Reflexões sobre a polarização e a fragmentação social no Brasil

Joaquina Pires-O’Brien

A polarização política da sociedade brasileira, constatada na ocasião da eleição presidencial de 2018 e caracterizada pelo surgimento de dois campos de pensamento político, um da direita e outro da esquerda, ocorreu a partir da fragmentação social em torno de grupos de identidade política diversa. O presente ensaio é uma reflexão sobre o universo dos fatores que, a meu ver, contribuíram para a polarização política da sociedade brasileira e a fragmentação social no Brasil.

A dominação da esquerda e a desonestidade dos intelectuais

A esquerda começou a se espalhar no Ocidente devido ao apoio dado, por muitos de seus acadêmicos, pensadores e jornalistas, ao experimento socialista implantado na União Soviética após a Revolução Bolchevique de 1917. Após a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, quando a depressão econômica subsequente trouxe pobreza e destituição, os articulistas do socialismo aproveitaram para reafirmar a ideia de que o capitalismo era insustentável e que o futuro da sociedade encontrava-se no socialismo. Graças à conjuntura da depressão econômica, os articulistas do socialismo ganharam popularidade e prestígio. Eles ganharam um enorme espaço tanto na mídia de massa quanto em revistas eruditas, e isso fez com que a doutrina socialista passasse a dominar no Ocidente.

A visão de que a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque marcou o fim da linha do capitalismo prevaleceu no Ocidente, contra visões alternativas, como a do economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973) de que a economia capitalista tem altos e baixos e acompanha os ciclos dos negócios. Entretanto, a explicação mais bem evidenciada acerca da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, partiu de dois economistas americanos, Milton Friedman (1912-2006) e Anna Jacobson Schwartz (1915-2012), os quais empregaram uma análise de tempos históricos para mostrar os efeitos na economia do suprimento de moeda, e apontaram a política monetária do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos como a causa da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. Essa análise foi registrada no seu livro Monetary History of the United States, 1867-1960 – National Bureau of Economic Research Publications – 1971.

A França, que até a década de 1950 era a grande influência cultural do mundo, foi o país do Ocidente que mais agregou intelectuais em torno da esquerda, mesmo porque já tinha seus próprios partidos socialistas antes da Revolução Bolchevique. Todavia, em 1920, esses partidos aceitaram afiliar-se ao Comintern, o órgão representativo do comunismo internacional, então administrado pelo politburo – o comitê principal do Partido Comunista Soviético. A esquerda latino-americana tem uma afinidade histórica como a esquerda francesa, que continuou, mesmo a partir da década de 1950 quando encontrava-se dividida e decadente e os Estados Unidos passaram a ser a grande influência cultural do mundo, o que é emm parte explicado pela agenda da esquerda radical francesa de prejudicar a política ‘de boa vizinhança’ dos Estados Unidos.

A Guerra Fria, surgida pouco depois do fim da Segunda Guerra, foi uma guerra – não declarada – pela hegemonia militar, que ocorreu em paralelo à guerra de ideias entre a direita e a esquerda. Durante a Guerra Fria, os redutos de esquerda no Ocidente, eram células inimigas dentro de seus próprios países.

O fato de a esquerda ter dominado o Ocidente até a década de 1990, e a América Latina até o presente, é uma mostra de sua enorme resiliência. A esquerda venceu três grandes assaltos à sua credibilidade. O primeiro ocorreu no fim da década de 1930, quando as atrocidades do regime de Stalin foram reveladas ao mundo. O segundo ocorreu no final da década de 1950, quando a extensão das atrocidades de Stalin foram divulgadas pelo próprio Kremlin. O terceiro foi a queda do Muro de Berlim em 1989, marcando o fim da Guerra Fria, e da própria União Soviética dois anos depois. Apenas para mostrar a dinâmica de sobrevivência da esquerda, observa-se que, após o primeiro assalto, essa corrente ideológica construiu a Teoria Crítica, após o segundo assalto, construiu a Nova Esquerda, e após o terceiro assalto reinventou-se em torno do ambientalismo e contra a globalização. Considerando-se que a natureza humana é gregária, pode-se dizer que a esquerda um clube agregador.

No Brasil, a organização chamada Foro de São Paulo que o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva (1945-) criou em 1990, com o apoio de seu amigo Fidel Castro (1926-2016), objetivou dar continuação ao socialismo na América Latina através do suporte às lideranças de esquerda a fim de ajudá-las a chegar ao poder. O grande problema do Foro de São Paulo foi ter incluído organizações terroristas e quadrilhas de narcotraficantes em seu quadro. Apesar de ter sido denunciado em 1º de setembro de 1997 pelo o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, a denúncia não foi levada a sério, e o Foro continuou a funcionar sem impedimentos. O seguinte resumo dos seus objetivos e suas ligações com organizações criminosas foi fornecido em 2007 pelo filósofo Olavo de Carvalho:

O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos sequestros, como as Farc e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime.[i]

No seu blog associado ao Instituto Liberal[ii], Roberto Barricelli confirma a denúncia da ligação entre o Foro de São Paulo e as Farq (Forças Revolucionárias da Colômbia), que foi confimada por Roberto Barricelli,

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nega qualquer relação entre si, seu partido (PT) e as Forças Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma organização narcoterrorista que pretende instaurar o comunismo na Colômbia através das táticas de guerrilha (como Fidel Castro e Che Guevara fizeram em Cuba e guerrilheiros tentaram fazer no Brasil entre 1961 e 1985).

Contudo, Lula presidiu o Foro de São Paulo junto com os falecidos líderes das FARC, Manuel Marulanda Vélez (o “Tiro Fijo”) e Raul Reyes, de 1990 até 2003, quando assumiu como Presidente do Brasil, com Reyes e de 1990 até 2008 com Marulanda, anos de seus respectivos falecimentos. O próprio Reyes assumiu o contato por longos anos com Lula através do Foro de São Paulo, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 24 de agosto de 2003. Quando Tiro Fijo e Raul Reyes morreram (em ações do Governo colombiano contra as FARC), tanto Lula quanto o PT enviaram suas condolências à organização. Inclusive, no XIV Foro de São Paulo, ocorrido em 2004, Lula e diversas figuras petistas ovacionaram Daniel Ortega pelo discurso de lamentação pela morte de Manuel Marulanda Vélez.

A enorme capacidade de reinventar-se explica em parte a resiliência da esquerda, mas outra explicação é a desonestidade dos intelectuais que inventavam ideias e estratégias sem fundamento razoável. A desonestidade dos intelectuais foi reconhecida por diversos pensadores, dentre os quais destacam-se o francês Julien Benda (1867-1956), o norte-americano Thomas Sowell (1930-) e o inglês Paul Johnson (1928-).

No seu livro La Thraison de Clercs (A traição dos intelectuais), publicado em 1927, Benda denuncia os intelectuais desonestos que se moldaram para agradar as massas. Embora a palavra ‘clercs’ que aparece no título original em francês possua cognatos noutras línguas, como a palavra portuguesa ‘clérigos’, a sua tradução mais correta é  ‘intelectuais’, pois vem do uso do termo na Idade Média, quando os clérigos, além se se ocuparem com os ofícios religiosos, também exerciam os papéis de professores, eruditos e escritores. A situação específica à qual Benda se refere no seu livro é o caso Dreyfus, sobre o qual os intelectuais regurgitavam os preconceitos do público ao invés de explicar por que o nacionalismo exacerbado e o antissemitismo eram errados. Benda enxergou a traição nos intelectuais que falharam em sua missão de informar.

Sowell é autor de Intellectuals and Society[iii](Os intelectuais e a sociedade) em cujo primeiro capítulo ele cita George Orwell, o qual disse que ‘certas ideias são tão idiotas que só um intelectual poderia acreditar nela’. O ponto de Sowell é que devemos desconfiar dos intelectuais pois há muitas evidências de que eles nem sempre estavam no caminho certo. Outro ponto de Sowell é que, embora as pessoas tendam a julgar que todas as pessoas que mexem com ideias são intelectuais, isso não é correto, pois existe o intelectual e a intelligentsia. O intelectual é um mercador de ideias, e os membros da intelligentsia[iv] são aplicadores de ideias. O termo intelectual engloba os escritores, os acadêmicos, e outros assemelhados, incluindo aqueles que são designados pseudointelectuais pelo fato de serem menos inteligentes ou terem menos conhecimentos. Os membros da intelligentsia englobam burocratas, políticos, professores, jornalistas, ativistas sociais, polícia, ou quem quer que esteja encarregado da prática política. Os intelectuais que escrevem para o grande público formam uma categoria à parte, e são chamados ‘intelectuais públicos’.  Karl Marx (1818-1983) e Sigmund Freud (1856-1939) são exemplos de intelectuais públicos cujas ideias dominaram o século XX. O terceiro ponto de Sowell é que o público leigo dá mais crédito aos intelectuais do que eles merecem. Na verdade, afirmou Sowell, os intelectuais frequentemente erram, e as duas maiores causas de seus erros são os valores a que eles são apegados e a tentação de opinar fora de seu campo de especialidade.

No seu livro Intellectuals[v] (Intelectuais), Paul Johnson faz uma apanhado crítico de 12 intelectuais públicos que mais influenciaram o mundo nos últimos 200 anos. Nesse livro, Jonhson descreve o intelectual como ‘uma pessoa que deseja remodelar o mundo politicamente, de acordo com os princípios que ele próprio criou, sendo caracterizado pelo desprezo à verdade e pela preferência maior a ideias do que a pessoas’. O livro de Johnson mostra as astúcias e malícias que ele encontrou nas obras dos intelectuais analisados, bem como as muitas incoerências entre o que afirmaram e o que praticaram na vida privada. A conclusão de Johnson é a de que os intelectuais podem ser instáveis, irracionais, ilógicos, supersticiosos, egoístas, vãos e desonestos.

A predisposição biológica para a direita ou esquerda

O psicólogo canadense Jordan Peterson explicou que existem duas maneiras diferentes de perceber o mundo, as quais correspondem mais ou menos à esquerda e à direita, e, que as pessoas nascem com uma predisposição para uma ou outra. Portanto, a biologia é parcialmente responsável pela afinidade política para a direita ou para a esquerda das pessoas. No livro de Peterson, 12 Regras Para a Vida: Um antídoto para o caos (2018), cada uma das 12 regras do título é o destilado de uma filosofia prática de vida. No seu conjunto, as 12 regras são maneiras inteligentes de lidar com os problemas da vida moderna, do isolamento social e abuso de álcool ou substâncias químicas, ao niilismo e à incapacidade de aceitar a verdade sobre o mundo

A bipolaridade humana da percepção da política é melhor coberta pela regra 11 que afirma: “Não incomode as crianças quando elas estão fazendo skateboard”, em que mostra, de uma maneira bem humorada, dois tipos diferentes de percepção do mundo. Quando começou a moda do skateboard, algumas prefeituras do Canadá criaram parques de skateboard e tentaram fazer com que a prática desse esporte só ocorresse nos mesmos, mas posteriormente os demoliram devido à impossibilidade de adquirir seguro para os mesmos. Jordan usa o exemplo para mostrar os dois tipos opostos de personalidades: o tipo das corajosas e destemidas crianças que praticam skateboard e o tipo das prefeituras que anseiam por segurança e seguro. Mas Jordan não deseja apenas mostrar que existe o tipo temerário, que vive a vida nos limites, e o tipo temeroso, que prefere viver dentro de limites. Ele quer que as pessoas analisem as coisas através dos seus reais motivos.  Para tanto cita uma frase de Carl Jung (1875-1961) que teria afirmado: “Se você não consegue entender por que alguém fez alguma coisa, observe as consequências – e infira  a motivação”. Jordan prossegue o argumento mostrando que essa frase de Jung é como um bisturi psicológico, perigosa mas com uma serventia iluminadora. Eis como ele completa o argumento:

Quando alguém alega estar agindo de acordo com os princípios mais elevados, para o bem dos outros, não há razão para supor que os motivos da pessoa sejam genuínos. As pessoas motivadas para melhorar as coisas geralmente não estão preocupadas em mudar as outras pessoas – ou, se estiverem, elas se responsabilizam por fazer as mesmas alterações em si mesmas (e em primeiro lugar). Debaixo da produção de regras impedindo os skaters de fazer coisas altamente qualificadas, corajosas e perigosas, eu vejo a operação de um espírito insidioso e profundamente anti-humano.

É significativa a predisposição biológica para a direita ou esquerda percebível na  dicotomia de percepção, e, como pináculo, o ressentimento e a inveja humana por detrás das ações coibitivas. Peterson voltou a abordar o tema predisposição natural das pessoas a uma ou outra visão do mundo, em pelo menos duas palestras divulgadas no YouTube a que eu tive a chance de assistir[vi].  Existe uma controvérsia entre a natureza e a cultura. Segundo Peterson, a natureza triunfa sobre a cultura na personalidade de cada indivíduo, daí a afirmação de que a biologia predispõe o indivíduo para a direita ou a esquerda política. As pessoas criativas mas desordenadas tendem a situar-se na esquerda liberal, enquanto que as de tipo não criativo mas ordenado que tendem a situar-se à direita.  Peterson dá o exemplo das pessoas que trabalham no Vale do Silício na Califórnia, cujas personalidades são de tipo criativo mas desordenado, e, quase sempre da esquerda liberal.

O tópico da predisposição biológica para a direita ou esquerda encontra-se bem firmado na literatura. Uma das referências que encontrei trata do agrupamentos de valores[vii] nas personalidades, os quais são observados no relógio motivacional construído em torno de dez valores definidores da personalidade e suas duas zonas opostas. A zona 1 mostra os valores do autocrescimento que incentivam e legitimam a busca do interesse próprio, e se opõem aos valores de autotranscendência (universalismo, benevolência) que enfatizam a preocupação com o bem-estar dos outros. A zona 2 mostra os valores abertos, que favorecem a mudança e incentivam a busca de novas ideias e experiências, e se opõem aos valores de conservação (segurança, tradição, conformidade) que enfatizam a manutenção do status quo e a evitação de ameaças[viii]. Essas duas zonas opostas de valores  tendem a ser associados à direita e à esquerda política.

Numa segunda referência, os cientistas chegaram à mesma conclusão acima, ao descobrir a correlação entre determinados valores, gerando dois agrupamentos definidores de personalidade. O agrupamento que corresponde ao pessoal favorável à esquerda descreve valores igualitaristas, ressentimento com as diferenças econômicas entre indivíduos ou grupos, e a ânsia por oportunidades de consertar aquilo que julga estar errado. O agrupamento que corresponde ao pessoal favorável à direita descreve valores de autossuficiência,  espontaneidade, e aceitação da ordem natural das diferenças econômicas e das diferenças de capacidade cognitiva.

Numa terceira referência, os psicólogos explicam a percepção bipolar da política em termos de direita e de esquerda através da bipolaridade de raciocínio encontrado em ‘justificadores’ e ‘contestadores’ de ‘arranjos sociais e políticos’[ix]. As dobradinhas ideológicas exemplificam essa bipolaridade: caos ou ordem; flexibilidade ou estabilidade; progresso ou tradição; valores tradicionais e feminismo; gênero binário e LGBT; processo social de cima para baixo e de baixo para cima; etc. A conclusão é de que a natureza humana mostra um antinomismo que leva a ideários opostos mas com argumentos coerentes, em tornos dos quais as pessoas se segregam.

A quarta referência que encontrei discute as ideias do biólogo e filósofo Jeremy E. Sherman, autor do livro Neither Ghost nor Machine: The Emergence and Nature of Selves (Nem fantasma nem máquina: a emergência e a natureza das personalidades). Sherman emprega o termo ‘antinomia da direita e esquerda’ para a percepção bipolar da política, e chama a atenção para o fato de que a direita e a esquerda não são intercomplementares como o yin e o yang, e, sim, reinos em guerra, que competem pelo domínio exclusivo de um mesmo espaço, e sobre qual dos dois domínios é o culpado pelo início dessa guerra[x]. Segundo Sherman, a percepção de direita e de esquerda das pessoas evoluiu biologicamente em resultado das pressões relativas à liberdade do indivíduo, cuja sobrevivência requereu equilibrar a liberdade e a repressão à liberdade, sendo que as escolhas do indivíduo nesse sentido pertencem ao campo da política[xi]. A percepção bipolar da política gera grandes tribos ideológicas, cada qual com fórmulas próprias de como vencer a guerra de ideias. O grande problema dessas tribos ideológicas é que elas subtraem do indivíduo o direito de decidir o quanto de liberdade e o quanto repressão ele deseja. As pessoas precisam pensar por si próprias e rejeitar as fórmulas ou pacotes ideológicos impostos.

A Escola Austríaca e o restabelecimento do liberalismo clássico no Ocidente

O pensador britânico G. H. Hardy (1877-1947) afirmou que o homem de primeira classe é aquele que não perde o seu tempo afirmando opiniões majoritárias, uma vez que já tem muita gente fazendo isso. O sentido que Hardy deu à expressão ‘homem de primeira classe’ é o do indivíduo sério, íntegro e temerário. Os defensores do liberalismo clássico no século XIX encaixam-se bem nessa descrição, pois então eram uma minoria. E o mais importante refúgio dessa  minoria era  Escola Austríaca de Economia fundada por Carl Menger (1840-1921). Dois membros da Escola Austríaca do século XX foram Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich A. Hayek (1899-1992). Hayek imigrou para a Grã-Bretanha pouco antes da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, e o seu livro O Caminho da Servidão[xii] foi escrito como um alerta aos ingleses acerca da ameaça do marxismo às liberdades individuais. Graças a Hayek e a seus seguidores como Milton Friedman (1912-2006) e William F. Bukley  Jr. (1925-2008), o liberalismo clássico foi reimplantado no Ocidente.

O restabelecimento da direita no Brasil

No Brasil, o restabelecimento da direita começou em 1983 com a criação do Instituto Liberal (IL), no Rio de Janeiro, por Donald Steward Jr., um engenheiro civil e empresário, filho de pais canadenses. Inicialmente, a IL concentrou seus esforços na tradução e publicação de livros e panfletos sobre o liberalismo, e em seguida começou a promover palestras e eventos educativos. Filiais do IL foram criadas em diversas outras capitais do Brasil. Pouco depois, o Brasil ganhou alguns think tanks (círculos de reflexão) como o Instituto Ludwig von Mises Brasil, o Instituto de Formação de Líderes, o Instituto Millenium, o Instituto Liberal do Nordeste, o Instituto Ordem Livre, o Instituto Burke, o Instituto Rothbard, a organização Estudantes pela Liberdade, etc. Além de promover o debate político não partidário acerca dos temas mais relevantes do momento, esses círculos de reflexão servem de pontes entre os cidadãos e o Estado.

É importante deixar claro que a palavra ‘liberal’ no nome do Instituto Liberal é empregada no sentido da doutrina da liberdade individual – o liberalismo –, surgida na Inglaterra durante século XVIII. Posteriormente, surgiram outras doutrinas que adotaram o nome ‘liberal’, mas que priorizam o coletivismo ao invés do individualismo.  A fim de não confundir as duas coisas, o liberalismo do século XVIII passou a ser chamado ‘liberalismo clássico’ enquanto que os novos liberalismos são referidos em conjunto como ‘liberalismo de esquerda’. Veja um resumo das ideias do ‘liberalismo clássico’ no postscriptum.  Entretanto, é bom lembrar que, em muitas referências a situações nos Estados Unidos, o termo liberal às vezes aparece sozinho sem o complemento ‘de esquerda’.

O aparecimento dos think tanks – ou círculos de reflexãoliberais no Brasil não foi algo banal mas uma mostra de visão, determinação e coragem.  Graças ao IL e aos think tanks acima listados, o pensamento liberal clássico tem se difundido em todo o Brasil. A Tabela 1, a seguir mostra alguns dos principais pensadores de direita no Brasil.

Tabela 1. Intelectuais liberais brasileiros do século XX e XXI

Nome Dados Gerais

 

Formação Organizações
Gustavo Corção 1896-1978 Engenheiro civil Escritor e pensador
Gilberto Freyre 1900-1987 BA U  Baylor,

MA Columbia

Fundação Joaquim Nabuco
Nelson Rodrigues 1912-1980 Autodidata teatrólogo, jornalista, cronista
José Osvaldo de Meira Pena 1917- Direito, RJ ex embaixador e ensaísta
Og F. Leme 1922-2004 Ciências Políticas,  Direito, USP;

PhD, U Chicago

USP, FGV, Santa Úrsula,  ONU, IL
Donald Stewart Jr. 1931-1999. Natural do Rio de Janeiro, era filho de canadenses. Engenheiro civil Empresário; Fundador do IL
Carlos Azambuja 1938 Economista Historiador e articulista
José Guilherme Merquior 1941-1991 PhD LSE Ex diplomata, escritor e pensador
Mário Brockman Machado 1943- Direito; PUC;

MSc. & PhD Ciência Política, U Chicago

FGV, Casa de Rui Barbosa
João Dória 1957- Graduação U Paris

Mestrado U Sussex

Jornalista e político
Eduardo Giannetti 1957- PhD Economia, U. de Cambridge Professor e escritor
Adriano Guianturco Gulisano Natural da Sicília Mestrado U Turim;

Doutorado  U Gênova

Professor IBMEC-MG, Instituto Mises Brasil

 

A vitória de Jair Bolsonaro em 2018

A eleição presidencial de 2018 foi caracterizada pelo repto da direita à esquerda, quando o candidato do PSL, Jair Bolsonaro enfrentou e venceu o candidato do PT, Fernando Haddad. A mídia foi reticente ou pouco receptiva à vitória de Bolsonaro, o contrário de como noticiou a vitória de Lula da Silva em 2002 . Com exceção do Wall Street Journal[xiii], a mídia internacional negou o benefício da dúvida a Bolsonaro e foi alarmista no prognóstico de seu governo. As matérias mais moderadas afirmaram que a eleição de Bolsonaro iria por a democracia brasileira à prova, enquanto que as menos moderadas  afirmaram que a democracia brasileira estava com os dias contados.

Bolsonaro começará o seu mandato debaixo de uma nuvem. Ele vai ter que mostrar tolerância, que é uma importante marca do liberalismo clássico, e tranquilizar a população que não votou nele. Mas a tarefa mais difícil de Bolsonaro será criar condições favoráveis ao diálogo. Encontrar um árbitro aceito pelos dois lados é o primeiro passo para acabar com a  intratabilidade que impede o diálogo.

A polarização da sociedade brasileira

A eleição presidencial de 2018 polarizou a sociedade brasileira. Essa polarização foi constatada principalmente no espaço cibernético, em especial nas redes sociais, que já predispõem as pessoas a se conectar com aqueles com quem concorda e a se desconectar daqueles de quem discorda. A direita e a esquerda organizaram o suporte a seus respectivos candidatos através de postagens acusatórias ao candidato oponente, as quais os correligionários endossavam com comentários sarcásticos e maliciosos. Era tudo ou nada, sem oportunidades de diálogo entre os dois campos políticos. A direita e a esquerda responsabilizaram uma a outra pela polarização.

Para os ‘de direita’, a polarização da sociedade brasileira começou em 2014, quando a sociedade brasileira tomou conhecimento da Operação Lava Jato voltada a desvendar os pormenores de um esquema de desvio de dinheiro e de corrupção na Petrobras, e cujas ‘delações premiadas’, situação em que indivíduos detidos e acusados de crimes aceitam colaborar na investigação em troca de uma redução de penalidades, permitiram descobrir toda uma rede de corrupção envolvendo o governo do PT.

Para os ‘de esquerda’, a polarização começou com a campanha promovida pelos ‘de direita’ para destituir a presidente Dilma Rousseff e tomar o poder do PT, em 2015. Na visão da esquerda, a Operação Lava Jato foi um complô da direita para tomar o poder, enquanto que o impeachment da presidente Rousseff[xiv] foi conduzido sem legitimidade, e não passou de um golpe de Estado.

Foram várias as causas da polarização entre a direita e a esquerda ocorrida durante a campanha eleitoral de 2018:  a presença de uma direita forte opondo-se à uma esquerda também forte; a  falta de tolerância dos que se omitiram em relação ao diálogo com o campo político oposto; a ignorância acerca de como conduzir um diálogo eficaz; e a ignorância da correta terminologia da política. Além dessas causas, há ainda a causa biológica já mencionada, nos temperamentos com predisposição para a direita ou para a esquerda política[xv].

Deixando de lado as questões de causa e de culpa, a polarização observada em 2018 foi uma segregação sobreposta a outra preexistente, a dos grupos de identidade organizados em torno de um traço identitário compartilhado, como raça, deficiência, classe social, gênero, etc., e cujo objetivo declarado é combater o preconceito.

Os grupos de identidade política têm suas raízes no pós-modernismo[xvi] e no socioconstrutivismo[xvii] ao mesmo associado, e, por essa razão, são extremamente refratários às ideias unificadoras da sociedade como a identidade nacional. Todas as pessoas que se interessam por suas sociedades deveriam procurar inteirar-se acerca do pós-modernismo. No topo da lista de boas referências sobre o pós-modernismo fica o livro de Stephen R. C. Ricks Explicando o Pós-modernismo, publicado em 2013 pela Editora Callis[xviii].

A difícil arte de ser, reconhecer e buscar o autêntico

É muito difícil ser autêntico nas sociedades dominadas pelo socioconstrutivismo. E o mundo digital é outro fator que complica as coisas dada a capacidade ilimitada de categorizar talentos. A autenticidade é um dos tópicos que o psicólogo Jordan Peterson explora no seu livro 12 regras para a vida, em especial na regra número 4: “Compare-se com quem você foi ontem, não com outra pessoa de hoje”. Peterson mostra que o homem autêntico tem uma voz interna que o julga permanentemente e que põe em dúvida o seu valor e o valor de seus esforços, o que pode fazer com que desista de analisar a sua vida e tornar-se um niilista. O conselho de Peterson é ser ousado ao invés de acuar-se. ‘Ouse ser perigoso e verdadeiro’. ‘Ouse articular-se e expressar-se’. Peterson também mostra que existe uma tríade do mal formada pela arrogância, fraude e ressentimento, e que é preciso dominá-la.

Cada indivíduo possui seu próprio gabarito de valores, através do qual o mundo lhe é revelado. Entretanto, os valores são vieses, e, por essa razão, é comum o indivíduo receber apenas a visão distorcida da realidade. Portanto, quando o mundo que o indivíduo vê não é o mundo que ele deseja, então é hora de esse indivíduo reexaminar os seus valores, e, onde for necessário, livrar-se de suas pressuposições correntes[xix]. Duas outras importantes característica do bom senso são a disposição a aprender o novo e a admitir o próprio erro.

Um exemplo de visão distorcida da realidade é o que aconteceu com pensador e escritor britânico George Orwell (1903-1950), que se autoposicionava na esquerda. Justamente por ser um adepto do socialismo, Orwell se sentia incomodado com o fato de a palavra ‘socialismo’ constar no nome do partido de Adolf Hitler, fascista e ‘de direita’, e, por essa razão ele decidiu definir os termos socialismo, comunismo e fascismo[xx] para a população leiga.  Apesar de ser reconhecido pela mente brilhante, Orwell se enganou na sua definição de ‘nazismo’ pois presumiu que a palavra ‘socialismo’ no nome do partido (Nacional Socialista) não tinha o mesmo significado daquilo que ele entendia por socialismo. Na época de Orwell, julgava-se que o fascismo e o socialismo, ou seja, a direita e a esquerda, eram ideologias diametricamente opostas, mas hoje em dia, é sabido que o fascismo e o socialismo compartilham diversas ideias como a concentração de poder e o excesso de hierarquia e de violência.

Busca do diálogo

Findo o pleito de 2018, a sociedade brasileira deve se esforçar para promover o diálogo eficaz entre facções políticas opostas. O diálogo eficaz é aquele que promove um desenlace. Mesmo que tal desenlace não seja uma solução perfeita, ainda assim é útil por indicar a alternativa menos ruim para os dois lados. O diálogo eficaz é um processo que envolve ouvir o outro com atenção, buscar ativamente denominadores comuns, explorar novas ideias e perspectivas, e escrutinar  hipóteses não testadas em ambiente aberto.

A condição para o diálogo eficaz é a civilidade, caracterizada pelo respeito dos cidadãos  uns com os outros.  Entretanto é também preciso buscar entender as ideias e as nuances ideológicas da política.  O uso incorreto de diversos termos políticos foi uma tendência observada tanto na esquerda quanto na direita. O emprego de equivalentes derrogatórios da direita ou da esquerda, como chamar alguém de ‘fascista’, ‘nazista’, ‘racista’, ‘vermelho’, ou ‘comuna’ é ofensivo e mostra um tipo de personalidade egoísta que assume para si o papel de juiz, júri e algoz.

O diálogo eficaz requer bom senso. Conforme visto anteriormente, os valores agem como vieses da realidade, e por essa razão, ser cético acerca dos nossos próprios valores é uma marca do bom senso. Qualquer pessoa que tenha uma predileção especial por determinada forma de política está suscetível a ter uma visão distorcida da política. A visão distorcida da política pode se dar devido à ignorância ou devido daquilo que o psicólogo canadense Jordan Peterson chama de ‘cegueira intencional’ (wilful blindness) [xxi], a recusa em saber algo que pode ser sabido, comum na mentalidade de que não vale a pena ter certos tipos de conhecimento. Conforme diz um antigo ditado  “Pode-se levar um cavalo até a água, mas não se pode levá-lo a beber.” O diálogo anda de mãos dadas com a cidadania, e, pensando nisso, eu decidi compartilhar com outros brasileiros o conceito do ‘homem razoável’, que aprendi na ocasião em que trabalhei como intérprete e tradutora judiciária na Inglaterra, pois trata-se de um conceito que possui diversas implicações as quais podem ser úteis ao necessário diálogo entre campos políticos opostos.[xxii]

Nos parágrafos acima eu insisti em especificar o ‘diálogo eficaz’ a fim de evitar que o mesmo seja confundido com o ‘diálogo ineficaz’, aquele que não leva a nenhum desenlace, e que é característico da mentalidade pósmoderna. No diálogo pós-moderno, nada pode ser confirmado ou contraditado, pois a mentalidade pós-modernista não tem respeito pelas evidências e desconfia da própria noção de ‘verdade’.

O conceito do homem razoável

O homem razoável é um conceito do direito inglês (e galês), o qual descreve um hipotético indivíduo comum mas é dotado de bom senso, e cuja hipotética opinião serve de guia na tomada de decisão dos juízes.  O homem razoável inglês é descrito como ‘o homem no ônibus de Clapham’. Isso porque,  quando o conceito do homem razoável foi incorporado ao direito inglês, em 1903, Clapham era um tranquilo subúrbio de Londres e típico local de residência de ingleses da classe remediada que trabalhavam em Londres. A Clapham de hoje é muito diferente da de 1903, e os passageiros típicos dos seus ônibus são estrangeiros ou filhos de imigrantes, mas o conceito do homem razoável continua o mesmo.

Numa democracia, a ideia do homem razoável mistura-se com o conceito do bom cidadão. O equivalente do homem razoável no direito do Brasil e de muitos países é o ‘homem médio’. Os conceitos do homem razoável e do homem médio surgiram separadamente.

A ideia do homem razoável vem desde a Antiguidade e a do homem médio vem da França do século XIX. O correspondente da razoabilidade na antiga Grécia era a phronēsis (φρόνησις), ou sabedoria prática, sendo que o homem razoável da antiga Grécia era o homem de phronēsis. No seu livro Menon, Platão mostra um diálogo de Sócrates no qual este afirma que a phronēsis é o atributo mais importante para se aprender, embora não possa ser ensinado e tenha que ser adquirido através do autodesenvolvimento. Para Sócrates, o homem possuidor da phronēsis era aquele capaz de discernir como e por que agir virtuosamente e, ainda, encorajar essa virtude prática noutras pessoas.

Já a ideia do homem médio foi introduzida pelo matemático e astrônomo belga Adolphe Jacques Quételet (1796-1874), no seu livro Sur l’homme (Sobre o homem; 1835), no qual Quételet imagina um indivíduo hipotético que possui todas as qualidades possíveis do homem, embora em estado latente, e, que representa a mente do povo.

Há muitas lições a serem tiradas da ideia do hipotético homem razoável, a começar pela ideia subjacente da educação mínima, caracterizada pelo autoconhecimento. O homem razoável pode não saber muita coisa, mas pelo menos ele conhece-se a si próprio, e quem conhece a si próprio reconhece não apenas as próprias limitações, como também a excelência e a genialidade dos outros.

O contrário de um homem razoável é o homem medíocre, aquele que José de Ortega y Gasset (1883-1955) descreveu como sendo o indivíduo de mente ordinária, que, sabendo que é medíocre, tem o descaramento de asseverar o seu direito à mediocridade e de impô-la aos outros.

Conclusão

A eleição presidencial de 2018 no Brasil polarizou a sociedade brasileira em torno de dois candidatos que representaram a direita e a esquerda política. Tal polarização não ocorreu antes, porque, antes a direita era insignificante. De fato, durante todo o século XX, os pensadores de direita brasileiros eram figuras raríssimas. Eles foram os verdadeiros heróis da intelectualidade, pois tiveram a coragem de nadar contra a corrente e correr o risco do desprezo.Entretanto, foi graças a eles que a direita finalmente ganhou presença na sociedade civil, sendo que um dos fatos mais marcantes disso foi a criação, em 1983, do Instituto Liberal (IL) no Rio de Janeiro, o qual serviu de conduto para a chegada de outros assemelhados. O grande problema da polarização da sociedade brasileira é a falta de diálogo, sem o qual o país não conseguirá criar a narrativa única que precisa para se reconectar e seguir em frente.

Embora a própria existência de uma direita e de uma esquerda política seja responsável pela polarização da sociedade brasileira, uma parte da responsabilidade é da biologia das pessoas, detectada nos seus descritores de personalidade ou tipos psicológicos. Conforme os cientistas apontaram, existem dois grandes agrupamentos de valores que correspondem à direita e à esquerda política, e as pessoas nascem predispostas a um ou a outro agrupamento. A biologia é o denominador comum entre os ‘de direita’ e  ‘de esquerda’, e, portanto, uma excelente oportunidade de diálogo.

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Postscriptum. Um resumo do liberalismo clássico

O liberalismo surgiu no século XVIII, na Inglaterra, em torno de certos valores fundamentais. Atualmente o liberalismo é melhor conhecido como ‘liberalismo clássico’,  a fim de distingui-lo de outros tipos de liberalismo que surgiram na virada do século XIX e no início do século XX. O liberalismo clássico defendia em primeiro lugar o individualismo, isto é, a ideia de que é o indivíduo que sabe o que é bom para ele, e, por essa razão, o Estado não deve coagir ninguém. Os principais teoristas do liberalismo clássico britânico foram John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-1790), Edmund Burke (1729-1797), Jeremy Bentham (1748-1832), Thomas Malthus (1766-1834) e John Stuart Mill (1806-873). Os dez valores primordiais do liberalismo clássico, resumidos abaixo, foram tirados do vídeo de Nigel Ashford, cientista político britânico, ligado ao Instituto for Humane Studies.[xxiii]

Liberdade. A liberdade é o valor político primário dos liberais clássicos, os quais, sempre que o governo afirma que quer fazer qualquer coisa, perguntam se a ação do governo vai aumentar ou diminuir a liberdade do indivíduo.

Individualismo. Não sacrificar o interesse do indivíduo para aquilo que algumas pessoas chamam de ‘bem comum’ assim como o comunismo e o fascismo, regimes para os quais o indivíduo não importa.

Ceticismo do poder. O poder é a capacidade de obrigar outras pessoas a fazer o que você quer, e que de outra maneira eles não fariam. O governo costuma afirmar que força alguém a fazer x porque é do interesse dela fazer isso, mas em geral quando alguém deseja forçar alguém a fazer algo é porque isso é bom para ele próprio.

Estado de Direito. É a ideia de existem princípios mais elevados através dos quais podemos examinar o que o governo faz, incluindo a igualdade perante a lei.

A sociedade civil. A sociedade civil é definida como sendo composta por associações voluntárias que existem entre o indivíduo e o Estado. A maior parte dos problemas sociais podem ser cuidados com maior eficácia por essas associações voluntárias, que incluem a família, a igreja, as instituições de caridade (ou instituições sem fins lucrativos), do que pelas burocracias governamentais.

Ordem espontânea. A ordem é entendida como a existência de regularidade e previsibilidade. Quando alguém precisa tomar uma decisão sobre o que fazer, precisa poder antever quais as consequências possíveis dessa decisão. Muita gente pensa que para que haja ordem é necessário que haja alguém ou alguma instituição capaz de manipular as coisas, mas os liberais clássicos acreditam que a ordem pode surgir espontaneamente através da interação voluntária entre as pessoas.

Livre mercado.  Livre mercado significa que qualquer transação econômica deve ser consequência da ação voluntária entre indivíduos. O governo não deve dizer para as pessoas onde trabalhar, como poupar, o que construir, e o que produzir. Isso requer propriedade privada e a garantia de que, quando houver disputas, essas possam ser resolvidas pacificamente. A história mostra que deixar as coisas acontecerem através da economia de livre mercado gera prosperidade e diminui a pobreza.

Tolerância. Tolerância quer dizer não interferir com algo porque nós o desaprovamos. Só porque não aprovamos alguma coisa não devemos forçar nossas opiniões e nem pedir ao governo que aja para fazer parar alguma coisas que eu desaprovo. O exemplo clássico disso é a liberdade de expressão.

Paz. O conceito de paz dos liberais significa o compromisso de levar seus negócios adiante, sem violência e sem guerras, e através de uma política externa de não intervencionismo. Os liberais acreditam que o livre movimento de capital, pessoas, serviços e ideias é o melhor caminho para um mundo baseado na paz.

Governo limitado. Governo limitado é a ideia de que o objetivo do governo é simplesmente defender a vida, a liberdade e a propriedade. Qualquer coisa além disso não é justificável.

O liberalismo clássico entrou em declínio no século XIX, e outras doutrinas socioeconômicas chamadas ‘liberais’ surgiram,  como  o socialismo fabiano do fim do século XIX, e o New Deal da década de 1930 nos Estados Unidos. A fim de distinguir os liberalismo do século XVIII dos que vieram depois, o primeiro passou a ser chamado ‘liberalismo clássico’, e o segundo ‘liberalismo de esquerda’.

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Joaquina Pires-O’Brien é editora de PortVitoria, revista bianual sobre a cultura ibérica e sua diáspora, cuja primeira edição saiu em julho 2010. PortVitoria é uma revista de cunho liberal clássico.

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Nota

Revisão: D. Finamore (Br)

[i] Fonte:  https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/eu-escolhi-sair-da-veja/

[ii] https://www.institutoliberal.org.br/blog/relacoes-perigosas-lula-foro-de-sao-paulo-e-farc/

[iii] SOWELL, T. Intellectuals and Society. New York: Basic Books, 2010. 4’6 pp. Kindle edition.

[iv] Inteligentsia é um neologismo derivado do latim intelligentia, que significa inteligente, mas que ganhou o novo significado no russo intelligentsiya, derivado do francês intelligentsia.

[v] JOHNSON, P. Intellectuals. New York: Harper & Row, 1989. 385 pp.

[vi] (1) Dr Jordan Peterson explains if you’re a Left Wing or Right Wing with Joe Rogan. Http: https://www.youtube.com/watch?v=QZ5jMeHM6Do&ab_channel=JoeRoganFanClips. (2) Dr Jordan Peterson. Your political beliefs are determined in large party by genetics & other ideas. https://www.youtube.com/watch?v=NwibFhqh5k0&ab_channel=EssentialTruth.

[vii] Valores são representações cognitivas de objetivos desejáveis e transsituacionais, que variam em importância, que servem como princípios guia na vida de uma pessoa ou grupo. Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. In M. P. Zanna (Ed.), Advances in experimental social psychology, 25 (pp. 1–65). New York: Academic Press.

[viii] PIURKO, Y., SCHWARTZ, S. H. & DAVIDOV, E. Basic personal values and the meaning of left-right political orientation in 20 countries. Political Psychology, Vol. xx, 2011.

[ix] JOST, J. T. “Elective Affinities”: On the Psychological Bases of Left–Right Differences. Psychological Inquiry, 20: 129-141, 2009.

[x] SHERMAN, J. E. The Deep Roots of Left vs. Right and how to get both wings to fly together. Blog Psychology Today. Http: https://www.psychologytoday.com/us/blog/ambigamy/201706/the-deep-roots-left-vs-right.

[xi] É daí que vem o imaginário ‘contrato social’ proposto por Thomas Hobbes (1588-1679).

[xii] HAYEK, F. (1944). O Caminho da Servidão. Traduzido por Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro para o Instituto Liberal. 6ª edição. São Paulo: Misses Brasil, 2010.

[xiii] WSJ Opinion, November 3, 2018. https://www.wsj.com/articles/bolsonaros-hope-and-change-1540853512

[xiv] O impeachment foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2 de dezembro de 2015, e pelo Senado Federal, em 12 maio de 2016.

[xv] O tema do determinismo biológico e a responsabilidade moral vem sendo debatido há diversas décadas pelos filósofos e cientistas.

[xvi] O pós-modernismo é definido como sendo “um estilo ou conceito surgido no século XX, nas artes, na arquitetura e no criticismo, representado pela rejeição às noções existentes de arte e à modernidade em geral, e centrado numa desconfiança generalizada das grandes teorias e ideologias” . Tradução da definição em inglês, obtido em  <https://www.google.co.uk/?gws_rd=cr#q=postmodernism+definition>.

[xvii] Os pais do pós-modernismo não aceitam que a modernidade tenha sido um avanço para a humanidade, justificando isso nas disparidades econômicas entre indivíduos ou grupos. Dentro dessa ótica, adotaram a ideia do socioconstrutivismo, voltado a ajustar iniquidades através da conscientização política, que nada mais é do que um doutrinamento de esquerda, e da criação de grupos de identidade.

[xviii] RICKS, S. R. C. Explaining Postmodernism: Skepticism and Socialim From Rousseau to Foucault. Expanded edition, 2014. Ockham’s Razor Publishing.

[xix] Jordan Peterson on Your ambitions blind you to the nature of reality. https://www.youtube.com/watch?v=7kkVoKfG0dA&ab_channel=Bite-sizedPhilosophy

[xx] As seguintes definições foram dadas por George Orwell:  Socialismo. Substantivo. (1) Uma teoria ou sistema de organização social que defende conferir a propriedade e o controle dos meios de produção e distribuição, de capital, terras, etc.,  à comunidade como um todo. (2) Um procedimento ou prática em conformidade com essa teoria. (3) (Na teoria Marxista) o estágio que sucede o capitalismo na transição de uma sociedade para o comunismo, caracterizada pela implementação imperfeita de princípios coletivistas.

Comunismo. Substantivo. Uma teoria ou sistema de organização social baseada em manter toda propriedade em comum, sendo que a posse atual é imputada à comunidade como um todo ou ao Estado.

Fascismo. Substantivo. Um sistema governamental conduzido por um ditador que tem o completo poder, que por força suprime a oposição e a crítica, e regimenta toda a indústria, o comércio, etc., enfatizando um nacionalismo agressivo, e muitas vezes, o racismo.

[xxi] Jordan Peterson on Blindness & Seeing. https://www.youtube.com/watch?v=DfdRfpUI4cU&ab_channel=TheVids.

[xxii] PIRES-O’BRIEN, J.. Amazon. 2016.

[xxiii] ASHFORD, N., Learn Liberty. Portal de educação que desde 2011 divulga vídeos explicando as ideias relevantes da sociedade livre. https://www.youtube.com/watch?v=iU-8Uz_nMaQ&ab_channel=LearnLiberty