Miguel de Cervantes (1547 – 1616). Biografia
Miguel de Cervantes Saavedra nasceu na cidade de Alcalá de Henares, na grande Madri, Espanha, em 29 de setembro de 1547. Miguel foi o quarto dos sete filhos de Rodrigo Cervantes, um barbeiro-médico (zurujano sangrador), e Leonor de Cortinas. Apesar do pai ter uma profissão respeitada, era surdo e ganhava pouco.
A família de Rodrigo Cervantes morou pouco tempo em Alcalá de Henares, mudando-se para Valladolid quando Miguel tinha quatro anos de idade, para retornar a Alcalá de Henares daí a dois anos. Mudar era um hábito da família Cervantes, possivelmente para fugir de eventuais credores. Miguel de Cervantes voltou adulto para Valladolid e foi nessa cidade que escreveu o prólogo de “Don Quixote”.
No ano em que Miguel de Cervantes nasceu, a imprensa móvel que Johannes Gutenberg introduziu em Mainz, na Alemanha, na década de 1450, contava com 98 anos, e, já havia sido transplantada para outras cidades da Europa. Isso significa que Cervantes nasceu na era da imprensa, quando a população leiga não apenas ganhou acesso aos livros, mas também começou a cogitar escrevê-los. Os pesquisadores acreditam que Cervantes cultivou desde criança o hábito da leitura, o que teria complementado a sua educação informal. Miguel de Cervantes tinha apenas 22 anos de idade quando viu o seu nome impresso pela primeira vez, devido a algumas poesias que escreveu para o Memorial da rainha Élisabeth de Valois, a terceira esposa do rei Felipe II, publicado em 1569.
Quando tinha vinte e poucos anos de idade Cervantes foi para a Itália a serviço do Cardeal Giulio Acquaviva. Saiu desse emprego para alistar-se como soldado na armada espanhola da Liga Sagrada, uma coalizão formada pelos Estados católicos da Europa – Espanha, Veneza, Gênova – e os Cavalheiros de Malta, organizada pelo Papa Pio V com o objetivo de derrotar os turcos-otomanos. Esses últimos foram vencidos na Batalha de Lepanto, ao norte do Golfo de Corinto e a oeste da Grécia, em 7 de outubro de 1571. Segundo os historiadores, Miguel de Cervantes sofreu ferimentos no peito e na mão esquerda, que mais tarde foi amputada. Na viagem de volta à Espanha, a galera onde ele viajava foi capturada por corsários argelinos, os quais o prenderam juntamente com seu irmão Rodrigo. Os irmãos Cervantes permaneceram cinco anos detidos, até serem libertados graças a um resgate de 500 peças de ouro, o qual foi negociado pelos monges da Trindade com a ajuda de mercadores argelinos. Tal episódio levou a família de Cervantes à ruina financeira.
De volta à Espanha, Cervantes resolveu fixar-se em Madri e tentar arranjar um emprego que lhe permitisse também se dedicar à uma carreira literária. Consta que ele teve dois empregos. O primeiro, em 1580, como comissário de provisões da Armada Invencível, que consistia na coleta de suprimentos de grãos para comunidades rurais. O segundo, em 1594, quando foi nomeado coletor de impostos de Granada. Ambos os empregos terminaram com Cervantes sendo acusado de má-gestão e malversação do serviço público e ele sendo preso por diversos meses. Em 1584, ele se casou com Catalina de Salazar y Palácios. Embora o casal não tivesse tido filhos, Miguel teve uma filha ilegítima, Isabel de Saavedra (1585-1652), com Ana Franca de Rojas, uma mulher casada.
A primeira publicação de importância literária de Miguel de Cervantes foi o romance La Galatea (1585). Em seguida ele escreveu peças teatrais como La Numancia e El trato de Argel. Cervantes publicou a primeira parte de Don Quixote em 1605, mas a segunda só saiu em 1615, quando o autor já se encontrava adoentado, com cirrose e artrite. Em 22 de abril de 1616, Cervantes faleceu e foi enterrado no convento das Trinitárias Descalças, no Bairro das Letras, em Madrid. O convento foi reconstruído mas os túmulos de Cervantes e de sua esposa foram perdidos. Em 2014, um ataúde duplo, encontrado na Igreja desse Convento, foi julgado como sendo os restos mortais do casal, o que foi confirmado, em 2015, através de análise de DNA.
Don Quixote, cujo título completo é O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, consagrou Cervantes como um dos grandes nomes da literatura universal. Entretanto, Cervantes também escreveu muitas poesias, incluindo algumas que fazem parte do livro Don Quixote. Veja, abaixo, seis poesias de Cervantes no original em espanhol, cada qual seguida da versão inglesa feita por Paul Archer.
Ovillejos
M. de Cervantes
¿Quién menoscaba mis bienes?
¡Desdenes!
Y ¿quién aumenta mis duelos?
¡Los celos!
Y ¿quién prueba mi paciencia?
¡Ausencia!
De este modo en mi dolencia
ningún remedio se alcanza,
pues me matan la esperanza,
desdenes, celos y ausencia.
¿Quién me causa este dolor?
¡Amor!
Y ¿quién mi gloria repuna?
¡Fortuna!
Y ¿quién consiente mi duelo?
¡El cielo!
De este modo yo recelo
morir deste mal extraño,
pues se aúnan en mi daño
amor, fortuna y el cielo.
¿Quién mejorará mi suerte?
¡La muerte!
Y el bien de amor, ¿quién le alcanza?
¡Mudanza!
Y sus males, ¿quién los cura?
¡Locura!
Dese modo no es cordura
querer curar la pasión,
cuando los remedios son
muerte, mudanza y locura.
Ovillejos
M. de Cervantes
Translation by Paul Archer
What undermines all I attempt?
Contempt!
What heaps sorrow onto me?
Jealousy!
And what gnaws me through and through?
Missing you!
That’s why nothing will do
To make my distress less –
I’m killed by hopelessness,
Contempt, jealousy and missing you!
What is it that makes me feel so rough?
Love!
What makes my puffed-up pride deflate?
Fate!
And what’s allowed all this to happen?
Heaven!
That’s why I have no time for them,
These evil strangers that thwart me,
Ganging up together to hurt me:
Love, fate and heaven!
What will change my luck? What’s left?
Only death!
And as for love, in all its profusion?
Delusion!
For all its woes, what’s the only redress?
Madness!
See how we get into this crazy mess
When trying to heal love’s pains,
If, after all else, the final cure remains
Only death, delusion and madness!
Al túmulo del Rey Felipe II en Sevilla
M. de Cervantes
Voto a Dios que me espanta esta grandeza
y que diera un doblón por describilla;
porque ¿a quién no sorprende y maravilla
esta máquina insigne, esta riqueza?
Por Jesucristo vivo, cada pieza
vale más de un millón, y que es mancilla
que esto no dure un siglo, ¡oh gran Sevilla!,
Roma triunfante en ánimo y nobleza.
Apostaré que el ánima del muerto
por gozar este sitio hoy ha dejado
la gloria donde vive eternamente.
Esto oyó un valentón, y dijo: “Es cierto
cuanto dice voacé, señor soldado.
Y el que dijere lo contrario, miente.”
Y luego, incontinente,
caló el chapeo, requirió la espada,
miró al soslayo, fuese, y no hubo nada.
At the Tomb of King Philip II in Seville
M de Cervantes
Translation by Paul Archer
My God! I’m stunned by its grandeur.
I’d pay a doubloon to do it justice
In words, for whom wouldn’t wonder
At this famous work, such richness?
Christ alive! Each part’s worth a mill
Or even more and it’s such a pity
It won’t last a century. Oh Seville!,
Like triumphant Rome, what a great city!
This dead man’s soul, I bet you,
Is even now here, taking in the view,
Leaving eternal life and all its glories.
A loudmouth came over and said: “It’s true
What you say, soldier, and who
Ever says otherwise, lies. “
Then, as if caught by surprise,
He pulled down his hat, checked his sword,
Looked sideways, then went without a word.
A la entrada del duque de Medina en Cádiz
M. de Cervantes
Vimos en julio otra Semana Santa
atestada de ciertas cofradías,
que los soldados llaman compañías,
de quien el vulgo, no el inglés, se espanta.
Hubo de plumas muchedumbre tanta,
que en menos de catorce o quince días
volaron sus pigmeos y Golías,
y cayó su edificio por la planta.
Bramó el becerro, y púsoles en sarta;
tronó la tierra, oscurecióse el cielo,
amenazando una total ruina;
y al cabo, en Cádiz, con mesura harta,
ido ya el conde sin ningún recelo,
triunfando entró el gran duque de Medina.
On The Duke Of Medina Entering Cadiz
M. de Cervantes
Translation by Paul Archer
It was Holy Week in July and we saw
All the usual gangs getting in the way,
Brothers-in-arms, so the soldiers say,
Scaring all, except the English in war.
There was such a teeming mass in town
In less than fourteen or fifteen days
The Pygmies and the Goliaths raised
All the buildings to the ground.
The hobbled calf bellowed his
Heart out, all was turmoil and affray,
Earth shook, the sky couldn’t get darker,
And then, into half-starved Cadiz –
The unsuspecting Count gone away –
In triumph entered the Grand Duke of Medina.
Quem deixará, do verde prado umbroso,
as frescas ervas e as lustrais nascentes?
Quem, de seguir com passos diligentes
a solta lebre, o javali cerdoso?
Quem, com o canto amigo e sonoroso,
não prenderá as aves inocentes?
Quem, nas horas da sesta, horas ardentes,
não buscará nas selvas o repouso,
por seguir os incêndios, os temores,
os zelos, iras, raivas, mortes, teias
do falso amor que tanto aflige o mundo?
Do campo são e hão sido meus amores,
rosas são e jasmins minhas cadeias,
livre nasci, e em livre ser me fundo.
Don Belianís De Grecia A Don Quijote De La Mancha
M. de Cervantes
Rompí, corté, abollé, y dije e hice
más que en el orbe caballero andante;
fui diestro, fui valiente y arrogante,
mil agravios vengué, cien mil deshice.
Hazañas di a la fama que eternice;
fui comedido y regalado amante;
fue enano para mí todo gigante,
y al duelo en cualquier punto satisfice.
Tuve a mis pies postrada la Fortuna
y trajo del copete mi cordura
a la calva ocasión al estricote.
Mas, aunque sobre el cuerno de la luna
siempre se vio encumbrada mi ventura,
tus proezas envidio, ¡oh, gran Quijote!
Sir Belianis of Greece to Don Quixote de la Mancha
M de Cervantes
Translation by Paul Archer
I did my cutting, thrusting, hacking away more
Than any other in a long line of valiant knights;
I was brave and bold and clever in arts of war,
Put over a hundred thousand wrongs to rights.
My deeds will live on in history;
In courtly love I was gallant and skillful;
I took on giants like they meant nothing to me,
And in fighting duels I played by every rule.
I made Dame Fortune grovel at my knees
And was smart enough to grab opportunity
By the balls, make it do what I please,
I took on all comers with impunity
And was on top of my game in my heyday,
But I envy your prowess, oh great Don Quixote!
A la guerra me lleva
M. de Cervantes
A la guerra me lleva
mi necesidad;
si tuviera dineros
no fuera en verdad.
War calls me
M de Cervantes
Translation by Paul Archer
War calls me
And I have to go.
If I had money
It wouldn’t be so.
Busco en la muerte la vida
M. de Cervantes
Busco en la muerte la vida,
salud en la enfermedad,
en la prisión libertad,
en lo cerrado salida
y en el traidor lealtad.
Pero mi suerte, de quien
jamás espero algún bien,
con el cielo ha estatuido,
que, pues lo imposible pido,
lo posible aún no me den.
I Look in Death for Life
M. de Cervantes
Translation by Paul Archer
I look in death for life,
in sickness for health,
for freedom in the prison,
a way out in the impasse,
and loyalty in the Judas.
But my destiny, from which I would
never expect anything good,
has decreed with heaven
that, since I ask for the impossible,
they won’t even give me the possible.
Pires-O’Brien, J. Miguel de Cervantes (1547 – 1616). Biografia. PortVitoria, Beccles, UK, v.13, Jul-Dec, 2016. ISSN 2044-8236, https://portvitoria.com