a linha de pensamento ou de doutrinas criada por um mestre e seus seguidores. Nesse sentido, Sócrates teve uma escola de filosofia, assim como os pensadores conhecidos como pré-socráticos. Havia ainda a escola de retórica de um grupo de professores itinerantes conhecidos como sofistas. A retórica ensinada pelos sofistas empregava táticas baseadas na emoção, que tanto Platão quanto Aristóteles condenavam como sendo desonestas. A retórica que Platão e Aristóteles ensinaram era baseada no logos, e portanto, na educação liberal.

Depois do desaparecimento das escolas peripatéticas, surgiu na Grécia, ou melhor, no mundo helênico, uma série de escolas filosóficas, como as dos Céticos, dos Epicuristas, e a dos Estoicos.

O Neoplatonismo, um sistema filosófico e religioso desenvolvido por Plotino no século III EC em torno de Platão e seu interesse pelo místico, foi muito bem exemplificado pela  conexão do amor à ‘beleza eterna’. Plotino derivou daí a frase “o ser é um traço do Uno”, que atraiu pensadores tanto cristãos, como Santo Agostinho de Hipona, quanto islâmicos, como Al-Farabi e Avicena. Uma das falhas do Neoplatonismo foi exagerar o misticismo de Platão, o qual também se interessou pelo estudo da natureza em si, através da observação. O discípulo principal de Plotino e continuador de sua filosofia foi Porfírio (c.233-305 EC), o qual dedicou-se também a Aristóteles e outros pensadores, e procurou um sistema filosófico capaz de resistir aos ataques dos teólogos cristãos. Por fim, diversos pensadores cristãos abraçaram o Neoplatonismo, sendo o mais notório desses, Santo Agostinho de Hipona (354-430 EC).

 O ‘Mouseion’ ou Biblioteca Real de Alexandria

Dentre os importantes legados de educação e pesquisa do período helenístico, o mais notável de todos é o ‘Mouseion’ ou Templo das Musas, a Biblioteca Real de Alexandria, a maior do mundo antigo.

O Mouseion foi planejado por Alexandre o Grande (356-323 AEC), na ocasião em que havia conquistado o Egito. Alexandre imaginou uma cidade do conhecimento que fosse uma nova Atenas, na belíssima ilha de Faros, a oeste do delta do rio Nilo. A cidade teria uma biblioteca capaz de abrigar toda a literatura e todo o conhecimento existente no mundo, e espaço de trabalho para os estudiosos. E, como símbolo do conhecimento, a cidade teria também um enorme farol, construído no topo de um penedo.  Alexandre não pôde levar adiante os seus planos pois morreu na Babilônia, no local da atual Bagdá, em maio de 323 AEC, com apenas 33 anos de idade[iv]. Um de seus generais, Ptolomeu I (366-285/283 AEC) assumiu o governo do Egito, e, decidiu levar adiante a construção da cidade de Alexandria, incluindo a gigantesca biblioteca real e um magnífico farol.

Ptolomeu I iniciou o seu governo trabalhando na restauração da ordem no Egito, adiando a construção da cidade de Alexandria para depois que tivesse a adesão dos egípcios. Ele conseguiu ganhar a afeição dos egípcios, que lhe atribuíram o título de ‘Soter’, ou ‘Salvador’. Logo que tomou as rédeas do Egito, Ptolomeu I decidiu trazer o corpo de Alexandre para ser sepultado na nova cidade que levaria o seu nome. Ele conseguiu interceptar a caravana, vinda da Babilônia, que levava o corpo de Alexandre para a Macedônia, e desviá-la para Mênfis. Ptolomeu I, o Salvador, conseguiu dar início às obras da nova cidade de Alexandria, e quando ele morreu em 282 AEC, a cidade ainda era um enorme canteiro de obras, repleto de trabalhadores de todas as nacionalidades. Ele foi substituído pelo seu filho Ptolomeu II (283-246 AEC), designado ‘Philadelphus’ – ‘Amor de Irmão’, o qual terminou a construção da grande biblioteca real, por volta do ano 270 AEC.

A descrição da biblioteca real de Alexandria que chegou até nós é aquela feita pelo geógrafo Estrabão (c.64 AEC – 14 EC). A descrição que Estrabão deu da biblioteca da Alexandria, no Egito, é de uma biblioteca-escola, pois dispunha de alojamentos, áreas para palestras, jardins e um zoológico. Era melhor conhecida como ‘Mouseion’, ou ‘morada das musas’, devido às suas estátuas das nove musas das artes e da ciência da mitologia grega. Essa biblioteca não deve ser confundida com uma segunda biblioteca construída posteriormente no Templo de Serapis, conhecida como Serapium.

Segundo Estrabão, o Mouseion ficava na zona dedicada à realeza greco-macedônica, chamada Bruchium, onde também ficava o Mausoléu de Alexandre e o teatro. Ptolomeu II também conseguiu terminar o grande farol, considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. As palavras ‘museu’ e ‘farol’ são derivadas de ‘Mouseion’ e ‘Faros’, respectivamente.

A dinastia dos Ptolomeus, que terminou com Cleópatra VII (c.70/69 –  30 AEC), zelou pela manutenção do Mouseion e de suas atividades culturais. Estima-se que a biblioteca tenha chegado a ter entre 500.000 e 700.000 rolos de pergaminhos e manuscritos de todas as partes do mundo, incluindo a Grécia, a Pérsia a Assíria e a Índia.

Durante o seu apogeu, a Alexandria foi uma das mais importantes cidades do mundo antigo, além de ser também um dos maiores centros culturais do mundo civilizado. Era uma cidade altamente cosmopolita, onde diversas culturas conviviam pacificamente, incluindo uma extensiva comunidade de judeus. O Mouseion tornou-se um respeitado centro de estudos que atraía estudiosos das mais diversas nacionalidades. Dentre os seus famosos pesquisadores estão Euclides, Erastóstenes e Aristarco de Samos. Lá ocorreu ainda a mistura do patrimônio cultural egípcio, helênico e judaico, que por sua vez influenciou os primeiros textos do cristianismo.

Há diversas narrativas históricas que afirmam que a biblioteca real (Mouseion) foi destruída acidentalmente no ano 48 AEC por um incêndio causado por Júlio César, e que a biblioteca Serapium tomou o lugar da primeira até ser ela própria destruída no ano 391 durante a guerra civil que ocorreu no reinado do imperador Aureliano. Tais narrativas já foram descartadas como sendo erradas, conforme apontou Theodore Vretos no seu interessante livro Alexandria, City of Western Mind (Alexandria, cidade da mente ocidental). Nesse livro, Vretos descreve a Alexandria como um farol que guiava as mentes mais criativas do dia. Cientistas, filósofos, teólogos e artistas vieram de todo o mundo ocidental para estudar em sua imensa biblioteca e universidade, onde fizeram extraordinárias descobertas. Thales, Euclides e Apolônio inventaram a prova matemática. Aristarco foi a primeira pessoa a colocar o sol no centro do nosso sistema solar. Eratóstenes calculou a circunferência da Terra, e Herófilo inventou a anatomia. Foi também ali que Clemente (c. 150 – c. 215 EC) fundou a primeira escola de filosofia helênica-cristã, em cujos trabalhos ele se referiu a Jesus como o ‘tutor’ ou ‘pedagogo’ da humanidade, e, que também serviu de base para a escola neoplatônica.

 As escolas do Oriente Médio

O Mouseion ou Biblioteca da Alexandria foi o maior centro de conhecimentos do mundo antigo, mas não foi o único do mundo helênico. Havia ainda a Academia de Gundishapur (ou Jundishapur), na antiga Pérsia, criada em 271 AEC onde já havia uma escola de medicina. A Academia de Gundishapur era um centro de estudos e de traduções, cuja biblioteca tinha cerca de 400 mil livros. Consta que Gundishapur recebeu muitos dos professores da antiga Escola de Atenas, depois que esta foi fechada a mando do imperador Justiniano em 529 EC.

No século IV, a Síria ganhou duas escolas importantes, a Escola de Teologia da Antioquia, e a Escola de Direito Romano de Berytus (a atual Beirute).

A Escola de Pandidakterion, em Constantinopla, foi fundada em 425 EC por Teodósio II, Imperador do Império Romano do Oriente. Considerada uma das primeiras universidades do mundo, a Escola de Pandidakterion tinha autonomia e oferecia um amplo leque de disciplinas.

Na Mesopotâmia, a Universidade Beit al Hima (ou Casa da Sabedoria), de Bagdá, Iraque, foi fundada por al-Ma’mun (reinou de 813 a 833 EC), filho do califa Harun al-Rashid (reinou de 786 a 809 EC), a partir da biblioteca criada pelo seu pai. Essa Casa da Sabedoria de Bagdá atraiu tanto os estudiosos muçulmanos quanto os judeus e cristãos. Lá trabalharam estudiosos poliglotas que ensinaram astronomia, física, matemática, medicina, química e geografia. Foi destruída pela invasão mongol de 1258. Outra importante instituição do Iraque foi a Universidade (Nezamiyeh) al-Nizamiyya, fundada em 1065. Na Idade Média era considerada a maior universidade do mundo, chegando a ter 3 mil alunos. Também foi destruída pela invasão mongol de 1258.

No mundo árabe islamizado, surgiram as universidades de al-Karaouine, no Marrocos, fundada em 859 EC, e a Universidade al-Azhar (Jamiat al-Azhar em árabe), no Cairo, fundada em 970-972.

A Universidade de al-Karaouine (ou Al Qarawiyyin), localizada em Fez, no Marrocos, e associada à uma mesquita de mesmo nome, foi criada em 859 por uma mulher rica e bem educada, chamada Fatima Fihriyya. Essa universidade foi a principal instituição educacional do mundo muçulmano, e perdurou por mais de mil anos. Outro dado interessante sobre essa universidade é o fato de ter sido recentemente reconstruída.

No Cairo, no Egito, a Universidade al-Azhar (ou Jāmiʿat al-Azhar) foi um grande centro de cultura islâmica e árabe, fundada em 970 EC pelos seguidores da dinastia Fatimida, isto é, da filha do Profeta Maomé, chamada ‘al-Zahra’, isto é, ‘a luminosa’. No início de sua existência era uma instituição relativamente informal, sem currículos formais ou diplomas. A Universidade al-Azhar começou a decair na segunda metade do século XII, após a conquista de Saladin, o fundador da dinastia Suni Ayyūbid. Foi reconstruída depois de ter sido parcialmente destruída pelo terremoto do início do século XIV. Sobreviveu às mais diversas situações políticas, incluindo a invasão napoleônica do início do século XVIII, e ainda hoje é a principal universidade do Cairo.

Conforme visto acima, o Oriente Médio antecedeu à Europa em muitos séculos no tocante a academias de estudos. As primeiras academias do Oriente Médio tinham origens helênicas, bizantinas, árabes e islâmicas. Foi graças a essas academias que a Europa recuperou o conhecimento da cultura clássica.

 A escola de Plínio, o Velho (23-79 EC)

Plínio, o Antigo, em latim Gaius Plinius Secundus, nascido na Gália em 23 da Era Comum, foi um sábio romano e autor da célebre História Natural, um trabalho enciclopédico de precisão desigual que foi tido como uma autoridade em assuntos científicos até a Idade Média. Oriundo de uma família próspera, Plínio, o Antigo, aproveitou todas oportunidades que teve para estudar matemática e história natural, mas também serviu ao exército romano, foi advogado, e administrador do império. O legado de Plínio, o Velho, foi preservado e disseminado pelo seu sobrinho e filho adotivo, Plínio, o Jovem (61-113 EC), o qual foi criado por ele. A História Natural é considerada como sendo uma primeira enciclopédia, pois consiste em uma gigantesca compilação que abarca cerca de 20 mil tópicos organizados em 36 livros. Podemos dizer que Plínio, o Velho, fez escola pelo fato de que a sua obra serviu de base para os estudiosos que viveram depois dele.

As primeiras escolas da Europa

As primeiras escolas da Europa foram as escolas monásticas ou escolas catedrais, as quais proliferaram no Império Carolíngio fundado por Carlos (Karl) Magno (742-814 EC), rei dos francos[v], que foi o primeiro monarca europeu a acumular uma função religiosa junto com a secular, quando, no ano 800 EC, foi coroado Sacro Imperador do Oeste, pelo papa Leão III. Carlos Magno ordenou o estabelecimento de seminários e conventos voltados à educação do clero, e que conventos, mosteiros e igrejas, construissem escolas para leigos. As escolas monásticas ou catedrais ofereciam uma ‘educação liberal’[vi], pelo fato de ensinarem as ‘artes liberais’[vii] da antiguidade grega[viii], embora também ensinassem a religião cristã.

O período Carolíngio valorizou a cultura clássica grega e latina e promoveu os centros de estudos que eram conhecidos como ‘scriptoria’, voltados a copiar os códices clássicos de história, literatura e filosofia, e retraduzir certas obras do grego para o latim. Um desses centros era o de Aix-la-Chapelle (Aachen) em Compiègne, local da residência preferida de Carlos Magno, onde este mandou construir uma grande catedral inspirada no estilo da Basílica de San Vitale em Ravena. Situada a 5 km da junção das fronteiras com a Alemanha, Países Baixos e Bélgica, a catedral de Aix-la-Chapelle só foi terminada depois a morte de Carlos Magno, sendo o local da coroação do seu filho Luís, o Pio (814-840)[ix].

O surgimento de novas ordens religiosas baseadas inteiramente na vida contemplativa foi também o início do fim das escolas monásticas ou catedrais. No lugar dessas últimas surgiram as escolas citadinas, que, apesar de laicas, eram também religiosas. Depois do ano 1000, as antigas escolas monásticas ou escolas catedrais ressurgiram como faculdades, acompanhando as radicais transformações na vida política, na arte, na economia e na tecnologia, e no espaço de um século, transformaram-se nas primeiras universidades da Europa.

A escola de tradução de Toledo. Gerard de Cremona (1114-1187 EC)

No início do século XII, a ciência europeia ficou para trás da ciência árabe.  Isso é muito bem demonstrado através da obra do filósofo islâmico árabe Abu Nasr Al-Farabi (870-950 EC), que não apenas escreveu nos campos da filosofia política, metafísica, ética e lógica, mas foi também cientista, cosmólogo, matemático e estudioso de música. A sua obra mostra como a ciência árabe se beneficiou do estudo de textos gregos que eles encontraram quando conquistaram Damasco e outras cidades no Egito, Síria e Iraque. Entre esses textos estavam trabalhos científicos de Ptolomeu e obras filosóficas de Aristóteles, Platão, e obras de geometria de Euclides e de medicina de Galeno. A ciência árabe também se beneficiou de seu estreito contato e intercâmbio com o Império Bizantino e com cientistas e matemáticos da Índia e da Pérsia. O desaparecimento das obras em grego de Aristóteles e de outros filósofos gregos é outra mostra do atraso intelectual da Europa no primeiro milênio da era cristã. Uma das explicações mais plausíveis para esse desaparecimento é a rejeição dos primeiros teólogos cristãos, ao perceberem que Aristóteles desprezava as noções da criação, da alma imortal, e do Deus pessoal.

O conhecimento filosófico e científico do mundo árabe foi levado para a Península Ibérica pelos mouros que construíram a Andaluzia. Ali, o médico, astrônomo, filósofo, e poeta persa Avicena (Ibn Sina; 980-1037 EC)  seguidor da filosofia do Neoplatonismo, escreveu o seu Cânon de Medicina (Al-Qanun fi’l-tibb), em 14 volumes, completado em 1025 EC, em persa e em árabe, um apanhado dos conhecimentos de medicina no mundo islâmico, o qual incluiu as tradições médicas de Galeno e, portanto, de Hipócrates, assim como vários ensinamentos de Aristóteles. Outro sábio mouro da Andaluzia foi Averróis (Ibn Rushd; 1126-1198 EC), nascido em Córdoba, o qual examinou criticamente a suposta tensão entre filosofia e religião no seu Tratado Decisivo, desafiou os sentimentos antifilosóficos dentro da tradição sunita, e desencadeou um reexame semelhante dentro da tradição cristã, influenciando uma linha de estudiosos que viriam a ser identificados como os ‘averroístas’.

Um dos primeiros ‘averroístas’ foi o estudioso lombardo Gerard de Cremona (1114-1187), o qual decidiu mudar-se para Toledo, agora no reino de Castela[x], com a intenção de estudar o árabe e trabalhar na tradução das obras de Aristóteles e outros filósofos para o latim. Lá ele tomou conhecimento do Almagest, a obra de matemática e astronomia de Ptolomeu (c. 100 – c. 170 EC), datada do segundo século da era comum. O Almagest foi o seu mais importante trabalho de tradução, concluído 1175. Dentre os outros autores gregos que ele traduziu a partir de versões em árabe estão Aristóteles, Euclides, e Galeno. O interesse de Cremona não se limitou ao  pensamento grego, pois ele também estudou o acima mencionado filósofo árabe Al-Farabi. Embora ele também seja creditado com a tradução do Cânon de Medicina de Avicena, há indicações de que um outro tradutor de nome bem parecido, Gerard de Sabbioneta, um astrônomo do século XIII, tenha sido o verdadeiro tradutor dessa obra para o latim, já que era especializado na tradução de tratados de medicina. Além disso, é preciso ressalvar a possibilidade de uma mesma obra ser traduzida mais de uma vez por tradutores diferentes.

Gerard de Cremona deixou, como legado intelectual à cidade de Toledo, o interesse pela tradução. Em meados do século XII , a Escola de Tradução de Toledo foi criada, e seu impacto ajudou a alavancar o conhecimento na baixa Idade Média. Por ter sido criada no reinado do rei Afonso X, o Sábio (1221-1284), é também conhecida como Escola de Tradução Afonsina. Os textos ali traduzidos incluíram tanto obras de não ficção quanto de ficção, principalmente do árabe, do grego e do hebraico para o latim e o castelhano.

 O treinamento nas ‘guildas’

Durante a Idade Média, o treinamento da mão de obra nos diversos ofícios era feito nas ‘guildas’ (do inglês guild), associações de trabalhadores autônomos. As guildas controlavam a entrada de novos profissionais no mercado. Os mestres de cada ofício treinavam os aspirantes, cujo  treinamento incluía um período como aprendiz e outro como empregado. São exemplos de ofícios comuns da Idade Média:  pedreiros (stone masons), tecelões (weavers), tingidores (dyers), ourives (goldsmith), boticários (chemists), armistas (coat of arms makers), fabricante de armas (armorers), pergaminheiros (parchment makers), encadernadores (bookbinders), pintores (painters), padeiros (bakers), curtidores de couro (leatherworkers), bordadeiros (embroiderers), sapateiros (cobblers), galocheiros (pattenmakers), fabricantes de sapatos (shoemakers), cirieiros (candlemakers), fabricantes de autômatos (automaton makers), etc.

Havia também guildas de profissões, como as ligas de mercadores, e as associações de advogados e de profissionais da medicina. As ligas de mercadores, designadas ‘hanses’ (do alemão hanse, que significa comboio), foram criadas para facilitar o comércio internacional[xi]. Um exemplo era a liga hanseática de Bergen (Noruega), especializada no comércio da pesca, principalmente do bacalhau, com representações em diversas cidades da Europa, quase sempre nas cidades-porto. As ligas de mercadores originaram as primeiras escolas de contabilidade comercial e bancária, e as primeiras faculdades de direito e de medicina também surgiram das respectivas guildas.

Embora as guildas fossem independentes da Igreja Católica, elas tinham um caráter religioso, marcado pelo santo patrono das profissões. Esse caráter religioso das guildas foi transferido para as primeiras faculdades e universidades. Apenas no século XVIII é que as universidades começaram a emancipar-se da influência da Igreja (veja abaixo Universidades e religião. Uma relação incestuosa).

 Ensino superior. Escolas, studia e universitas

Podemos considerar que o ensino superior começou com escolas informais, como as escolas filosóficas do mundo grego, o Mouseion ou Templo das Musas, de Alexandria, e os centros de tradução como o de Toledo na Espanha, e outros espalhados pelo Império Bizantino. Em 1077, em Salerno, no sudoeste de Nápoles, Itália, no local de um mosteiro beneditino, surgiu uma schola de medicina, que ganhou fama devido a ter no seu quadro de professores o médico tunisiano, nascido em Cartago, Constantino Africano (1015-1087), que traduziu para o latim os textos clássicos da medicina disponíveis em árabe.  A escola de Salerno atraiu alunos não só da Europa mas também da Ásia e da África. Em 1221, Frederico II (1194-1250), Sacro Imperador Romano[xii], mesmo sem dar a Salerno o direito de emitir diplomas, decretou que nenhum médico poderia praticar medicina sem ser examinado e aprovado pelo seu corpo docente.

Os Studia (sing. studium) eram um novo tipo de escola que também surgiu na Itália.  Inicialmente havia apenas studia de conhecimento específico. Muitos studia cresceram e viraram facultatem, termo traduzido do termo grego ‘dynamis’, que significa ‘ramo de conhecimento’. Na língua inglesa o termo equivalente é ‘college’. Em seguida surgiram os studia generalia, ou escolas de conhecimentos gerais, cujos ensinamentos não eram restritos a uma única área do conhecimento.

Os studia generalia deram origem às primeiras universidades –  universitas, termo que evoluiu para acompanhar o desenvolvimento do ensino superior na Europa. O termo universitas designava, inicialmente, as corporações escolásticas de alunos e docentes, que existiam dentro do studium, mas posteriormente passou a significar as universitas magistrorum, universitas scholarium, ou universitas magistrorum et scholariu. As universidades, como nós as conhecemos, instituições de ensino superior independentes, que atuam em múltiplas áreas de conhecimento, com a autoridade para conferir títulos e diplomas, e, sancionadas pelas autoridades civis ou eclesiásticas, surgiram apenas no final do século XIV.

Conforme mostrado na Tabela 1, as primeiras universidades da Europa somente surgiram na Idade Média, definidas pela estrutura organizacional constituída por comunidades de professores e de alunos. Essas primeiras universidades eram, na verdade, faculdades, visando o ensino de disciplinas bastante específicas como direito (civil e canônico), medicina e teologia. Com a descoberta do Novo Mundo no final do século XV, as Américas foram colonizadas e a cultura europeia transportada para as mesmas pelos colonizadores, o que incluiu o estabelecimento de universidades (Tabela 2).

A primeira universidade da Europa é a de Bolonha, fundada em torno de 1088 EC, e que abarcava tanto uma faculdade de medicina quanto uma faculdade de direito especializada na lei civil e na lei canônica. Bolonha, assim como a maior parte das primeiras universidades, não oferecia alojamentos para os alunos.  Em Bolonha, os alunos se organizavam os seus próprios alojamentos, conforme as suas nacionalidades. A primeira escola a oferecer alojamentos para professores e alunos foi a de Paris, considerada a segunda universidade da Europa, especializada em teologia. A terceira universidade mais antiga é a de Oxford, criada nos moldes da Universidade de Paris. A quarta foi a Universidade de Cambridge, que começa em 1209 a partir da chegada de alunos e professores de Oxford. Poucos anos depois, Cambridge recebeu outra leva de alunos e professores que saíram da Universidade de Paris.  Essas primeiras universidades não tinham prédios permanentes e a sua propriedade corporativa era bastante limitada, razão pela qual estavam sempre sujeitas à debandada de alunos e professores insatisfeitos.

Uma outra boa parte das primeiras universidades europeias por fim passou para o controle de governos ou das autoridades religiosas, ou, das duas. É que, na Idade Média, o poder temporal dos monarcas ainda encontrava-se ligado ao poder espiritual representado pelo papa. A ligação entre o poder temporal e o religioso era representada pelo Sacro Império Romano, instituído no ano de 800 EC pelo papa. O Imperador do Sacro Império Romano era uma autoridade concessora de Cartas de Reconhecimento para essas universidades. A primeira a receber tal carta de reconhecimento foi a Universidade de Toulouse, do Papa Gregório IX (1229). Em 1224, a Universidade de Nápoles ganhou a sua Carta de Reconhecimento de Frederico II (1194-1250), Imperador do Sacro Império Romano. Também, Charles IV (1316-78), Sacro Imperador Romano e rei da Boêmia, reconheceu as universidades de Praga (Boêmia), Pecs (Hungria) e Pávia (Itália). Outra mostra da estreita ligação entre as universidades e a Igreja é o fato de as universidades terem tanto um reitor quanto um chanceler ou delegado da autoridade eclesiástica, isto é, do bispo local. A primeira universidade que se rebelou contra essa ligação foi a de Paris, que, em 1229 fez uma série de greves, e no final conseguiu transferir o poder do chanceler para os docentes.

O ‘saber europeu’ concentrado nas faculdades e universidades disseminou-se com a migração dos eruditos e dos estudantes, levando a radicais transformações sociais na Europa, como a expansão das cidades e do comércio, e o aperfeiçoamento das leis e das normas burocráticas.

Tabela 1. As primeiras instituições de ensino superior do Ocidente

Nome Ano de fundação da escola inicial e/ou universidade Status político e outros dados
Bolonha 1088 Principado de Bolonha, na Emília Romana; então sob o domínio feudal do papa. Começou como uma faculdade de direito, seguida por outra medicina.
Paris, ou Sorbonne

 

Primeiras escolas: 1150 e 1170.

Universidade: 1200

França, sob a dinastia Capetiana, aliada ao papado romano. Começou com uma escola de teologia ligada à catedral de Notre Dame, ganhando em seguida outras escolas. Entre 1240 e 1260, as escolas viraram faculdades, destacando-se o Collège de Sorbon, em torno do qual surgiu a Universidade de Paris. A partir de 1970, a U. de Paris foi reorganizada em 12 universidades autômatas (Universidade de Paris I-XIII).i
Oxford c. 1167 e 1201 Inglaterra, sob Henrique II, da dinastia Plantageneta, que controlava ainda: Normandia, Anjou, Maine, Touraine e Aquitaine. A data da criação da U. de Oxford, 1167, é a data em que Henrique II proibiu ingleses de frequentar a U. de Paris. Em 1201, a universidade era dirigida por um magister scolarum Oxonie, ao qual foi dado o título de Chanceler (Reitor) em 1214.
Salerno 1077 Principado de Salerno, Lombardia, então sob o domínio feudal de Roger I da Sicília. Inicialmente era um studium de medicina, mais tarde passou a oferecer cursos de filosofia, teologia e direito, sendo eventualmente transformada em universidade.
Cambridge 1209 Reino da Inglaterra, sob João I, considerado um monarca controverso, conhecido por ter assinado a Magna Carta em 1215 e pelas disputas com o papa, cujas políticas também eram controversas. A criação da U. de Cambridge deve-se à um grupo de descontentes da U. de Oxford, que resolveram criar outra universidade.
Salamanca 1218 e 1254

 

Reino de Leão, sob Afonso IX. Suas primeiras faculdades eram: direito (civil e canônico), teologia, medicina e Artes & Filosofia.
Montpellier Primeiras escolas: 1220

Universidade: 1289

Montpellier, região de Languedoc-Roussilon, sob o lorde feudal Guilherme VIII (1157-1202). Começou com uma escola de medicina criada no molde da Salerno, a qual atraiu estudiosos árabes-islâmicos e judeus.
Pádua 1222 Pádua, região de Veneto. A U. de Pádua foi criada a partir de dissidentes da U. de Bolonha. Iniciou como uma escola de medicina, mas, por fim, tornou-se um importante centro de cultura humanista. É creditada por ter o primeiro jardim botânico.
Arezzo 1222 Arezzo, região da Toscana. Importante escola de letras, que se tornou um centro de cultura humanista.
Nápoles 1224 Nápoles, então parte do Reino da Sicília. Criada por Frederico II (1194-1250), da dinastia Hohenstaufen, rei da Sicília e Sacro Imperador Romano. Os primeiros professores eram empregados do imperador.
Toulouse 1229 Toulouse, capital da província francesa de Occitana. Começou com escolas de direito (civil e canônico), teologia, e artes e humanidades. Foi fechada em 1793, devido à Revolução Francesa.
Siena 1240 República de Siena, Toscana. A U. de Siena foi criada a partir de dissidentes da U. de Bolonha. Inicialmente era uma escola de estudos gerais e de medicina.
Lisboa, depois Coimbra 1290 Lisboa e Coimbra, Portugal. Criada pelo rei D. Dinis como uma escola de estudos gerais, funcionando inicialmente no palácio real em Lisboa, tendo depois se expandido para Coimbra, que tornou-se a sede definitiva em 1537.
Macerata 1290 e 1540 Província de Macerata, das propriedades papais na Itália.
Alcalá de Henares ou Complutense 1293 e 1504 Madrid, Reino de Castela. Iniciou como escola de estudos gerais. Mais tarde virou universidade, por intermédio do Cardeal Francisco Cisneros (1436-1517), confessor da rainha Isabel, a Católica (1451-1504).
Lleida 1300 Lleida, Catalunha, Reino de Aragão, Reinado de Jaime II de Aragão e Sicília (1264-1327). Iniciou como escola de estudos gerais.
La Sapienza de Roma 1303 Roma. Iniciou como escola de estudos gerais, criada pelo papa Bonifácio VIII (1235-1303).
Perugia 1308 Perugia. Iniciou como um studium, uma universidade especial, cujos diplomas só eram reconhecidos localmente. O ano 1308 marca o seu reconhecimento pelo imperador e pelo papa.
Florença 1321 e 1364 República de Florença, Itália. Iniciou como escola de estudos gerais, que ora funcionava em Florença ora em Pisa, em função da morada da família Médici. Passou a  universidade em 1364.
Camerino 1336 e 1727 Camerino, Itália. Começou com faculdades de direito (civil e canônico) e medicina. Foi transformada em universidade em 1727.
Pisa 1343 República de Pisa, Itália. Começou onde já havia outras escolas. Foi reconhecida como universidade pelo Papa Clemente VI (1291-1352). Em 1473, ganhou um importante prédio de Lourenço de Medici (1449-1492).
Praga 1348 Reino da Boêmia, atual República Checa. Era chamada Universidade Charles, em homenagem a Charles IV (1316-78), Sacro Imperador Romano e rei da Boêmia.
Pavia 1361 Pávia, Itália. Começou como faculdade de direito e escola de estudos gerais. Foi reconhecida em 1361 pelo Sacro Imperador Romano Charles IV (1316-78).
Cracóvia (atualmente chamada U. Jagiellonia) 1364 Cracóvia, Reino da Polônia. Iniciou como uma escola de estudos gerais, fundada pelo rei Casimiro o Grande (1310-70), oferecendo cursos de artes liberais, medicina e direito. Foi extinta e depois recriada pelo rei Vladislau Jagiello em 1400.
Viena 1365 Viena, Áustria. Foi fundada pelo duque Rodolfo IV (1339-1365) junto com seus dois irmãos, no modelo da U. de Paris.
Pecs 1367 Pecs, Hungria. Foi fundada por Charles IV (1316-78).
Heidelberg 1386 Heidelberg, Alemanha. Anteriormente conhecida como Ruperto Corola, é a universidade mais antiga da Alemanha. No século XVI tornou-se num centro de humanismo. Após a Reforma Protestante tornou-se num centro calvinista.
Ferrara 1391 Ferrara, Emília Romana, Itália. Começou como uma escola de estudos gerais, fundada em 1391 pelo Marquês Alberto V D’Este (1347-1393, com a permissão do papa Bonifácio IX (1356-1404).
Würzburg 1402 Würzburg, Alemanha.
Leipzig 1409 Leipzig, Alemanha.
Aix-en-Provence 1409 Aix-en-Provence,
Saint Andrews 1411 Saint Andrews, Escócia.
Rostock 1419 Rostock, Alemanha.
Louvain/Leuven 1425 Leuven, Bélgica
Catania 1434 Catania, Reino da Sicília, Itália.
Poitiers 1431 Poitiers, França.
Barcelona 1450 Barcelona, Reino de Aragão, Espanha.
Glasgow 1451 Glasgow, Escócia.
Valencia 1454 Valência, Espanha.
Greifswald 1456 Greifswald, Alemanha.
Friburgo 1457 Friburgo, Alemanha. Transferida temporariamente para Constance em duas ocasiões.
Basileia 1460 Basileia, Suíça.
Nantes 1460 Nantes, França.
Bourges 1463 Bourges, Bélgica.
Munique 1472 Munique, Alemanha. Fundada em Ingolstadt em 1459, transferida para Landshut em 1800, e para Munique em 1826.
Bordeaux 1472 Bordeaux, França.
Trier ou Treves 1473 Trier, Alemanha.
Uppsala 1477 Uppsala, Reino da Suécia.
Tübingen 1477 Tübingen, Alemanha.
Copenhagen 1479 Copenhagen, Dinamarca.
Gênova 1481 República de Gênova, Itália.
Aberdeen 1494 Aberdeen, Escócia. Resultou da fusão entre a King’s College, fundada por uma bula papal em 1495. e Marischal College em 1593.
Santiago de Compostela 1495 Santiago de Compostela, Galícia, Reino de Castela, Espanha.
Valencia 1499 Valencia, Reino de Aragão, Espanha.
Halle-Wittenberg 1502 Halle-Wittenberg, Alemanha.

 

Tabela 2. As primeiras faculdades e universidades das Américas.

Nome Ano de Fundação Outros Dados
U. do México 1551 Cidade do México. Foi inspirada na Universidade de Salamanca.
U. São Tomás de Aquino 1580 Bogotá, Colômbia.
U. de Córdoba 1613 Córdoba, Argentina.
Real Pontifícia São Francisco Xavier 1624 Chuquisaca, Bolívia.
Harvard 1636 Boston, Massachussets.
Laval 1663 Québec, Canada.
Yale 1701 Yale, Connecticut
Princeton 1746 Princeton, Nova Jersey
Pensilvânia 1749 Filadélfia, Pensilvânia.
Columbia (King’s College) 1754 Nova Iorque, Nova Iorque.
New Brunswick 1785 New Brunswick, Canadá.
King’s College 1789 Ontário, Canadá.
Cornell University 1800 Ithaca, Nova Iorque.
University of Michigan (Detroit; Ann Arbor) 1817 Detroit, Michigan. Em 1837 foi transferida para Ann Arbor.
Washington University 1853 St. Louis, Missouri.
Stanford University 1891 Stanford, California.

As universidades se desenvolveram durante um longo período, mas, em decorrência de conflitos de interesse e abusos de poder, estão permanentemente sujeitas a retrocessos. A partir do final do século XX,  diversos críticos têm apontado a profunda decadência do ensino superior do Ocidente.

 As academias ou sociedades científicas

No final do século XVI surgiram as primeiras academias, sociedades científicas voltadas a atender as necessidades da nova época, como a liberdade de expressão e de pensamento pela qual muitos eruditos ansiavam. O filósofo, político e polímata inglês Francis Bacon (1561-1626) é considerado o grande precursor desse anseio, e, foi também um crítico contundente dos erros de raciocínio  dos escolásticos de sua época. O que fez de Bacon uma espécie de divisor de águas é o fato de que ele escrevia para o público, sem dar a menor importância à recomendação da lei canônica de que os livros deveriam ser submetidos à autoridade eclesiástica antes de serem publicados, cuja autorização era designada pela palavra latina Imprimatur (Imprima-se). O seu livro Novum Organum, escrito em latim e publicado em 1620, é uma referência ao livro Organon  de Aristóteles, que era seu tratado sobre lógica e silogismo. Nele, Bacon faz críticas severas a Aristóteles, e introduz um novo sistema de raciocínio, a indução, que ele apresentou como sendo superior ao silogismo, para o desenvolvimento da ciência. Nesse livro, Bacon classificou as falácias intelectuais de seu tempo em quatro títulos que ele chamou de ídolos. Ele os distinguiu como ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do mercado e ídolos do teatro. Os ídolos da tribo, representados pelos os erros e incoerências causados pelas falhas da compreensão humana, resultam da tendência natural de buscar evidência para aquilo que já acreditamos ser a verdade. Os ídolos da caverna (uma alusão à caverna de Platão) são representados pelos preconceitos e os pré-condicionamentos naturais das pessoas. Os ídolos do mercado são representados pelos preconceitos e os pré-condicionamentos derivados dos meios de comunicação formais e informais. Os ídolos do teatro, representados pelos dogmatismos e preconceitos que são repassados através dos sofismas embutidos nos sistemas de conhecimentos tradicionais, embora os mesmos nunca tenham passado por testes científicos de verificação. É pertinente registrar que as críticas de Bacon a Aristóteles foram mais tarde revisitadas, quando ficou demonstrado que os problemas que Bacon apontava eram da escolástica (ou escolasticismo), a doutrina que tentou reconciliar a filosofia de Aristóteles à doutrina cristã, ou seja, a epistemologia à axiologia. Outra revisitação desse tópico foi o debate entre o racionalismo e o empirismo, que resultou no reconhecimento de que ambos eram necessários à ciência.

Não se sabe se a Royal Society de Londres foi a primeira academia ou sociedade científica, mas certamente foi a primeira dentre as principais que surgiram na Europa. Ela começou a funcionar em 1660, quando um grupo de cientistas e amigos da ciência (Isaac Newton, Robert Hooke, Hans Sloane, Robert Boyle, etc) começaram a promover encontros de discussão. Em 1662, recebeu o selo real do rei Charles II, ganhando o nome formal de The Royal Society of London for Improving Natural Knowledge. Outra importante academia de ciências é a de Paris – a Académie des Sciences, fundada por Lu[is XIV em 1666 por sugestão de Jean-Baptiste Colbert. A terceira academia de que se tem conhecimento é Academia Real de Ciências da Prússia, fundada em 1700 por Frederick III, o Príncipe-eleitor de Brandenburg. Afora essas, surgiram muitas outras, conforme mostra a Tabela 3.

As Academias sempre foram instituições de prestígio, com um número limitado de membros, escolhidos por quando da morte de um associado. O polímata francês Voltaire (1694-1778), dramaturgo, homem de ciência, horologista, ensaísta, novelista, e poeta, foi candidato diversas vezes à Academie des Sciences, mas sem sucesso. Segundo o astrônomo Jérome Lalande, o motivo da ‘bola preta’ é o fato de que ao ser perguntado sobre o que o atraía acerca de Versalhes, ele teria respondido: “não é o mestre da casa”, uma referência ao rei Luís XV. Entretanto, em 1741 Voltaire foi eleito fellow da Royal Society, e finalmente foi votado membro da a Académie em 1746. Voltaire defendia a independência das academias, quer do poder secular quer do poder da autoridade religiosa.

Tabela 3. Importantes academias da Europa.

Nome Ano de Fundação Outros Dados
Royal Society 1662 London. Seus membros eram seguidores de Francis Bacon, introdutor do método indutivo e crítico da Escolástica.
Royal Academie des Sciences

 

1666 Paris. Descartes, Pascal, Gassendi, Fermat,etc.
Academia Real de Ciências da Prússia

Königlich-Preußische Akademie der Wissenschaften

 

1700 Berlim. Leibniz.
Academia dei Lincei 1603-30 Lincei, Roma. Fundada por Federico Cesi, lidava tanto com ciência quanto com filosofia. Um de seus membros foi Galileu Galilei.
Academia Físico-Matemática 1677-98 Roma.
Academia del Cimento 1657-1667 Florença. Seue membros eram considerados seguidores de Galileu, como Viviani e Torricelli.

 

Academia egli Investiganti 1663-1670 Nápolis.
Accademia dela Traccia 1666- c. 1678 Bolonha.
Accademia degli Inquieti 1690-1714 Bolonha.
Accademia degli Argonauti 1684-1718 Veneza.
Academia de São Petersburgo 1724 São Petersburgo.

As Academias de ciência deixavam transparecer a liberdade de pensar e agir que é essencial para a atividade científica. Por acaso essa liberdade não existia nas universidades? Procurarei examinar essa pergunta no título a seguir.

Universidades e religião. Uma relação incestuosa

O surgimento das universidades mostra uma abertura ao conhecimento que até então não existia na Europa. Entretanto, tal abertura ao conhecimento era condicionada à ordem eclesiástica existente. Assim sendo, havia uma relação incestuosa entre as primeiras universidades europeias e o catolicismo romano, a qual impedia o pensamento independente e a inclusão das mulheres. A ordem eclesiástica era a grande defensora do patriarquismo (o machismo associado ao enorme poder do pater familias), conforme muito bem evidenciado na seguinte citação de São Paulo: “Calem-se as mulheres nas assembleias, pois não lhes é permitido falar.” (I Cor 14, 34). As mulheres eram excluídas das escolas monásticas e das escolas citadinas, e continuaram a ser excluídas das faculdades e universidades.

A Reforma Protestante iniciada em 1517 por Martinho Lutero (1483-1546) levou à criação de diversas denominações cristãs, que, assim como a Igreja Católica  Romana, também se preocuparam com a educação, muito embora sem encorajar o pensamento independente, e sem reconhecer a igualdade das mulheres. Algumas dessas denominações cristãs beiravam o fanatismo. Os séculos XVI e XVII foram palcos de diversas seitas de protestantes fanáticos, como o puritanismo da Grã Bretanha e da Nova Inglaterra, que enfatizava o Velho Testamento da Bíblia sobre o Novo Testamento, e pregava a sua literalidade. Outro problema das universidades medievais era a priorização da teologia em relação a todas as outras disciplinas do conhecimento.

As primeiras universidades do Ocidente foram verdadeiros presentes com strings attached, isto é, com condições. Tais condições eram geralmente contrárias ao livre pensar e ao desenvolvimento do conhecimento. Uma das principais justificativas para a criação das primeiras universidades foi a ideia de que a busca da verdade acerca do mundo era uma forma de descobrir o Deus criador. Entretanto, assim como aconteceu nos primeiros anos do cristianismo, as autoridades da Igreja suspeitavam que os textos dos eruditos gregos e árabes-islâmicos eram uma ameaça à ortodoxia cristã. Do outro lado dessa guerra cultural estavam os teólogos filósofos que buscaram conciliar a erudição pagã ao cristianismo, ou reja, a razão metodológica à fé cristã, dando origem ao método escolástico. O fundador da Escolástica latina que procurou reformar a enciclopédia árabe aristotélica do conhecimento foi Santo Alberto Magno (1200-1280), mas foi um aluno dele, São Tomás de Aquino (c.1225-1274), quem elevou e firmous a escolástica. No seu livro Summa Theologica, escrito de 1265 a 1274, ele procura mostrar as ligações entre a ciência, razão, filosofia, fé e teologia. Outro erudito que seguiu a linha escolástica foi o inglês Roger Bacon (c. 1220-1292). Ele procurou mostrar às autoridades eclesiásticas que não precisavam se preocupar com os estudos que não viessem da revelação divina, como a filosofia de Aristóteles, argumentando que a verdade era uma só e vinha de Deus. Entretanto, conforme veremos abaixo, Bacon chegou a abandonar a universidade a fim de poder se dedicar ao estudo de Aristóteles e Avicena e escrever, mas os colegas da ordem franciscana lhe puxaram o tapete.

Santo Alberto Magno (canonizado em 1931) era um frei dominicano nascido na Suábia, atual Alemanha. Foi professor de Tomás de Aquino, e, um notável proponente da escolástica ou escolasticismo, doutrina caracterizada pela busca da harmonização entre os ensinamentos de Aristóteles e outros filósofos da antiguidade e os da Igreja Católica. Depois de ter estudado artes liberais em Pádua, Bolonha e na Alemanha, passou a ensinar teologia em diversos conventos da Alemanha. Por fim, ele foi transferido para o convento de Saint Jaques, que fazia parte da Universidade de Paris, onde teve contato com os textos de, ou sobre, Aristóteles e outros eruditos gregos e islâmicos. Deixou uma obra de metafísica cristianizada, baseada na sua interpretação das quatro causas de Aristóteles.

São Tomás de Aquino nasceu na vila de Roccasecca, próxima de Aquino, na Sicília. Entrou para o mosteiro de Monte Cassino como noviço e posteriormente foi estudar na recém-fundada Universidade de Nápoles, criada pelo Imperador Frederico II. Em Nápoles, ele tomou conhecimento das obras de ciência e filosofia grega que estavam sendo traduzidas do grego e do árabe. Em seguida, ele se afiliou à ordem dominicana com o propósito de ter mais liberdade para meditar. Quando se encontrava no convento de Saint Jaques, em Paris, que era o centro de estudos universitários dos dominicanos, ele estudou com o pensador alemão Alberto Magno. A teoria filosófica de Tomás de Aquino é inspirada na teoria do corpo e da alma de Aristóteles, que afirma a existência de uma ‘alma’ responsável por dar vida ao corpo, quer do homem quer dos outros animais. A fim de criar a sua própria tese filosófica, ele tomou a ideia de Aristóteles que afirmava que a alma humana era diferente da dos outros animais, não só porque é capaz de entender as coisas e de agir por si própria, como também porque não deixa de existir depois da morte do indivíduo, acrescentando que, por fim, voltará a se reunir com o corpo como consequência do juízo final. Reconhecendo que tal não podia ser provado pela razão, Aquino afirmou que se trata de um ‘mistério da fé’. A ‘filosofia teológica’ de Aquino foi aceita pelas autoridades católicas, que lhe conferiram o título de ‘doutor angélico da Igreja’, e em 1323, canonizou-o.

Roger Bacon, pensador inglês nascido em Ilchester, Somerset, estudou matemática, astronomia, ótica, alquimia, e línguas. Tornou-se docente das Universidades de Paris e de Oxford onde ficou conhecido como ‘Professor Prodígio’. Assim como Tomas de Aquino, Bacon encantou-se em descobrir o pensamento de Aristóteles e de Avicena (980-1037 EC) ao ponto de largar a academia e se juntar à ordem dos franciscanos a fim de poder dedicar-se mais ao estudo. Grande estudioso da filosofia, Bacon afirmou a importância do método empírico e da prova matemática, e fez diversas especulações científicas futuristas como máquinas voadoras mais leves que o ar, o transporte mecânico por terra e por mar, a circum-navegação do globo e a construção de microscópios e telescópios. Bacon também escreveu sobre a ética e apontou como principais causas da ignorância humana, a autoridade indigna, o mau hábito, os preconceitos da cultura popular e a presunção infundada. Entre 1266 e 1267, Francis Bacon trabalhou na sua Opus majus (Obra maior), onde reuniu todos os seus estudos, críticas filosóficas e especulações. Em seguida ele começou a trabalhar numa enciclopédia de ciência e filosofia, embora apenas fragmentos desta tenham sido publicados. Escreveu ainda Opus minus (Obra menor) e Opus tertium (Terceira obra). Bacon escrevia num estilo altamente deferente ao papa e ao cristianismo mas mesmo assim os seus colegas de ordem indignaram-se com seus escritos e o denunciaram ao Papa Clemente IV. Os próprios franciscanos prenderam Bacon entre 1277 e 1279 por ‘novidades suspeitosas’ nos seus ensinamentos.

Os quatro exemplos acima foram os primeiros a mostrar a estreita ligação que havia entre as universidades e a Igreja e como essa ligação cerceava o pensamento dos acadêmicos. A peste negra que assolou a Europa de 1348 a 1350 fez com que as autoridades católicas desconfiassem de tal catástrofe teria sido uma punição divina pelas ideias contrárias aos textos da Bíblia. Pensadores, tanto das universidades quanto fora dela, passaram a viver sob a ameaça de serem presos e até mortos na fogueira por suas teses heréticas. Essa é uma razão pela qual os pensadores só discutiam com os seus pares e não tinham o hábito de escrever para a população leiga. Nicolau Copérnico (1473-1543), o autor do livro Das revoluções dos corpos celestes (em inglês: On the revolutions of heavenly bodies) acerca da sua tese heliocêntrica, era extremamente cuidadoso em escolher com quem discutir suas ideias, e adiou a publicação desse livro até bem perto de sua morte. Em 1616, o mesmo foi listado no Índice de Livros Proibidos. Em 1669 um professor de filosofia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Daniel Scargill (1647-c.1690), foi demitido simplesmente por ter apoiado o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679), um ateísta declarado. O próprio Hobbes foi escorraçado da sociedade, impedido de publicar novos livros, e até acusado de ter atraído, pelo seu ateísmo, a ira da Divina Providência, causadora do grande incêndio de Londres de 1666. Em 1616, o físico e matemático Galileu Galilei (1564-1642) chegou a ser condenado por de heresia pelo tribunal da Inquisição[xiii], após ser denunciado pelos próprios colegas da Universidade de Pisa.

Uma das regras douradas da civilização é graduar a responsabilidade das pessoas ao seu nível educacional. Portanto, é natural presumir que entre os professores das universidades a virtude sempre supera o vício. É dessa pressuposição que surgiu a metáfora da torre de marfim aplicada ao mundo acadêmico. Entretanto, os acadêmicos não apenas possuem vícios e virtudes na mesma medida que o resto da população, como também possuem vícios próprios, como a arrogância decorrente da pressuposição de certeza.

 Do secularismo iluminado às universidades modernas

O Iluminismo ou o Século das Luzes é o divisor d’águas da libertação da mente do indivíduo dos grilhões da religião e do Estado, marcando a emergência do secularismo. Dois pensadores que se destacaram na campanha pelo secularismo foram o já anteriormente mencionado Voltaire (1694-1778), e o escritor, jornalista e inventor inglês naturalizado americano Thomas Paine (1737-1809). Paine escreveu um livro intitulado ‘The Age of Reason (A idade da razão), argumentando que a Bíblia era mitológica, embora tivesse um valor literário, e discutindo o lugar da religião na sociedade. O Iluminismo do século XVIII estendeu o conhecimento erudito e científico a toda a população leiga, através de livros, jornais e revistas, assim como da Enciclopaedia editada por Dennis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’Alembert (1717-1783).

Apesar da luta dos pensadores iluministas pela liberdade de estudar e publicar os frutos de seus estudos, pelo menos uma parte da produção acadêmica continuava cerceada pelas autoridades religiosas. A Universidade de Saint Andrews, na Escócia, originalmente católica, mas depois tornada protestante, rejeitou o filósofo David Hume (1711-76) para um posto acadêmico devido aos rumores de que ele era ateu. Em 1798, o filósofo Immanuel Kant (1724-1804), professor da Universidade de Könisberg, na antiga Prússia, recebeu uma reprimenda oficial por ter contrariado a ortodoxia teológica, após uma denúncia de colegas da própria universidade.

A Península Ibérica, onde as ideias iluministas do naturalismo, do secularismo, e da educação universal, só se assentaram no século XIX, assistiu à ascensão do anticlericalismo, que visava tirar da Igreja o monopólio do ensino primário e livrar as universidades do cerceamento religioso. Entretanto, em diversas partes da Europa pipocavam movimentos contrários às ideias iluministas. Felizmente, a opinião pública bem informada não desapareceu de todo, e onde havia esta, havia também universidades inteiramente seculares.

Foi, no século XVIII, na Alemanha, que as universidades foram reformadas dentro das ideias iluministas[xix] do século XVIII, como a independência de pensamento. Tal reforma provou ser um sucesso em termos de produção acadêmica original. As universidades alemãs reformadas eram autônomas, tinham currículos modernos, que abrangiam desde as inovações da ciência às profundas incursões da filosofia, da sociologia e da história.  A Alemanha foi o primeiro país a desenvolver a educação científica (wissenschaftliche Bildung). A influência das universidades alemãs logo se espalhou para os demais países de língua germânica, principalmente para a Universidade de Viena, na Áustria, que no início do século XX passou a ser um importante núcleo da inteligência ocidental.  O modelo alemão de ensino superior foi transplantado para diversas universidades dos Estados Unidos, em especial para aquelas que fazem parte da Ivy League.

Dois pensadores analisam o papel da universidade: Max Weber e Karl Jaspers

Max Weber (1864-1920) e Karl Kaspers (1883-1969) foram dois grandes pensadores do início do século XX que se preocuparam em avaliar o papel da universidade. Os dois eram amigos e isso fez com que trocassem ideias. Weber e Jaspers foram os mais capazes peritos acerca do ensino superior e da universidade.

Weber era um sociólogo, filósofo, jurista e economista político alemão. Ele iniciou seus estudos na Universidade de Heidelberg em 1882, mas teve que trancar matrícula depois de dois anos para se alistar no serviço militar. Finda a guerra, ele se matriculou na universidade de Berlim para concluir seus estudos e depois na universidade de Göttingen. Seu trabalho mais conhecido é A ética protestante e o espírito do capitalismo (1930), (Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus 1904–05), mostrando a correlação estatística entre o sucesso em empreendimentos capitalistas e a mentalidade protestante, pelo menos em sua terra natal, a Alemanha. Weber é também é conhecido por sua profunda compreensão da história e de outras ciências e por sua profunda compreensão da natureza humana. A vida e a carreira de Weber foram interrompidas pela Primeira Guerra Mundial. Em 1918, ele aceitou a cadeira de sociologia da Universidade de Viena, onde morreu dois anos depois, aos 56 anos. Durante seu breve período como acadêmico, ele se dedicou ao tema de educação, especialmente do ensino superior, e apontou que os sistemas educacionais, por estarem embebidos noutras instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas e legais, careciam de avaliação crítica.

Jaspers foi um pensador polímata que se destacou na psiquiatria, na filosofia e na educação superior. Na psiquiatria, ele foi pioneiro no sistema de classificação de tipos básicos de personalidade. Na filosofia, ele publicou Philosophie (1932), uma importante  obra em três volumes. Na educação superior, ele foi um dos principais líderes do projeto de reconstrução das universidades alemãs depois da Primeira Guerra mundial. Jaspers entendia a universidade como sendo “uma comunidade livre, de acadêmicos e estudantes, envolvidos na tarefa de buscar a verdade”  e colocou essa ideia no ensaio de 1923 intitulado  ‘A ideia da universidade’. Neste ensaio, Jaspers levanta diversas perguntas relevantes acerca do sistema da universidade. Quais são as ferramentas chaves da universidade?  Qual é a relação entre a universidade e o Estado? Quais são as justificativas para a manutenção da universidade? Infelizmente, a carreira acadêmica de Jaspers foi paralisada pelo nazismo alemão em desforra por suas frequentes críticas ao partido de Hitler. Não contentes com o essa punição, em 1938, os nazistas proibiram Jaspers de publicar e começaram a ameaçá-lo por causa de sua esposa judia. Apesar de tudo, Jaspers e sua esposa decidiram permanecer na Alemanha. O casal já havia sido agendado para deportação para um campo de concentração quando o exército dos EUA entrou em Heidelberg em abril de 1945. Em 1946, Jaspers publicou uma nova e aumentada edição do ensaio de 1923 sobre a universidade, no qual ele aponta o papel da universidade na reabilitação da Europa após a Segunda Guerra mundial, bem como no resgate das mais nobres ideias do Iluminismo. Escreveu ele:

A universidade cumpre as suas tarefas – pesquisa, instrução, treinamento, comunicação – dentro de uma estrutura institucional. Requer edifícios, materiais, livros e institutos de sua administração ordenada. Privilégios e deveres devem ser distribuídos entre seus membros. A universidade representa um todo corporativo independente com sua própria constituição.

A universidade existe apenas na medida em que é institucionalizada. A ideia se concretiza na instituição. A extensão em que faz isso determina a qualidade da diversidade. Despojada de seu ideal, a universidade perde todo o valor. No entanto, “instituição” implica necessariamente compromisso. A ideia nunca é perfeitamente realizada. Por esse motivo, existe na universidade um permanente estado de tensão entre a ideia e as deficiências da realidade institucional e corporativa.

Até as melhores instituições da universidade tendem a se deteriorar e a se distorcer. Assim, a própria tradução do pensamento para a forma ensinável tende a empobrecer sua vitalidade intelectual. Uma vez que as conquistas intelectuais são admitidas no corpo do aprendizado aceito, essas realizações tendem a assumir um ar de finalidade. Portanto, é apenas uma questão de convenção em que ponto um assunto termina e o outro começa. Além disso, é possível que um excelente estudioso não consiga encontrar um lugar para si nas divisões departamentais estabelecidas. Um estudioso medíocre pode ser preferido a ele simplesmente porque seu trabalho se encaixa no esquema tradicional. Qualquer instituição tende a se considerar um fim em si mesma. (Cap. 6.)

Em 1948, já com 65 anos de idade, Jaspers aceitou o convite para lecionar na universidade de Basileia, na Suíça, e decidiu por recomeçar a vida acadêmica naquele país.

A morada dos sábios

Existe algumas pressuposições sobre a universidade que advém do histórico do sucesso da universidade no projeto civilizatório das sociedades, como a noção de que é a morada das melhores mentes ou a mais importante alavanca do avanço tecnológico e científico. Essas pressuposições não apenas são erradas mas também contribuem para a falta de avaliação crítica da universidade.

O simples exame da relação de autores canônicos refuta a ideia de que as universidades são a morada das melhores mentes. Considerando-se apenas a era moderna, a maior parte dos pensadores do Iluminismo, incluindo o editor e os principais colaboradores da primeira Enciclopédia, não tinha vínculos com universidades. Os grandes pensadores e cientistas dos séculos XIX e XX eram independentes ou tiveram apenas curtas passagens por universidades, como: Arthur Schopenhauer (1788-1860), John Stuart Mill (1806-73), Charles Darwin (1809-82), Gregor Mendel (1822-84) e Friedrich Nietzsche (1844-1900). Os exemplos do século XX incluem: George Santayana (1863-1952), Bertand Russell (1872-1970), José de Ortega y Gasset (1883-1955), Ludwig Wittgenstein (1889-1951), Jean Paul Sartre (1905-80) e Simone du Beauvoir (1908-86). Outro exemplo notório é Albert Einstein (1879-1955), que escreveu as suas duas teorias de relatividade quando trabalhava num escritório de patentes, e só posteriormente virou professor universitário.

A ideia de que as universidades são os conduítes por excelência do conhecimento é também falsa. Os brilhantes criadores das startups da tecnologia da informação, que deram origem à a Apple e a Microsoft, não trabalharam em universidades mas em suas casas e garagens. O cientista Greig Venter, (1946-), que, em 2001, publicou a sequência completa dos genes humanos, também não tinha ligações com nenhuma universidade. Ele fez esse trabalho na empresa Celera Genomics, que ele próprio fundou, em 1988, com o objetivo de sequenciar e analisar genomas.

Embora o conhecimento seja um único conjunto de entendimentos, a hiperespecialização resultante do aprofundamento do conhecimento gerou uma multiplicidade de departamentos nas universidades, sendo que muitos dos quais passaram a funcionar como feudos. Um fato bastante observado nesses feudos é a blindagem da disciplina do chefe de departamento contra a contratação de professores de capacitação maior. Na melhor das hipóteses, os novos mestres ou doutores tem oportunidades de lecionar numa universidade em áreas secundárias ou terciárias às de suas especializações. Assim, um jovem gênio da área de cálculo diferencial acaba por lecionar não no departamento de matemática, mas no departamento de economia.

Ultimamente tem surgido muitas críticas às universidades do Ocidente, em especial àquelas que dependem da contribuição financeira do Estado. Como exemplos de críticos da universidade eu gostaria de citar Roger Scruton (1944-2020), David Horowitz (1939-), Camile Paglia ( 1947-), Stephen Hicks (1960-) e Jordan Peterson (1962-). Todos esses concordam que a universidade ocidental está decadente, e apontam a narrativa coletivista[xv] que nelas se aninhou a partir da década de 1960, como sendo a maior causa dessa decadência. O mais contundente desses críticos é Scruton, falecido em janeiro deste ano, que escreveu: “Não podermos mais confiar a nossa alta cultura às universidades.” E ainda: “Quando as instituições são incuravelmente corrompidas, assim como as universidades foram corrompidas pelo comunismo, nós devemos começar de novo, mesmo que o custo seja tão alto quanto foi na Europa ocupada pelos soviéticos”.

 Conclusão

É difícil encontrar uma pessoa sensata que negue a importância do ensino ou que não considere a universidade como o seu pináculo. Entretanto, o ensino e a universidade também têm faltas e fraquezas. Os sinais dessas estão na cegueira deliberada acerca de abusos de poder, ineficiências e nepotismos. Sobre os nepotismos, esses apenas aparecem em boatos, e a questão é quase sempre varrida para debaixo do tapete.[xvi]. Conforme escreveu David Hume, “a corrupção das melhores coisas resulta na geração das piores”. Encarar de frente os problemas das universidades é uma condição necessária para assegurar que sobrevivam e continuem cumprindo seus objetivos de ensino e pesquisa.

Referências

Cronck, Nicholas. Voltaire: A Very Short Introduction. Oxford University Press. 2017.

Davies, Norman. Vanished Kingdoms: The History of Half Forgotten Europe. 2011.

Greenblatt, Stephen. The Swerve: How the World Became Modern. Norton, 2011.

Jaspers. K. The Idea of the University. Edited by Karl W. Deutsch. Preface by Robert Ulich. Boston, Bacon Press, 1959.

Scruton, R. The end of the university. First Things, April 2015. (Disponível em português em PortVitoria, 20, 2020).

Vretos, Theodore. Alexandria, City of Western Mind (Alexandria, cidade da mente ocidental). 2001.

Wiesehöfer, Joseph. Ancient Persia from 550 BC to 650 AD. Translated by Azizeh Azodi. L. B. Tauris Publishers, London. 1996. Kindle edition.

Williams, Hywel. Emperor of the West. Charlemagne and the Carolingian Empire. Quercus, 2010.

Outras (Consultar JPO)

                       

Joaquina Pires-O’Brien, uma brasileira residente no Reino Unido,  é fundadora e editora de PortVitoria.

Retornar à HomePage

 

Notas

[i] O termo ‘mundo helênico’ refere-se à cultura grega do mundo mediterrâneo durante os três séculos após Alexandre, o Grande, que morreu em 323 EC.

[ii] A cidadania grega era entendida como a afiliação formal à polis, que dava direitos como votar em questões do governo, ser votado para cargos no governo, e, possuir terras. Devido a esse objetivo, é mister entender o sistema grego de cidadania. Havia uma regra de que apenas aqueles residentes livres e que podiam rastrear sua ascendência a um famoso pioneiro da cidade eram considerados cidadãos. Essa regra abria exceções para a pessoas de fora dotadas de grande riqueza ou de habilidades valiosas. A noção de cidadania da Roma antiga era parecida com a dos gregos em termos de responsabilidades e privilégios, Embora os romanos fossem bem mais abertos do que os gregos na concessão da cidadania, Roma instituiu duas categorias de cidadania, com e sem o direito ao voto.

[iii] Na mitologia grega, musas inspiradoras da literatura, da ciência e das artes eram as nove filhas de Zeus e Mnemósine (a personificação da memória). São elas: Calíope (da poesia épica), Clio (da história), Érato (da poesia de amor), Euterpe (da poesia lírica), Melpômene (da tragédia), Polihimnia (da poesia sagrada e da eloquência), Terpsícore (da dança), Tália (da comédia) e Urânia (da astronomia). Dentre as diversas narrativas acerca das musas destaca-se o poema ‘Erga kaí Hemérai’ (lat.: ‘Opera et Dies’; ing.: Works and Days’), de Hesíodo, escrito em torno de 700 AEC.

[iv] Após a morte prematura de Alexandre em 322 AEC, nenhum herdeiro foi inicialmente apontado para o trono e os generais macedônios que acompanharam Alexandre nas suas conquistas, 74 ao todo, tramaram a forma de dividir o império entre si. Dentre esses, Arridaeus era meio-irmão reconhecido de Alexandre, e Ptolomeu um possível meio-irmão. Ptolomeu havia sido o principal guarda-costas de Alexandre, e portanto, tinha uma ascendência sobre os demais. Ele encarregou Arridaeus de trazer o corpo de Alexandre para que fosse sepultado no Egito. Em 321 AEC, os antigos generais de Alexandre fizeram o acordo conhecido Partição de Triparadisus. Através deste, Felipe Arrhidaeus, mais o filho de Alexandre com Roxana, que nasceu após a morte do pai, foram ambos reconhecidos como herdeiros. Em consequência disso, o império macedônico ganhou dois reis, Felipe III, um portador de doença mental, e Alexandre IV, que ficou sob a guarda de Perdica. Tanto Felipe II quanto Alexandre IV foram assassinados, assim como Perdica. Daí pra frente os generais competiram entre si pelos diversos reinos acéfalos. Ptolomeu I Soter (323-283 AEC) virou rei do Egito e fundou a dinastia dos Ptolomeus, que inclui a infame Cleópatra VII. Entre 312 e 302 AEC, Seleuco organizou um exército de mercenários e ficou com a Síria, então um vastíssimo império.

[v] Tribo germânica que ocupava os atuais territórios da Bélgica, França, Luxemburgo, Holanda e oeste da Alemanha.

[vi] A expressão ‘educação liberal’ é assim chamada por ser o tipo de educação que considerada digna do homem livre, em contraposição com a educação de escravos, que era sempre dirigida a algum ofício. As artes liberais da antiguidade grega foram preservadas no ensino da escola helenística, que, por sua vez, influenciou o sistema educacional latino, baseado no trivium (o trívio do ensino básico: gramática, retórica e lógica) e no quadrivium (o quadrívio do ensino mais adiantado: matemática, geometria, astronomia e música).

[vii] A emergência do cristianismo provocou o desmantelamento do sistema de educação liberal oferecida tanto no mundo grego quanto no latino. O primeiro pensador cristão a defender a educação liberal foi Agostinho (354-430), que apontou o valor do saber antigo, inspirando alguns pensadores cristãos a reconsiderar o ensino das artes liberais. No primeiro século após a queda do Império Romano do Ocidente as artes liberais receberam a bipartição em trivium (gramática, retórica e lógica) e quadrivium (matemática, geometria, astronomia e música), após terem sido reabilitadas pelos educadores Boecio (c. 480-c.525 EC) e Cassiodoro (c. 490-c.583 EC).

[viii] O programa educacional introduzido por Carlos Magno foi orientado pelo sábio inglês Alcuíno (Ealhwine, Alhwin ou Alchoin) de Iorque (723-804 EC), clérigo católico, estudioso e professor, nascido na Inglaterra, onde teve como mentor o Venerável Beda (673-735 EC). Durante uma estadia na Itália, Alcuíno conheceu Carlos Magno e tornou-se seu amigo e conselheiro. Sob a orientação de Alcuíno, Carlos Magno ordenou o estabelecimento de escolas episcopais, em conventos, mosteiros e igrejas, voltadas tanto para a formação de padres quanto para a educação da população leiga.

[ix] Luís, o Pio, foi o último monarca do império carolíngio, o qual foi dividido após a sua morte. O Império Carolíngio transformou-se, então, em duas unidades políticas – França Oeste que se tornou o reino da França, e França Leste, a precursora da Áustria e da Alemanha. Embora Carlos Magno tivesse recebido do papa o título de ‘Imperador Romano’, o primeiro a receber o título de ‘Sacro Imperador Romano’ foi o rei alemão Otão I, coroado na catedral de Aix-la-Chapelle em 936.

[x] Toledo foi capturada em 1085 e passou a ser a cidade mais importante da Espanha cristianizada.

[xi] Um grande avanço nessa área ocorreu no século XIII, quando os países da Europa e do Oriente Médio começaram a emitir moedas de ouro. Com isso, o comércio por trocas desapareceu e deu lugar ao sistema monetário, bem como ao sistema de contabilidade baseado em livros-caixa de dupla entrada, introduzidos entre 1050 e 1350. O livro-caixa foi uma inovação altamente relevante pois permitia visualizar a situação do negócio a qualquer momento. A partir daí surgiu o sistema de treinamento de aprendizes de contabilidade e de bancos.

[xii] Frederico II (1194-1250), também chamado Constantino Frederico Roger, era também rei da Sicília, duque da Suábia e rei alemão, e apesar do título de Sacro Imperador Romano, ele defendeu o poder imperial contra o papado.

[xiii] Galileu havia escrito um ensaio resgatando a tese heliocêntrica de Copérnico, depois de ter observado as órbitas dos planetas ao redor do sol com o uso do seu telescópio. Graças às amizade dele com a família Médici, ele foi deixado sem punição até 1632, mas, em 1633, a pena de ser queimado na fogueira foi comutada pela prisão domiciliar, depois que ele admitiu publicamente que a Terra era o centro estacionário do universo. Galileu perdeu o cargo na universidade e passou o resto da vida em Florença, onde morreu aos 77 anos de idade.

[xiv] Muitos autores reconhecem um Iluminismo maior, que inclui tanto Idade da Razão do século XVII quanto o Século das Luzes do século XVIII.

[xv] O filósofo alemão Juhann Gottlieb Fishte (1762-1814) foi um dos primeiros a pregar a ideia da superioridade do coletivismo sobre o individualismo, com sua concepção teológica do ‘eu’. Para Fichte, o indivíduo nada vale sem a sociedade, e deve deixar de existir, a não ser para o grupo – Gattung. O homem isolado contradiz a sua própria natureza. A sociedade é a grande fogueira em torno do qual as pessoas se juntam. Outro filósofo alemão, Georg W. F. Hegel (1770-1831), tomou a ideia de Fichte sobre a primazia do grupo sobre o indivíduo para a sua ideia de um espírito do mundo que dirige o curso da história.

[xvi] Entretanto, um estudo sobre o nepotismo nas universidades da Itália foi publicado como notícia no jornal The Independent, do Reino Unido, de 25 de setembro de 2010: “A revista de investigação L’Espresso e o jornal La Repubblica revelaram o surpreendente grau em que os empregos de professor universitário  são mantidos na família, no esclerótico sistema de ensino superior da Itália. Na Universidade La Sapienza, em Roma, por exemplo, um terço do corpo docente tem membros próximos da família como colegas. No geral, as instituições superiores do país têm 10 vezes mais chances de empregar dois ou mais membros da mesma família que outros locais de trabalho.” E ainda: “Nenhuma instituição italiana aparece no ranking mundial de universidades do Times Higher Education 2010.” Fonte: https://www.independent.co.uk/news/world/europe/family-fiefdoms-blamed-for-tainting-italian-universities-2089120.html

Roger Scruton

As universidades existem para fornecer aos alunos o conhecimento, as habilidades e a cultura que os prepararão para a vida, enquanto aumentam o capital intelectual do qual todos nós dependemos. Evidentemente, os dois propósitos são distintos. Um diz respeito ao crescimento do indivíduo; o outro, à nossa necessidade compartilhada de conhecimento. Mas eles também estão entrelaçados, de modo que os danos a um objetivo também são danos ao outro. É isso o que estamos vendo agora, à medida que nossas universidades se voltam cada vez mais contra a cultura que as criou, retendo-a dos jovens.

Os anos passados ​​na universidade pertencem aos ritos de iniciação estudados pelos antropólogos vitorianos, nos quais, os nascidos na tribo assumem o ônus de perpetuá-la. Se nós perdemos isso de vista, parece-me, então corremos o risco de desatrelar a universidade de seu objetivo social e moral, que é entregar um estoque de conhecimento junto com a cultura que dá sentido ao mesmo.

Esse objetivo tem sido central na tradição educacional que criou a civilização ocidental. A paideia[1] grega considerava o cultivo da cidadania como o núcleo do currículo. A prática religiosa e a educação moral continuaram sendo uma parte fundamental dos estudos universitários durante a Idade Média, e o ideal renascentista do indivíduo virtuoso foi a inspiração para o currículo emergente das studia[2] de humanidades. A universidade que emergiu do Iluminismo[3] não relaxou as rédeas morais, mas considerou a aprendizagem como um modo de vida disciplinado, cujas regras e procedimentos a diferenciam dos assuntos cotidianos. No entanto, forneceu aos assuntos cotidianos a perspectiva de longo prazo sem a qual nenhuma atividade humana faz sentido. Até a turbulenta vida estudantil das universidades alemãs durante o século XIX, quando o duelo se tornou parte da cultura universitária, estava contida em códigos formais e uniformes de comportamento, e, na rotina colegial. Além disso, era dedicada a um peculiar amálgama de disciplina moral, conhecimento factual e competência cultural, aquilo que os alemães conhecem como Bildung[4].

No decorrer do século XIX, entretanto, as universidades sofreram uma rápida mudança no seu acolhimento público. O declínio do modo de vida religioso, a ascensão de uma classe média ansiosa por status social e poder político, e as demandas pelo conhecimento e habilidades técnicas exigidas por uma economia industrial, pressionaram as universidades a mudar os seus currículos, o modo de recrutamento de alunos e professores, e, o seu relacionamento com a cultura circundante. Novas universidades foram fundadas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América, como a University College London, datada de 1826, a qual foi dotada de um currículo explicitamente secular, projetado para produzir mentes científicas capazes de varrer as teias de aranha teológicas nas quais todas as disciplinas universitárias encontravam-se envolvidas.

No entanto, apesar dessas mudanças, que forçaram as instituições de ensino superior a uma nova consciência de missão, a universidade manteve o seu status de guardiã da alta cultura. Era um lugar onde o pensamento especulativo, a investigação crítica, e o estudo de livros e idiomas importantes eram mantidos numa atmosfera de isolamento refletivo. Quando o cardeal Newman[5] escreveu The Idea of ​​a University (A ideia da universidade), em 1852, o seu motivo maior foi defender a antiga concepção da universidade, como um lugar à parte, um recinto quase monástico, oposto à mentalidade utilitária da nova sociedade industrial. Para Newman, a universidade existe para moldar o caráter daqueles que a frequentam. Imergir os alunos em um ambiente colegiado e imprimir neles um ideal da mente educada ajuda a transformar seres humanos brutos em gentlemen (cavalheiros)[6]. Essa, sugeriu Newman, é a verdadeira função social da universidade. Dentro do campus, o adolescente recebe uma visão dos fins da vida; e ele tira da universidade a única coisa que o mundo não fornece, que é uma concepção de valor intrínseco. E, é por isso, que a universidade é tão importante na era do comércio e da indústria, quando a tentação utilitarista nos assedia por todos os lados, e quando corremos o risco de tornar todos os propósitos, materiais. Em outras palavras, como Newman via, correndo o risco de permitir que os meios engulam os fins.

Muita coisa mudou desde a época de Newman. Sugerir que as universidades estão envolvidas na produção de ‘cavalheiros’ é mais do que levemente ridículo, em uma época em que a maioria dos estudantes é mulher. A universidade ideal de Newman foi modelada nas atuais universidades de Oxford, Cambridge e no Trinity College, de Dublin, as quais eram mantidas como instituições quase religiosas dentro da alçada da Igreja Anglicana. Na época de Newman, essas universidades admitiam apenas homens, não permitiam que seus acadêmicos residentes se casassem, uma boa parte dos os alunos de graduação eram recrutados nas escolas particulares, e, o seu currículo era solidamente baseado em latim, grego, teologia e matemática. A rotina dos alunos girava em torno dos colleges[7] ou faculdades, onde os dons[8] e os estudantes de graduação tinham seus alojamentos, e onde eles jantavam juntos todas as noites num salão, vestidos com suas becas.

Apenas uma pequena proporção dos que frequentavam as antigas universidades britânicas na época de Newman considerava o estudo como o real objetivo de se destacar na alma mater[9]. Alguns estavam lá para remar ou jogar rugby; alguns estavam em compasso de espera para o título que deveriam herdar; e alguns tumultuavam com os seus companheiros enquanto aguardavam comissões no exército. Quase todos eram membros de uma elite social que havia obtido essa maneira ímpar de se perpetuar, revestindo o seu poder com o verniz da alta cultura. E nesse belo e protegido ambiente, você também poderia levar a cultura a sério. Com dinheiro no banco e tempo nas mãos, não era tão difícil dar as costas aos valores utilitários.

A universidade de hoje difere da do cardeal Newman em quase todos os aspectos. Ela recruta de todas as classes da sociedade, é aberta igualmente para homens e mulheres, e, é frequentemente financiada e aprovisionada pelo Estado. Pouco ou nada resta da rotina colegial equilibrada que moldou o espírito de Newman, e o currículo não se concentra em assuntos sublimes e em matérias sem propósito, como o grego antigo, no qual paira a visão fascinante de uma vida além do comércio; a universidade de hoje é centrada nas ciências, nas disciplinas vocacionais, e os agora onipresentes ‘estudos empresariais’ (business studies) ou, através dos quais os alunos supostamente aprendem os caminhos do mundo.

Além disso, as universidades se expandiram para oferecer os seus serviços a uma proporção cada vez maior da população, e, para absorver uma fatia cada vez maior do orçamento nacional. A receita da indústria do ensino universitário no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, é maior do que a de qualquer outra indústria. Em todas as principais cidades britânicas ou americanas há pelo menos uma universidade, sendo que as universidades estaduais americanas podem ter, a qualquer momento, mais de 50.000 estudantes. O ensino superior é oferecido como um direito a todos os que completaram o baccalauréat francês ou o Feststellungsprüfung alemão, e, os políticos europeus costumam dizer que a tarefa da reforma educacional não estará completa até que todas as crianças possam, no devido tempo, se formar. A universidade não está mais no negócio de criar uma elite social, mas no negócio rival de garantir que as elites sejam uma coisa do passado.

Sob o pretexto de fornecer um ‘propósito para além do objetivo’, os críticos da universidade poderiam dizer que a universidade exaltada por Newman havia sido projetada para proteger os privilégios de uma classe alta existente, e para colocar obstáculos ao avanço de seus concorrentes. A universidade transmitia habilidades fúteis, estimadas precisamente pela sua futilidade, uma vez que isso as tornavam um distintivo de afiliação que poucos podiam adquirir. E, longe de avançar os fundos do conhecimento, existia para salvaguardar mitos sagrados: colocou uma barreira protetora de encantamento em torno da religião, dos valores sociais e da alta cultura do passado, e, fingiu que as habilidades recônditas necessárias para usufruir desse encantamento –  o latim e o grego, por exemplo – eram as formas mais altas de conhecimento. Em suma, a universidade newmanita era um instrumento para a perpetuação de uma classe de lazer. A cultura que transmitia não era propriedade de toda a comunidade, mas apenas uma ferramenta ideológica, através da qual os poderes e privilégios da ordem existente eram envoltos em sua aura de legitimidade.

Agora, por outro lado, temos universidades dedicadas ao crescimento do conhecimento, que não são meramente não elitistas, mas antielitistas em sua estrutura social. Elas não fazem discriminação por motivos de religião, sexo, raça ou classe. São locais de mentalidade aberta à pesquisa e ao questionamento, sem compromissos dogmáticos, e cujo objetivo é promover o conhecimento através de um espírito de livre investigação. Esse espírito é transmitido aos seus alunos, que têm a maior variedade possível de opções de currículo, e, adquirem não apenas os conhecimentos firmemente fundamentados, mas também aqueles que são eminentemente úteis em suas vidas futuras, como, por exemplo,  a administração de empresas, a administração de hotéis, e estudos de relações internacionais. Em resumo, as universidades evoluíram de clubes socialmente exclusivos voltados ao estudo de futilidades preciosas, para centros de treinamento socialmente inclusivos voltados à propagação das habilidades necessárias. E a cultura que elas transmitem não é a de uma elite privilegiada, mas de uma ‘cultura inclusiva’ que qualquer pessoa pode adquirir e desfrutar.

Dito isto, no entanto, hoje é mais provável que um visitante de uma universidade americana depare com as variedades locais de censura do que com qualquer atmosfera de livre investigação. É verdade que os americanos vivem em uma sociedade tolerante. Mas, eles também criam guardiães vigilantes, determinados a detectar e extirpar os primeiros sinais de ‘preconceito’ entre os jovens. E esses guardiães têm uma tendência inata de gravitar para as universidades, onde a própria liberdade de currículo e a abertura à inovação lhes proporcionam uma oportunidade de exercer as suas paixões censórias. Livros são lançados ou retirados do plano de estudos com base em sua correção política; os códigos de fala e os serviços de aconselhamento oferecidos policiam o idioma e o pensamento de alunos e professores; os cursos são projetados para transmitir conformidade ideológica, e os alunos são frequentemente penalizados por terem tirado alguma conclusão herética sobre as questões principais do dia. Nas áreas sensíveis como raça, sexo, e, a essa coisa misteriosa chamada ‘gênero’, a censura é abertamente direcionada não apenas aos estudantes, mas também a qualquer professor, por mais imparcial e escrupuloso que seja, que chegue a conclusões erradas.

Evidentemente, a cultura do Ocidente continua sendo o principal objeto de estudo nos departamentos de humanidades. No entanto, o objetivo não é instilar essa cultura, mas repudiá-la – examiná-la por todas as maneiras pelas quais ela peca contra a visão de mundo igualitária. A teoria ideológica marxista ou qualquer de seus descendentes feministas, pós-estruturalistas, ou foucaultianos, serão convocados como prova de que as preciosas conquistas de nossa cultura devem o seu status ao poder que fala através delas, e portanto, são desprovidas de valor intrínseco. Em outras palavras: o antigo currículo, que Newman via como um fim em si, foi rebaixado a um meio. Dizem que esse antigo currículo existia com a finalidade de manter as hierarquias e as distinções, formas de exclusão e dominação que mantinham a elite dominante. Os estudos nas humanidades são agora projetados para provar isso – para mostrar como, através de suas imagens, histórias e crença, através de suas obras de arte, sua música e sua linguagem, a cultura do Ocidente não tem um significado mais profundo do que o poder que serviu para perpetuar. Dessa maneira, a ideia da nossa cultura ter sido herdada como uma esfera autônoma do conhecimento moral e que requer aprendizado, reflexão e imersão para aprimorar e reter, é lançada inteiramente ao vento. A universidade, em vez de transmitir cultura, existe para desconstruir a cultura, remover sua ‘aura’ e dar o aluno, após quatro anos de dissipação intelectual, com a visão de que tudo vale e nada importa.

Surge, portanto, a impressão de que, fora das ciências exatas, não existe um corpo de conhecimento recebido, e que não há nada a aprender salvo as atitudes doutrinárias. Em The Closing of the American Mind  (O fechamento da mente americana), Allan Bloom lamentou o relativismo lânguido que havia infectado as humanidades – a crença, compartilhada por estudantes e professores, de que não existem valores universais, e, que estudamos apenas por curiosidade os trabalhos que vieram até nós. Se permanecermos indiferentes ao desafio moral com o qual eles nos confrontam, isso é em grande parte devido ao fato de que não acreditamos mais que exista um desafio moral real.

Embora a observação de Bloom seja verdadeira, ela não é toda a verdade. O relativismo moral abre caminho para um novo tipo de absolutismo. O currículo emergente nas ciências humanas é, de fato, muito mais censurador, em questões cruciais, do que aquele que se esforça para substituir. Não é mais permitido acreditar que existam distinções reais e inerentes entre as pessoas. Todas as distinções são ‘culturalmente construídas’ e, portanto, mutáveis. E o objetivo do currículo é desconstruí-las, substituir a distinção pela igualdade em todas as esferas em que a distinção tenha sido um componente da cultura herdada. Os estudantes devem acreditar que, em aspectos cruciais, e em particular nos assuntos relacionados à raça, sexo, classe, papel e refinamento cultural, a civilização ocidental é apenas um dispositivo ideológico arbitrário, e certamente não (como a sua própria imagem sugere) um repositório do conhecimento moral real. Além disso, eles devem aceitar que o objetivo de sua educação não é herdar essa cultura, mas questioná-la, e, se possível, substituí-la por uma nova abordagem ‘multicultural’ que não faça distinção entre as muitas formas de vida pelas quais os estudantes encontram-se cercados.

Duvidar dessas doutrinas é cometer uma profunda heresia e ser uma ameaça para a comunidade da qual a universidade moderna[10] precisa. Pois a universidade moderna tenta atender aos alunos, independentemente de religião, sexo, raça ou formação cultural, e até mesmo da capacidade. É, em grande parte, uma criação do Estado, estando totalmente inscrita na ideia estadista de como uma sociedade deveria ser –  a saber, uma sociedade sem distinções. Portanto, a universidade moderna é tão dependente da crença na igualdade quanto a universidade do cardeal Newman dependia da crença em Deus. O seu objetivo é criar um microcosmo da sociedade futura, assim como a faculdade do cardeal Newman era um microcosmo do mundo dos gentlemen. E, como a nossa cultura herdada é um sistema de distinções, opondo-se à igualdade em todas as esferas em que o gosto, o julgamento e o discernimento fazem reivindicações, a universidade moderna não tem escolha a não ser opor-se à cultura ocidental.

Portanto, apesar de sua aspiração inata à afiliação, os jovens são instruídos na universidade que eles vêm do nada e que não pertencem a nada: que todas as formas de afiliação preexistentes são nulas e sem efeito. Eles recebem um rito de passagem para o nada cultural, pois essa é a única maneira de alcançar a meta igualitária. No lugar das antigas crenças de uma civilização baseada na piedade, no discernimento e na distinção, eles recebem as novas crenças de uma sociedade baseada na igualdade e na inclusão; e, são informados de que é um crime julgar outros estilos de vida. Se o objetivo da universidade moderna fosse simplesmente substituir um sistema de crenças por outro, ela seria aberta ao debate racional. Mas o objetivo é substituir uma comunidade por outra.

Qual é a alternativa? Se as universidades não propagam a cultura que lhes foi confiada, aonde mais os jovens podem procurá-la? Algumas reflexões em resposta a essa pergunta foram sugeridas por experiências que começaram para mim em 1979. Os escritos de Foucault, Deleuze e Bourdieu estavam começando a criar ondas na Universidade de Londres, onde eu lecionava. Os meus alunos estavam sendo informados de todos os lados que não existe conhecimento nas humanidades, e, que as universidades existem não para justificar a cultura como uma forma de conhecimento, mas para desmascará-la como uma forma de poder.

Em resposta, me perguntei o que exatamente eu estava tentando ensinar e por quê. Ao apresentar aos alunos as grandes obras de filosofia, literatura e crítica que eu havia absorvido na escola e na universidade, eu senti que estava oferecendo a eles o quadro de referência, o estoque de especulações, os paradigmas de discernimento e alusão, para que, através dos quais, entendessem o seu mundo. Eu estava oferecendo a eles a afiliação à cultura, não como um corpo de doutrina, mas como uma conversa contínua. E isso, eu senti, era uma forma de conhecimento real: não o conhecimento de fatos e teorias, mas conhecimento do que sentir, como se relacionar, e a que pertencer. No entanto, esse corpo de conhecimento, como eu o supunha, estava agora sendo descartado como uma ideologia burguesa, ou – no jargão de Foucault – como o episteme, o saber acumulado, de uma classe dominante.

Um dia, veio-me um convite, de boca, para falar em um seminário clandestino em Praga. Eu aceitei; como resultado, entrei em contato com pessoas para quem a busca pelo conhecimento e pela cultura não era um luxo dispensável, mas uma necessidade. Nada mais poderia lhes proporcionar o que buscavam, que era uma rota de fuga do mundo das mentiras pelas quais estavam cercados. E discutindo a herança cultural ocidental entre si, eles foram marcados como hereges, que arriscavam a detenção e a prisão apenas por se reunir como eles faziam. Ironicamente, talvez a maior conquista intelectual do partido comunista tenha sido convencer as pessoas de que a distinção feita por Platão entre conhecimento e opinião é válida, e, que a opinião ideológica não é meramente distinta do conhecimento, mas inimiga do conhecimento; é uma doença implantada no cérebro humano, que impossibilita distinguir entre as ideias verdadeiras e as ideias falsas. Essa foi a doença espalhada pelo Partido. E foi espalhado por Foucault também. Pois foi Foucault quem ensinou os meus colegas a avaliar toda ideia, todo argumento, toda instituição, convenção ou tradição em termos da ‘dominação’ que mascara. Verdade e falsidade não tinham significado real no mundo de Foucault; tudo o que importava era o poder.

Essas questões foram sublinhadas com intensidade para os tchecos e eslovacos no ensaio de Václav Havel ‘O poder dos impotentes’ (1978), exortando os seus compatriotas a ‘viverem na verdade’. Como eles poderiam fazer isso, se não eram capazes de distinguir o verdadeiro do falso? E como eles poderiam distinguir o verdadeiro do falso sem o benefício da cultura e do conhecimento real? Portanto, a busca por essas coisas se tornou urgente. E o preço dessa busca foi alto – assédio, prisão, privação de direitos e privilégios comuns, e, uma vida à margem da sociedade. Quando algo tem um preço moral alto, apenas as pessoas comprometidas o perseguem. Por isso, encontrei, nos seminários clandestinos, um corpo discente ímpar – pessoas dedicadas ao conhecimento, como eu o entendia, e cientes da facilidade e do perigo de substituir o conhecimento pela mera opinião. Além disso, eles procuravam conhecimento no lugar onde é mais necessário e também mais difícil de encontrar – na filosofia, na história, e na arte e literatura, nos lugares onde o entendimento crítico, e não o método científico, é o nosso único guia. E o mais interessante para mim foi o desejo urgente entre todos os meus novos alunos de receber a herança cultural que lhes era transmitida. Eles haviam sido criados em um mundo onde todas as formas de pertencimento, exceto a submissão ao Partido no poder, haviam sido marginalizadas ou denunciadas como crimes. Eles entenderam instintivamente que uma herança cultural é preciosa, precisamente porque oferece um rito de passagem para o que você realmente é e para a comunidade de sentimentos que é sua.

Havia outra característica interessante dos seminários clandestinos, que é o faro de que os seus recursos intelectuais eram tão escassos. Os acadêmicos do Ocidente são obrigados a publicar artigos e livros para avançar em suas carreiras e, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, isso levou a uma proliferação de literatura que, se não de secunda categoria, do ponto de vista intelectual, quase sempre não tem mérito literário – é pesada, cheia de notas de rodapé, sem imagens informativas ou eloquência, e, com um conteúdo que é ao mesmo tempo efêmero e impossível de ignorar. O peso dessa pseudo literatura oprime tanto os professores quanto os alunos das humanidades, e agora é praticamente impossível descobrir os clássicos que estão enterrados debaixo dela.

Às vezes eu penso que o maior serviço à nossa cultura foi prestado pela pessoa que incendiou a biblioteca de Alexandria, garantindo assim que nada sobrevivesse àquele volume de literatura além daquelas obras consideradas tão preciosas que toda pessoa educada teria suas próprias cópias. Os comunistas haviam prestado um serviço semelhante à vida intelectual na Tchecoslováquia, impedindo a publicação de qualquer coisa, exceto aquelas obras consideradas tão preciosas que as pessoas estavam preparadas para produzi-las em laboriosas edições samizdat[11]. Estas obras eram passadas ​​de mão em mão e lidas com grande interesse por pessoas para quem o conhecimento, e não o progresso na carreira, era o objetivo. Quão revigorante era isso, depois de uma vida entre revistas acadêmicas e suas notas de rodapé!

Obviamente, as circunstâncias dos seminários clandestinos eram incomuns, e, ninguém iria querer reproduzi-las. No entanto, durante os dez anos em que trabalhei com outras pessoas para transformar esses grupos particulares de leitura em uma universidade estruturada (embora clandestina), aprendi duas verdades muito importantes. A primeira é que uma herança cultural é realmente um corpo de conhecimentos e não um conjunto de opiniões – conhecimento do coração humano, e da visão de longo prazo de uma comunidade humana. A segunda é que esse conhecimento pode ser ensinado e que não é necessário um vasto investimento de dinheiro para isso; e, certamente não os US $ 50.000 por estudante por ano exigidos por uma universidade da Ivy League[12]. Requer um punhado de livros que passaram no teste do tempo e são valorizados por todos que realmente os estudam. Requer professores com conhecimento e alunos ansiosos para adquiri-lo. E isso, por sua vez, requer uma tentativa contínua de expressar o que se aprendeu, em ensaios ou em encontros cara a cara com um crítico. Todo o resto –  administração, tecnologia da informação, salas de aula, bibliotecas, recursos extracurriculares – é, em comparação, um luxo insignificante.

Quando as instituições são incuravelmente corrompidas, assim como as universidades foram corrompidas pelo comunismo, nós devemos começar de novo, mesmo que o custo seja tão alto quanto foi na Europa ocupada pelos soviéticos. Para nós, o custo não é tão alto. O presente mais precioso de nossa civilização, e o que estava mais ameaçado durante o século XX, é a liberdade de associação. Como essa liberdade ainda existe, e em nenhum lugar mais do que na América, o fato de não podermos mais confiar nossa alta cultura às universidades importa menos. O destino de Harvard e Yale é inevitavelmente uma preocupação geral; mas também existem instituições de ensino superior como o St. John’s College, em Anápolis, ou o Hillsdale College, no Michigan, onde pessoas que acreditam no currículo antigo estão preparadas para ensiná-lo. Existem grupos privados de leitura, cursos on-line, associações de acadêmicos, grupos de reflexão (think tanks) e programas de palestras públicas. Existem instituições como o Intercollegiate Studies Institute (Instituto de Estudos Intercolegiais), que oferece um serviço de resgate para estudantes que foram vítimas do politicamente correto. Existem periódicos como este, que servem como ponto focal para discussões que, no final das contas, não precisam de uma universidade para ocorrer. Parece-me que nós nos deixamos intimidar pela crença de que, como as universidades têm bibliotecas, laboratórios, professores instruídos e dotações substanciais, elas são também repositórios indispensáveis ​​de conhecimento. Nas ciências, isso é verdade. Mas isso não é mais verdade nas humanidades.

No entanto, o caminho a seguir não é tão claro quanto gostariam os defensores do antigo currículo. Os programas dos ‘grandes livros’ (o cânon literário), as pesquisas sobre a nossa herança cultural, os estudos comparativos da arte, da música e da arquitetura ocidentais – todas essas são escolhas óbvias. Mas por quê? O que distingue esses programas dos cursos de música pop, de desenho em quadrinhos, e dos estudos de gênero, que, tão facilmente, entram para substituí-los? Dizer que o currículo tradicional continha conhecimento real em oposição a distrações efêmeras apenas levanta outra pergunta. Pois nós não sabemos em que consiste realmente o conhecimento. Sentimos isso, é claro, como meus alunos tchecos sentiram. Sentimos o chamado da cultura que é nossa, e queremos dizer que, ao responder a esse chamado, estamos deixando o mundo da opinião e entrando no mundo do conhecimento. Mas por quê?

As respostas até o momento, ou são triviais – como quando Matthew Arnold nos diz, em Culture and Anarchy (Cultura e Anarquia), que uma alta cultura consiste no “melhor que já foi pensado e dito” – ou então, baseadas em alguma versão da visão iluminista de que o conhecimento cultural envolve transcender o particular no universal, substituindo as nossas lealdades constritivas e as comunidades imaginadas por algum ideal cosmopolita. E, há apenas um pequeno passo entre essa posição iluminista e o currículo multicultural e igualitário que adota o universal humano apenas porque toda a singularidade da herança cultural real foi retirada da mesma. Eu suspeito que, até que consigamos chegar a algo melhor do que essas duas abordagens, não conseguiremos escapar das garras das universidades, e tampouco nos sentiremos confiantes o suficiente para começar de novo sem elas.

                                                                                                                                                                                _________

Ensaio publicado inicialmente na revista online First Things em abril de 2015. Tradução e notas de rodapé de Joaquina Pires-O’Brien (UK). Sir Roger Scruton (1944-2020), filósofo britânico, é considerado o maior filósofo do conservadorismo desde Edmund Burke (1729-1797).

 

 PortVitoria – A biannual digital magazine of current affairs, culture and politics, centered on the Iberian culture and its diaspora

Home  –   Blogs   –  Contributors  –  Past Issues  –  Contact 

 

[1] Paideia (em grego antigo: παιδεία) é a denominação do sistema de educação e formação ética da Grécia Antiga, que incluía o ensino da Educação Física, Gramática, Retórica, Música, Matemática, Geografia, História Natural e Filosofia. O objetivo da paideia era formar um cidadão perfeito e completo, capaz de liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade.

[2] Os Studia (sing. studium) eram um novo tipo de escola que surgiu no século XI na Itália.  Inicialmente havia apenas studia de conhecimento específico, mas posteriormente surgiram as studia generalia ou ‘escolas de estudos gerais.’  As primeiras eventualmente passaram a ser conhecidas como ‘faculdades’, do latim facultatem, uma tradução do termo grego ‘dynamis’, que significa ‘ramo de conhecimento’, enquanto que as segundas são reconhecidas como sendo as primeiras universidades.

[3] O Iluminismo, ou siècle des Lumières (literalmente ‘século das Luzes’) no francês, ou Aufklärung em alemão, refere-se ao movimento intelectual na Europa dos séculos XVII e XVIII, durante o qual as ideias sobre Deus, razão, natureza e humanidade foram sintetizadas em uma visão de mundo que obteve ampla aprovação no Ocidente, e, instigou desenvolvimentos revolucionários na arte, na filosofia e na política. O pensamento central do Iluminismo é a celebração da razão e o seu uso para ajudar as pessoas a entender o universo e a melhorar as suas condições.

[4] Bildung. Palavra alemã que designa a tradição alemã do auto cultivo. É sinônimo de educação e formação.

[5] John Henry Newman (1801-1890) foi um influente clérigo e homem de letras do XIX, na Inglaterra. Ele liderou o chamado movimento de Oxford, de 1833, pela reforma da Igreja Anglicana. Em 1843 ele deixou a Igreja Anglicana e se converteu para a Igreja Católica romana, dentro da qual foi ordenado padre e nomeado cardeal. O seu livro The Idea of the University (A Ideia da Universidade; 1852) defende a tradicional união entre o conhecimento e a religião das primeiras universidades, discorrendo sobre a filosofia e a teologia, o humanismo e o cristianismo, a razão e a revelação, a natureza e a Graça Divina, etc. Em 2019 Newman foi canonizado santo pelo Papa Francisco.

[6] Gentlemen. Inglês, plural; singular: gentleman. A palavra gentleman é traduzida para o português como cavalheiro, no sentido de homem educado e dotado de trejeito social e boas maneiras.

[7] Colleges. Inglês, plural; singular: college. No mundo anglófono a palavra college equivale à palavra `faculdade` e seus cognatos, empregados nas línguas latinas. Pode também significar ‘universidade’ ou ‘campus universitário’. Citando como exemplo a Universidade de Oxford, esta consiste de diversos colleges, cada qual com seu próprio caráter e história. Na Universidade de Oxford, a maioria dos colleges oferece refeições, bibliotecas, alojamento, esportes, e os mais variados eventos. Portanto, cada college é uma comunidade de alunos, professores e servidores.

[8] Dons. Inglês. Na Universidade de Oxford, dons são os governantes de cada college. Noutras universidades a palavra don é empregada para designar os professores de modo geral.

[9] Alma mater. Palavra Latina que significa literalmente ‘mãe nutridora da alma’, mas cuja conotação normal é a da universidade ou faculdade onde uma pessoa estudou.

[10] Ao usar a expressão ‘universidade moderna’ o autor não está contrastando o moderno e o pós-moderno mas simplesmente se referindo à universidade dos dias de hoje, isto é, das últimas décadas.

[11] A palavra Samizdat se refere a um sistema na ex-URSS e na Europa Oriental pelo qual livros e revistas proibidos pelo Estado eram impressos ilegalmente por grupos que se opunham ao Estado.

[12] Ivy League. Termo referente a oito universidades de prestígio no nordeste dos Estados Unidos: Harvard, Yale, Pensilvânia, Princeton, Columbia, Brown, Dartmouth e Cornell, assim chamadas devido à hera (ivy) que cresce em seus antigos prédios e muros. Os estudantes dessas universidades são chamados Ivy Leaguers.

 

Jo Pires-O’Brien

Review of the book Provocations by Camille Paglia. Pantheon Books, © 2018, 712pp

I still recollect the first time I ran across the name of Camille Paglia, the Italian-American woman of letters.  It happened in Brazil in 1992, when a one-page article by her, probably one of her syndicated columns, was published in a Brazilian weekly magazine, inside a larger article covering the troubles on the celebrations in Brazil of the 500 anniversary of Columbus epic voyage of discovery due to opposing activism. Paglia was the only public intellectual who dared to criticize the twin activism in the United States, which explains why her article was used in Brazil. After that, I began to pay attention to her name wherever it would appear in the media, and soon discovered that Paglia was a household name in the Anglophone world, and more recently, that she has many admirers in Brazil.

Paglia has been at the centre of the culture wars at the American colleges and universities, on the side that stands for tolerance to ideas and authentic scholarly principles. Her new book Provocations (2018) starts by listing the contraindications and indications, determined by people’s ways of thinking, before getting to the point of what the book is about. The collection of essays and short interviews in Provocations covers two and a half decades since her last essay collection was published in her 1994 book Vamps & Tramps. However, Provocations also includes essays on her previous books and interviews. According to Paglia, since her student days she wanted to develop an ‘interpretative’ style of writing that could integrate high and popular culture, which is how she describes her style in Provocations. Although she doesn’t say there that the biology of human nature is a crucial component of the interpretative’ style, this is implicit in many of her essays.

The essays and interviews in Provocations are organized into eight categories: popular culture; film; sex, gender, women; literature; art; education; politics; and religion. The eight categories required to organise these essays are revealing of Paglia’s encyclopaedic knowledge. However, her way of thinking is best revealed by the threads of ideas she interweaves in each category. They are things like art, historical timeline, Shakespeare, post-structuralism and postmodernism, nature, biology and freedom of expression.

The essays on ‘popular culture’ include such topics as Hollywood, song lyrics, Rihanna, Prince, David Bowie and his alter ego Ziggy Stardust, punk rock, favourites popular songs, Gianni Versace and the Italians’ way of seeing death.  The essays on the category ‘film’ talk about Alfred Hitchcock and his female characters, ‘the waning of European Art film’, ‘the decline of film criticism’, ‘movie music,’ and ‘Homer on film.’ The essays on the category ‘sex, gender, and women’ starts with the essay ‘Sex Quest in Tom of Finland’, the story of a Finnish homoerotic artist (actual name Touko Laaksonen) which was turned into a movie. The essays on the category ‘literature’ start with one telling off publishers for sending out unsolicited manuscripts accompanied by a request of a ‘blurb,’ a short description of a book written for promotional purposes; the remaining are properly framed on literature. These include essays on play writers such as Shakespeare, Tennessee Wiliams, Norman Mailler, and about why it took her five years to select the world’s best poems of all times for her book Break, Blow, Burn. The essays on the category ‘art’ covers Andy Warhol, the Mona Lisa, and the power of images. The essays on category ‘education’ covers a variety of themes associated with the aforementioned culture wars at the American colleges and universities, inclusive the intrusive federal regulations aimed at enforcing politically correctness on campus activities. The category of ‘politics’ starts with an interview for Salon magazine about the U.S. invasion of Iraq, and then go on to analyse political figures such as Bill Clinton, Sarah Palin and Donald Trump. The last category is ‘religion’, and it includes essays on the Bible, ‘that old-time religion’, the cults and cosmic consciousness in the sixties in America, ‘religion and the arts in America’, and one essay on why religion should be part of the curriculum of higher education.

One essay I found especially intriguing was that on the Russian-American philosopher Ayn Rand’ (1905-1982), whose objective was to clarify similarities and differences between Rand and herself, after some of her readers pointed out that they had noticed parallels between Hand’s writing and her own. When Paglia finally decided to read Rand she was astonished in finding similar passages to those in her own books. However, she also stresses the main differences between herself and Rand. Paglia describes Rand as an intellectual of daunting high seriousness she describes her style as playful, emphasizing her belief that comedy is a sign of a balanced perspective on life. There is a paradox in this assertion in the fact that Paglia excludes herself from the category of ‘serious thinkers’ and yet displays a kind of self-knowledge that is typical of serious thinkers.

The essay ‘Women and Law’ caught my attention due to her description of the statue of Justice placed in front of Brazil’s Supreme Federal Court. Like most Brazilians, I know what the statue of Justice looks-like. It is a seated woman holding a sword with her eyes blindfolded, signifying the impartiality of the law. However, I did not know that it was the work of the Italian-Brazilian sculptor Alfredo Ceschiati (1918-1989), using a ‘rugged block of creamy granite from Petropolis,’ and neither the historical lineage of the ‘allegorical personification of justice’ that this statue represented. She explains: “Ceschiati has strangely flattened the head of Justice, as if he is alluding to the bust of Nefertiti, with her conceptually swollen wig-crown, or to the Meso-American Chack Mool, who oversaw with alert eyes the ritual of blood sacrifice, guaranteeing the rise of the sun”. Really? I always thought that the flat head of the statue of Justice in Brasília was due to the sculptor’s decision to make his sculpture as tall as his block of granite would allow. However, Paglia was simply allowing her imagination to wander, for she soon returns to the known facts, when she clarifies that the iconic blindfolded goddess of Justice, “was not an ancient motif, but appeared first in the Northern European Renaissance”. Following that, she takes a side step to raise the question whether gender, or any other basic descriptor of a group of people, should be visible or invisible to the law. Women made gains in the law only in piecemeal way, in a long saga that started in Sumeria, under the Code of Hammurabi, passing through Egypt, Judaea, Athens, Rome, Christianized Europe, China and Japan. The contemporary call for special concessions to women would require making them visible, and that this would trample the idea of the impartiality of the law.

The essay ‘Erich Newmann: Theorist of the Great Mother’ reveals where Paglia gained her perspectives art, women, religion, and higher education. Newmann (1905-1961) was a member of the Weimar culture and a product of what Paglia considers “the final phase of the great period of German classical philology, which was animated by an ideal of profound erudition”. Newmann obtained his PhD in philosophy at the University of Erlangen in Nuremberg, and after that he began to study medicine at the University of Berlin, although the discrimination to Jews introduced by the Nazis prevented him from doing the internship necessary to obtain the medical degree. Nevertheless, he carried on his research, which took a new turn after he met Carl Jung (1875-1961), known for his work of archetypes.  Under Jung, Newmann created the archetype of the Great Mother, “a dangerously dual figure, both benevolent and terrifying, like the Hindu goddess Kali”.  It is also from Newmann that Paglia learned to appreciate things like alchemy and the I Ching. On page 439 of this essay she writes that “Authentic cultural criticism requires saturation in scholarship as well as a power of sympathetic imagination”. Paglia’s fondness of Neumann is due to two things: the quality of his scholarship and the fact that it represented last authentic period of learnedness in higher education, before everything was spoilt by post-structuralism.

It was in the category ‘education’ where I found the essays I liked best. Paglia’s essays on education cover the various problems of colleges and universities which triggered the culture wars of the 1980s, from their traditional mission to protect the free flow of ideas to the circumstances that drove them to be swamped by intrusive federal regulations campus aimed to enforce politically correct policies. In the essay ‘Free speech and the modern campus’, Paglia remembers her old-guard professors at Yale Graduate School, in the late 1960s, as the last true scholars. Here is how she describes how it was then and how it is now:

They believed they had a moral obligation to seek the truth and to express it as accurately as they could. I remember it being said at that time that a scholar’s career could be ruined by fudging a footnote. A tragic result of the era of identity politics in the humanities has been the collapse of rigorous scholarly standards, as well as an end to the high value once accorded to erudition, which no longer exists as a desirable or even possible attribute in job searches for new faculty.

In this same essay Paglia states that it was during the five years she researched her book Glittering Images: A journey through art from Egypt to Star Wars (2012) when she noticed the sharp decline in quality of scholarship in the humanities. She conducted a small experiment to detect when this decline started. That experiment involved selecting 29 images from a period extending offer 3,000 years, starting in ancient Egypt and ending in the present, and compiling the scholarly literature on each image. She found that the big drop off in quality happened precisely in the 1980s, which is when post-structuralism and post-modernism encroached into the colleges and universities.

What caused the scholarship of the humanities to slacken according to Paglia was political correctness, for it stunted the sense of the past and reduced history to a litany of inflammatory grievances. She also points out that this problem became worse when colleges and universities decided to embrace the wrong type of multiculturalism, which started to blame all g social inequalities on Western colonialism. Most conservative thinkers now dislike multiculturalism altogether, but Paglia believes in a right type of multiculturalism that incorporates Western civilization alongside the others. She favours a reform in higher education to prompt the return of authentic scholarly principles. To her, the introduction of popular culture in universities should not occur at the expense of the past. Colleges and universities must have an atmosphere of tolerance, and for that to happen, the spectrum of permissible ideological opinion must be broadened, rather than narrowed. The best way that colleges and universities can fully become a place for learning is by allowing free speech and the free flow of ideas; their departments should not become fiefdoms; no group should have a monopoly on truth; and students should be encouraged to be resilient and to accept personal responsibility.

The last category of essays is religion. Paglia admits being both an atheist and having a ‘1960’s mystical bent’ that fuels her interest in astrology, palmistry, ESP, and the I Ching.  Her essay ‘Cults and cosmic consciousness’ is the longest of this book, with 48 pages. In it, she talks about ancient and modern cults and traces the rise to the New Age movement during the 1980s and 1990s to the spiritual yearnings of her generation. In the essay ‘Resolved: Religion belongs in the curriculum’, the penultimate in this book, she argues the importance of the understanding of religions to the understanding of civilization. She believes that “every student should graduate with a basic familiarity with the history, sacred texts, codes, rituals, and shrines of the major world religions – Hinduism, Buddhism, Judaeo-Christianity, and Islam”. She recalls the religious overtone of her 1991 book Sexual Personae. Here is Paglia’s justification for this:

Judeo-Christianity never did defeat paganism, which went underground during the Middle Ages and erupted in three key moments: the Renaissance, Romanticism, and modern popular culture, as signalled by the pantheon of charismatic stars invented by studio-era Hollywood and classic rock music.

If universities had to choose between the teaching of religion and the teaching of the cult of Foucault – Postmodernism, they would be much better off with religion. Here is how she completes her argument:

Veneration of Jehovah brings vast historical sweep and a great literary work – The Bible – with it. Veneration of Foucault (who never admitted how much he borrowed from others – from Emile Durkheim to Erwin Goffman) traps the mind in simplistic, cynical formulas about social reality, applicable only to the past two and a half centuries of the post-Enlightenment. The highest level of intellect, conceptual analysis, and rigorous argumentation in the collected body of ancient Talmudic disputation and medieval Christian theology far exceeds anything in the slick, game-playing Foucault.

Postmodernism, including the poststructuralism which was rooted in the field of literary criticism, is one of the various threads of thought that weaves in and out of the eight categories of this book. Paglia threats the two terms as synonymous. In her essay ‘Scholars talk writing’ she describes the Yale she knew during the period as a graduate student there, from 1968 to 1972. It was a time when “French post-structuralism was flooding into Yale”. This is how she ends this same essay: “I’ve spent 25 years denouncing the bloated, pretentious prose spawned by post-structuralism. Enough said! Let the pigs roll in their own swirl”. In the essay ‘Free speech and the modern campus’ she describes the simultaneous rise of deconstruction and poststructuralism:

The deconstructionist trend started when J. Hillis Miller moved from Johns Hopkins University to Yale and then began bringing Jacques Derrida over from France for regular visits. The Derrida and Lacan fad was followed by the cult of Michael Foucault, who remains a deity in the humanities but whom I regard as a derivative game-player whose theories make no sense whatever about any period preceding the Enlightenment. The first time I witnessed a continental theorist discoursing with professors at a Yale event, I said in exasperation to a fellow student: ‘They’re like high priests murmuring to each other.’ It is absurd that elitist theoretical style, with its opaque and contorted jargon, was ever considered leftist, as it still is. Authentic leftism is populist, with a brutal directness of speech.

Poststructuralism or postmodernism was the major cause of the weakening of scholarship in the colleges and universities. In her aforementioned essay on Erich Newmann Paglia shows how important nature was in Newmann’s time and how things have changed.

The deletion of nature from academic gender studies has been disastrous. Sex and gender cannot be understood without some reference, however qualified, to biology, hormones, and animal instinct. And to erase nature from the humanities curriculum not only inhibits student’s appreciation of a tremendous amount of great, nature-inspired poetry and painting but also disables them even from being able to process the daily news in our uncertain world of devastating tsunamis and hurricanes.

As I started to read Camille Paglia’s Provocations I soon understood that the word ‘provocations’ is used in the sense of inciting thought. Although inciting thought is not the same as inciting rage, the first can lead to the second. Paglia has made some foes on her campus, who would like to see her pushed aside. History repeats itself when its past lessons are forgotten. During the trial of Socrates in 399 BCE, the philosopher told the Athenian people that although they saw him as a pesky ‘gadfly’, he was ‘a gadfly given to them by God,’ and one which will be difficult to replace.’ Paglia is the modern-day ‘gadfly’. She too will be difficult to replace.

                                                                                                                                               

Jo Pires-O’Brien is a Brazilian-Brit and the editor of PortVitoria.