Erros e dissimulações da Esquerda

Joaquina Pires-O’Brien

Resenha do livro The Left is seldom right de Norman Berdichevsky. New English Review Press and World Encounter Institute, Nashville, Tennessee. 2011.
ISBN: 978-0-578-08076-5. 283 pp.

Acabo de ler The Left is seldom right (A Esquerda raramente está certa, sem tradução para o português), de Norman Berdichevsky, uma crítica aberta aos erros e dissimulações da esquerda e à cumplicidade da mídia na divulgação destes. O livro consiste de vinte e cinco capítulos referentes a estudos de casos diversos sobre grandes crises – guerras, alianças, conflitos, problemas, personalidades e eleições –, nos Estados Unidos, Europa, América Latina e Oriente Médio (Israel e Jihad). O reexame de tais casos pelo autor permitiu que ele recolhesse provas de primeira mão incluindo depoimentos testemunhais acerca das interpretações errôneas que contradizem a imagem benevolente que a esquerda goza graças à cumplicidade da mídia. Segundo Berdichevsky a dicotomia direita-esquerda é uma percepção inteiramente falsa a qual é perpetuada pela esquerda com a ajuda da mídia tendenciosa. Para ele, a enorme predisposição a mudanças radicais é a única característica específica dos políticos da esquerda, embora isso não queira dizer que aqueles que não têm a mesma predisposição sejam de ‘direita’.

O currículo de Berdichevsky mostra que ele tem o conhecimento e o empenho para a tarefa de denunciar as falsidades e falácias associadas à esquerda. Tendo nascido e crescido na cidade de Nova Iorque, onde há uma grande concentração de pessoas que se identificam com a esquerda, Berdichevsky deixou a bolha nova-iorquina quando escolheu a Universidade de Wisconsin, em Madison, no Centro-Oeste americano, para fazer o PhD em geografia humana, obtendo seu título em 1974. A sua polimática carreira de escritor, ensaísta, resenhista, editor, pesquisador, tradutor e finalmente professor universitário é um testemunho à sua forte determinação em persistir na sua área de estudo apesar da falta de empregos – principalmente no setor acadêmico –, que caracterizou a década de setenta nos Estados Unidos. Tal circunstância levou Berdichevsky a morar em Israel, Espanha, Dinamarca e no Reino Unido, antes de retornar aos Estados Unidos. O resultado dos percalços profissionais fez dele um poliglota, que além do inglês, sua língua materna, fala o hebraico, o dinamarquês, o espanhol e um pouco de iídiche e de português. O seu livro não tem nenhuma ligação com sua atual posição acadêmica, uma vez que ele é professor de hebraico na Universidade Central da Flórida. Para Berdichevsky escrever é uma maneira de extravasar o seu cabedal intelectual e seu compromisso com a verdade.

No quinto capítulo, intitulado ‘The Gods that Failed’ (Os Deuses que Erraram) Berdichevsky acusa a mídia de se desviar do seu papel primordial de informar, tanto no preconceito que aparenta a favor da esquerda quanto quando comete gafes e as ignora depois de alertada. Segundo ele, a mídia dos Estados Unidos e da Europa encontra-se imiscuída na crença de que, para ser liberal, tolerante e atuante, é preciso ir contra as marcas típicas da direita, como o nacionalismo, valores religiosos, e as visões provincianas tidas como sinônimos do preconceito. O título do capítulo é emprestado de uma antologia de ensaios de famosos pensadores ex-comunistas: Stephen Spender, R. H. S. Crossman, Arthur Koestler, Ignazio Silone, Richard Wright, Andre Gide e Louis Fisher, que se desiludiram com o Partido Comunista e a forma como este procurou manipular seus idealismos. A mudança de opinião desses notáveis pensadores mostra uma esquerda que não tem nada a ver com a imagem benevolente a esta associada.

Além de apresentar um viés a favor da esquerda, a mídia tem outro problema grave na grande quantidade de erros fatuais que são publicados. Segundo Berdichevsky, nem mesmo os gigantes como o The New York Times e a BBC estão livres desse tipo de erro, e ele mostra alguns exemplos. Na sua capacidade de pesquisador consciencioso Berdichevsky lamenta a falta de conhecimento do público no sentido de reconhecer a crucial diferença entre fontes primárias de informação, oriundas de testemunhas que viram ou ouviram com os próprios olhos e ouvidos, e fontes de segunda mão do tipo ‘disse-me-disse’, que não são aceitáveis nos tribunais. Infelizmente, é grande o número de pessoas que aceitam sem questionar qualquer informação publicada nos jornais.

Em todos os estudos de casos analisados Berdichevsky identificou exemplos de memória seletiva que obscureceram contradições preexistentes assim como os casos em que a esquerda contribuiu ativamente para disseminar suposições erradas. A aliança forjada no início da Segunda Guerra Mundial entre Hitler e Stálin e que durou de setembro de 1939 a junho de 1941 mostra a incoerência da presunção de que Hitler e Stálin representavam políticas diametricamente opostas, o primeiro representando a extrema-direita e o segundo a extrema-esquerda. Outro exemplo é a falácia de que o antissemitismo é um traço característico da extrema-direita e não da esquerda, decorrente da argumentação errônea de que, se o antissemitismo é uma característica do Nazismo, e o Nazismo uma característica extrema-direita, então o antissemitismo é uma característica da extrema-direita. O antissemitismo foi uma constante do regime de Stálin, com exceção do período em que a URRS se juntou aos países aliados depois de ser invadida pelas tropas alemãs, quando para ganhar a aprovação dos americanos, Stálin enfatizou o papel dos judeus que lutavam como cidadãos soviéticos.

Sobre a América Latina, Berdichevsky estudou dois casos: a duplicidade do apoio do Partido Comunista de Cuba aos governos de Fulgêncio Batista e de Fidel Castro e o Peronismo na Argentina. O caso de Cuba é montado através de depoimentos dos refugiados cubanos que fugiram para os Estados Unidos para escapar da ditadura de Batista e da influência comunista no seu governo, bem como da reconstrução da história do Partido Comunista de Cuba. O capítulo inteiro encontra-se disponível em português e em espanhol na revista eletrônica semestral PortVitoria (https://portvitoria.com/). O caso do Peronismo na Argentina mostra um exemplo típico do populismo característico na América Latina onde o líder, depois de ganhar o apoio massivo do povo, passa a agir como ditador e seu governo é uma salada de políticas de esquerda e de direita. Eis algumas das perguntas e cogitações de Berdichevsky: “O Peronismo é um movimento da Direita ou da Esquerda? Ou, será que isso faz alguma diferença para aqueles que se opuseram ao seu regime? A Argentina sob Perón era anti-América e favorecia o Eixo nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, e apenas relutantemente, ao ser pressionada, declarou guerra à Alemanha e ao Japão durante as últimas semanas do conflito. Tanto Juan quanto Eva Perón foram instrumentais em fornecer assistência para facilitar a fuga de muitos criminosos de guerra nazistas e o seu assentamento com falsas identidades na Argentina. Mesmo assim, o regime de Perón manteve os bons termos com a comunidade judaica, e manteve relações amigáveis com o Estado de Israel.”

Conforme enfatiza Berdichevsky, a imagem da esquerda como sendo o partido que zela pelos interesses dos menos favorecidos é decorrente do clichê “direita-esquerda” criado e propalado pela esquerda. Trata-se de um modelo linear de análise política que a esquerda promove e que deixa de analisar os diversos fatores que agem como contrapeso à situação econômica como religião, etnicidade, memória histórica, sentimentos nacionalistas, solidariedades étnicas e morais e valores filosóficos. Essas falhas fazem com que não seja possível situar nesse espectro unidimensional onde ficaria, por exemplo, o anarquismo e o libertarismo, enquanto que muitos comportamentos não podem ser enquadrados nem na direita nem na esquerda. Existem diversos modelos alternativos que não só descrevem bem melhor as idéias políticas existentes, mas que também mostram que nenhuma idéia é absoluta da Direita ou da Esquerda. Um exemplo é o modelo tridimensional The Liberty Papers, de 2005

(http://www.thelibertypapers.org/2005/11/26/a-better-political-spectrum/) onde o eixo horizontal se estende do Socialismo ao Capitalismo e o eixo vertical do Individualismo ao Totalitarismo. Outro modelo apresentado por Berdichevsky é o do Compasso Político, (http://www.thoughtsaloud.com/essays/the-political-spectrum/), em cuja rosa-dos-ventos situam-se quatro conceitos políticos fundamentais: Liberdade, Servidão, Republicanos e Democratas.

Os dois modelos acima mostram a frivolidade em associar a ‘esquerda’ com o partido político que zela pelos interesses das classes econômicas mais baixas ou menos favorecidas, a ‘direita’ como sendo o partido das classes mais altas ou dominantes, e o “centro” como sendo o partido da classe média. Tais associações estão completamente fora da realidade, pois há muitos outros fatores que agem como contrapeso à situação econômica como religião, etnicidade, memória histórica, interesses nacionais, solidariedades étnicas e morais e valores filosóficos. Diversos outros mal-entendidos e enganos resultantes da terminologia “direita-esquerda” são também abordados neste livro.

A grande dificuldade de entender as questões levantadas por Berdichevsky é precisamente a inexistência de absolutos nos valores políticos: aquilo que pensamos ser da esquerda também ocorre na direita e vice-versa. Não se pode negar que as perguntas deste livro podem incomodar muita gente. Entretanto, trazem uma lição importante de que, embora não existam soluções definitivas para os problemas do Ocidente, estes podem ser manejados desde que haja verdade e sinceridade. Para isso é preciso fazer perguntas e procurar respondê-las e isso é precisamente o que Berdichevsky fez com este provocante mas iluminado livro.


How to cite this book review:
BERDICHEVSKY, N. The Left is seldom right. New English Review Press and World Encounter Institute, Nashville, Tennessee. ISBN: 978-0-578-08076-5. Review by: PIRES-O’BRIEN, J. (2011). Erros e dissimulações da Esquerda.
PortVitoria, UK, v. 3, Jul-Dec, 2011. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com