‘The buck stops here’. Expressões inglesas e portuguesas de probidade administrativa e de corrupção
Jo Pires-O’Brien
Ao redigir o editorial da presente edição de PortVitoria, que fala sobre as tragédias da corrupção brasileira e da destruição do Museu Nacional no incêndio da noite de 3 de setembro de 2018, eu experimentei um longo fluxo de pensamentos que atravessou todas as áreas de conhecimento em que tenho familiaridade, incluindo a linguística e a história. Eu resolvi aproveitar essa experiência e compilar os termos ingleses de probidade administrativa e de corrupção que conhecia, e criar uma narrativa didática em torno dos mesmos, na expectativa de que sejam de alguma utilidade para os leitores de PortVitoria.
O império onde o sol nunca se põe
O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlandra do Norte, ou Reino Unido, possui uma considerável experiência em administração, que incluiu governar domínios, colônias, protetorados, mandados e territórios. A maior extensão territorial de sua história ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, quando em 28 de junho de 1919, a recém-criada Liga nas Nações, através do Tratado de Versalhes, deu início ao projeto do Mandato Britânico da Palestina, cobrindo uma vasta extensão no Oriente Médio, a qual incluía a Transjordânia, o qual foi confirmado pelo Conselho da Liga das Nações em 24 de julho de 1922, tendo entrado em vigor em 29 de setembro de 1923. A incumbência não veio em boa hora para a Grã-Bretanha, pois a sua economia estava em ruínas devido à guerra e já havia perdido a antiga posição de maior poder industrial e militar do mundo. E como era de se esperar, o império britânico entrou em declínio e terminou com a independência da Índia em 1947. O seu último protetorado foi Hong Kong, o qual foi devolvido em 30 de junho de 1997, conforme estava estipulado no acordo de leasing de 99 anos, com a China, assinado em 1898.
O Império Britânico e a sua designação de ‘o império onde o sol nunca se põe’ existe apenas na história, mas, apesar de todos os seus erros e acertos, deixou como principal legado a língua inglesa, a terceira mais falada do mundo depois do mandarim e do espanhol, e a mais importante nas relações internacionais. E, se forem contabilizados os falantes de inglês como segunda ou terceira línguas, o inglês é a primeira mais falada de todo o mundo, de acordo com Guillaume Thierry, um professor of neurociência cognitiva da Universidade Bangor1. O mundo anglófono inclui 54 estados soberanos e 27 não soberanos, todos compartilhando as mesmas raízes históricas e culturais. Os países anglófonos mais importantes são os Estados Unidos, Grã Bretanha, a Austrália, Canadá e a Nova Zelândia.
A língua e os valores culturais
A língua é muito mais do que uma coleção de sinais de comunicação, pois suas palavras e as expressões carregam valores culturais e percepções. A linguagem e a cultura estão estreitamente ligadas, e uma influencia a outra. Por exemplo, a elevada quantidade de expressões idiomáticas do inglês de origem náutica tem a ver com o fato da marinha britânica ter dominado o mundo durante quase três séculos. A longa experiência imperial da Grã-Bretanha ensinou-a não apenas a lidar com as mais diversas culturas, mas também a desenvolver um sofisticado sistema de administração, do qual vieram as expressões idiomáticas de orgulho pela probidade administrativa: ‘not in my watch’ e ‘the buck stops here’, abaixo explicadas. Assim, sempre que alguém interage com outra língua acaba interagindo com a cultura que fala a língua.
No ranking dos países pelo nível de corrupção da Transparência Internacional, é notável a predominância dos países anglófonos. Entre os 10 países menos corruptos estão a Nova Zelândia, o Canadá e a Grã-Bretanha, enquanto que a Austrália e os Estados Unidos figuram entre os 20 menos corruptos.
Not on my watch
A expressão ‘not on my watch’, cuja tradução literal é ‘não na minha vigia’, tem origem náutica, pois vem da frase ‘officer of the watch’, o oficial responsável por tudo o que acontece numa embarcação durante determinado turno. A expressão tem conotações probidade administrativa e de responsabilidade. Entretanto, a palavra ‘watch’ por si só, significa sentinela, turno ou administração. Segundo o Dicionário Oxford de Inglês (OED) o sentido de observação da palavra ‘watch’ evoluiu dos períodos em que a noite era dividida. Os israelitas a dividiam a noite em três períodos, os gregos em quatro ou cinco e os romanos em quatro. A partir desse sentido ‘watch’ ganhou o sentido de relógio.
A frase similar em português que mais se aproxima da frase inglesa ‘not on my watch’ seria: ‘Eu jamais aceitaria esse tipo de coisa na minha gestão’.
Tabela 1. Expressões inglesas com a palavra ‘watch’ no sentido de vigia ou vigiar.
Expressões | Tradução |
not on my watch | não no meu turno; não na minha administração; de maneira alguma; |
it happened on his watch | aconteceu no turno dele |
keep watch | mantenha-se de sobreaviso |
be on the watch | ficar de sobreaviso |
watch one’s mouth | tomar cuidado com o que diz |
watch the pennies | tomar cuidado com o gasto |
watch this space | fique de olho nesse espaço |
watch the time | fique atento para o tempo |
watch your step | olhe onde pisa |
watch your back | proteja-se |
watch the President’s back | proteja o Presidente |
watch the world go by | ver o mundo passar |
The buck stops here
A expressão ‘the buck stops here’ traduz-se literalmente como ‘a responsabilidade pára aqui’, ou numa tradução mais natural, ‘a responsabilidade final é minha’. Essa expressão tornou-se bastante conhecida depois que o Presidente Harry Truman, dos Estados Unidos, colocou uma pequena placa de madeira gravada com a mesma.
Figura 1. Réplica da placa que o Presidente Harry Truman colocou na sua mesa.
A palavra ‘buck’ tem origem germânica, e no inglês antigo, significa ‘veado’, ou qualquer macho cervídeo. O significado mais comum no inglês moderno é ‘dólar’. A referência mais antiga do uso de ‘buck’ no sentido de dólar é de 1748, cerca de 44 anos antes da fabricação da primeira moeda de um dólar. Consta dessa referência que no comércio entre os colonizadores americanos e os índios, a taxa de câmbio de uma caixa de uísque era ‘5 bucks’, uma referência a 5 peles de veado. Há uma outra referência datada de 1848, quando um sujeito chamado Conrad Weiser, durante uma viagem pelo atual estado de Ohio, anotou no seu diário que alguém havia sido ‘roubado no valor de 300 bucks2.
Entretanto, a palavra ‘buck’ possui diversos outros significados, além de veado e dólar, como preço, responsabilidade, culpa, homem negro, desvio, balde, etc. conforme mostrado na Tabela 2.
Tabela 2. Expressões inglesas com a palavra ‘buck’ (culpa, dinheiro, etc.).
Expressões | Tradução natural |
passing the buck | culpar outras pessoas |
pass the buck | jogue a batata quente para outro |
bucks the system | ir contra as regras que os outros seguem |
bucked the trend | fazer algo diferente dos outros |
big bucks | dinheiro à beça |
buck up your ideas | organize suas ideias |
making more than a quick buck | ganhar uma boa quantia de dinheiro |
bang your buck | obter algo de qualiade por um preço baixo |
buck up (v.) | ganhar coragem; passar a responsabilidade para um superior; |
Buck’s Fizz | coquetel feito com vinho espumante ou champagne e suco de laranja. |
bang for the buck | valor para o dinheiro |
Diversas expressões que denotam a probidade administrativa empregam a palavra ‘accountable’, responsabilização, que significa ter uma obrigação de prestar contas ou de responder por algo. Veja exemplos na Tabela 3.
As palavras inglesas ‘accountable’ e ‘responsible’
‘Accountable’ costuma ser traduzido como ‘responsável’, mas essa tradução lembra que ‘responsável’ possui um cognato em inglês: ‘responsible’. As palavras inglesas ‘responsibility’ e ‘accountability’ têm sentidos distintos mas há uma sobreposição entre as mesmas. No New Oxford Dictionary (NOD), a entrada ‘accountable’ mostra dois sentidos. O primeiro sentido é o de pessoa, organização, ou instituição requerida ou esperada para justificar ações ou decisões. O segundo sentido aparece como ‘explicável’ e ‘compreensível’. No primeiro sentido, mas não no segundo, ‘accountable’ é sinônimo de ‘responsible. Ainda no NOD, a entrada ‘responsible’ mostra um único sentido: ter uma obrigação de fazer algo, ter o controle sobre alguém, ou ter o dever de cuidar de alguém. Disso podemos deduzir que ‘accountable’ pode ser um sinônimo de ‘responsible’, mas nem sempre é. Na linguagem jurídica, ‘accountable’ é sinônimo de ‘liable’, cuja tradução é ‘responsável por passivos’ (Passivo: conjunto de obrigações, ou dívidas, de uma pessoa jurídica de direito público ou privado). Portanto, a tradução de ‘responsible’ e ‘accountable’ para o português depende do contexto. Uma dica é examinar a frase idiomática: ‘accountable for’, ‘be accountable’, ‘accountable to’, ‘responsible for’, ‘be responsible’, ‘responsible to’, ‘responsible party’, ‘solely responsible’, etc.
Tabela 3. Expressões inglesas com a palavra ‘accountable’.
Frase inglesa | Tradução para o português |
Parents cannot be held accountable for their children’s actions | Os pais não podem ser responsabilizados pelas ações de seus filhos |
The directors are held accountable by the shareholders. | Os diretores são obrigados a prestar contas pelos acionistas. |
Senior managers are directly accountable to the Board of Directors. | Os administradores sénior respondem diretamente ao Conselho Administrativo. |
Local authorities should be publicly accountable to the communities they serve. | As autoridades locais devem prestar contas publicamente às comunidades que servem. |
Ministers are accountable to Parliament. | Os ministros prestam contas ao Parlamento. |
A palavra inglesa ‘right’
Conforme mostra o NOD, a palavra ‘right’ tem diversas conotações na língua inglesa, não apenas como substantivo, adjetivo, advérbio e verbo, mas também como componente de diversas frases idiomáticas. O Collins Portuguese Dictionary & Grammar fornece as seguintes traduções para ‘right’:
Adjetivo: certo, correto, justo;
Advérbio: bem; corretamente;
Substantivo: direito; direita (o que não é esquerda);
Verbo: corrigir, endireitar.
Uma boa parte das expressões inglesas contendo a palavra ‘right’ tem a ver com probidade, conforme mostrado na Tabela 4.
Tabela 4. Expressões inglesas com a palavra ‘right’.
Frase inglesa | Tradução para o português |
to do the right thing | fazer a coisa certa |
to hire the right person for the job | contratar a pessoa certa para o emprego |
be in the right | estar certo |
do right by | tratar com justiça; fazer justiça |
in one’s right mind | em sã consciência |
not right in the head | não está bem da cabeça |
on the right track | Na rota certa |
put something to rights | corrigir algo |
right-minded | de princípios corretos |
right enough | certamente |
too right | é claro; é isso mesmo |
right on | isso |
O vocabulário da corrupção
A corrupção é uma praga que existe em toda parte, e as tabelas 5 e 6 relacionam palavras de expressões de corrupção ou ligadas à corrupção, em inglês e em português.
Tabela 5. Palavras ou expressões inglesas de corrupção.
Inglês | Tradução natural |
backhand | propina |
birds of a feather | farinha do mesmo saco |
blacklist | lista negra; colocar na lista negra |
bribe; bribery | suborno; subornar |
black mail | chantagem; extorsão |
cheat | prevaricar |
cook the book | adulterar o livro caixa |
coterie | círculo social próximo; |
covert | secreto; encoberto |
cozy up | engraciar-se |
cyber crime | crime cibernético |
deflect | defletir; desviar (a atenção) |
embezzle | defraudar |
embezzlement | desfalque; fraude financeira |
extort | extorquir |
false accounting | fraude de contabilidade |
fickle spirit | espírito volúvel |
figurehead | 1. Uma pessoa com um título ou cargo mas sem muita responsibilidade; 2. Figura na proa de embarcação |
forge; forgery | falsificar; falsificação |
hush money | dinheiro pelo silêncio |
innapropriate | inapropriado |
jobbery | agiotagem; especulação; velhacaria |
kickback | 1. um pagamento a alguém que facilitou uma transação ou nomeação, em geral ilícito; 2. recuo forte e súbito |
maladministration | má administração |
malfeasance | má administração (tem a ver com a falta de motivação para fazer o que precisa ser feito, ou adiar o que precisa ser feito; não é necessário haver ações ilícitas) |
misappropriate | apropriar indevidamente |
misinvoicing | fatura errada; fatura fraudulenta |
money laundering | lavagem de dinheiro |
nepotism | nepotismo |
pay off | saldar algo como suborno |
perjury | perjúria; perjurar |
pilfer | furtar; abafar |
pot shot | provocação |
prevaricate | evadir-se, esquivar-se, ou furtar-se de compromissos |
fleece | tirar vantagem por práticas desonestas ou ilícitas |
skimming | 1. forma de evasão fiscal envolvendo não declarar dinheiro recebido; 2. tirar a nata |
slush fund | caixa dois (para campanhas eleitorais) |
suborn | subornar |
tax evasion | evasão fiscal |
to shop | denunciar |
turpitude | torpeza; maldade; baixeza; |
venality | venalidade. 1. condição ou qualidade do que pode ser vendido; 2. natureza ou qualidade do funcionário público que exige ou aceita vantagens pecuniárias indevidas no exercício do seu cargo. (D. E. Houaiss). |
whitewash | 1. caiação; 2. fazer com que o caso acabe em pizza |
wrongdoing | transgressão |
Tabela 6. Palavras ou expressões portuguesas de corrupção.
Português | Tradução para o inglês |
acabar em pizza. Resultado da não apuração de uma acusação de corrupção. | to end as pizza (to end as something easily digestible) |
caixa dois. Prática financeira ilegal, envolvendo um caixa paralelo onde determinadas entradas ou saídas não são registradas, e, com algum objetivo ilícito. | cashier two; slush fund |
clientelismo. Maneira de agir envolvendo uma troca de favores ou benefícios; p. ex., quando um político ou partido político emprega processos demagógicos e favoritistas para ganhar votos. | clientelism |
corrupção ativa. É o crime cometido por particular que dá propina a funcionário público em troca de vantagem indevida. | active corruption |
corrupção passiva. É o crime cometido por funcionário público que, em razão de sua função, ainda que fora dela ou antes de assumi-la, solicita ou recebe, para si ou para outrem, vantagem indevida, ou aceita promessa de tal vantagem. | passive corruption |
delação premiada. Sistema empregado pelo Ministério Público para obter a colaboração de réus, oferecendo uma diminuição da pena em troca da delação. | rewarded accusation |
laranja. Indivíduo cujo nome é utilizado por um terceiro para a prática de ocultação de bens de origem incerta e outras formas de fraude | front. A ‘laranja’ usually hides a white-collar criminal by helping him to commit crimes such as money laundering, misuse of public money, cartel between concurrents, tax evasion, etc. |
peculato. Crime de apropriação, desvio ou roubo de bens públicos por um funcionário público. | pecuniary misappropriation |
pixuleco. Sinônimo de propina, dinheiro sujo ou dinheiro roubado | bribe; dirty money or stolen money |
propina. Antigamente propina era um sinônimo de gorjeta, mas hoje em dia refere-se aos ‘agrados’ oferecidos por cidadãos para funcionários públicos, em troca de favores indevidos. | bribe; bribery. |
testa de ferro. Indivíduo que aparece como responsável por um determinado negócio ou firma, enquanto o verdadeiro líder se mantém no anonimato, controlando a empresa. | figurehead |
Conclusão
A linguagem é muito mais do que uma coleção de sinais de comunicação, pois também exprime valores, desejáveis ou indesejáveis. A riqueza do inglês em expressões de probidade administrativa sugere que a probidade administrativa é um valor reconhecido pelos povos anglófonos. A lista da percepção da corrupção 2017 da organização pela Transparência Internacional corrobora isso, mostrando que dentre os 10 e os 20 países mais íntegros, a Nova Zelândia, o Canadá e o Reino Unido estão no primeiro grupo, enquanto que a Austrália e os Estados Unidos no segundo.
Dentre os países lusófonos, o Brasil ficou na posição 96, junto com a metade considerada mais corrupta, mas Portugal ficou na posição 29, entre os menos corruptos. Embora existam valores morais correlacionados à linguagem, a linguagem por si só não determina os valores morais de uma sociedade. A improbidade administrativa e a corrupção existem em todo o mundo, mas todas as sociedades podem evoluir e melhorar.
Post Scriptum
Após ter terminado este artigo ocorreu-me um novo fluxo de pensamentos sobre a mentalidade de querer julgar a história com base na ética contemporânea, como aquelas que se manifestaram na Cidade do Cabo, em Charlottesville e em Oxford. Assim sendo, quero esclarecer que o objetivo do presente é simplesmente oferecer uma aula de inglês cobrindo os vocabulários da administração e da corrupção. Esclareço também que a curta narrativa histórica foi incluída apenas por objetivos didáticos. Ao compilar esse pequeno artigo ou aula de inglês, não foi a minha intenção apoiar o Império Britânico ou regozijar com o poder que exerceu sobre os mais diversos povos. O fato desse trabalho tratar da língua inglesas de maneira alguma significa que eu não reconheça a situação difícil das línguas autóctones dos povos colonizados. A relação entre colonizador e colonizado sempre foi carregada de conflitos de interesse, que acredito que possam continuar sendo resolvidos pacificamente pelo intercâmbio de ideias e pelo bom senso.
- Guillaume Thierry, Professor of Cognitive Neuroscience, Bangor University. The trouble with speaking English as a second language. https://www.weforum.org/agenda/2018/04/the-english-language-is-the-worlds-achilles-heel
- Fonte: http://www.todayifoundout.com/index.php/2014/03/dollar-called-buck/
Jo Pires-O’Brien já foi professora de inglês, tradutora e pesquisadora botânica, e desde 2010 é a editora de PortVitoria, revista bianual da cultura ibero-americana.
Agradecimentos
Revisão de terminologia: Jackie Meikle (UK, Gemini Language Exchange)
Revisão geral: Carlos Pires (Br)