Como encontrar significado
Joaquina Pires-O’Brien
Resenha do livro 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos (12 regras para a vida: um antídoto para o caos), de Jordan B. Peterson. Allen Lane, UK, 2018. 409 pp. ISBN 978-0-241-45163- 5.
Eu só ouvi falar de Jordan B. Peterson, o psicólogo canadense cujas aparições no YouTube são assistidas por centenas de milhares de pessoas de todo o mundo, ano início de junho deste ano, quando uma amiga me falou sobre um debate acerca do tema do ‘politicamente correto’ no qual Jordan participou com Michael Dyson – autor, acadêmico e pastor americano, Stephen Fry – escritor e comediante britânico, e Michelle Goldberg – jornalista blogueira e autora americana. Aprendi muito assistindo a esse debate no YouTube, inclusive o motivo pelo qual Peterson é descrito pelos jornalistas como o tipo de pessoa que as pessoas amam ou odeiam. Apesar de me situar logo de início entre os primeiros, eu ainda estava relutante em comprar o seu livro 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos (12 Regras Para a Vida: um antídoto para o caos) simplesmente porque o título me lembrava aqueles livros com a expressão “for dummies” ou “para imbecis” no título. O que me fez mudar de ideia foi ter ter assistido outro vídeo de Peterson, dessa vez uma conversa sobre ‘tempos modernos’, com Camille Paglia, uma brilhante ensaísta e autora americana, gravada em outubro de 2017.
Este é o segundo livro de Jordan, o resultado de uma epifania que ele teve durante uma reunião brainstorming com um amigo e sócio no final de 2016, quando ele imaginou que a caneta lanterna-LED que seu amigo lhe presenteou como sendo uma “caneta de luz” “com a qual ele seria capaz de escrever palavras iluminadas na escuridão”.
Considerando-se que 12 Rules for Life, um livro de 409 páginas foi publicado na primeira parte de 2018, esse é um tempo extraordinário, mesmo para um gênio. A explicação está no primeiro livro de Jordan, Maps of Meaning: The Architecture of Belief (Mapas de significado: a arquitetura da crença), publicado em 1999, “um livro muito denso” segundo as próprias palavras de Peterson, o qual levou 10 anos para ser escrito, e cujas ideias foram expandidas no 12 Rules. As 12 regras da vida são:
Regra 1. Fique de pé ereto e com os ombros para trás.
Regra 2. Cuide de si como cuida de alguém a quem você é responsável por ajudar.
Regra 3. Faça amizade com as pessoas que querem o melhor para você.
Regra 4. Compare-se com quem você foi ontem, não com outra pessoa de hoje.
Regra 5. Não permita que os seus filhos façam qualquer coisa que faça você desgostar deles.
Regra 6. Deixe a sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo.
Regra 7. Busque o que é significativo (não o que é conveniente).
Regra 8. Diga a verdade – ou, pelo menos, não minta.
Regra 9. Presuma que a pessoa que você está ouvindo possa saber algo que você não sabe.
Regra 10. Seja preciso na sua fala.
Regra 11. Não incomode as crianças quando elas estão fazendo skateboard.
Regra 12. Acarinhe um gato quando você encontrar um na rua.
Ao explicar a regra 1, “Fique de pé ereto e com os ombros para trás”, o autor mostra que essa é uma característica que evoluiu, associada ao status e à posição social, não apenas no homem, mas em outros animais, como as lagostas. O capítulo inteiro é uma lição de biologia sobre as hierarquias intraespecíficas do reino animal, que resultam da competição por recursos limitados. Existem substâncias químicas corporais específicas associadas à hierarquia das galinhas e à maneira como as aves canoras estabelecem a dominância. Embora a evidência biológica aponte a existência de hierarquias em humanos, admitir isso tornou-se politicamente incorreto. Talvez a noção de hierarquia humana tenha se tornado uma espécie de ‘monstro’ para indivíduos com uma determinada personalidade, o que provavelmente é o motivo pelo qual Peterson gosta de repetir que os monstros existem, afinal de contas. Mas faz sentido que as pessoas fiquem eretas quando estão bem, e se curvam quando não estão, mas a mensagem é que alguém pode se recompor e ficar eretas novamente. “Fique de pé ereto e com os ombros para trás” é uma metáfora para aceitar as muitas responsabilidades da vida, mesmo as mais terríveis e difíceis. A aceitação da responsabilidade equivale a uma intenção de encontrar sentido na vida e respeitar a si mesmo. Entretanto, aceitar a responsabilidade tornou-se mais difícil devido à brutal distribuição do sucesso no mundo de hoje:
A maioria dos artigos científicos é publicada por um grupo muito pequeno de cientistas. Uma pequena proporção de músicos produz quase toda a música comercial gravada. Apenas um punhado de autores vendem todos os livros. Um milhão e meio de títulos de livros (!) são vendidos todos os anos nos EUA. No entanto, apenas quinhentos deles vendem mais de cem mil cópias. Da mesma forma, apenas quatro compositores clássicos (Bach, Beethoven, Mozart e Tchaikovsky) escreveram quase toda a música tocada pelas orquestras modernas. Bach, por sua vez, compôs de maneira tão prolífica que levaria décadas de trabalho apenas para copiar as suas partituras, mas apenas uma pequena fração dessa prodigiosa produção é comumente executada. O mesmo se aplica à produção dos outros três membros deste grupo de compositores súper dominantes: apenas uma pequena fração de seus trabalhos é amplamente tocada. Assim, quase toda a música clássica que o mundo conhece e ama representa uma pequena fração da música composta por uma pequena fração de todos os compositores clássicos que já compuseram algo.
A situação acima é descrita por um gráfico em forma de ‘L’ conhecido como lei de Price, onde o eixo vertical representa o número de pessoas e o eixo horizontal representa a produtividade ou os recursos. É também é conhecido como ‘Princípio de Mateus’, devido a uma citação do Novo Testamento (Mateus 25:29), onde Cristo disse “àqueles que têm tudo, mais será dado; para aqueles que não têm nada; tudo será levado.” Esta citação vem da Parábola dos Talentos, onde Cristo reconhece que as pessoas não são iguais em termos de iniciativa e diligência. O principal ponto que Jordan está tentando fazer é que as hierarquias são parte da vida. As hierarquias evoluíram durante longos períodos de tempo no reino animal, não apenas no homem. Da perspectiva darwiniana, o que importa é a permanência. A hierarquia social não é um conceito novo; já existe há meio bilhão de anos e é real e permanente. A natureza é o que ‘seleciona’, e algo selecionado é tanto mais permanente quanto mais antigo for. A natureza não é tão harmoniosa, equilibrada e perfeita como é imaginada pelas mentes românticas. Há muito mais neste capítulo, por exemplo, como o fato de que todo indivíduo tem dentro de si uma ideia de sua posição na sociedade. Os status baixo e alto são reais. Há ansiedade em ambas as realidades. Sem dúvida, isso é intragável para muitos, mas é a realidade. Agir com responsabilidade no mundo de hoje exige aceitar a realidade e trabalhar com ela. Finalmente, existem formas autodestrutivas e maneiras inteligentes de viver com responsabilidade: “Procure a sua inspiração na vitoriosa lagosta, com os seus 350 milhões de anos de sabedoria prática. Fique de pé ereto e com os ombros para trás.”
Eu fiquei particularmente atraída pela regra 9: “Presuma que a pessoa que você está ouvindo possa saber algo que você não sabe”. Nesta regra, Peterson explica a ciência das interações humanas, enfatizando a atenção e a conversação. Muitas das ideias que Peterson apresenta a respeito dessa regra vêm de sua prática como psicólogo clínico, a qual lhe deu uma grande amostra do isolamento moderno e seus efeitos colaterais secundários. Ele escreve:
As pessoas que eu escuto precisam conversar, porque é assim que as pessoas pensam. As pessoas precisam pensar. Caso contrário, eles vagam cegamente em dentro de fossas. Quando as pessoas pensam, elas simulam o mundo e planejam como agir nele. Se eles fizerem um bom trabalho de simulação, eles poderão descobrir quais as coisas idiotas eles não deveriam fazer. Então eles não irão fazê-las. Então eles não precisarão sofrer as consequências. Esse é o propósito de pensar. Mas não podemos fazer isso sozinhos. Simulamos o mundo e planejamos nossas ações nele. Somente os seres humanos fazem isso. Nós somos brilhantes nisso. Nós fazemos pequenos avatares de nós mesmos. Colocamos esses avatares em mundos fictícios. Então nós assistimos o que acontece. Se o nosso avatar prospera, então agimos como ele, no mundo real. Então nós prosperamos (é o que esperamos). Se o nosso avatar falhar, nós não vamos lá, se tivermos algum juízo. Nós o deixamos morrer no mundo fictício, para que não tenhamos que realmente morrer no mundo real.
A conversação é uma coisa fundamental na vida humana mas mesmo assim ainda não sabemos como conversar corretamente; a conversação é muitas vezes é dificultada por não ouvirmos corretamente ou por não sermos completamente honestos. Peterson chama de “posição de jóquei” a situação em uma conversa em que as pessoas pensam mais na resposta que querem dar do que no que está sendo dito. Uma boa conversa, do tipo em que as pessoas trocam opiniões entre si, está se tornando algo raro. A alternativa à conversação padrão envolvendo dois ou mais interlocutores é a reflexão, que envolve pensar com circunspecção e e profundidade. Podemos criar uma conversa em nossas mentes, refletindo profundamente e representando nosso ponto de vista e o de outra pessoa. A autocrítica frequentemente passa por reflexão, mas não é pois não tem o necessário diálogo. Como Peterson mostra, a conversação é uma ótima oportunidade para organizar pensamentos de forma eficaz e limpar as nossas mentes. Colocando de outra maneira, a conversação é a chave para uma boa saúde mental.
A simplicidade é uma característica de todas as 12 regras para a vida prescritas por Peterson. Essa simplicidade vem da visão da ponta de um iceberg de significado. Entretanto, é preciso esforço para entender por completo o iceberg de significado. Há muito significado por trás de cada uma dessas 12 regras de vida. Todas as 12 regras baseiam-se em descobertas científicas ou na sabedoria de narrativas antigas e seus arquétipos, ou em ambas as coisas. O significado, segundo Jordan, é a coisa mais importante que alguém poderia desejar na vida, pois nos permite encontrar o equilíbrio entre a ordem e o caos. Uma condição necessária para o significado é a verdade. Muitas pessoas são incapazes de aceitar o mundo como ele é, e em vez disso, preferem manter a ideia de como o mundo deveria ser. Esse é o tipo de pessoa que odeia Jordan e tenta difamá-lo.
O livro 12 Regras para a Vida de Jordan B. Peterson situa-se no topo da lista dos livros de autoajuda e a razão para isso é a clareza com que o autor retrata os problemas da vida e as formas como as pessoas lidam com eles, o que, por sua vez, se deve ao fato de que Jordan é um intelectual público e um psicólogo de classe mundial, bem como um indivíduo que já experimentou uma boa dose de problemas em sua própria vida. O livro de Peterson oferece maneiras inteligentes de lidar com os problemas da vida moderna, do isolamento social e abuso de álcool ou substâncias químicas, ao niilismo e à incapacidade de aceitar a verdade sobre o mundo; podemos incluir nesta lista uma gama de distúrbios mentais que vão da ansiedade à depressão. Significado, e não felicidade, é o objetivo dessas 12 regras. Felicidade é um termo que deriva de ‘feliz’, mas ‘feliz’ não é sinônimo de ‘bom’. Bom inclui uma série de coisas como autorrespeito e a ‘Regra de Ouro’ em relação ao tratamento das outras pessoas; aquilo que nos permite viver nossas vidas com integridade e com esperança de melhorias é ‘bom’, enquanto o oposto disso é ‘inferno’. Somente através de significado podemos escapar do ‘inferno’ e ter coragem necessária para enfrentar as tragédias da vida.
Joaquina Pires-O’Brien é tradutora, ensaísta e ex-botânica e bióloga brasileira, residente na Inglaterra. Desde 2010, ela vem editando a revista digital PortVitoria, voltada para cultura ibérica no mundo, cujos artigos aparecem em inglês, português e espanhol. O seu livro de ensaios O homem razoável (2016) encontra-se disponível na Amazon.
Nota. O livro de Jordan Peterson 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos foi lançado em português pela Alta Books Editora, como 12 regras para a vida: um antídoto para o caos.