Dora Ferreira da Silva. Brazilian poet
Shala Andirá
Tradutora renomada dos poetas Rainer Maria Rilke e Friedrich Hölderlin, do psicólogo suíço Carl Gustav Jung e do místico São João da Cruz, Dora Ferreira da Silva (1918-2006), merece especial atenção por sua obra poética, pela qual foi contemplada com três prêmios Jabuti e com o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra.
Dora, nasceu em Conchas, São Paulo, em primeiro de julho de 1918. Casou-se aos 19 anos com o filósofo Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), com quem estabeleceu uma vida de companheirismo e parceria nos estudos, por 23 anos, até a morte brutal de Vicente em um acidente de carro.
A residência do casal era ponto de encontro e estadia de escritores, poetas e pensadores interessados no dialogismo e na continuidade do pensamento crítico. Com este espírito, Dora e Vicente criaram a revista Diálogo, nos anos 60, a qual contou com 16 números, interrompidos com a morte prematura deste. Um ano após a morte do marido, Dora fundou a revista Cavalo Azul que contou com 12 números dedicados à literatura e, em especial, à poesia.
A poeta foi, também, docente de História da Arte e de História das Religiões em universidades paulistas.
Ganhou o Jabuti com seu primeiro livro, Andanças. Uma coletânea de poemas produzidos a partir de 1948, e lançado na maturidade, em 1970, embora o amor pela poesia tenha surgido na infância, na biblioteca do pai, que falecera quando ela tinha apenas um ano de vida.
Publicou ao longo da vida, além de ensaios e traduções, 15 livros de poesia, entre eles sua Poesia Reunida, de 1999, que levou o prêmio Machado de Assis. Em 2003, incansável, cria, o Centro de Estudos Cavalo Azul que incorporou poetas como Cláudio Willer. Em 2004, chama novamente a atenção da crítica e dos leitores com o livro Hídrias, que reúne uma série de poemas no qual retoma um tema recorrente em sua obra: as fronteiras do sagrado.
Com a morte, em 2006, aos 87 anos, deixa inconcluso o livro no qual trabalhava três séries de poemas: O leque, Appassionata, e Transpoemas. Entre 2007 e 2009, essas séries são lançadas em três livros independentes.
Humana, entre o céu e a profundidade da terra, Dora reúne a força do ventre feminino e a sutileza nos detalhes de sua natureza com maestria de gênio.
Seleção de poemas de Dora Ferreira da Silva
PORTUGUESE
Eterno presente
Um mundo apenas nosso abraço unia
O céu e a Terra mal chegando ao porto
Nuvens e cabelos mar revolto
De marinheiros despertando ao dia.
As gaivotas forçavam nossa porta
Quando o linho das velas se abatia
Cantava o vento eterna melodia
À juventude de nossa alma absorta.
Isso foi ontem logo será outrora
Outros dias flutuam sobre o mar
E esse silêncio cada vez mais fundo
Recolhe o som que diz: “Chegada é a hora.”
Alguém responde em confidência ao ar
De um amor que no Amor gerou seu mundo.
Fronteira II
Esperava-se a fronteira.
Onde e quando?
Andávamos
sem perguntar
tão liso o dia
Ondulada a noite.
Evolava-se o ruído
do capim rasteiro.
Houve um grito? Era a fronteira
Talvez
Sua cancela aberta.
Os cães recuaram e os sentidos.
Quem nos transpôs?
Dionisos dendrites
Seu olhar verde penetra a Noite entre tochas acesas
Ramos nascem de seu peito
Pés percutem a pedra enegrecida
Cantos ecoam tambores gritos mantos desatados.
Acorre o vento ao círculo demente
O vinho espuma nas taças incendiadas.
Acena o deus ao bando: Mar de alvos braços
Seios rompendo as túnicas gargantas dilatadas
E o vaticínio do tumulto à Noite –
Chegada do inverno aos lares
Fim de guerra em campos estrangeiros.
As bocas mordem colos e flancos desnudados:
À sombra mergulham faces convulsivas
Corpos se avizinham à vida fria dos valados
Trêmulas tíades presas ao peito de Dionisos trácio,
Sussurra a noite e os risos de ébrios dançarinos
Mergulham no vórtice da festa consagrada.
E quando o sol o ingênuo olhar acende
Um secreto murmúrio ata num só feixe
O louro trigo nascido das encostas.
Kóre (I)
Por que sempre voltas mendiga
com braceletes de ouro e súplices olhos
de violeta?
Tuas sandálias te trazem nos andrajos
de púrpura. É primavera.
O vento se debate
nos arbustos brilhantes.
O jardim te espelha, pétalas refletem
teu sorriso
e se ofuscam.
Voltas. Sempre de novo és tu
e me assedias:
vaso antigo, cítara,
coluna entre o arvoredo.
Queres cantar comigo na relva da manhã?
Conheço tuas pálpebras, os anéis do teu cabelo,
a curva de teu colo. Sem te ouvir
sei como cantas.
Voltaste: é primavera.
O jardim se adorna
com joias do teu cofre
pérolas frementes.
Forças, amiga, demasiado as cordas
do meu canto.
Revela-se em mim tua fragilidade.
Demora, se puderes, e com o orvalho de teus colares claros
guarda meu pranto
quando ainda mais uma vez te fores.
SPANISH
Kóre (I)
¿Por qué siempre regresas mendiga
com brazaletes de oro y suplicantes ojos
de violeta?
Tus sandálias te traenn en harapos
de púrpura. Es primavera.
El viento se debate
en los arbustos brillantes.
El jardín te esparce pétalos que reflejan
tu sonrisa
y se ofuscan.
Regresas. Siempre como tú
y me asedias:
vaso antiguo de cítara inspiración,
columna entre el arbolado.
Quieres cantar conmigo en el césped de mañana.
Conozco tus párpados, los rizos de tus cabellos,
la curva de tu cuello. Sin oírte
sé cómo cantas.
Regresaste, es primavera.
El jardín se adorna
con joyas de tu cofre,
perlas trémulas.
Fuerzas amiga demasiado las cuerdas
de mi canto.
Se revela en mí tu fragilidad.
Demora si puedes y con las cuentas de tus collares claros
guarda mi llanto
incluso cuando te vayas
(Versión de Consuelo Olvera T.)