Rudyard Kipling. Poeta da individualidade
Biografia
Rudyard Kipling nasceu em Bombaim (hoje, Mumbai), Índia, em 30 de dezembro de 1865, numa família de britânicos. Seu pai, John, era o chefe do Departamento de Esculturas Arquitetônicas da Escola de Arte Jeejeebhoy, em Bombaim, sendo também um artista. A mãe, Alice, concordou em enviar o menino para estudar na Inglaterra, mandando-o para um pensionato familiar em Southsea. Entretanto, a sra. Holloway, dona da casa, tratava o menino com brutalidade, dificultando a sua adaptação à escola ao país. De início, o menino buscou conforto na leitura, mas, em certo momento, a sra. Holloway decidiu tirar-lhe os livros, após o que o garoto começou a criar um espaço imaginário onde ele brincava e lia. Os únicos escapamentos de Kipling ocorriam uma vez por ano, em dezembro, quando ele passava uns dias em Londres, na casa de parentes.
Aos 11 anos de idade, Kipling estava à beira de um colapso nervoso quando um visitante do pensionato onde ele vivia viu as más condições e contatou de imediato os seus pais, na Índia, o que fez com que sua mãe viesse imediatamente para a Inglaterra. Depois de ter tirado o garoto dos Holloways, a mãe tirou uns dias de férias com o filho, antes de ele iniciar seus estudos numa nova escola em Devon. A partir de então, Kipling progrediu bastante nos estudos e descobriu que tinha talento para escrever, tanto que se tornou o editor do jornalzinho da escola.
Kipling retornou à Índia em 1882, indo morar com seus pais em Lahore, onde, com a ajuda do pai, arranjou emprego num jornal local. Como Kipling sofria de insônia, ele saía de noite para conhecer melhor a cidade, ganhando acesso a lugares raramente conhecidos pelos ingleses, como os bordéis e os antros de ópio.
Kipling retornou à Inglaterra em 1889, já amparado com o rendimento de seus livros de contos. Em Londres, ele conhece Wolcott Balestier, um agente literário americano, que logo tornou-se um de seus maiores amigos. Os dois viajaram juntos para os Estados Unidos, onde Balestier levou Kipling à casa de seus pais em Brattleboro, no Vermont.
Quando Wolcott adoeceu, a sua irmã Caroline, ou Carrie, mandou um telegrama para Kipling, avisando-lhe, e este retornou à Inglaterra para visitar o amigo. Wolcott faleceu, mas pouco tempo depois Kipling se casou com Carrie, numa cerimônia na qual compareceu o escritor americano Henry James. Ele e a esposa assentaram-se em Brattleboro, e foi lá que Kipling escreveu o The Jungle Book (1894; O livro da selva) e seus muitos contos. Ele escreveria um segundo Jungle Book, publicado em 1895. Entretanto, a obra prima de Kipling é Kim (1901), em que descreve as aventuras de um órfão do império britânico chamado Kimball O’Hara, cuja vida ao relento deixou-o tão bronzeado que as pessoas deixaram de vê-lo como um branco, embora seu pai tivesse sido um sargento junto aos Mavericks e sua mãe uma irlandesa que morreu de cólera. Kipling teve um enorme sucesso com suas novelas, contos e poesias, e em 1907, recebeu o Nobel de Literatura.
Kipling viveu na América até 1896, quando mudou-se para a Inglaterra, assentando-se em Surrey. As suas duas filhas, Josephine e Elsie, nasceram nos Estados Unidos, em 1893 e 1896, enquanto que o seu terceiro e único filho, John, nasceu na Inglaterra em 1897. Durante uma viagem do casal aos Estados Unidos, em 1899, Kipling e a filha Josephine adoeceram, e embora Kipling tivesse se recuperado, a menina Josephine faleceu. Kipling ficou devastado com o falecimento da filha e jurou não mais retornar as Estados Unidos.
Kipling foi um ardente apoiador da Primeira Guerra, e, quando o seu filho quís se alistar ele o levou a diversos centros de recrutamento visto que o rapaz era rejeitado devido a problemas de vista. Kipling usou os seus contatos e conseguiu alistar o filho na Guarda Irlandesa, como segundo tenente. Em outubro de 1915, ele recebeu a notícia de que John havia sido dado como desaparecido na França. Kipling viajou para a França para procurar o filho, mas o corpo do mesmo nunca foi encontrado.
Nos seus últimos anos de vida Kipling padeceu com uma dolorosa úlcera o que possivelmente contribuiu para o seu suicídio em 18 de janeiro de 1936. Os seus restos mortais foram eventualmente transferidos para o canto dos poetas da Abadia de Westminster, próximo dos de Thomas Hardy e Charles Dickens.
A genialidade literária de Kipling e o seu comando da língua inglesa foram logo percebidos. Além de ter escrito contos, novelas e poesias, Kipling refletiu bastante acerca das sociedades que conheceu no Oeste e no Leste, bem como sobre o imperialismo britânico e a visão britânica acerca de outras culturas. Entretanto, a elevada cultura e o refinamento de Kipling fizeram com que o poeta fosse injustamente acusado de ser um imperialista. O simples fato de pensar por si próprio qualifica Kipling como um individualista. Ele escreveu: “Tenho seis servos que me ensinaram tudo o que sei: O quê?, Porquê?, Quando?, Como?, Onde?, e Quem?”
Kipling escreveu um famoso poema intitulado‘If’‘ – ‘Se’ – dedicado ao seu filho, John. Nesse poema Kipling revela as qualidades definidoras do Homem, as quais são as mesmas virtudes dos antigos, como temperança, prudência, coragem, compaixão, generosidade, humildade e constância. As virtudes, assim como os vícios, são qualidades do indivíduo. Veja a seguir o poema original em inglês e uma versão do mesmo em português.
If
If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don’t deal in lies,
Or being hated, don’t give way to hating,
And yet don’t look too good, nor talk too wise:
If you can dream—and not make dreams your master;
If you can think—and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you’ve spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build ’em up with worn-out tools:
If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: ‘Hold on!’
If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with Kings—nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds’ worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that’s in it,
And—which is more—you’ll be a Man, my son!
Rudyard Kipling (1865-1936)
Fonte: A Choice of Kipling’s Verse (1943)
Se
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e – o que ainda é muito mais – és um Homem, ó meu filho!
Rudyard Kipling (1865-1936)
Tradução de Guilherme de Almeida