O niilismo frívolo de John Gray

Anthony McCarthy

Resenha do livro The silence of animals: on progress and other modern myths (O silêncio dos animais: sobre o progresso e outros mitos modernos), de John Gray. Allen Lane, 2013.

O livro de John Gray The silence of animals: on progress and other modern myths (O silêncio dos animais: sobre o progresso e outros mitos modernos) é um livro desumano e de desespero. Como veremos adiante, essas palavras cairão como elogios para o seu autor. O fato de Gray não ter enxergado isso como sendo algo de alguma forma mórbida é uma parte grande do problema da sua visão do mundo. E eu escrevo como alguém que aprendeu com os escritos prévios de Gray sobre o neoconservadorismo, Hayek, Blair, Rawls, tortura e ilusões do capitalismo global. Mas, aqui nós vemos um Gray tristemente reduzido – um mero grayling (1), alguém poderia dizer.

Para que serve um pensador que agora diz (embora numa entrevista) eu tento evitar crenças e que nós devemos ter o menor número possível delas? Tais declarações não são apenas desprovidas de esperança; elas são estúpidas. G. K. Chesterton, um pensador tão diferente de Gray quanto é possível imaginar, nos diz que se existe tal coisa como o crescimento mental, deve significar o crescimento para mais e melhores convicções… O cérebro humano é uma máquina de alcançar conclusões.
Chesterton contrasta tal crescimento com a posição de alguém que superou definições, afirmando que um homem assim, quando diz que desacredita em finalidade… isso é pelo próprio processo de afundar gradualmente, retrocedendo para a vagação dos animais errantes e a inconsciência da grama. Árvores não têm dogmas. Nabos são singularmente espíritos abertos.

De fato, o livro de Gray poderia de igual forma ser chamado O silêncio dos nabos – embora, nesse caso, ele provavelmente não teria sido elogiado por Philip Hensher, da revista Spectator , como sendo original e memorável, rico e sugestivo.

O livro The Silence of Animals começa com várias narrativas de sombrios eventos históricos pinçados para ilustrar a natureza ilusória do progresso. Joseph Conrad é citado com bons resultados a respeito do impacto do imperialismo, e outros que são citados lançam uma dúvida oblíqua na superstição moderna que sustentou o imperialismo, especialmente que o crescimento do conhecimento científico leva necessariamente ao progresso moral. A adoção dessa ideia na Europa Ocidental do século dezenove frequentemente não se baseava em nenhuma ideia cristã de progresso – (que, de qualquer forma, deve incluir a ideia do Pecado Original) e, sim, nas filosofias naturalísticas acopladas a interpretações particulares da teoria evolutiva darwiniana. Falar sobre o propósito desse contexto pode parecer retórico, e qualquer investigação adequada precisaria mergulhar em perguntas sobre causas finais, as funções das coisas em cuja direção nós julgamos estar caminhando, e como isso pode ser mensurado além da ideia prefixada sobre a natureza humana.

Esse não é o estilo de Gray. De fato, uma tentativa de análise desse tipo sem dúvida iria assustá-lo mais do que a qualquer indivíduo do século dezenove (e do século vinte e um) que acredita no ‘progresso’. Ao invés, na primeira parte desse livro, ele empilha diversos fragmentos de textos de observadores da condição humana que dão a impressão de que o progresso é ilusório. Alguns são notáveis, mas, nessas descrições da miséria e do desespero, nós somente ouvimos os observadores literários, e não os que de fato sofrem e que podem ver a si próprios numa luz diferente daquilo que às vezes parecem ser observações sentimentais sobre eles.

As coisas dão uma virada para baixo perto do fim da primeira parte do livro, onde pelo menos os exemplos são engajadores e tem a ver com agruras humanas reconhecíveis. No final da primeira seção, encontra-se a declaração: Quando a verdade está em desacordo com o significado, é o significado que ganha (2). O que isso deve significar? E é verdade? É verdade mas sem significado, ou é algo de significado mas que não é verdade? Por acaso é uma declaração cuja verdade possa ser ‘derrotada’ pelo significado? O relacionamento que o livro tem com a realidade é tênue até esse ponto. Assim como o Capitão Ahab que caça a baleia do progresso, Gray acaba se desvinculando da realidade e se tornando muito mais irreal do que aqueles que ele havia escolhido para confundir.

Esta asserção vem após um excurso sobre a natureza do mito e é seguida de diversas páginas de elogios a Sigmund Freud, que segundo Gray afirma, ensinou-nos a viver sem a consolação, seja esta a religiosa ou a da fé quase religiosa no ‘progresso’. É difícil decidir como interpretar essa seção à luz das palavras que a encerram, aparentemente influenciadas pelo poeta Wallace Stephens: O conhecimento de que não existe nada de substância no nosso mundo pode parecer roubar tal mundo de valor. Mas esse nada pode ser a nossa posse mais preciosa, uma vez que abre para nós o mundo que existe além de nós mesmos (3).

O conhecimento de que não existe nada abre para nós… aquele mesmo nada? Não é preciso acreditar que a esperança seja uma virtude – e para alguns é de fato uma das grandes virtudes teológicas – para ver isso como perverso. A ideia de que nas nossas vidas nós podemos fazer escolhas racionais que suprem a nossa natureza e nos permitem florescer como o tipo de seres que nós somos nos ajuda a compreender que nós também podemos fazer escolhas que, gradualmente, diminuem quem somos e nos leva ao vazio e ao nada – escolhas maléficas, se você quiser. Na passagem acima, o nada é abraçado, a existência rejeitada, a verdade descartada. Racionalmente, a ordem, o bem, o logos – nós aparentemente ‘sabemos’ (e o que significa o ‘sabemos’ nessa mentalidade?) que eles não são ‘nada de substância’. O fato de Gray se contradizer com cada sentença intencional que ele escreve parece não preocupá-lo (mas, de qualquer maneira, na visão de Gray, para que serve a preocupação?).

E assim ele continua. Os humanos, Gray nos diz, na verdade não são muito diferentes dos outros animais, exceto por criar mitos (o que naturalmente requer coisas pequenas do tipo imaginação, cognição, autoconsciência, linguagem, capacidade de fazer escolhas…). Mas, mesmo isso é demais para Gray, que, com aprovação, se refere a uma cena num romance de J. G. Ballard no qual um observador vê coisas que ‘mostram o organismo humano desprendendo personalidade numa resposta criativa a algum evento de mudança de vida’.

Quando você julga que não dá para ser mais desumano ou irracional, Gray recupera e cita com aprovação um outro escritor que nos diz: A verdade é que não existem princípios últimos sobre os quais o conhecimento pode ser edificado de vez e para sempre como se estivesse sobre uma rocha. Mas existe uma infinidade de análogos que nos ajudam ao longo do caminho e nos dão a sensação de poder sobre o caos quando nós os percebemos. (4)

É bastante difícil encontrar o sentido em afirmações tais como essas. Do que se trata a infinidade de análogos ou o que significa? Nos dar uma ‘sensação de poder sobre o caos’ por acaso seria algo em que eles podem nos ajudar, na eventualidade de tal ajuda ser desejável? Os princípios últimos podem nos ajudar a enxergar, porque a analogia é importante no aprofundamento da compreensão. Eles, na verdade, permitem que as pessoas façam progresso intelectual, vivam e floresçam num mundo real e, espera-se, progridam na direção da realização última. Ao rejeitar este princípio, como ele faz, Gray rejeita não apenas o ‘progresso’ – seja este em sua forma mais bastarda ou mais fundamentada –, mas também a lógica, a realidade e a individualidade.

Um problema grande para Gray, na sua redução da humanidade, é a questão da linguagem humana. Esta é inegavelmente ‘real’ – algo que Gray não nega de nenhuma forma – e saturada na aplicação do intelecto. Há que se insistir, através do uso da linguagem, que a realidade da linguagem é um laço intelectual com o mundo externo e ordenado, um mundo onde nós agimos com propósito e expressão. Significativamente, Gray, tendo gradualmente jogado fora tudo que tinha valor, finalmente recomenda que imitemos o ‘silêncio dos animais’, enxergando o mundo sem a cognição. A cognição é uma coisa que precisa ser descartada (embora o próprio Gray ainda não tenha se disposto a fazer isso!) e, tendo abandonado a linguagem, a razão e o ser, nós aprendemos que devemos viver pelos momentos.

Não há nada mais a dizer sobre isto. Gray – que incidentalmente é um expoente mordaz do controle de população, junto com a eutanásia e o aborto que podem ajudar nisto – de alguma forma chegou a uma posição bem pior do que a dos progressistas panglossianos que ele tenta desafiar. Mas isto não deve surpreender. Nas páginas de encerramento, ele enaltece Robinson Jeffers, que descreveu a sua própria visão do mundo como ‘desumanismo’. Jeffers, por sua vez, enaltece o culto dionisíaco, conforme retratado por Eurípides em As Bacantes. Presumivelmente Gray e Jeffers não foram dissuadidos pela advertência de Agave, a mãe de Penteu, sobre os resultados da exposição de seu filho ao culto dionisíaco. Enquanto ela tem nas mãos a cabeça decepada de seu filho, diz: “Dionísio foi a nossa ruína; eu agora vejo tudo”.

Tais advertências podem não ter nenhum efeito em uma pessoa capaz de escrever: Os humanos são o vazio olhando a si próprios. Bela imagem.


Anthony McCarthy é um especialista em filosofia moral e na ética aplicada à medicina.

 

Notas
1.Grayling. Nome inglês de um pequeno peixe pertencente à família do salmão.
2.When truth is at odds with meaning, it is meaning that wins. John Gray
3. Knowing there is nothing of substance in our world may seem to rob that world of value. But this nothingness may be our most precious possession, since it opens to us the world that exists beyond ourselves. Wallace Stephens
4. The truth is that there are no ultimate principles, upon which the whole of knowledge can be built once and forever as on a rock. But there are an infinity of analogues, which help us along, and give us a feeling of power over the chaos when we perceive them. T. E. Hulme

Tradutora: Joaquina Pires-O’Brien
Revisora: Débora Finamore

Cortesia de:
© Spike Limited and Anthony McCarthy
Publicado em Spike, 10 Oct. 2014
Source: http://www.spiked-online.com/review_of_books/article/the-shallow-nihilism-of-john-gray/15999#.VEj8CsItBhE
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Citação
GRAY, J. The silence of animals: on progress and other modern myths. Allen Lane, 2013. Resenha de: MCCARTHY, A. O niilismo frívolo de John Gray. PortVitoria, UK, v.10, jul – dec, 2015. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com/