Explicando o pós-modernismo. Estratégias pós-modernas
Stephen R. C. Hicks
Relacionando epistemologia e política
Estamos prontos agora para tratar da questão levantada no final do primeiro capítulo: por que um importante segmento da esquerda política adotou estratégias epistemológicas céticas e relativistas?
A linguagem é o centro da epistemologia pós-moderna. Em suas argumentações sobre temas específicos da filosofia, da literatura e do direito, os modernos e os pós-modernos diferem não apenas quanto ao conteúdo, mas também nos métodos de empregar a linguagem. A epistemologia é a causa dessas diferenças.
A epistemologia coloca duas perguntas sobre a linguagem: qual é a relação da linguagem com a realidade e qual é sua relação com a ação? As questões epistemológicas sobre a linguagem constituem um subconjunto de questões epistemológicas sobre a consciência em geral: qual é a relação da consciência com a realidade e qual é sua relação com a ação? Os modernos e os pós-modernos têm respostas radicalmente diferentes a essas perguntas.
Para os realistas modernos, a consciência é tanto cognitiva quanto funcional, e esses dois traços estão integrados. O propósito primário da consciência é estar ciente da realidade. Seu propósito complementar é usar essa cognição da realidade como guia para atuar nela.
Para os antirrealistas pós-modernos, ao contrário, a consciência é funcional, mas não cognitiva, por isso sua funcionalidade nada tem a ver com a cognição. Dois conceitos-chave do léxico pós-moderno, “desmascaramento” e “retórica”, ilustram a importância dessas diferenças.
Desmascaramento e retórica
Para o modernista, a metáfora da “máscara” é um reconhecimento do fato de que as palavras nem sempre devem ser tomadas literalmente ou como afirmação direta de um fato — de que as pessoas podem usar a linguagem de maneira elíptica, metafórica ou para afirmar inverdades, de que a linguagem pode ser texturizada com camadas de significado e de que pode ser usada para encobrir hipocrisias ou para racionalizar. Portanto, desmascarar significa interpretar ou investigar para chegar a um significado literal ou factual. O processo de desmascaramento é cognitivo, conduzido por padrões objetivos, com o propósito de alcançar uma cognição da realidade.
Já para o pós-modernista, a interpretação e a investigação jamais encerram com a realidade. A linguagem se relaciona apenas com mais linguagem, nunca com uma realidade não linguística.
Nas palavras de Jacques Derrida, “o fato da linguagem é provavelmente o único fato que resiste, no fim, a qualquer colocação entre parênteses”288. Ou seja, não podemos ficar fora da linguagem. A linguagem é um sistema “interno”, autorreferencial, e não há como ficar “externo” a ela — embora falar de “interno” e “externo” tampouco faça sentido para os pós-modernos. Não existe nenhum padrão não linguístico ao qual relacionar a linguagem, portanto, não pode haver nenhum padrão que permita distinguir o literal do metafórico, o verdadeiro do falso. Então, em princípio, a desconstrução é um processo interminável.
O desmascaramento nem mesmo termina em crenças “subjetivas”, pois “subjetivo” contrasta com “objetivo”, e essa é também uma distinção que os pós-modernistas rejeitam. As “crenças e interesses de um sujeito” são, elas próprias, construções sociolinguísticas; assim, desmascarar uma peça linguística para revelar um interesse subjetivo oculto significa apenas revelar mais linguagem. E essa linguagem, por sua vez, pode ser desmascarada para revelar mais linguagem, e assim por diante. A linguagem consiste em máscaras, do começo ao fim.
Em qualquer época, porém, o sujeito é uma construção específica com um conjunto específico de crenças e interesses, e utiliza a linguagem para expressar e promover essas crenças e interesses. Portanto, a linguagem é funcional, o que nos leva à retórica.
Para o modernista, a funcionalidade da linguagem é complementar ao fato de ser cognitiva. O indivíduo observa a realidade perceptualmente, forma crenças conceituais sobre a realidade com base em suas percepções e, então, age na realidade a partir desses estados cognitivos perceptuais e conceituais. Algumas dessas ações no mundo são interações sociais, e em algumas dessas interações a linguagem assume uma função comunicativa. Ao se comunicarem entre si, os indivíduos narram, argumentam ou tentam passar adiante suas crenças cognitivas sobre o mundo. A retórica, portanto, é um aspecto da função comunicativa da linguagem; refere-se aos métodos de usar a linguagem que auxiliam na eficácia da cognição durante a comunicação linguística.
Para o pós-modernista, a linguagem não pode ser cognitiva porque ela não se relaciona com a realidade, seja esta uma natureza externa ou algum eu subjacente. A linguagem não tem a ver com estar ciente do mundo, ou distinguir entre verdadeiro e falso ou mesmo com argumentos, no sentido tradicional de validade, consistência e probabilidade. Assim, o Pós-modernismo reformula a natureza da retórica: é persuasão na ausência de cognição.
Richard Rorty deixa isso claro em seu ensaio A contingência da linguagem. O malogro da posição realista, diz ele, mostrou que “o mundo não nos ensina que jogos linguísticos devemos jogar” e que “as linguagens humanas são criações humanas”. O propósito da linguagem, portanto, não é argumentar na tentativa de provar ou refutar alguma coisa. Consequentemente, conclui Rorty, não é isso que ele está fazendo quando utiliza a linguagem para tentar nos persuadir de sua versão de “solidariedade”.
Obedecendo aos meus próprios preceitos, não vou oferecer argumentos contra o vocabulário que desejo substituir. Em vez disso, tentarei fazer com que o vocabulário que defendo pareça atrativo, mostrando de que maneira pode ser usado para descrever uma variedade de tópicos.
A linguagem aqui é a da “atratividade” na ausência de cognição, verdade ou argumento. Por uma questão de temperamento e no conteúdo de sua política, Rorty é o menos radical dos líderes pós-modernistas. Isso fica evidente no tipo de linguagem que ele usa em seu discurso político.
A linguagem é um instrumento de interação social, e o modelo de interação social de uma pessoa determina o tipo de uso que se fará da linguagem como instrumento.
Rorty vê muita dor e sofrimento no mundo e muito conflito entre os grupos, assim, para ele, a linguagem é, antes de tudo, um instrumento para a resolução de conflitos. Com essa finalidade, sua linguagem enfatiza a “empatia”, a “sensibilidade” e a “tolerância” — embora ele também sugira que essas virtudes só se aplicam ao âmbito de nossa categoria “etnocêntrica”: “na prática, devemos privilegiar nosso próprio grupo”, escreve, o que implica que “há muitos pontos de vista que simplesmente não podemos levar a sério”.
A maioria dos outros pós-modernistas, no entanto, considera os conflitos entre os grupos mais brutais — e nossas chances de empatia, muito mais limitadas — do que Rorty. Usar a linguagem como instrumento para a resolução de conflitos, portanto, não é algo que eles contemplem. Em um conflito no qual não se consegue chegar a uma resolução pacífica, o tipo de instrumento que se deseja é uma arma. Assim, considerando os modelos de conflito das relações sociais que predominam no discurso pós-moderno, faz total sentido que, para a maioria dos pós-modernistas, a linguagem seja principalmente uma arma.
Isso explica a aspereza de boa parte da retórica pós-moderna. O uso regular de argumentos ad hominem e de falácias, bem como as frequentes tentativas de silenciar as vozes de oposição são consequências lógicas da epistemologia da linguagem pós-moderna.
Stanley Fish, como vimos no capítulo 4, chama de racistas todos os oponentes da ação afirmativa e os coloca no mesmo grupo da Ku Klux Klan.
Andrea Dworkin chama todos os heterossexuais masculinos de estupradores e repetidamente rotula a “Amerika” de Estado fascista.
Com uma retórica dessas, verdade ou mentira não vem ao caso: o que importa, antes de tudo, é a eficácia da linguagem.
Se acrescentarmos agora à epistemologia pós-moderna da linguagem a política de extrema-esquerda dos líderes pós-modernistas e sua cognição direta das crises pelas quais passaram o pensamento e a prática socialistas, então o arsenal verbal será explosivo.
Quando a teoria se choca com o fato
Nos últimos dois séculos, muitas estratégias foram buscadas por socialistas do mundo todo. Os socialistas tentaram esperar que as massas chegassem ao socialismo de baixo para cima e tentaram impor o socialismo de cima para baixo. Tentaram alcançá-lo pela evolução e pela revolução. Tentaram versões do socialismo que enfatizam a industrialização e as que são agrárias. Tentaram esperar que o capitalismo entrasse em colapso e, quando isso não aconteceu, tentaram destruir o capitalismo por meios pacíficos. E, quando isso não funcionou, alguns tentaram destruí-lo pelo terrorismo.
Mas o capitalismo continua a se sair bem e o socialismo tem sido um desastre. Nos tempos modernos, foram mais de dois séculos de prática e teoria socialistas durante os quais a preponderância da lógica e da evidência depôs contra o socialismo.
Há, portanto, uma escolha a fazer com respeito ao que se pode aprender com a história. Se alguém tem interesse na verdade, então, a resposta racional a uma teoria que não funciona é a seguinte:
- Decompor a teoria nas premissas que a constituem.
- Questionar essas premissas vigorosamente e verificar a lógica que as integra. Buscar alternativas para as premissas mais questionáveis.
- Aceitar a responsabilidade moral por qualquer consequência infeliz de tentar colocar em prática a teoria falsa.
Não é o que temos visto acontecer nas reflexões pós-modernas sobre a política contemporânea. A verdade e a racionalidade estão sujeitas a ataques, e a conduta que prevalece com respeito à responsabilidade moral é bem-explicitada por Rorty: “Acho que uma boa esquerda é aquela que sempre pensa no futuro e não se importa muito com nossos erros passados”.
O pós-modernismo kierkegaardiano
No capítulo 4, delineei uma das respostas pós-modernas aos problemas da teoria e da evidência para o socialismo. Um socialista inteligente e esclarecido, ao se deparar com os dados da história, certamente sofrerá algum abalo na sua crença. O socialismo, para muitos, é uma visão cativante do que seria uma bonita sociedade, o sonho de um mundo social ideal que transcenda todos os males de nossa sociedade atual. Uma visão que é acalentada de maneira tão profunda acaba se tornando parte da própria identidade daquele que crê nela, e qualquer ameaça a essa visão necessariamente será percebida como ameaça à própria pessoa que crê.
A partir da experiência histórica de outras visões que enfrentaram a crise da teoria e da evidência, sabemos que é forte a tentação de se fechar para os problemas teóricos e de evidência e simplesmente se determinar a prosseguir na crença. A religião, por exemplo, forneceu muitos exemplos desse tipo. “Dezenas de milhares de dificuldades”, escreveu o cardeal Newman, “não fazem uma pessoa duvidar”.
Fiódor Dostoiévski expressou isso de maneira mais categórica em uma carta a uma benfeitora: “Se alguém me escrevesse dizendo que a verdade não está em Cristo, eu escolheria Cristo à verdade”.
Também sabemos, a partir da experiência histórica, que é possível desenvolver estratégias epistemológicas sofisticadas com o propósito de atacar a razão e a lógica que causaram problemas para a visão. Foi essa, em parte, a motivação clara de Kant em sua primeira Crítica, de Schleiermacher em Sobre a religião e de Kierkegaard em Temor e tremor.
Por que isso não aconteceria com a extrema-esquerda? A história moderna da religião e a do socialismo exibem semelhanças notáveis em seu desenvolvimento.
- Tanto a religião quanto o socialismo começaram com uma visão abrangente que acreditavam ser verdadeira, embora não fosse baseada na razão (a exemplo de vários profetas e Rousseau).
- As duas visões foram então contestadas por outras baseadas em epistemologias racionais (pelos primeiros críticos naturalistas da religião e pelos primeiros críticos liberais do socialismo).
- Ambos, a religião e o socialismo, responderam dizendo que podiam satisfazer os critérios da razão (como na teologia natural e no socialismo científico).
- Ambos enfrentaram sérios problemas de lógica e evidência (como os ataques de Hume à teologia natural e as críticas de Mises e Hayek ao cálculo socialista). Ambos reagiram, por sua vez, atacando a realidade e a razão (como Kant e Kierkegaard e os pós-modernistas).
No final do século 18, os pensadores religiosos passaram a contar com a sofisticada epistemologia de Kant. Ele lhes dissera que a razão estava separada da realidade; assim, muitos abandonaram a teologia natural e de bom grado usaram a epistemologia kantiana para defender a religião.
Em meados do século 20, os pensadores de esquerda passaram a contar com sofisticadas teorias de epistemologia e linguagem que lhes diziam que a verdade é impossível, que a evidência está carregada de teorias, que a evidência empírica nunca resulta em prova, que a prova lógica é meramente teórica, que a razão é artificial e desumanizante e que os sentimentos e as paixões são guias melhores que a razão.
As epistemologias céticas e irracionalistas que prevaleceram na filosofia acadêmica forneceram, desse modo, à esquerda uma nova estratégia para responder à crise. Qualquer ataque ao socialismo, em qualquer forma que fosse, poderia ser descartado, reafirmando- se o desejo de acreditar nele. Os que adotavam essa estratégia sempre podiam dizer a si mesmos que estavam simplesmente agindo como Kuhn dissera que os cientistas agiam — colocando as anomalias entre parênteses, deixando-as de lado e prosseguindo com seus sentimentos.
Segundo essa hipótese, portanto, o Pós-modernismo é um sintoma da crise de fé da esquerda. É fruto da decisão de usar a epistemologia cética para justificar o salto de fé pessoal, necessário para continuar acreditando no socialismo.
Segundo essa hipótese, a predominância das epistemologias céticas e irracionalistas em meados do século 20, por si só, não é suficiente para explicar o Pós-modernismo. O impasse do ceticismo e do irracionalismo não determina que uso será feito do ceticismo e do irracionalismo. No momento do desespero, uma pessoa ou um movimento pode apelar a essas epistemologias como mecanismo de defesa, mas o que leva alguém ou um movimento ao desespero são outros fatores.
Nesse caso, o movimento em apuros é o socialismo. Mas os apuros do socialismo, por si sós, tampouco são uma explicação suficiente. A menos que se assentem os fundamentos epistemológicos, qualquer movimento que recorra aos argumentos céticos e irracionalistas sairá do tribunal debaixo de risos. Portanto, para dar origem ao Pós-modernismo, é necessária a combinação dos dois fatores: o difundido ceticismo com respeito à razão e a crise do socialismo.
No entanto, essa explicação kierkegaardiana do Pós-modernismo é incompleta para descrever a estratégia pós-moderna. Para os pensadores de esquerda que se veem arrasados pelas falhas do socialismo, a opção kierkegaardiana fornece a justificativa necessária para continuarem a acreditar no socialismo como questão de fé pessoal. Para aqueles que ainda desejam levar adiante a batallJa contra o capitalismo, as oovas epistemologias possibilitam outras estrategias.
Trasímaco ao revés
Até aqui, meus argumentos explicam o subjetivismo e o relativismo do Pós- modernismo, sua política de esquerda e a necessidade de estabelecer uma relação entre ambos.
Se essa explicação estiver correta, então o Pós-modernismo é o que eu chamo de “trasimaquineanismo reverso”, em uma alusão ao sofista Trasímaco, da República de Platão. Alguns pós-modernistas entendem que parte de seu projeto é reabilitar os sofistas, o que faz total sentido.
Depois de algum tempo praticando Filosofia, uma pessoa poderia passar a acreditar sinceramente no subjetivismo e no relativismo. Consequentemente poderia acreditar que a razão é um derivado, que a vontade e o desejo governam, que a sociedade é uma batalha entre vontades antagônicas, que as palavras são apenas instrumentos na luta de poder pela dominação e que tudo é válido no amor e na guerra.
Era isso que os sofistas argumentavam 2.400 anos atrás. A única diferença, portanto, entre os sofistas e os pós-modernistas é de que lado eles estão.
Trasímaco era representante da segunda e mais rude geração de sofistas, que arrolava argumentos subjetivistas e relativistas em defesa da afirmação política de que a justiça serve aos interesses dos mais fortes. Os pós-modernistas — entrando em cena após dois mil anos de cristianismo e dois séculos de teoria socialista — simplesmente inverteram essa afirmação: o subjetivismo e o relativismo são verdadeiros, só que os pós-modernistas estão do lado dos grupos mais fracos e historicamente oprimidos. A justiça, ao contrário do que dizia Trasímaco, serve aos interesses dos mais fracos298.
A conexão com os sofistas afasta a estratégia pós-moderna da fé religiosa em direção à realpolitik. Os sofistas ensinavam retórica não como meio para promover a verdade e o conhecimento, mas para vencer os debates no mundo beligerante da política cotidiana. Na política cotidiana, não se alcança nenhum sucesso efetivo fechando-se os olhos para os dados.
Na verdade, ela requer abertura para as novas realidades e flexibilidade para adaptar- se às circunstâncias. Ampliar essa flexibilidade a ponto de tratar com descaso a verdade ou a coerência dos argumentos pode parecer, como muitas vezes pareceu, parte de uma estratégia para obter êxito político. Cabe aqui citar Lentricchia: o Pós-modernismo “não busca encontrar os fundamentos e as condições da verdade, mas exercitar o poder visando a mudança social”.
Discursos contraditórios como estratégia política
No discurso pós-moderno, há uma explícita rejeição da verdade, e a coerência pode ser um fenômeno raro. Considere os seguintes pares de afirmação: Por um lado, toda verdade é relativa; por outro, o Pós-modernismo a descreve tal como realmente é.
- Por um lado, todas as culturas merecem igual respeito; por outro, a cultura ocidental é exclusivamente destrutiva e má.
- Os valores são subjetivos — mas sexismo e racismo são realmente um mal.
- A tecnologia é má e destrutiva — mas é injusto que alguns povos tenham mais tecnologia que outros.
- A tolerância é boa e a dominação é má — mas quando os pós-modernistas chegam ao poder, a correção política se instala.
Existe um padrão comum: subjetivismo e relativismo em uma respirada, absolutismo dogmático na seguinte. Os pós-modernistas estão bem cientes das contradições — especialmente porque seus oponentes se deliciam em apontá-las sempre que surge uma oportunidade. E, é claro, um pós-modernista pode refutar citando Hegel: “Trata-se meramente de contradições da lógica aristotélica”. Mas uma coisa é dizer isso, outra muito diferente é sustentar psicologicamente as contradições hegelianas.
Portanto, esse padrão levanta a seguinte questão: que lado da contradição é mais profundo para o Pós-modernismo? Será que o Pós-modernismo está realmente comprometido com o relativismo, mas às vezes resvala no absolutismo? Ou os compromissos absolutistas são mais profundos, e o relativismo é um manto retórico?
Veja mais três exemplos, desta vez sobre os conflitos entre a teoria pós-modernista e o fato histórico.
- Os pós-modernistas dizem que o Ocidente é profundamente racista, mas sabem muito bem que o Ocidente foi o primeiro a acabar com a escravidão, e que é somente nos lugares onde penetraram as ideias ocidentais que as ideias racistas estão na defensiva.
- Dizem que o Ocidente é profundamente sexista, mas sabem muito bem que as mulheres ocidentais foram as primeiras a ter direito de voto, direitos contratuais e oportunidades que a maioria das mulheres do mundo ainda não tem.
- Dizem que os países capitalistas do Ocidente são cruéis com seus membros mais pobres, subjugando-os e enriquecendo-se à custa deles, mas sabem muito bem que os pobres no Ocidente são muito mais ricos que os pobres de qualquer outro lugar, tanto em posses materiais quanto em oportunidades de melhorar sua condição.
Para explicar a contradição entre o relativismo e a política absolutista, existem três possibilidades:
- A primeira possibilidade é a de que o relativismo seja primário e a política absolutista, secundária. Qua filósofos, os pós-modernistas enfatizam o relativismo, mas qua indivíduos particulares, eles acreditam em uma versão particular de política absolutista.
- A segunda possibilidade é a de que a política absolutista seja primária, ao passo que o relativismo é uma estratégia retórica usada para promover essa política.
- A terceira possibilidade é a de que ambos, o relativismo e o absolutismo, coexistam no Pós-modernismo, mas as contradições entre eles simplesmente não têm importância psicológica para aqueles que as sustentam.
A primeira opção pode ser excluída. O subjetivismo e seu consequente relativismo não podem ser primários para o Pós-modernismo por causa da uniformidade da política do Pós-modernismo. Se o subjetivismo e o relativismo fossem primários, então os pós- modernistas estariam adotando posições políticas variadas dentro do espectro, e isso simplesmente não é o que acontece. Assim sendo, o Pós-modernismo é primeiro um movimento político, e um tipo de política que só recentemente chegou ao relativismo.
Pós-modernismo maquiavélico
Tentemos então a segunda opção, a de que o Pós-modernismo se interessa primeiro pela política e só secundariamente pela epistemologia relativista.
“Tudo, ‘em última análise’, é político”. Essa frase de Fredric Jameson, tantas vezes citada, deve ter recebido um viés fortemente maquiavélico, como se fosse uma declaração da disposição de usar qualquer arma — retórica, epistemológica, política — para alcançar fins políticos. Então, o Pós-modernismo se revela, surpreendentemente, nada relativista. O relativismo se torna parte de uma estratégia política, algum tipo de realpolitik maquiavélica usada para tirar a oposição do caminho.
Por essa hipótese, os pós-modernistas não precisam acreditar muito no que dizem. O jogo de palavras e boa parte da raiva e da fúria que utilizam, tão características de boa parte de seu estilo, podem ter a finalidade não de usar as palavras para afirmar as coisas que acreditam ser verdadeiras, mas de usá-las como armas contra um inimigo que ainda esperam destruir.
Cabe aqui citar novamente Derrida: “A desconstrução só tem sentido ou interesse, pelo menos a meu ver, como radicalização, isto é, também na tradição de um certo marxismo, em um certo espírito do marxismo”.
Discursos retóricos maquiavélicos
Vamos supor que você esteja discutindo política com um colega estudante ou um professor. Você não consegue acreditar, mas parece que está perdendo a discussão. Todos os seus quatro gambitos argumentativos estão bloqueados, e você continua acuado nos cantos. Sentindo-se encurralado, você então se pega dizendo: “Bem, é tudo uma questão de opinião; é pura semântica.”
Qual o propósito, nesse contexto, de apelar para a opinião e o relativismo semântico? O propósito é tirar o oponente das suas costas e conseguir algum espaço para respirar. Se o seu oponente aceitar que é uma questão de opinião ou semântica, ou então, se você perder a discussão, não importa: ninguém está certo ou errado. Mas se o seu oponente não aceitar que tudo é questão de opinião, então a atenção dele será desviada do assunto em pauta — ou seja, política — para a epistemologia. Pois agora ele precisa mostrar por que não se trata apenas de semântica, e isso vai tomar-lhe tempo. Enquanto isso, você conseguiu afastá-lo. E se achar que ele está se saindo bem no argumento semântico, você pode sair-se com esta: “Bem, mas e quanto às ilusões perceptuais?”
Para adotar essa estratégia retórica, você realmente precisa acreditar que é uma questão de opinião ou pura semântica? Não, não precisa. Você pode acreditar piamente que está certo em sua visão política; e também pode estar ciente de que seu único objetivo é usar as palavras para se livrar do sujeito de tal maneira que pareça que você não perdeu a discussão.
Essa estratégia retórica também funciona no âmbito dos movimentos intelectuais. Foucault identificou a estratégia de maneira clara e explícita: “Os discursos são elementos ou bloqueios táticos que operam no campo das relações de força; pode haver discursos diferentes e até mesmo contraditórios dentro da mesma estratégia”.
Desconstrução como estratégia educacional
Eis aqui um exemplo. Kate Ellis é uma feminista radical. Ela acredita, conforme escreve na Socialist Review, que o sexismo é mau, que a ação afirmativa é boa, que o capitalismo e o sexismo andam de mãos dadas e que, para conquistar a igualdade entre os sexos, é preciso derrubar a sociedade atual. Mas ela acha que tem um problema quando tenta ensinar esses temas aos alunos. Julga que eles pensam como capitalistas liberais — acreditam na igualdade de oportunidades, na remoção de barreiras artificiais e no julgamento justo para todos, e também acreditam que, por meio da ambição e do esforço, podem superar a maioria dos obstáculos e alcançar sucesso na vida. Isso significa que seus alunos estão identificados com todo o esquema capitalista liberal que ela considera um erro absoluto. Então, escreve Ellis, ela vai lançar mão da desconstrução como arma contra essas antiquadas crenças do Iluminismo.
Se ela conseguir minar a crença dos alunos na superioridade dos valores capitalistas e do conceito de que as pessoas é que são responsáveis pelo próprio sucesso ou fracasso, isso vai desestabilizar seus valores essenciais.
Ellis acha que a ênfase no relativismo pode ajudar nisso. E quando as crenças iluministas dos alunos forem esvaziadas pelos argumentos relativistas, ela poderá preencher o vazio com os princípios políticos corretos, de esquerda.
Uma conhecida analogia pode ser útil aqui. Segundo essa hipótese, os pós-modernistas não são mais relativistas do que os criacionistas em suas batalhas contra a teoria evolucionista. Vestindo sua batina multiculturalista e afirmando que todas as culturas são iguais, os pós-modernistas se assemelham aos criacionistas, que reivindicam simplesmente um tempo igual para o evolucionismo e o criacionismo. Os criacionistas às vezes argumentam que o criacionismo e o evolucionismo são igualmente científicos, ou igualmente religiosos, e que, portanto, deveríamos tratá-los igualmente e conceder-lhes o mesmo tempo. Os criacionistas realmente acreditam nisso? Tudo o que eles querem é um tempo igual? É claro que não. Eles são, em essência, contrários à evolução — estão convencidos de que ela é um erro, um mal, e, se estivessem no poder, eles a aboliriam. No entanto, como tática de curto prazo, enquanto estiverem perdendo o debate intelectual, haverão de enfatizar o igualitarismo intelectual, argumentando que ninguém conhece de fato a verdade absoluta. Os pós-modernistas maquiavélicos sustentam a mesma estratégia — reivindicam igual respeito para todas as culturas, mas o que realmente querem, a longo prazo, é eliminar a cultura capitalista liberal.
A interpretação maquiavélica explica também o uso que os pós-modernistas às vezes fazem da ciência. A Teoria da Relatividade, de Einstein; a Mecânica Quântica; a Matemática do Caos; e o Teorema da Incompletude, de Gödel, serão citados com frequência para provar que tudo é relativo, que não se pode conhecer nada, que tudo é caos. Na melhor das hipóteses, uma pessoa encontrará nos textos pós-modernistas interpretações dúbias dos dados, porém, o mais comum é que ela não tenha uma ideia clara do que trata o teorema em questão ou como se dá sua comprovação.
Isso é particularmente evidente no famoso caso do físico Alan Sokal e do periódico de extrema-esquerda Social Text. Sokal publicou um artigo nesse periódico dizendo que a ciência havia desacreditado a concepção iluminista de que existe uma realidade objetiva, cognoscível, e que os resultados mais recentes da Física Quântica corroboravam a política da esquerda radical307. Ao mesmo tempo, Sokal declarou na revista Lingua Franca que o artigo era uma paródia da crítica pós-moderna à Ciência.
Estarrecidos, os editores e defensores do Social Text reagiram. No entanto, em vez de argumentar que consideravam verdadeira ou legítima a interpretação da Física apresentada no artigo, os editores ficaram profundamente constrangidos e, humildemente, insinuaram que Sokal é que havia violado os sagrados laços da honestidade e integridade acadêmica.
Estava claro, porém, que os editores não sabiam muito de Física e que o artigo fora publicado por causa dos benefícios políticos que pensavam em auferir dele.
A interpretação maquiavélica também explica por que os argumentos relativistas são arrolados apenas contra os grandes livros do Ocidente. Se alguém está comprometido com objetivos políticos, seu principal obstáculo são os livros influentes escritos por mentes brilhantes que se encontram do outro lado do debate. Existe na literatura um vasto corpo de romances, peças, poemas épicos, e poucos deles apoiam o socialismo. Grande parte dessas obras apresenta análises convincentes da condição humana, feitas de perspectivas opostas.
No Direito Americano, existe a Constituição e todo o conjunto de precedentes do common law, e pouquíssimos deles favorecem o socialismo. Consequentemente, se você é estudante ou professor de Literatura ou Direito com vocação para a esquerda, e se vê confrontado com o cânone jurídico ou literário do Ocidente, você tem duas escolhas: pode enfrentar as tradições oponentes, pedir que os alunos leiam os grandes livros e as grandes decisões e discutir com eles em classe. Esse é um trabalho árduo e também muito arriscado — os alunos podem concordar com o lado errado —; ou pode encontrar um meio de descartar toda a tradição e ensinar apenas os livros que se encaixam na sua política. Se está procurando atalhos, ou se tem a sorrateira suspeita de que o lado certo pode não se dar bem no debate, então a desconstrução é tentadora. Ela permite que você descarte toda a tradição literária e jurídica, por se basear em pressupostos sexistas, racistas ou exploradores, e serve de justificativa para afastá-la.
No entanto, para empregar essa estratégia, você realmente tem de acreditar que Shakespeare era um misógino, que Hawthorne era um puritano disfarçado ou que Melville era um imperialista tecnológico? Não. A desconstrução pode ser usada simplesmente como metoda ret6rico para livrar-se de mnobsticulo.
Portanto, segundo essa hip6tese maquiavelica, o P6s-modemismo nao e run salto de fe para a esquerda academica, mas, antes, uma estrategia politica perspicaz que, embora utilize o relativismo, nao acredita nele.
Pós-modernismo do ressentimento
Existe ainda um traço psicologicamente mais sombrio no Pós-modernismo que nenhuma das explicações anteriores detectou até agora. O Pós-modernismo foi explicado acima como uma resposta ao ceticismo radical, como uma resposta de fé à crise de uma visão política ou como uma estratégia política inescrupulosa. Essas explicações dizem respeito à epistemologia e à política do Pós-modernismo e resolvem a tensão entre seus elementos relativistas e absolutistas. Na explicação “kantiana” do Pós-modernismo, a tensão se resolve colocando o ceticismo em primeiro plano e o compromisso político em segundo, como consequência acidental. Nas explicações “kierkegaardiana” e “maquiavélica”, a tensão se resolve colocando o compromisso político em primeiro plano e tratando o uso da epistemologia relativista como racionalização ou estratégia retórica.
A última opção é não resolver a tensão. A contradição é uma forma de destruição psicológica, mas as contradições às vezes não têm relevância, do ponto de vista psicológico, para aqueles que as vivenciam, pois, afinal de contas, nada importa.
No movimento intelectual pós-moderno, o niilismo está próximo da superfície como nunca antes na história.
No mundo moderno, o pensamento de esquerda foi um dos terrenos mais férteis para a disseminação da destruição e do niilismo. Desde o reinado do Terror a Lênin e Stálin, Mao e Pol Pot, até o surto de terrorismo nas décadas de 1960 e 1970, a extrema-esquerda exibiu, repetidas vezes, sua disposição de usar a violência para alcançar objetivos políticos e demonstrou intensa frustração e raiva diante de seus fracassos. A esquerda também incluiu muitos companheiros de viagem oriundos do mesmo universo político e psicológico, mas que não contavam com nenhum poder político. Herbert Marcuse, que claramente sugeriu usar a Filosofia para a “‘aniquilação absoluta’ do mundo do senso comum”, foi apenas uma voz recente e explícita de maneira incomum. É sobre essa história do pensamento e da prática esquerdistas que as vozes de esquerda mais moderadas, como Michael Harrington, empenharam-se em nos advertir. Refletindo sobre essa história, Harrington escreveu: “Quero evitar essa visão absolutista que torna o socialismo tão transcendente a ponto de incitar seus sectários à cólera totalitária, no esforço de criar uma ordem perfeita”.
Da cólera autoritária ao niilismo é um passo curto. Como observou Nietzsche em Aurora: Alguns homens, quando não conseguem realizar seu desejo, exclamam raivosamente: “Que o mundo todo pereça!”. Essa emoção repulsiva é o ponto alto da inveja, cuja implicação é: “Se não posso ter algo, ninguém pode ter coisa alguma, ninguém deve ser coisa alguma!”
O ressentimento nietzscheano
Paradoxalmente, Nietzsche é um dos grandes heróis dos pós-modernistas. Eles o citam por seu perspectivismo na epistemologia, pelo uso que faz da forma aforística — enigmática e de estrutura fluida — em vez da forma de tratado, mais científica, e pela agudeza psicológica com que diagnostica a decadência e a hipocrisia. Quero usar Nietzsche contra os pós-modernistas para variar.
O conceito de ressentimento de Nietzsche é semelhante ao que conhecemos, mas denota uma amargura mais rançosa, mais ácida, mais tóxica, e represada por muito tempo. Nietzsche usa ressentimento no contexto de sua famosa descrição da moral dos senhores e dos escravos em Além do bem e do mal e, de maneira mais sistemática, na Genealogia da moral. A moral dos senhores é a moral dos vigorosos, dos fortes apaixonados pela vida. É a moral dos que amam a aventura, dos que se deliciam na criatividade e em seu próprio senso de propósito e assertividade. A moral dos escravos é a moral dos fracos, dos humildes, dos que se sentem vitimados e temem se aventurar em um mundo grande e mau. Os fracos são cronicamente passivos, principalmente porque têm medo dos fortes. Por isso, os fracos se sentem frustrados: não conseguem o que querem na vida. Passam a ter inveja dos fortes e, secretamente, começam também a odiar-se por sua fraqueza e covardia. Mas ninguém pode viver achando que é abominável. Então, os fracos inventam uma racionalização — uma racionalização que lhes diz que eles são os bons e os morais porque são fracos, humildes e passivos. A paciência é uma virtude, dizem, assim como a humildade e a obediência, e é virtude também estar do lado dos fracos e oprimidos. E, é claro, o oposto dessas coisas é mau — a agressividade é má, da mesma maneira que o orgulho, a independência e o sucesso físico e material.
Mas, naturalmente, trata-se de uma racionalização, e os fracos inteligentes nunca vão se convencer completamente disso, pois essa constatação causaria um estrago dentro deles. Enquanto isso, os fortes zombam dos fracos, e isso causa um estrago dentro deles. E os fortes e os ricos ficarão cada vez mais fortes, mais ricos e continuarão a aproveitar a vida. E ver isso causa estragos. No fim, os fracos inteligentes desenvolvem um sentimento de ódio de si mesmos e de inveja dos seus inimigos, e precisam revidar. Eles sentem necessidade de ferir seu odiado inimigo da maneira que puderem. Mas, é claro, não podem se arriscar ao confronto físico direto — são fracos. Sua única arma são as palavras. Assim, argumentava Nietzsche, os fracos se tornam extremamente hábeis com as palavras.
Em nossa época, o mundo criado pelo Iluminismo é forte, ativo, exuberante. Durante algum tempo no século passado, os socialistas acreditaram que a revolução era iminente, que o infortúnio se abateria sobre os ricos e que os pobres seriam abençoados. Mas essa esperança cruelmente se desfez. O capitalismo parece agora um exemplo de “dois mais dois são quatro”, e, como o homem subterrâneo de Dostoiévski, é fácil ver que os socialistas mais inteligentes odiariam esse fato. O socialismo é o perdedor da história, e, se souberem disso, os socialistas odiarão esse fato, odiarão os vencedores por terem vencido e odiarão a si mesmos por terem escolhido o lado errado. O ódio, quando se torna crônico, leva à necessidade de destruir.
No entanto, o fracasso político é uma explicação muito limitada para a gama de temas niilistas presente no Pós-modernismo. Os pensadores pós-modernos afirmam que não foi só a política que fracassou — tudo fracassou. O ser, como diziam Hegel e Heidegger, realmente se tornou nada. Portanto, em suas formas mais extremas, o Pós-modernismo trata de enfatizar isso e fazer o nada reinar.
É evidente que estou flertando com a argumentação ad hominem aqui, por isso deixarei que os pós-modernistas falem por si.
Foucault e Derrida sobre o fim do homem
Em sua introdução à Arqueologia do saber, Foucault fala, em certo momento, na primeira pessoa. Discorrendo autobiograficamente sobre suas motivações para escrever e seu desejo de extinguir-se: “Posso me perder e aparecer, finalmente, diante de olhos que jamais voltarei a encontrar. Decerto não sou o único que escreve para não ter mais um rosto”.
Foucault estende seu desejo de aniquilação a todo o gênero humano. No final de As palavras e as coisas, por exemplo, ele quase que anseia pela iminente extinção da humanidade: O homem é “uma invenção recente” que logo será apagada, como um rosto desenhado na areia à beira do mar”. Deus está morto, escreveram Hegel e Nietzsche. O homem também estará morto, espera Foucault.
Derrida também reconhece o tipo de mundo que o Pós-modernismo está promovendo e declara sua intenção de não estar entre os que permitem que sua náusea leve a melhor. Os pós-modernistas, escreve ele, são aqueles que não “desviam o olhar quando diante do ainda inominável, que só se anuncia e pode fazê-lo, como é necessário sempre que um nascimento se aproxima, sob a espécie da não espécie, na forma informe, muda, infante e aterradora da monstruosidade”.
O nascimento de monstros é uma concepção pós-moderna do processo criativo, que anuncia o fim da humanidade. Outros pós-modernistas enfatizam a feiura da criação pós- moderna ao mesmo tempo que sugerem que a humanidade simplesmente passou do ponto. Kate Ellis observa, por exemplo, o “pessimismo caracteristicamente apolítico da maior parte do Pós-modernismo, segundo o qual a criação é tão somente uma forma de defecação”.
Monstros e produtos refugados são temas centrais na Arte do século 20, e há um paralelo elucidativo entre os desenvolvimentos ocorridos no universo artístico durante a primeira metade do século e os desenvolvimentos ocorridos nas demais ciências humanas na segunda metade do século. Com Marcel Duchamp, o mundo da arte chega ao Pós- modernismo antes do restante do mundo intelectual.
Solicitado pela Sociedade de Artistas Independentes de Nova York a submeter algum trabalho para exposição, Duchamp enviou um urinol. É claro que ele conhecia a História da Arte. Sabia o que havia sido realizado — que, durante séculos, a Arte fora um veículo poderoso, que exigiu o mais alto desenvolvimento da visão criativa humana e rigorosa habilidade técnica; e sabia que a Arte tinha o incrível poder de exaltar os sentidos, o intelecto e as paixões dos que a experimentavam. Refletindo sobre a História da Arte, Duchamp decidiu fazer uma declaração. O artista não é um grande criador — Duchamp foi comprar em uma loja de material de hidráulica. A obra de arte não é um objeto especial — era um produto de massa feito em uma fábrica. A experiência da Arte não é empolgante e dignificante — na melhor das hipóteses, é intrigante e, na maioria das vezes, deixa no outro uma sensação de repulsa. Mas não só isso, pois Duchamp não escolheu um objeto pronto qualquer. Ao escolher o urinol, sua mensagem era clara: A Arte é algo em que você urina.
Os temas dadaístas giram em torno da ausência de significado, mas suas obras e manifestos são declarações filosóficas significativas no contexto em que são apresentados. Kunst ist Scheisse (“Arte é merda”) foi, adequadamente, o lema do dadaísmo. O urinol de Duchamp foi o símbolo adequado. Tudo é dejeto a ser mandado para o esgoto.
Segundo essa hipótese, portanto, o Pós-modernismo é uma generalização sobre o niilismo do movimento Dadá. Não só a Arte é merda, tudo é.
Os pensadores pós-modernos herdaram uma tradição intelectual que assistiu à derrota de todas as suas grandes esperanças. O Contrailuminismo, desde o início, suspeitou do naturalismo iluminista, de sua razão, de sua visão otimista do potencial humano, de seu individualismo na ética e na política, de sua ciência e tecnologia. Para os que se opuseram ao Iluminismo, o mundo moderno não ofereceu nenhum conforto. Os defensores do Iluminismo diziam que a ciência substituiria a religião, mas a ciência ofereceu os espectros da entropia e da relatividade. A ciência seria a glória da humanidade, mas ela nos ensinou que o homem evoluiu, com sangue nos dentes e nas garras, do lodo. A ciência faria do mundo um paraíso tecnológico, mas gerou bombas nucleares e superbacilos. E a confiança no poder da razão, que está por trás de tudo isso, revelou-se uma fraude no entender dos pós-modernistas. A ideia de armas nucleares nas garras de um animal irracional e voraz é assustadora.
Enquanto os pensadores neoiluministas se conciliaram com o mundo moderno, da perspectiva pós-moderna o universo estilhaçou-se, tanto metafísica quanto epistemologicamente. Não podemos nos voltar para Deus nem para a natureza, e não podemos confiar na razão nem na humanidade.
Mas sempre houve o socialismo. Por pior que tenha se tornado o universo na metafísica, na epistemologia e no estudo da natureza humana, persistia ainda a visão de uma ordem ética e política que transcenderia tudo para criar a linda sociedade coletivista.
O fracasso da esquerda política em realizar essa visão foi apenas a gota d’água. Para a mente pós-moderna, são estas as lições cruéis do mundo moderno: a realidade é inacessível, não se pode conhecer coisa alguma, o potencial humano é zero e esses ideais éticos e políticos deram em nada. As reações psicológicas à perda de tudo são a raiva e o desespero.
Mas os pensadores pós-modernos também se veem cercados pelo mundo iluminista que não entendem. Os pós-modernistas se veem desafiando um mundo dominado pelo liberalismo e pelo capitalismo, pela ciência e tecnologia, por pessoas que ainda acreditam na realidade, na razão e na grandeza do potencial humano. O mundo que eles diziam ser impossível e destrutivo realizou-se e está prosperando. Os herdeiros do Iluminismo estão governando o mundo e marginalizaram os pós-modernistas, confinando-os à academia. À raiva e ao desespero somou-se o ressentimento.
Alguns se refugiaram no quietismo, outros se retiraram para um mundo privado de jogo estético e autocriação. Outros, no entanto, revidam com a intenção de destruir. Mas, novamente, as únicas armas do Pós-modernismo são as palavras.
A estratégia do ressentimento
O mundo artístico do século 20 fornece, mais uma vez, exemplos prescientes. O urinol de Duchamp mandou o recado: Urino em você, e seus últimos trabalhos colocaram essa atitude em prática. Sua versão da Mona Lisa foi um claro exemplo: uma reprodução da obra-prima de Leonardo da Vinci ganhou um bigode caricato. Essa também foi uma declaração: Eis aqui uma realização magnífica que não tenho a esperança de igualar, então vou desfigurá-la e torná-la uma piada.
Robert Rauschenberg foi mais adiante que Duchamp. Sentindo-se à sombra das realizações de Willem de Kooning, pediu que lhe trouxessem uma pintura do artista, que ele então apagou e pintou por cima. Isso foi uma declaração: Não consigo ser especial, a menos que destrua antes o que você fez.
A desconstrução é uma versão literária de Duchamp e Rauschenberg. A teoria da desconstrução diz que nenhuma obra tem significado. Qualquer significado aparente pode ser convertido no seu oposto, em nada, ou revelar-se uma máscara que esconde algo repugnante. O movimento pós-moderno contém muitas pessoas que gostam da ideia de desconstruir o trabalho criativo de outras. A desconstrução tem o efeito de nivelar qualquer significado e valor. Se um texto pode significar alguma coisa, então não significa nada mais que qualquer outra coisa — nenhum texto, portanto, é grandioso. Se um texto encobre algo fraudulento, então começa a insinuar-se a dúvida com respeito a tudo que aparenta ser grandioso.
Faz sentido, portanto, que essas técnicas desconstrutivas sejam mobilizadas principalmente contra trabalhos que não se enquadram nos compromissos pós-modernos.
A estratégia não é nova. Se você odeia alguém e deseja feri-lo, então atinja-o naquilo que é importante para ele. Quer ferir um homem que adora crianças e odeia quem as molesta sexualmente? Faça insinuações e espalhe boatos de que ele aprecia pornografia infantil. Quer ferir uma mulher que tem orgulho de sua independência? Espalhe o rumor de que ela se casou com quem se casou porque ele é rico. Se os boatos são falsos ou verdadeiros não vem ao caso, e se as pessoas vão acreditar em você ou não, não importa de fato. O importante é desferir um golpe certeiro e contundente na psique do outro. Você sabe que essas acusações e rumores causarão tremor, mesmo que não deem em nada. Restará, dentro de si, o brilho maravilhosamente sombrio de saber que foi você. E, afinal, pode ser que os rumores deem algum resultado.
O melhor retrato dessa psicologia vem de um homem europeu muito branco e há muito morto: William Shakespeare, em seu Otelo. Iago simplesmente odiava Otelo, mas não tinha esperança de conseguir derrotá-lo em um confronto aberto. Como destruí-lo então? A estratégia de Iago foi atacar Otelo no seu ponto mais sensível: a paixão por Desdêmona.
Iago insinuou indiretamente que ela andava dormindo fora de casa, espalhou mentiras e suspeitas sutis sobre a fidelidade dela, semeou a dúvida na cabeça de Otelo sobre a coisa que ele mais prezava na vida e deixou que essa dúvida agisse como um lento veneno.
Assim como os pós-modernistas, as únicas armas de Iago eram as palavras. A única diferença é que os pós-modernistas não são tão sutis a respeito dos alvos que pretendem atingir.
O mundo iluminista contemporâneo orgulha-se de seu compromisso com a igualdade e a justiça, de sua mente aberta, das oportunidades que oferece a todos e de suas realizações na ciência e na tecnologia. O mundo iluminista está orgulhoso, confiante e sabe que é a onda do futuro. Isso é insuportável para uma pessoa totalmente identificada com uma perspectiva oposta e fracassada. É esse orgulho que ela quer destruir. O melhor alvo de ataque é o senso iluminista de seu próprio valor moral. Acusá-lo de sexismo e racismo, de difundir o dogma da intolerância e de ser cruelmente explorador. Minar sua confiança na razão, na ciência e na tecnologia. As palavras nem precisam ser verdadeiras ou coerentes para causar o estrago necessário.
E, como Iago, o Pós-modernismo não precisa ficar com a garota no final. Destruir Otelo é suficiente.
Pós-modernismo
Mostrar que um movimento leva ao niilismo é importante para compreendê-lo, assim como mostrar que um movimento niilista e fracassado ainda pode ser perigoso. Rastrear as raízes do Pós-modernismo de volta a Rousseau, Kant e Marx explica de que maneira se entrelaçaram todos os seus elementos. No entanto, identificar as raízes do Pós-modernismo e relacioná-las às nocivas consequências contemporâneas não refuta o Pós-modernismo.
Faz-se necessário ainda refutar essas premissas históricas e identificar e defender alternativas a elas. O Iluminismo baseava-se em premissas opostas às do Pós-modernismo, mas, embora tenha criado um mundo magnífico com base nessas premissas, ainda não as articulou e defendeu por completo. Esse ponto fraco é a única fonte de poder do Pós- modernismo contra ele. É essencial, portanto, completar a articulação e a defesa dessas premissas para garantir o progresso da visão iluminista e protegê-la das estratégias pós-modernas.
O presente ensaio foi tirado de: http://pablo.deassis.net.br/wp-content/uploads/Explicando-o-Pos-modernismo-Stephen-R.-C.-Hicks.pdf
Explicando o Pós-Modernismo é uma publicação da Callis Editora, que lançou uma 1ª edição eletrônica em 2011. Coordenação editorial: Miriam Gabbai; Tradução: Silvana Vieira; Revisão: Ricardo N. Barreiros; Preparação de texto: Maria Christina Azevedo; Projeto gráfico e diagramação: Idenize Alves.
O ensaio publicado nesta edição de PortVitoria corresponde ao capítulo 6 do livro acima citado, cujo título original é Explaining Postmodernism. Skepticism and Socialism from Rousseau to Focault) de Stephen R. C. Hicks. Primeira edição 2004, Scholarlgy Publishing. Edição expandida em 2011, Ockham’s Razor Publishing.
O objetivo de publicar esse ensaio em PortVitoria é apresentar o relevantíssimo tema do Pós-Modernismo através de uma amostra do brilhante livro de Stephen R. C. Hicks. Aproveitamos a oportunidade para encorajar os nossos leitores a adquirir e ler o livro completo de Stephen R. C. Hicks.